Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
160/09.5TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP00043786
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
ACEITAÇÃO DO DESPEDIMENTO
Nº do Documento: RP20100412160/09.5TTVNG.P1
Data do Acordão: 04/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO SOCIAL - LIVRO 100 - FLS. 321.
Área Temática: .
Sumário: I - Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento por extinção do posto de trabalho quando recebe a compensação prevista no Art.º 401.º do CT de 2003, como dispõe o n.º 4, ex vi do disposto no seu Art.º 404.º.
II - Tendo o empregador transferido para a conta bancária do trabalhador tal compensação e tendo este junto ao processo o respectivo recibo, sem ter adoptado qualquer atitude entre a data do recebimento e a da propositura da acção, tal recebimento faz presumir a aceitação da licitude do despedimento.
III - Tal aceitação constitui facto impeditivo da ilicitude do despedimento, integrando uma excepção peremptória pelo que, provada aquela, deve o empregador ser absolvido do pedido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. N.º 668
Proc. N. º 160/09.5TTVNG.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B…………… interpôs a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C…………, S.A., pedindo que se condene a R. nos seguintes termos [sic]:
a) Reconhecido que a relação laboral entre autor e ré configura um contrato de trabalho sem termo.
b) Reconhecido como nulo o despedimento do autor.
c) A ré condenada a integrar o autor, com o salário e demais regalias auferidos à data do despedimento, actualizado em virtude de aumentos salariais entretanto definidos por Contrato Colectivo de Trabalho, ou na sequência da Lei Geral.
d) A ré condenada a pagar ao autor, a título de danos patrimoniais, um montante já vencido, nunca inferior a 1.812,77 Euros (Mil oitocentos e doze euros e setenta e sete cêntimos), referente às remunerações que este deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura desta acção, bem como as retribuições vincendas, de igual valor ou superior, conforme determinação da lei geral ou de outros instrumentos jurídicos laborais, que o autor deixar de auferir até à data da sentença, tudo acrescido de juros à taxa legal, desde a citação da ré até integral pagamento.
e) A ré condenada ao pagamento ao autor, a título de danos não patrimoniais, de montante não inferior a 20.000,00 Euros (Vinte mil Euros), tudo acrescido de juros à taxa legal, desde a citação da ré até integral pagamento.
Alega o A., para tanto e em síntese, que tendo sido admitido ao serviço da R. em 2007-05-01, por contrato de trabalho escrito, sem termo, para exercer as funções de consultor de projecto, mediante retribuição, foi despedido em 2008-09-15, com fundamento em extinção do posto de trabalho, a seu ver, ilicitamente, pois não se encontravam reunidos os respectivos pressupostos legais, nomeadamente, foi preterido por colega de trabalho mais moderno e contratado a termo, por um ano. De tal discordância deu conhecimento à R., na sua resposta de 2008-07-11, tendo alegado também que sofreu danos não patrimoniais, que descreve, pedindo a correspondente indemnização.
Contestou a R., por excepção, alegando em síntese que tendo o A. recebido em 2008-09-11 a compensação pela cessação do contrato, sem a ter devolvido, aceitou o despedimento, atento o disposto nas disposições combinadas dos Art.ºs 401.º, n.º 4 e 404.º do Cód. do Trabalho de 2003, pelo que o pedido formulado na acção, para além de estar precludido, envolve um venire contra factum proprium. Mais alega os fundamentos de ordem económico-financeira que determinaram a necessidade de proceder à extinção do posto de trabalho do A., bem como os trâmites do respectivo procedimento, que promoveu e, ainda, as razões que determinaram a eleição do A., para o efeito e, quanto ao mais, contestou por impugnação.
O A. respondeu à contestação, por impugnação.
No despacho saneador o Tribunal a quo entendeu que estavam reunidos os pressupostos para conhecer imediatamente da excepção peremptória derivada do recebimento da compensação por extinção do posto de trabalho, por parte do A., tendo julgado a acção improcedente e absolvido a R. do pedido.
Irresignado com o assim decidido, veio o A. interpor recurso de apelação, pedindo que se revogue a sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões:

A- O autor foi despedido pela ré, com a alegação de que haveria a necessidade de extinção do seu posto de trabalho.
B- O autor manifestou, por escrito e nos termos da lei, a sua absoluta e total discordância quanto à licitude do aludido despedimento.
C- Na comunicação trocada entre as partes, a ré insistiu para que o autor fosse levantar os seus créditos, incluindo compensação por despedimento, à empresa, contra entrega de recibo de quitação.
D- O autor, não só não se disponibilizou a receber tal quantia, como evidentemente não emitiu qualquer recibo de quitação.
