Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0140211
Nº Convencional: JTRP00031445
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: TRABALHO TEMPORÁRIO
FORMA ESCRITA
PERÍODO EXPERIMENTAL
Nº do Documento: RP200105140140211
Data do Acordão: 05/14/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T TRAB PORTO 1J
Processo no Tribunal Recorrido: 18/00
Data Dec. Recorrida: 06/23/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: DL 358/89 DE 1989/10/17 ART18 N2 ART19 N2.
DL 64-A/89 DE 1989/02/27 ART42 N3 ART55 N1.
Sumário: I - O contrato de trabalho temporário tem de revestir a forma escrita.
II - Se não for reduzido a escrito, considera-se, ab initio, contrato sem termo.
III - Nesse caso, o contrato rege-se pelas disposições legais aplicáveis aos contratos de trabalho sem termo, incluindo as que dizem respeito ao período experimental.
IV - Não tem qualquer apoio na lei, o entendimento de que seria aplicável o regime do período experimental previsto para o contrato que as partes pretendiam celebrar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam nas secção social do Tribunal da Relação do Porto:

1. Maria ..... propôs a presente acção contra I....., Ldª, pedindo que a ré fosse condenada a reintegrá-la, com antiguidade contada desde 29.9.99, caso não venha a optar pela indemnização de antiguidade e a pagar-lhe a quantia de 218.200$00 a título de férias, subsídio de Natal e de retribuição referente aos 30 dias que antecederam a data da propositura da acção, as remunerações que normalmente teria auferido até à data da sentença e juros de mora desde a citação.
Alegou ter celebrado com a ré um contrato de trabalho temporário que, por não ter sido reduzido a escrito, deve ser considerado sem termo e ter sido despedida em 20.10.99.
A ré contestou, alegando ser uma empresa de trabalho temporário e ter celebrado realmente com a autora um contrato de trabalho temporário, para exercer funções de “operadora de serviço de atendimento de telecomunicações” na P....., SA; que o contrato foi apresentado à autora já assinado pela ré, tendo aquela pedido para o levar para casa, a pretexto de tomar perfeito conhecimento do seu conteúdo; que a ré, agindo de boa fé, acedeu a essa solicitação e ficou a aguardar que a autora devolvesse o contrato, devidamente assinado conforme acordado; que a autora nunca mais devolveu o contrato, apesar de várias solicitações nesse sentido; que ao aperceber-se do plano ardilosa e maliciosamente concebido pela autora, fez cessar imediatamente o vínculo laboral durante o período experimental.
Alegou, ainda, que a conduta da autora caracteriza-se numa situação de venire contra factum próprio.
Realizado o julgamento, o Mmo Juiz considerou ilícita a cessação do contrato e condenou a ré a pagar à autora a quantia de 777.985$99, acrescida de juros de mora desde a citação.
A ré recorreu, suscitando as questões que adiante serão referidas.
A recorrida contra-alegou.
Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto considerou que o Mº Pº não tinha que emitir parecer, pelo facto de a recorrida estar patrocinada por advogado e por este ter contra-alegado.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. Os factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
a) A ré é uma empresa de trabalho temporário devidamente autorizada, possuindo o competente alvará de licenciamento nº ..., emitido em 22.9.99, sendo o seu objecto a actividade de cedência temporária de trabalhadores para a utilização de terceiros utilizadores, bem como as actividades de selecção, orientação e formação profissional.
b) No âmbito da sua actividade profissional, a ré seleccionou a autora para esta exercer as funções inerentes à categoria profissional de “operador de serviço de atendimento de telecomunicações”, as quais consistem em assegurar, através da operação com equipamentos de telecomunicações, o atendimento de clientes e prestar informações no âmbito dos serviços solicitados e ainda registar a ocorrência de avarias comunicadas, assegurando o seu posterior tratamento, na empresa utilizadora P....., SA, nas instalações desta sitas na Rua ..... .
c) Para o efeito, a autora previamente preencheu uma ficha de candidatura e tinha a autora conhecimento que se candidatava a um emprego temporário numa empresa de trabalho temporário e que a ré não a estava a admitir para o seu quadro de pessoal.
