Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2055/09.3TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: DEPOIMENTO PRODUZIDO COM INFRACÇÃO AO DEVER DE SEGREDO PROFISSIONAL
NULIDADE DO DEPOIMENTO
RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL
SEGREDO PROFISSIONAL
ADVOGADO
Nº do Documento: RP201109132055/09.3TVPRT.P1
Data do Acordão: 09/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade do depoimento produzido com infracção ao dever de segredo profissional produz uma nulidade secundária, porque inominada, nos termos do art° 201° n°1 Código de Processo Civil, e encontra-se sujeita ao regime geral das nulidades processuais.
II - Da infracção da obrigação de segredo, poderá resultar para a testemunha que a infrinja sujeição a responsabilidade civil e penal.
III- Ressalva-se o segredo profissional dos advogados, para o qual existe a norma reforçada constante do disposto no art° 87° n°5 E.O.A., segundo a qual não podem fazer prova em juízo as declarações feitas por advogado em violação do segredo profissional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec.2055/09.3TVPRT.P1. Relator – Vieira e Cunha. Decisão recorrida de 23/3/2011. Adjuntos – Des. Mª das Dores Eiró e Des. João Proença Costa.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com processo ordinário nº2055/09.3TVPRT, da 1ª Vara Cível (2ª Secção) da Comarca do Porto.
Autores – B… e mulher C….
Réus – D… e mulher E… e F…, S.A.

Pedido
Que se condenem os Réus D… e E… a pagar aos Autores a quantia de € 55.500, acrescida dos juros, à taxa legal, contados desde 7/1/2009, até integral e efectivo pagamento.
Que se condene a Ré F… a pagar aos AA. a quantia de € 46.444, acrescida dos juros, à taxa legal, contados desde 7/1/2009, até integral e efectivo pagamento.

Tese dos Autores
Por contrato promessa de transmissão de acções, datado de 14/8/08, os 1º e 2º RR. prometeram vender aos AA. (prometendo estes comprar) 17.000 acções da sociedade G…, S.A., pelo preço de € 166.500.
Por sua vez, no mesmo instrumento contratual, a 3ª Ré prometeu vender aos AA. (e estes prometeram comprar) 17.000 acções da G…, pelo preço de € 139.332.
A título de sinal e princípio de pagamento, os AA. entregaram aos 1º e 2º RR. a quantia de € 55.500 e à 3ª Ré € 46.444.
O contrato seria celebrado até 31/12/2008 e encontrava-se sujeito a condição essencial e resolutiva: que, na referida data de 31/12/08, os activos imobiliários da G… representassem menos de 50% dos seus activos globais.
Ora, tal condição não chegou a verificar-se, razão pela qual, na data em referência, ficou o contrato automaticamente resolvido.
Tese dos Réus
A extinção do contrato ficou antes a dever-se ao incumprimento definitivo, por parte dos AA., das obrigações para eles AA. derivadas do contrato, mormente do pagamento do preço das acções.
Para além do preço das acções, por força do contrato deveriam mostrar-se extintas, com aceitação dos respectivos credores, as garantias pessoais que os RR., entre outros, tinham prestado a favor da G….
Cumpridas que fossem tais obrigações, a marcação da escritura ficava de conta dos AA.
Os RR. notificaram os AA., por carta de 2/1/2009, no sentido de pagarem o preço e libertarem as garantias, como acordado, até 15/1/2009, data em que se celebraria a escritura.
Todavia, a comunicação dos AA. aos RR. invocando a existência de uma cláusula determinante para o cumprimento do negócio (incumprida) logo revelou, por parte dos AA., vontade categórica de não cumprir.
A citada cláusula foi estabelecida, não no interesse dos AA., mas sim no interesse dos RR., que dela prescindiram.
O tempo de reacção dos AA. à inexecução contratual demonstra que actuaram em abuso de direito.

Sentença
Na sentença proferida pelo Mmº Juiz “a quo”, a acção foi julgada improcedente, por não provada, e os RR. absolvidos do pedido.