E- Aliás, em data processualmente oportuna, intentou a correspondente acção por despedimento ilícito.
F- Perante a atitude do autor, não é admissível presumir-se que este aceitou, como licito, o despedimento por extinção do posto de trabalho.
G- Cerca de dois meses após ter comunicado ao autor que se encontrava despedido pelas razões acima invocadas, foi a ré quem, conhecendo o número de conta bancária do seu funcionário, procedeu por livre iniciativa a um depósito nesta mesma conta.
H- Sequer se deu ao incómodo de remeter carta ao autor, dando conta do acto ocorrido, discriminando as verbas dos créditos laborais correspondentes ao depósito ou exigindo recibo de quitação.
I- Nos limites do bom senso, não seria despiciendo afirmar, face a um tal quadro, que a ré se limitou a pagar valores devidos ao autor, incluindo prémios de produção e que pretendeu, até, «compensar» a ilicitude do acto praticado, não no sentido usado pelos dispositivos legais laborais, mas com o óbvio intuito de repor, minimamente, a justiça.

A R. apresentou a sua contra-alegação, que concluiu pela improcedência do recurso.
A Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que o recurso de apelação não merece provimento.
Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão e entregues as respectivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[1], foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:

1) - O A. foi contratado pela R. em 1 de Maio de 2007 para as funções de consultor de projecto, nos termos que constam do contrato de trabalho documentado a fls. 47 e 48, cujas cláusulas aqui se dão por reproduzidas.
2) - No dia 25 de Junho de 2008, o A. foi notificado pela R. da intenção desta proceder à extinção do seu posto de trabalho, pelas razões que constam do documento junto a fls. 55 e 56, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
3) - O A. respondeu a essa notificação em 11 de Julho de 2008, através da carta junta a fls. 60 a 63, na qual manifestava discordância relativamente aos fundamentos e cabimento do despedimento, pelas razões ali alegadas e que aqui se dão por reproduzidas.
4) - Não obstante, a R. manteve a sua posição de extinguir o posto de trabalho do A., pelos motivos que constam da decisão datada de 17 de Julho de 2008, documentada a fls. 64 a 66, na qual refuta os argumentos do A., anuncia como data do despedimento 15 de Setembro de 2008 e refere ficarem à disposição do A. uma compensação de 3.600 euros, para além dos demais créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho.
5) - A retribuição base do A. era de 1 000 euros por mês.
6) - A R. depositou na conta bancária do A. a quantia global de 6.908,86 euros no dia 15/09/08, conforme documento junto a fls. 144.
7) - Tal quantia global corresponde ao conjunto das parcelas inscritas no recibo de fls. 67, junto aos autos pelo próprio A. e no qual aparece discriminado o valor da indemnização (3.600 euros).
8) - O A. não recusou o recebimento, nem devolveu à R., quer o valor global, quer o valor só da indemnização.

Fundamentação
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[2], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo diploma referido na nota (1), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 2000, salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, mas que não ocorrem in casu, a única questão a decidir nesta apelação consiste em saber se o A. aceitou a licitude do despedimento.
Vejamos.
Como se referiu no relatório, o Tribunal a quo proferiu saneador-sentença certamente por entender que o processo já tinha factos provados bastantes que o habilitavam a decidir conscienciosamente de meritis, sem necessidade de produzir quaisquer outras provas.
Não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, como se vê da apelação, nomeadamente, das conclusões acima transcritas, apenas poderemos considerar, em princípio, os factos assentes no saneador-sentença.
Tendo a R. despedido o A. com efeitos reportados a 2008-09-15, é aplicável in casu o Cód. do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto. Por outro lado, tendo a R. invocado, como fundamento do despedimento, a extinção do posto de trabalho do A., são pertinentes as normas constantes dos Art.ºs 402.º e ss. de tal diploma, remetendo-nos o seu Art.º 404.º para as regras aplicáveis ao despediemnto colectivo, isto é, para os Art.ºs 398.º a 401.º. Assim, a decisão da questão supra enunciada passa directamente pela interpretação e aplicação deste último artigo, nomeadamente, do seu n.º 4, que dispõe:
Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação prevista neste artigo.[3]
Ora, da exposição de motivos da proposta de Código do Trabalho de 2003 consta no seu ponto XII. Cessação do contrato, alínea c), o seguinte:
“Estabelecimento da presunção ilidível de que, no despedimento colectivo [e, por via da remissão do referido 404.º, também no despedimento por extinção do posto de trabalho], o trabalhador, quando recebe a compensação, aceita a cessação do contrato”.