d) A autora foi assim seleccionada para celebrar um contrato de trabalho temporário, por prazo de 30 dias, renovável, segundo o horário de trabalho em vigor na empresa utilizadora, de duração não exactamente apurada, mas situada entre as 25 e as 30 horas semanais, da parte da tarde, com efeitos a partir de 29.9.99.
e) A autora começou a prestar os serviços para que tinha sido seleccionada junto da empresa utilizadora, ali se mantendo sob as ordens, direcção e fiscalização desta, sendo-lhe atribuída a categoria de Operadora de Serviço de Atendimento de Telecomunicações, mediante retribuição de 68.545$00 mensais, acrescidos de subsídio de alimentação por dia, retribuição e subsídio que a ré se obrigou a pagar-lhe.
f) Foi entregue à autora pela funcionária da ré, V....., em data posterior à do início da prestação do trabalho na empresa utilizadora, um contrato de trabalho temporário já assinado pela empresa ré, que a autora solicitou levar para casa, ao que a ré acedeu e ficou a aguardar a sua devolução.
g) A autora, porém, não assinou o contrato porque o mesmo não correspondia às condições inicialmente referidas.
h) Com data de 13.10.99, a ré enviou à autora a comunicação que constitui o documento nº 1 junto com a petição inicial e na qual lhe comunicou que “... para efeitos do disposto no artº 50 do Regime Anexo ao DL 64-A/89 de 27.2, o contrato individual de trabalho a termo certo celebrado por V. Exª com esta empresa, em 29.09.99, caducará no próximo dia 20.10.99.”
i) A autora, em 22.10.99, escreveu à ré nos termos do documento nº 2 junto com a petição inicial e que aqui se dá como reproduzido, solicitando a sua reintegração e considerando que a ré a havia despedido ilicitamente.
j) A ré respondeu à autora por carta datada de 29.10.99 nos termos do documento nº 4 junto com a PI e aqui dado como reproduzido, e informando a autora que o seu contrato temporário havia cessado conforme carta de 13.10.99 e que, “sem conceder e admitindo por mera hipótese académica que se trata de um contrato por tempo indeterminado, encontrando-se o mesmo ainda no período experimental, fica por este meio informada que é posto termo ao mesmo, conforme o disposto no nº 1 do artº 55 do DL nº 64-A/89.”
l) A ré jamais pretendeu atribuir à autora qualquer período experimental.
m) A ré pagou à autora, em 31.10.99, 4.570$00 a título de férias, 4.570$00 a título de subsídio de férias e 4.570$00 a título de subsídio de Natal.
Nas suas alegações, a recorrente parece não concordar com a decisão sobre a matéria de facto, mas não especifica quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados nem quais os concretos meios probatórios que impunham uma decisão diferente. A falta daquela especificação implica a rejeição do recurso, nos termos do artº 690º-A do CPC.
Não há razões para alterar a factualidade que foi dada como provada que, por isso, se aceita, mas por estar admitido por acordo (artº 1º da p.i. e artº 15º da contestação) e por ter interesse para a decisão da causa, importa aditar-lhe, ainda, o seguinte mais facto:
n) A autora começou a prestar a sua actividade no dia 29.9.99.
3. O direito
O objecto do recurso restringe-se à questão de saber se a cessação do contrato de trabalho ocorreu ou não do decurso do período experimental.
Na sentença recorrida, entendeu-se que as partes quiseram celebrar um contrato de trabalho temporário, mas que tal contrato tinha de ser considerado sem termo, por não ter sido reduzido a escrito e por não se ter provado a tese da recorrente de que a não redução a escrito era imputável à recorrida.
Decidiu-se bem, dado que a solução não podia ser outra, face ao disposto nos artºs 18º, n º 2 e 19º, nº 2, do DL nº 358/89, de 17/10, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 146/99, de 1/9 e no artº 42º, nº3, do regime aprovado pelo DL nº 64-A/89, de 27/2.