Conclusões do Recurso dos Autores (resenha)
1 – A testemunha dos RR. H… foi e é Técnico Oficial de Contas da G…, desde o seu início.
2 – Como TOC, a referida testemunha está obrigada ao dever de sigilo – artºs 3º nº1 al.f) ETOC e 10º Código Deontológico dos TOC´s – o que é não só fundamento de recusa a depor, como obstáculo ao depoimento.
3 – O Tribunal “a quo” fundamentou várias das respostas no depoimento do referido TOC, tendo-se assim verificado uma nulidade insanável – artºs 201º e 618º C.P.Civ.
4 – O Tribunal errou ao não dar como provada a matéria do q. 1º, levando em consideração o depoimento da testemunha Dr. I….
5 – Deve igualmente considerar-se provada a matéria do artº 4º da B.I., apenas se suprimindo advérbio de modo “exclusivamente” pelo advérbio “igualmente”.
6 – A resposta ao q. 5º da B.I. deverá ser apenas que “o Réu D…, durante as negociações, considerou como seguro e certo que tal desiderato seria obtido sem dificuldades recorrendo a G… a um financiamento bancário, de muito curto prazo, de valor superior ao valor contabilístico dos imóveis que à data lhe pertenciam”.
7 – Ao resposta ao quesito 9º, ao invés de “não provado”, deveria ter sido “provado apenas que o Autor B… estava a diligenciar no sentido da venda dos dois imóveis propriedade da sociedade, com conhecimento e autorização dos RR., sendo que a mesma estava iminente”.
8 – Deve assim considerar-se provado que o 2º parágrafo da cláusula 4ª do contrato promessa referido em A) da Matéria Assente era, para os AA., uma condição essencial e sem a qual o negócio em apreço perdia todo e qualquer interesse.
9 – Provado apenas que a exigência de verificação na G…, à data da outorga do contrato definitivo, de activos imobiliários que representam menos de 50% dos activos totais, se destinava igualmente a proteger interesses fiscais dos promitentes alienantes.
10 – Provado apenas que os RR. consideraram como seguro e certo que tal desiderato seria obtido, sem dificuldades, recorrendo a G… a um financiamento bancário, de muito curto prazo, de valor superior ao valor contabilístico dos imóveis que à data lhe pertenciam.
11 – Provado apenas que o Autor B… estava a diligenciar no sentido da venda dos dois imóveis propriedade da sociedade, com conhecimento e autorização dos RR., sendo que a mesma estava iminente.

Por contra-alegações, os RR. sustentam a confirmação do decidido.

Factos Considerados Provados
1º-No dia 14 de Agosto de 2008, os autores e os réus celebraram um contrato promessa de transmissão de acções da sociedade “G…, S.A.”, que é o documento junto a fls. 8 a 13 dos autos, nos termos do qual os réus prometeram vender aos autores e estes prometeram comprar, acções da G… (alínea A) da matéria de facto assente).
2º-A título de sinal e princípio de pagamento, os autores, na data da outorga do contrato promessa, entregaram aos 1º e 2ª réus, o montante de € 55.500,00 e à 3ª ré, o montante de € 46.444,00 (alínea B) da matéria de facto assente).
3º-No dia 31 de Dezembro de 2008 os activos imobiliários da “G…, S.A.” não representavam menos de 50% dos seus activos globais (alínea C) da matéria de facto assente).
4º-A exigência de verificação na “G…”, à data da outorga do contrato definitivo, de activos imobiliários que representem menos de 50% dos activos totais, destinava-se exclusivamente a proteger interesses fiscais dos promitentes alienantes pessoas singulares (resposta ao facto controvertido nº 4).
5º-Na medida em que, uma vez verificado tal circunstancialismo e porque os réus eram titulares das acções objecto de promessa de transmissão há mais de um ano contado até à data da outorga do contrato promessa, beneficiariam de isenção no imposto sobre os rendimentos (resposta ao facto controvertido nº 4-A).