Tal norma do referido Art.º 401.º, n.º 4 do CT de 2003 foi antecedida pela norma constante do Art.º 23.º, n.º 3 da LCCT[4] que, na sua versão original, dispunha:
O recebimento pelo trabalhador da compensação a que se refere o presente artigo vale como aceitação do despedimento [sublinhado nosso].
Porém, da conjugação dos n.ºs 1 e 2 do Art.º 25.º da LCCT resultava, também na sua versão original, que os trabalhadores que não aceitarem o despedimento podem impugná-lo.
Decorrida uma década, pela Lei n.º 32/99, de 18 de Maio, a norma constante daquele n.º 3 do Art.º 23.º da LCCT foi eliminada e da norma do Art.º 25.º foi extirpada a expressão “que não aceitarem o despedimento”[5].
Já o Cód. do Trabalho de 2009[6], para além de manter[7], ipsis verbis, a norma constante do Art.º 401.º, n.º 4 do CT de 2003, como se vê do seu Art.º 366.º, n.º 4, aditou-lhe um n.º 5, do seguinte teor:
A presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida.
Desta evolução legislativa pode retirar-se a conclusão de que o legislador, exceptuado o de 1999, pretendeu estabelecer a presunção de que, recebendo a compensação, o trabalhador aceita o despedimento.
Trata-se do corolário decorrente de que a licitude do despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho, depende do pagamento da compensação ao trabalhador. No entanto, recebida esta, tudo se passaria como se as partes tivessem feito cessar o contrato de trabalho por mútuo acordo.
Importa precisar, no entanto, que sendo o despedimento um negócio jurídico unilateral receptício que produz o seu efeito na parte contrária, inelutavelmente, qual direito potestativo, não entrando o trabalhador no respectivo processo volitivo, quando a lei refere a aceitação do despedimento, magis dixit quam voluit, pois o que o trabalhador pode juridicamente aceitar é a licitude do mesmo. Mas, tirando esta precisão, podemos continuar a trabalhar com a ficção legal de que o trabalhador, recebida a compensação, aceita o despedimento.
Desde a versão original da LCCT discute-se a natureza desta presunção, entendendo uns que se trata de presunção juris et de jure, estribando-se na letra da lei quando refere que o recebimento da compensação vale como aceitação do despedimento, em vez de dizer que se presume, como acontece em ambos os Cód. do Trabalho de 2003 e de 2009 e estribando-se no elemento racional de que, entendida como ilidível, se o trabalhador não tivesse sucesso na acção de impugnação do despedimento, mesmo assim receberia a indemnização como se o despedimento tivesse sido declarado ilícito, bastando para o efeito nada fazer, isto é, guardar a compensação que anteriormente já havia recebido na decorrência da normal tramitação processual do despediemnto colectivo ou por extinção do posto de trabalho; por último, trata-se-ia, ainda, de uma presunção juris et de jure, porque seria um presunção de direito, derivada directamente de normas legais e não de factos conhecidos para deles deduzir factos desconhecidos, atenta a noção de presunção constante do Art.º 349.º do Cód. Civil.
Outros, ao contrário, e apesar da letra da lei, ao tempo da LCCT - vale como - entendiam tratar-se de presunção juris tantum com fundamento em que as presunções, por regra, são ilidíveis, só sendo inilidíveis quando a lei o disser expressamente, como resulta do disposto no Art.º 350.º, n.º 2 do Cód. Civil, o que não ocorre in casu.
Deveras problemático era, no entanto, a norma que se extraía da conjugação dos Art.ºs 23.º, n.º 3 e 25.º, n.ºs 1 e 2 pois, aceitando a compensação, o trabalhor aceitava o despedimento [presumia-se] e aceitando o despedimento, a contrario sensu, já não poderia intentar a acção para a sua impugnação. Tratava-se de uma excepção peremptória de perda do direito de acção, por aceitação do despediemnto. Daí que de vários lados se tenha entendido que a norma era altamente criticável, nomeadamente, entendida como impedindo o acesso ao direito e aos tribunais, em violação do consignado no Art.º 20.º, n.º 1 da Constituição da República.
Certo é que pela Lei n.º 32/99, de 18 de Maio, tal presunção foi eliminada e a acção de impugnação passou a ser admitida sem aquele pressuposto da não aceitação do despedimento.