Perante a factualidade provada, não há dúvida de que as partes quiseram celebrar um contrato de trabalho temporário, mas tal contrato, nos termos das disposições citadas, tem de revestir a forma escrita (artº 18º, nº 2), considerando-se contrato sem termo se tal formalidade não for observada (artº 19º, nº 2 e artº 42º, nº 3).
Na contestação, a recorrente imputou à recorrida a falta de redução a escrito do contrato, alegando que ela teria levado o contrato para casa para assinar, não o tendo devolvido com o propósito de fazer com o que o mesmo se transforma-se em contrato sem termo. Todavia, como bem salienta o Mmo Juiz, a recorrente não logrou provar a sua tese. Não provou que a recorrida tivesse agido com o alegado intuito doloso. Apenas se provou que a recorrida não assinou o contrato, por não estar de acordo com as condições que tinham sido acordadas.
Estamos, por isso, perante um contrato sem termo. A recorrente não contesta a decisão nessa parte e aceita expressamente que o contrato se converteu, ope legis e desde o momento inicial da prestação, em contrato de trabalho sem termo (nº 4.1 das alegações). A discordância da recorrente restringe-se à questão da cessação do contrato, que ela considera lícita, por ter ocorrido dentro do período experimental.
O Mmo Juiz não entendeu assim. Apesar de ter considerado o contrato como um contrato sem termo, o Mmo Juiz considera que o regime do período experimental dos contratos sem termo não era aplicável ao caso. Tal regime só seria aplicável se, na intenção das partes, o contrato fosse ab initio um contrato de trabalho sem termo. Quando muito, o contrato estaria sujeito ao período experimental de 15 dias que seria aplicável se o contrato tivesse sido reduzido a escrito, período que já teria decorrido quando a recorrente o fez cessar, em 20 de Outubro.
Segundo o Mmo Juiz a quo:
“... O contrato considera-se sem termo para os efeitos em que puder como tal ser considerado - e um desse efeitos não é permitir subverter e tornar inoperante a própria Lei. E seguramente que não se considera como sem termo para o efeito de admitir um período experimental de duração duas vezes maior do que a duração que as próprias partes tinham previsto para todo o contrato - esta seria uma remissão absolutamente incoerente. No máximo dos máximos o que se poderia admitir era subsistir o período experimental inicialmente aplicável ao contrato e que no caso, visto a Ré ter comunicado uma cessação do contrato para 20 de Outubro e o contrato ter começado a produzir efeitos em 29 de Setembro, teria já decorrido.”
Salvo o devido respeito, o entendimento perfilhado não tem o mínimo apoio na lei aplicável. Por não ter sido reduzido a escrito, o contrato realmente querido pelas partes (o contrato de trabalho temporário) passou a ser ab initio e por força da lei um contrato sem termo. Por isso, é-lhe aplicável, ab initio, o regime dos contratos sem termo, incluindo as disposições relativas ao período experimental. Não lhe podem ser aplicados dois regimes: o regime dos contratos a termo para o período experimental e o regime dos contratos sem termo para o resto, nomeadamente para efeitos da sua cessação.
Ora, sendo assim, como entendemos que é, a procedência do recurso é inevitável, pelas seguintes razões.
Nos contratos de trabalho sem termo, o período experimental para a generalidade dos trabalhadores é de 60 dias (artº 55º, nº 2, a) do regime aprovado pelo DL nº 64-A/89). A recorrida iniciou a prestação da sua actividade em 29.9.99 e a recorrente fez cessar o contrato em 20.10.99, ou seja, antes de os 60 dias terem decorrido. Durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode rescindir o contrato sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a qualquer indemnização (nº 1 do citado artº 55º). Não estando provada existência de qualquer acordo das partes relativamente ao período experimental, era lícito à recorrente rescindir, com rescindiu, o contrato sem aviso prévio e sem invocação de justa causa, no dia 20.10.99, sem que tal rescisão confira à recorrida o direito a qualquer indemnização.
4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se julgar procedente o recurso e revogar a sentença recorrida.
Custas pela recorrida, em ambas as instâncias.
PORTO, 14 de Maio de 2001
Manuel José Sousa Peixoto
Carlos Manuel Pereira Travessa
João Cipriano Silva