6º-Os próprios réus, designadamente em face da incompatibilidade que se foi agudizando entre eles e os autores, acabaram por prescindir dessa exigência (resposta ao facto controvertido nº 4-B).
7º-E foi por isso que na carta a que se alude em 16º, os réus propuseram entregar as acções apenas contra o recebimento dos valores em dívida e da libertação dos avales (resposta ao facto controvertido nº 4-C).
8º-Os avales tinham sido exigidos pela banca como garantias adicionais para os financiamentos concedidos à G…, S.A. e foram prestados no exclusivo interesse desta (resposta ao facto controvertido nº 2).
9º-A libertação desses avales dependia da negociação dos autores, não operando automaticamente (resposta ao facto controvertido nº 3).
10º-Autores e réus, durante as negociações, consideraram como seguro e certo que o desiderato referido em 4º seria obtido, sem dificuldades, recorrendo a “G…” a um financiamento bancário, de muito curto prazo, de valor superior ao valor contabilístico dos imóveis que à data lhe pertenciam (resposta ao facto controvertido nº 5).
11º-O réu D… e o vogal da administração da “G…” J… sempre se mantiveram disponíveis para aprovar tal financiamento (resposta ao facto controvertido nº 6).
12º-O qual não interessou aos autores (resposta ao facto controvertido nº 7).
13º-O autor solicitou aos réus que o pagamento, quer das prestações constantes das alíneas b) e c) da cláusula segunda, quer as prestações da cláusula terceira, alíneas A2 e A3 fossem pagas numa só prestação a ocorrer em 30 de Novembro de 2008 (resposta ao facto controvertido nº 8).
14º- O Autor B… estava a diligenciar no sentido da venda dos dois imóveis propriedade da sociedade, com conhecimento e autorização dos RR. (resposta ao facto controvertido nº 9, tal como fixada nesta instância).
14º-Os réus anuíram que o pagamento daquelas quantias fosse efectuado em 30 de Novembro de 2008 (resposta ao facto controvertido nº 10).
15º-Os autores não pagaram aos réus a segunda e terceira prestações a que se refere a cláusula segunda do contrato promessa (alínea E) da matéria de facto assente).
16º-Os réus remeteram aos autores carta registada com aviso de recepção, datada de 2 de Janeiro de 2009, cuja cópia se encontra junta a fls. 53 dos autos (alínea F) da matéria de facto assente).
17º-Os autores, em 7 de Janeiro de 2009, enviaram aos réus as cartas registadas com aviso de recepção, cujas cópias se encontram juntas a fls. 14 e 15 dos autos (alínea D) da matéria de facto assente).

Fundamentos
As questões colocadas pelo presente recurso podem ser elencadas como segue:
- Saber se a testemunha dos RR. H…, Técnico Oficial de Contas da G…, prestou depoimento em violação do dever de sigilo que se lhe impõe – artºs 3º nº1 al.f) ETOC e 10º Código Deontológico dos TOC´s – e quais as consequências processuais de tal violação.
- Saber se deve dar como provada a matéria dos qq. 1º, 4º da B.I. (apenas se suprimindo advérbio de modo “exclusivamente” pelo advérbio “igualmente”), 5º da B.I. (apenas que “o Réu D…, durante as negociações, considerou como seguro e certo que tal desiderato seria obtido sem dificuldades recorrendo a G… a um financiamento bancário, de muito curto prazo, de valor superior ao valor contabilístico dos imóveis que à data lhe pertenciam”) e se a resposta ao q. 9º deveria ter sido “provado apenas que o Autor B… estava a diligenciar no sentido da venda dos dois imóveis propriedade da sociedade, com conhecimento e autorização dos RR., sendo que a mesma estava iminente”.
- Saber, em suma, se a acção deveria ter logrado proceder.
Apreciaremos tais questões seguidamente.