Passando à norma aplicável in casu, o acima transcrito Art.º 401.º, n.º 4 do CT de 2003, verificamos que este diploma não coloca qualquer restrição no que respeita à propositura da acção de impugnação do despedimento, mesmo nos casos de recebimento da indemnização por parte do trabalhador. No entanto, mantendo a presunção, ainda que entendida como juris tantum, o recebimento da indemnização, fazendo presumir a aceitação do despedimento [rectius, a aceitação da licitude do despedimento], constitui uma excepção peremptória derivada do facto impeditivo de tal aceitação, a determinar a absolvição do pedido, caso o trabalhador não consiga fazer a prova do contrário, atento o disposto no Art.º 350.º, n.º 2 do Cód. Civil.
Daí que se nos afigure que o CT de 2003 – e também o de 2009, como à frente se referirá – configurando a presunção do recebimento da compensação, não ilidida, como excepção peremptória, repercute os seus efeitos apenas ao nível do direito substantivo, da licitude do despedimento e não, como na LCCT, versão original, logo ao nível do respectivo direito de acção. Isto é, agora o trabalhador pode propôr sempre a acção, mesmo que tenha recebido a compensação, simplesmente já sabe que nela decairá se não conseguir ilidir a presunção de aceitação da licitude do despedimento.
Para o efeito, deverá o trabalhador fazer a prova do contrário, atento o disposto no Art.º 350.º, n.º 2 do Cód. Civil, a qual consistirá numa declaração de vontade de sentido contrário à aceitação da licitude do despedimento, como se tem entendido.
No entanto, esta asserção, aparentemente tão linear, acaba por ser bem mais complexa, frente à riqueza que a vida nos oferece. Na verdade, em primeiro lugar, coloca-se logo a questão de saber se a declaração de vontade tem de ser anterior, coeva ou posterior ao recebimento da compensação, havendo entendimentos em diferentes sentidos. Depois, surgem-nos dificuldades ao nível da base da presunção. É que quem tem a seu favor a presunção não precida de provar o facto a que ela conduz, mas tem de provar os factos que integram a base da presunção, isto é, os factos donde se há-de presumir o facto desconhecido, como dispõe o Art.º 350.º, n.º 1 do Cód. Civil. In casu, a base da presunção consiste no recebimento da compensação. Ora, transferindo o empresário para a conta bancária [prática actualmente corrente] do trabalhador o montante correspondente à compensação, parece que este deverá agir diligentemente, logo que tome conhecimento do acto, caso pretenda não aceitar a compensação, com vista a impugnar o despedimento. Na verdade, tomando conhecimento da transferência, por qualquer meio, deverá informar o empregador do recebimento da compensação, bem como do seu propósito de aceitar a decisão de despedimento ou de a impugnar. Aliás, em bom rigor, não aceitando a decisão do empregador e pretendendo impugnar o despedimento, o trabalhador deve agir de acordo com a diligência correspondente ao homem médio, atento o princípio da boa fé, embora a lei não esclareça se o trabalhador deve restituir o montante da compensação e como, em que prazo e demais circunstâncias pertinentes.[8]
Foi certamente por isso que o CT de 2009 aditou um n.º 5 ao seu Art.º 366.º, impondo que o funcionamento da presunção dependa, em simultâneo, da entrega ou da colocação à disposição do empregador, da totalidade da compensação recebida.
In casu e analisando criticamente os factos dados como provados, verificamos que no curso do procedimento de extinção do posto de trabalho o A. apresentou uma resposta na qual declarou discordar dos fundamentos invocados e do despedimento. Porém, recebida a compensação, o A. nada fez, pois não recusou aceitar a quantia correspondente, nem a devolveu ao empregador, apesar de conhecer qual era o seu montante, constante de recibo, devidamente discriminado. Por outro lado, tendo a quantia sido depositada na conta bancária do A. em 2008-09-15 e tendo a presente acção sido interposta em 2009-02-11, é forçoso concluir que o A. recebeu a compensação, tanto mais que foi ele quem juntou aos autos o recibo correspondente, sem ter declarado que não aceitava a compensação.
Embora possa haver dúvidas se, estando nós do domínio da aplicação do CT de 2003, o A. deveria devolver a compensação recebida e qual o processo a empreender, certo é que o A. nada declarou à R. depois de ter recebido a compensação, podendo-lhe ter criado a expectativa, dados os meses decorridos, de que o A. aceitou a licitude do despedimento e sendo certo que a postura deste, propondo a acção depois de nada ter feito desde o recebimento da compensação, traduz abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. Pois, embora reconhecendo que a perda do posto de trabalho ocasiona a perda dos respectivos rendimentos, não nos podemos esquecer que o A. não poderia, se tivesse optado pela indemnização, receber por dois carrinhos, isto é, pedir à R., de novo, aquilo que ela já havia depositado na sua conta bancária: a compensação.