I
Nos termos do disposto no artº 54º al.c) do Estatuto dos TOC (D.-L. nº 310/09 de 26 de Outubro), nas suas relações com as entidades a quem prestam serviços, constituem deveres dos técnicos oficiais de contas guardar segredo profissional sobre os factos e documentos de que tomem conhecimento no exercício das suas funções, dele só podendo ser dispensados por tais entidades ou por decisão judicial, sem prejuízo de deveres legais de informação, designadamente perante a administração fiscal.
Em complemento, o Código Deontológico dos TOC (anexo II do diploma referenciado) reafirma, no seu artº 3º nº1 al.f), que os técnicos oficiais de contas devem guardar sigilo profissional acerca de factos e documentos de que tomem conhecimento, directa ou indirectamente, no exercício das suas funções; o alcance do princípio da confidencialidade vem ainda mais desenvolvido nos diversos números do artº 10º do citado Código Deontológico.
A testemunha Técnico Oficial de Contas, que depôs, por forma a convencer o tribunal (conjuntamente com outras testemunhas, diga-se) a matérias relativas à interpretação do contrato promessa de transmissão de acções, a base da causa de pedir na presente lide, bem como a circunstâncias coadjuvantes do contrato e que ajudam à interpretação das suas cláusulas, terá, na tese dos Recorrentes, violado a respectiva obrigação de sigilo profissional.
Ora, no dizer de alguns ilustres juristas que estiveram na base da revisão do Código de Processo Civil, em 1995 (entre eles, Lebre de Freitas, Código Anotado, II/536), a nulidade do depoimento, produzido com infracção ao dever de segredo profissional, produz uma nulidade secundária, porque inominada, nos termos do artº 201º nº1 C.P.Civ., e encontra-se sujeita ao regime geral das nulidades processuais, isto é, deve ser invocada pelo interessado na eliminação do acto (artº 203º nº1) no momento em que foi cometida, estando, como estava, presente em audiência, o mandatário da parte interessada e até ao “terminus” desta – artº 205º nº1 C.P.Civ. – sob pena de sanação da nulidade.
Nesse sentido, não se diga que pode ser impugnada uma nulidade secundária no recurso da sentença final, porque esta sentença é que haja “sancionado” a nulidade – lemos, v.g., no Ac.R.C. 23/9/03 Col.IV/15. Na verdade, as nulidades não são “sancionáveis” pelo tribunal, mas sim e apenas são “sanadas” pelo decurso do tempo, conjugado com a inércia de quem delas deveria reclamar (o tribunal intervirá apenas se da nulidade tiver reclamação da parte interessada na eliminação do acto, cabendo então sim o recurso do despacho que venha a decidir a citada nulidade).
A matéria tem sido tratada a propósito do segredo profissional do advogado. Entendemos porém que, neste caso particular de segredo profissional, norma reforçada existe, constante do disposto no artº 87º nº5 E.O.A., segundo o qual não podem fazer prova em juízo as declarações feitas por advogado em violação do segredo profissional.
Desta forma, a admissão do depoimento de um advogado, em violação do dever de sigilo, pese embora a sanação da nulidade processual, não atinge a previsão prospectiva de irrelevância até do que for dito em juízo com violação da obrigação de segredo – o que for dito em juízo, em tais condições, tendo contribuído para a convicção do tribunal, pode constituir, nessa base, fundamento de recurso.
Todavia, para a análise dos depoimentos validamente prestados, embora em violação de segredo, por parte de outros profissionais, a questão já levantava dúvidas no regime processual anterior a 95 – tratando-se, no caso do depoimento com violação de sigilo profissional, de uma verdadeira “inabilidade legal” (artº 618º nº1 al.e) C.P.Civ.), mesmo assim o Prof. J. Alberto dos Reis (Anotado, IV/355) entendia, com outros autores que cita, que “o depoimento tem o mesmo valor que teria se a testemunha não estivesse sujeita ao segredo profissional; as inabilidades legais de que fala o artº 624º funcionam e actuam através do regime dos artºs 639º e 640º; para a inabilidade do nº5 do artº 624º, acresce o dever imposto à testemunha de se recusar a depor; se esta rede de disposições se revela ineficaz, o depoimento fica no processo como qualquer outro meio de prova legalmente produzido; simplesmente, porque a testemunha infringiu uma obrigação jurídica, sofre as consequências do seu acto, fica sujeita à responsabilidade civil e penal”.
Pensamos que esta doutrina é de sufragar, mais a mais após uma reforma processual (a de 95) que terminou formalmente com as inabilidades legais para depor, apenas prevendo a necessária escusa do depoimento por parte daqueles que se mostrem adstritos ao segredo profissional – artº 618º nº3 C.P.Civ.
Este enquadramento legal reforça o entendimento de que, advogados à parte, a prestação de depoimento em violação do dever de sigilo se encontra sujeita ao regime das nulidades processuais comuns ou secundárias.
E, nesse sentido, tendo a testemunha Técnico Oficial de Contas prestado o seu depoimento em audiência de julgamento, sem se ter escusado a depor ou, de outra banda, sem a parte que não o ofereceu como testemunha invocado a invalidade do depoimento, ficou sanada a nulidade decorrente da prestação de depoimento e, em consequência, pode valorar-se o depoimento prestado pelo citado TOC, ainda que em violação da obrigação de segredo profissional, constante do Código Deontológico da profissão.
II
Passemos agora à sindicância do despacho que fixou a matéria de facto provada e não provada.
Em causa, as respostas dadas aos qq. 1º, 4º, 5º e 9º, tendo sido ouvidos, na íntegra, os suportes áudio relativos ao julgamento efectuado.
No quesito 1º perguntava-se se “o conteúdo do segundo parágrafo da cláusula quarta do contrato promessa referido em A) da Matéria de Facto Assente era, para os Autores, uma condição essencial e sem a qual o negócio em apreço perdia todo e qualquer interesse”. Foi respondido “não provado”, pretendendo-se agora a resposta “provado”, nesta via de recurso.
Não podemos sufragar de todo a opinião dos Apelantes. A prova de tal matéria proviria dos depoimentos das testemunhas Dr. I…, advogado, que emitiu uma ligeira opinião sobre um clausulado que lhe foi já dado como assente, ou quase assente, entre as partes, e da testemunha Dr. K…, economista, das relações do Autor marido – estas testemunhas retiram a essencialidade da cláusula que respeitava à venda de património do facto, delas testemunhas conhecido, de o Autor não possuir meios financeiros para prover às prestações em dinheiro que o contrato promessa estabelecia.
Ora, a razão de ciência e o conteúdo factualmente mais rico do depoimento das testemunhas H… (TOC da G…), L… (avalista da G…) e Dr. M… (advogado, que redigiu o contrato a solicitação do Réu D…) leva-nos ao convencimento de que o dito parágrafo da cláusula, no sentido de que os activos imobiliários devessem representar menos de 50% dos activos totais, à data da transmissão das acções, não era sequer uma previsão do contrato inicial, tendo sido inserida no contrato a pedido e no interesse do Réu D…, a fim de que este Réu pudesse beneficiar de isenção de mais-valias; a forma de levar à prática tal previsão sempre seria simples, passando por uma operação de crédito compensado de curto prazo.
Portanto, a dita cláusula, que para o Autor significava a venda património, nada tinha a ver com isso – aliás, como significativamente se pronunciou a testemunha H…, nunca os accionistas poderiam permitir que a sociedade fosse adquirida com dinheiro da própria sociedade, já que nem em caso de liquidação imediata da sociedade G… todos os accionistas deixariam de receber as quantias que lhes fossem devidas, a título de vendas de património imobiliário, a compensar com as responsabilidades da sociedade perante bancos, avalistas e com suprimentos.
Daí que a resposta “não provado” seja de confirmar.
No quesito 4º perguntava-se se “a exigência de verificação na G…, à data da outorga do contrato definitivo, de activos imobiliários que representem menos de 50% dos activos totais, destinava-se exclusivamente a proteger interesses fiscais dos promitentes alienantes”. Foi respondido “provado”, com o esclarecimento de que se tratava dos alienantes “pessoas singulares”, pretendendo-se que o advérbio “exclusivamente” seja substituído por “igualmente”.