De qualquer forma, assente que o A. a recebeu [a compensação], está provada a base da presunção, facto conhecido, pelo que esta deverá funcionar, assim devendo nós concluir pela verificação do facto desconhecido, que é a aceitação da licitude do despedimento. Esta, a aceitação, por seu turno, constitui facto impeditivo da ilicitude do mesmo despedimento pelo que, demonstrado, tal implica a absolvição do pedido, conforme o decidido no saneador-sentença recorrido.
Improcedem, desta arte, as conclusões da apelação, pelo que a decisão impugnada deve ser confirmada.

Decisão.
Termos em que se acorda em negar provimento à apelação, assim confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo A.

Porto, 2010-04-12
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro
Albertina das Dores N. Aveiro Pereira
_______________
[1] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma.
[2] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532.
[3] É a seguinte a redacção integral do referido Art.º 401.º do Cód. do Trabalho de 2003:
1 — O trabalhador cujo contrato cesse em virtude de despedimento colectivo tem direito a uma compensação correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
2 — No caso de fracção de ano, o valor de referência previsto no número anterior é calculado proporcionalmente.
3 — A compensação a que se refere o nº 1 não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
4 — Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação prevista neste artigo.
[4] Vulgo do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
[5] É a seguinte a nova redacção do Art.º 25.º, n.º 1 da LCCT:
1 — Os trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo podem requerer a suspensão judicial do mesmo com fundamento em qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 24.º, no prazo de cinco dias úteis contados da data da cessação do contrato de trabalho constante da comunicação a que se refere o n.º 1 do artigo 20.º.
[6] Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que entrou em vigor, nos termos gerais, em 2009-02-17.
[7] Ao contrário do que seria expectável, atento o constante da respectiva Proposta de Lei n.º 216/X:
Artigo 365.º
Compensação por despedimento colectivo
1 – Em caso de despedimento colectivo, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
2 - Em caso de fracção de ano, a compensação é calculada proporcionalmente.
3 - A compensação não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
4 – Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 1 ou 2.
[8] Cfr.:
a) – Para o domínio da aplicação da LCCT:
- A Sentença do Tribunal do Trabalho de Setúbal de 1993-03-19, in sub judice, n.º 4, Setembro-Dezembro de 1992, págs. 113 a 116, Jorge Leite, in A Transposição das Directivas Comunitárias Sobre Despedimento Colectivo, Prontuário de Direito do Trabalho, Actualização N.º 55, Centro de Estudos Judiciários, págs. 27 a 56, Bernardo da Gama Lobo Xavier, in O Despedimento Colectivo no Dimensionamento da Empresa, Verbo, 2000, págs. 562 a 564 e in Regime do Despedimento Colectivo e as Alterações da Lei n.º 32/99, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, volume III, Instituto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito de Lisboa, Almedina, 2002, págs. 225 ss., nomeadamente, págs. 253 e 254 e António Lemos Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 11.ª edição, Almedina, 1999, págs. 569 e 570.
b) – Para o domínio da aplicação do CT de 2003:
- António Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, 2004, págs. 589 e 590, Júlio Manuel Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, págs. 986 e 987, João Leal Amado, in Algumas Notas Sobre o Regime do Despedimento Contra Legem no Código do Trabalho, VII Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Memórias, Coordenação do Prof. Doutor António Moreira, Almedina, 2004, págs. 273 ss., nomeadamente, 280 a 283 e Chambel Mourisco, in A Compensação pela Extinção do Posto de Trabalho. A Presunção do N.º 4 do Art.º 401.º do Código do Trabalho, Prontuário de Direito do Trabalho, N.ºs 76/77/78, Centro de Estudos Judiciários, Janeiro-Dezembro de 2007, págs. 243 a 248.
_______________
Apelação.
Proc. N. º 160/09.5TTVNG.P1
Data do julgamento:
Relator: - Ferreira da Costa (Reg. N.º 668)
Adjuntos: - Fernandes Isidoro
- Albertina Pereira.

S U M Á R I O

I - Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento por extinção do posto de trabalho quando recebe a compensação prevista no Art.º 401.º do CT de 2003, como dispõe o n.º 4, ex vi do disposto no seu Art.º 404.º.
II - Tendo o empregador transferido para a conta bancária do trabalhador tal compensação e tendo este junto ao processo o respectivo recibo, sem ter adoptado qualquer atitude entre a data do recebimento e a da propositura da acção, tal recebimento faz presumir a aceitação da licitude do despedimento.
III - Tal aceitação constitui facto impeditivo da ilicitude do despedimento, integrando uma excepção peremptória pelo que, provada aquela, deve o empregador ser absolvido do pedido.