Pelas razões adrede mencionadas na resposta ao quesito 1º, entendemos outrossim ser inteiramente de confirmar a resposta adoptada em 1ª instância.
No quesito 5º perguntava-se se “autores e réus, durante as negociações, consideraram como seguro e certo que o desiderato constante do quesito 4º seria obtido, sem dificuldades, recorrendo a G… a um financiamento bancário de muito curto prazo, de valor superior ao valor contabilístico dos imóveis que à data lhe pertenciam”.
Foi respondido “provado”, pretendendo-se se responda restritivamente, no sentido de apenas o Réu D… considerar tal. Todavia, e lançando mão das razões adrede mencionadas nas respostas aos quesitos 1º e 4º, não há dúvida que a resposta adoptada foi a mais consentânea coma prova apresentada, consideradas as realidades práticas da vida.
No quesito 9º perguntava-se se, no seguimento de uma alteração por acordo das datas de pagamento das segunda e terceira prestações do preço convencionadas na promessa, “apesar de a sociedade ter já aprovado junto da N… um empréstimo no valor de € 300.000, para fazer face à totalidade dos pagamentos, todas as partes estavam a diligenciar no sentido da venda dos dois imóveis propriedade da sociedade, sendo que a mesma estava iminente”. Foi respondido “não provado”, pretendendo-se se responda “provado apenas que o Autor B… estava a diligenciar no sentido da venda dos dois imóveis propriedade da sociedade, com conhecimento e autorização dos RR., sendo que a mesma estava iminente”.
Pensamos que alguma razão se encontra com os Recorrentes, mas apenas no segmento de que “o Autor B… estava a diligenciar no sentido da venda dos dois imóveis propriedade da sociedade, com conhecimento e autorização dos RR.”, pois acerca da iminência da venda, nem a testemunha O…, um potencial comprador, soube esclarecer o tribunal; a unanimidade das testemunhas confirmou o segmento acima referido e que consideramos assente, nomeadamente todas as testemunhas dos AA., bem como as testemunhas Dr. H… e Drª L….
Na parcial procedência do recurso, nesta parte, fixamos a resposta ao quesito 9º em “provado apenas que o Autor B… estava a diligenciar no sentido da venda dos dois imóveis propriedade da sociedade, com conhecimento e autorização dos RR.”; do facto, faremos anotação supra.
III
A singela modificação factual efectuada em nada bole com o fundamento juscivilístico da sentença proferida em 1ª instância, fundamento esse ao qual aderimos sem rebuço e para o qual remetemos, designadamente nos considerandos referentes à mora dos Autores, por força do não pagamento das prestações do preço constantes do contrato, e da transformação dessa mora em incumprimento definitivo, após interpelação admonitória dos RR., fazendo estes uso, para o efeito, de um prazo razoável de quinze dias – artºs 804º nº2, 805º nº2 al.a) e 808º nº1 C.Civ.
Considerando-se o contrato definitivamente incumprido, por culpa dos Autores, deve a acção improceder, tal como se julgou em 1ª instância.
Daí que a douta sentença recorrida deva lograr confirmação.

Resumindo a fundamentação:
I – A nulidade do depoimento produzido com infracção ao dever de segredo profissional produz uma nulidade secundária, porque inominada, nos termos do artº 201º nº1 C.P.Civ., e encontra-se sujeita ao regime geral das nulidades processuais.
II – Da infracção da obrigação de segredo, poderá resultar para a testemunha que a infrinja sujeição a responsabilidade civil e penal.
III – Ressalva-se o segredo profissional dos advogados, para o qual existe a norma reforçada constante do disposto no artº 87º nº5 E.O.A., segundo a qual não podem fazer prova em juízo as declarações feitas por advogado em violação do segredo profissional.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedente, por não provado, o recurso de apelação interposto, e, em consequência, confirmar integralmente a sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes.

Porto, 13/IX/2011
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa