Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
170/08.0TBMDB.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: BENFEITORIAS ÚTEIS
Nº do Documento: RP20121203170/08.0TBMDB.P1
Data do Acordão: 12/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tratando-se de benfeitorias úteis, o possuidor tem, em princípio e antes do mais, direito a levantá-las, desde que o possa fazer sem detrimento da coisa, só tendo direito ao respectivo valor no caso de não haver lugar ao seu levantamento.
II - Compete ao possuidor alegar e provar a impossibilidade de levantamento por o mesmo causar detrimento da coisa benfeitorizada e não das benfeitorias, cujo detrimento não tem relevância jurídica.
III - Para evitar o injusto locupletamento permite-se ao benfeitorizante que levante as benfeitorias ou, não sendo isso possível sem detrimento, que receba indemnização calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa.
IV - Não há lugar a esta indemnização quando o detrimento provocado pelo levantamento se reporta às benfeitorias e não à coisa benfeitorizada.
V - Sendo esta um prédio rústico dificilmente se concebe que o levantamento de benfeitorias úteis provoque detrimento do prédio, sendo de presumir que não ocorrerá prejuízo com o seu levantamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 170/08.0TBMDB.P1 – Tribunal Judicial de Mondim de Basto
Rel. F. Pinto de Almeida (R. 1438)
Adj. Des. Teles de Menezes; Des. Mário Fernandes

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
B… e C… intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra Assembleia de Compartes dos Baldios D….

Pediram que:
- A ré seja condenada a pagar aos AA. a quantia de €88.253,30;
- Seja reconhecido o direito de retenção dos AA. sobre a parcela de terreno em causa nos presentes autos, enquanto não forem ressarcidos das despesas que se traduziram em benfeitorias na parcela identificada na acção.

Como fundamento, alegaram:
O Ministério Público intentou acção ordinária, que correu termos neste tribunal, contra os aqui Autores e a Assembleia de Compartes dos Baldios D…, tendo pedido que fosse declarada nula a transacção efectuada e homologada na acção sumária nº 146/1997, pedido que foi julgado procedente.
Desde muito anteriormente à aludida transacção, antes de 1993, que os AA. vinham explorando a parcela de 1.500m2 e efectuaram benfeitorias na mesma, as quais importam no montante de €87.503.30.

Contestou a R., excepcionando o litisconsórcio necessário, por considerar que o valor despendido na transacção entrou no património comum dos baldios da freguesia … e não apenas nos do ….
Excepcionaram ainda o abuso de direito e invocaram a litigância de má-fé, peticionando a condenação dos AA. no pagamento da indemnização de €4.000,00.
Com efeito, a causa de pedir, da acção interposta pelo M. Público, a pedir a nulidade da transacção, resultou do facto dos AA. terem invocado na transacção a construção de uma moradia, quando nada disso existe na parcela em causa, aliás, atribuída para um diferente fim – construção de um aviário.
Concluiu pela improcedência da acção e condenação dos AA. como litigantes de má-fé, no pagamento da quantia de €4.000,00.

Replicaram os AA. pugnando pela improcedência das excepções e concluindo como na petição inicial.

Foi requerida e admitida a intervenção principal da Assembleia de Compartes dos Baldios E…, F…, G… e H… e da Assembleia de Compartes dos Baldios I… e J….

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, com absolvição da ré do pedido.

Discordando desta decisão, dela interpuseram recurso o autor e a autora, tendo apresentado as seguintes conclusões:

Do autor:
A) Resulta da produção da prova feita na audiência de discussão e julgamento a existência do direito de posse e propriedade dos Autores sobre o prédio em questão na data das obras.
B) Resulta dos autos que as obras realizadas pelos recorrentes não podem ser retiradas sem detrimento da coisa.
C) Resulta dos autos que o Dec. Lei nº 237/83, de 8 de Junho não estava em vigor na data das obras, e que não é aplicável no presente caso.
D) Está provado que os recorrentes gastaram a quantia peticionada para a realização das obras.
E) O Conselho Directivo D… não sendo condenado a pagar a quantia peticionada irá locupletar-se à custa dos autores existindo enriquecimento sem causa nos termos do art. 473º do Código Civil.
F) A actuação dos autores não constitui abuso de direito nos termos do art. 334º do Código Civil, dado que eram possuidores de boa fé e proprietários do prédio.
G) O prédio em questão tinha aptidão para construção, pelo que os autores investiram e realizaram as obras nessa convicção.
H) A douta sentença violou o disposto nos artigos 1268.°, 1273.° e 1311.°, todos do Código Civil.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao recurso e alterada a decisão recorrida que condene os recorridos em todos os pedidos formulados pelo autor, no que é âmbito deste recurso, com as legais consequências.

Da autora:
1. Resulta claro, devidamente provado em sede de audiência de discussão e julgamento, a posse e direito de propriedade dos A anterior à data da realização das obras.
2. E que as obras realizadas não podem ser levantadas sem que haja detrimento da coisa. Além de que
3. Todas as obras foram realizadas e incorporadas no prédio muito antes da entrada em vigor do DL 237/83 de 8 de Junho, não estando, em consequência, vinculada ao mesmo a aqui recorrente.
4. Resulta do relatório pericial o montante concreto das obras e na audiência de discussão e julgamento ficou provado que foi a recorrente e à data seu marido quem despendeu essas quantias.
5 – Haverá locupletamento e enriquecimento sem causa (artº 473 do CCivil) por parte dos RR na eventualidade de não serem condenados a pagar à recorrente os valores peticionados e devidamente demonstrados.
6 – Não há por parte da recorrente abuso de direito na sua actuação já que ficou abundantemente demonstrado que actuou na qualidade de possuidora de boa-fé, numa primeira fase e como legítima proprietária depois.
7 – A douta sentença viola o disposto nos artigos 216º, 1268º, 1273º e 1311º todos do Código Civil.
Termos em que deve conceder-se provimento ao presente recurso e alterada a decisão recorrida por forma a que sejam condenados os RR nos pedidos formulados.

A ré contra-alegou concluindo pela improcedência dos recursos.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

- Enriquecimento sem causa do réu;
- Não há abuso do direito por parte dos autores.

III.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1) Os autores intentaram acção sumária, que correu termos neste tribunal sob o nº 146/1997, contra o Conselho Directivo de Assembleia de Compartes D….
2) Nessa acção os aí Autores pediram que lhes fosse reconhecido o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno de 1.500m2, situada no …, freguesia …, Mondim de Basto.
3) O que lhes foi reconhecido por sentença que homologou a transacção a que então autores e réu chegaram.
4) O Ministério Público intentou, a dia 23 de Junho de 2005, acção ordinária, que correu termos neste tribunal sob o nº 206/05.6TBMDB, contra os aqui Autores e a Assembleia de Compartes dos Baldios D… representada pelo Conselho Directivo dos Baldios D….
5) Nesta acção o Ministério Público formulou o seguinte pedido: “…ser declarada nula a transacção efectuada em 04/07/1997, na acção sumária nº 146/1997, homologada pelo Mmº Juiz, em 11/07/1997”.
6) Nesta acção ordinária nº 206/05.6TMDB foi proferida sentença onde se decidiu: “Julgar a presente acção procedente por provada, e em conformidade declara-se a nulidade da transacção, homologada por sentença, exarada no âmbito dos autos com o nº 146/97 que correram os seus termos neste Tribunal.”
7) Esta decisão transitou a 31-1-2008.
8) Na sentença proferida no âmbito da acção ordinária nº 206/05.6TMDB, para além de outros, foram considerados como provados os seguintes factos:
1º “Correu termos neste Tribunal a acção sumária com o nº 146/1997, em que foram autores B… e C… e réu o Conselho Directivo da Assembleia de Compartes da Freguesia ….
2º Nessa acção, os autores pediram que lhes fosse reconhecido o direito de propriedade sobre a parcela de terreno de 1.500 m2, situada no …, freguesia …, Mondim de Basto, confronta de Norte com Junta de Freguesia, nascente e sul com caminho e de poente com a estrada, omisso à matriz, mas cuja participação para inscrição respectiva é 13/06/97 e é parte do prédio rústico, denominada “…”, sito no lugar e freguesia …, concelho de Mondim de Basto, com a área de 7.900.000 m2, a confrontar de Norte com Junta de Freguesia … e …, de Nascente e Sul com … e proprietários e de Poente com Junta de Freguesia … e proprietários e de Poente com Junta de Freguesia … e proprietários, inscrito na matriz sob o artº 714 e não descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho.
3º Tendo-lhe esse direito sido reconhecido por sentença datada de 11.07.1997, que homologou a transacção efectuada entre o réu e os autores.
4º Transacção essa efectuada em 04/07/1997, na qual o réu reconheceu aos autores o direito de propriedade sobre o referido prédio, pelo facto destes o terem adquirido por acessão industrial imobiliária.
5º Do teor da acta datada de 15 de Maio do ano de 2000, subscrita pelo Srs. Presidente, Vice-Presidente, Secretário e vogais do Conselho Directivo D…, foi deliberado por todos os presentes que “o Conselho Directivo dos Baldios, antigo da freguesia D…, por força da criação dos novos órgãos de administração dos baldios, não tem mais nenhuma jurisdição sobre qualquer parcela do território da freguesia.
6º Do teor da acta datada de 25 de Julho de 1997, subscrita pelos Srs. Presidente, Vice-Presidente e Secretário do Conselho Directivo do baldio da freguesia D…, consta que no dia 25 de Julho de 1997 “reuniu pelas 18 horas na sede da Junta de Freguesia … a assembleia de Compartes dos Baldios da Freguesia D… com a seguinte ordem de trabalhos: “Ponto único” “Deliberação a tomar sobre a acção proposta por B… e mulher C…, que corre termos no Tribunal Judicial de Mondim de Basto sob o nº 146/97 e na qual é réu o Conselho Directivo da Assembleia de compartes dos Baldios da Freguesia D…. Tendo esta acção como objectivo a construção de uma casa de habitação no baldio denominado “…” sito nesta freguesia.
7º Do teor da acta referida em 6º, consta que Assembleia de Compartes “decidiu dar poderes ao Sr. Presidente do Conselho Directivo, K…, para efectuar uma transacção na acção sumária que corre termos no Tribunal Judicial de Mondim de Basto sob o nº 146/97 e na qual são autores B… e mulher C… e réu o Conselho Directivo da Assembleia de Compartes dos Baldios da freguesia D…, reconhecendo-se que os autores adquiriram o prédio descrito nos artigos 2º a 10º da petição, através de Acessão Industrial Imobiliária, terreno este que foi desanexado do baldio do “…” descrito no n.º 1 da mesma petição inicial, pagando pelo seu preço a quantia de 100$00 m2, mais conferem poderes para passar o recibo e quitação.
8º Consta, ainda, da acta referida nos nºs 6º e 7º supra, que “esta deliberação foi tomada por 12 votos a favor, 0 contra 0 abstenções.
9º Há mais de 20 anos, a Junta de Freguesia …, na qualidade de administrador dos terrenos baldios da freguesia, cedeu aos RR. B… e C…, uma parcela de terreno com a área de 1.500m2, situada no …, freguesia …, Mondim de Basto, descrita no n.º 2 supra.
10º A partir dessa data, os RR. B… e C… procederam à vedação e aí plantaram vinha e árvores de fruto.
11º Os RR. desenvolveram os factos acima descritos no nº 10º supra desde data prévia ao ano de 1993, sem oposição de quem quer que seja, ininterruptamente e acreditando não lesar o direito de quem quer que fosse.
12º Continuaram a agricultar tal parcela até ao presente.”
9) Aquando da transacção supra mencionada, os autores pagaram a quantia de 150.000$00 (cento e cinquenta mil escudos) ao réu desse processo.
10) O teor das certidões de f. f. 2 a 4 (petição inicial), 20 (termo de transacção) e 22 (sentença homologatória) do processo nº 146/1997, e de f. 2 a 6 (petição inicial), 61 a 70 (contestação dos aqui autores) e 232 a 240 (sentença) do processo nº 206/05.6TBMDB, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
11) Há cerca de 20 anos, a Junta de Freguesia …, na qualidade de administrador dos terrenos baldios da freguesia, autorizou os autores a entrarem no terreno supra mencionado.
12) E a explorarem-no como entendessem.
13) Antes disso a parcela de terreno era constituída por mato.
14) Após o referido em 20), os autores passaram a explorar o terreno.
15) E efectuaram a terraplanagem do mesmo.
16) E procederam à sua vedação com muros de suporte, parte dos quais em xisto e outra parte com blocos de cimento.
17) Muros esses com uma altura entre 1,50metros a 2,80metros, largura 0,60 metros, comprimento 376,6 metros.
18) E nele construíram um tanque.
19) Tanque este de blocos com uma altura de 1,40 metros, comprimento 7,30 metros, largura de 4,50 metros e capacidade de 45,99 m3.
20) Para abastecer a água do tanque, os Autores instalaram 3 condutas de água, uma bomba de água e uma tubagem forte para encerrar o cabo eléctrico.
21) Desde a baixada até à bomba da água.
22) E ainda para o efeito, instalaram no terreno uma baixada de luz e um quadro eléctrico.
23) Plantaram vinha.
24) À data da propositura da acção ordinária nº 206/05.6TMDB, em 23 de Junho de 2005, existiam cerca de 630 metros lineares de vinha.
25) Como existe hoje, tendo sido feitas algumas reposições.
26) Existia um total de 695 plantas de vinha, plantadas na bordadura dos campos, embardadas com recurso a:
- 126 vigas de cimento de 5 metros de altura;
- 12 postes de madeira tratada de 5 metros de altura;
- arame zincado nº 10 (2,5mm), na quantidade 5 meadas (700metros/meada).
27) Tal como hoje.
28) Ao longo dos anos e até 23 de Junho de 2005, os Autores procederam à plantação de árvores de fruto.
29) Plantaram e cuidaram das seguintes árvores de fruto, que se encontram no terreno:
- 6 macieiras;
- 1 Pereira;
- 1 Damasqueiro;
- 4 Pessegueiros;
- 1 Tangerineira;
- 1 Laranjeira;
- 3 Limoeiros;
- 2 Nogueiras.
30) O mencionado tanque tem como valor cerca de €2.000,00.
31) E os muros de suporte valem cerca de 50.986,50.
32) E os muros em blocos de cimento valem cerca de 4.472,40.
33) E a plantação de vinha vale €3.220,50 (Plantas de vinha = €695,00; Plantação = €347,50; Postes de madeira = €38,00; Vigas de cimento = €1.890,00; Meadas de arame (700metros) = €250,00).
34) E as árvores de fruto valem €119,00 (Macieira = €13,50; Pereira = €2,50; Damasqueiro = €7,50; Pessegueiro = €11,00; Tangerineira = €8,00; Laranjeira = €8,00; Limoeiro = €24,00; Nogueira = €35,00; Plantação = €9,50).
35) E a baixada de luz e contador valem €650,00.
36) E as condutas de água e equipamento de bombagem valem €1.742,30 (Tubo de 1 polegada = €373,80; Tubo de 1,5 polegadas = €202,50; Tubo de 2 polegadas = €216,00; Tubo forte de 1 polegada = €300,00; Bomba de água = €650,00).
37) Com a terraplanagem os autores despenderam, em mão-de-obra e máquina, a valores actuais, cerca de €5.000,00 (cinco mil euros).
38) Com a conduta dos autores o terreno saiu valorizado.
39) Antes da conduta dos autores o valor do terreno era de €13.810,00.
40) E o valor do mesmo a 31-1-2008 era de €38.668,00.
41) Há mais de 10 anos que os Baldios da freguesia … foram cindidos em duas parcelas: uma respeitante ao … e outra respeitante ao restante da freguesia.
42) Em Março de 2000, os Baldios da freguesia … foram divididos em mais três parcelas, cada uma administrada pelos compartes moradores no interior das mesmas, que se organizaram por parcela, em assembleia de compartes, conselho directivo e comissão de fiscalização.
43) Essas três novas organizações comunitárias oriundas da divisão dos Baldios da freguesia …, deram então lugar aos Baldios D…, aos Baldios do E…, F…, G… e H… e aos baldios do I… e J….

IV.

Os Recorrentes discordam da sentença recorrida, sustentando, no essencial, que, a manter-se o decidido quanto às benfeitorias, haverá enriquecimento sem causa do réu à custa dos autores. Acrescentam ainda que não actuaram com abuso do direito.

1. Dispõe o nº 1 do art. 289° do CC que, tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Prescreve o seu nº 3 que é aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269° e seguintes.
A regra, portanto, é a de que a declaração de nulidade tem eficácia retroactiva, tudo se passando como se o contrato nunca tivesse sido celebrado, sem esquecer, porém, que, apesar do vício que afectou a validade do negócio, este, de facto, não deixou de produzir efeitos que têm de ser considerados na ulterior composição das relações entre as partes contratantes.

Por remissão expressa do n° 3 do normativo citado, deve observar-se, quanto a benfeitorias, o disposto no artigo 1273° do CC:
- tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela (nº 1);
- quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (n° 2).

Segundo o art. 216º nº 1 do CC, benfeitorias são todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.
Podem ser (nºs 2 e 3 do mesmo artigo):
- necessárias – as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa;
- úteis – as que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentam, todavia, o valor;
- voluptuárias – as que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.

No caso, o terreno em questão integra terrenos baldios, como foi reconhecido na sentença anterior que declarou a nulidade da aquisição pelos autores. Estes reconhecem que o terreno era de mato, apto para pastoreio e silvicultura, tendo-o transformado em terreno apto para cultura agrícola.
Com efeito, os autores procederam às obras acima referidas (terraplenagem, vedação, tanque, vinha) e plantação de vinha e árvores de fruto.
Como parece evidente, estas obras e plantações não se destinaram a evitar a perda, destruição ou deterioração do prédio, mas também não visaram apenas o mero deleite ou recreio; essas obras melhoraram o prédio, aumentando o seu valor ou potencialidade de gozo[1].

Tratando-se de benfeitorias úteis, o possuidor tem, em princípio e antes do mais, direito a levantá-las, desde que o possa fazer sem detrimento da coisa. Só no caso de não haver lugar ao seu levantamento, por causar detrimento na coisa, é que ele tem direito ao valor dessas benfeitorias.
Decorre deste regime – neste sentido se pronunciando claramente a doutrina e jurisprudência[2] – que é ao possuidor que incumbe alegar e provar a impossibilidade de levantamento por o mesmo causar detrimento da coisa; isto é, quem formula o pedido de indemnização pelas benfeitorias úteis é que terá de alegar e provar factos que permitam concluir que elas não podem ser levantadas sem detrimento da coisa.
Esta regra está, aliás, de acordo com o critério do ónus da prova definido no art. 342º nº 1, pois constitui facto constitutivo do direito a impossibilidade de levantamento sem detrimento da coisa[3].

Sublinhe-se que o detrimento a que pode dar lugar o levantamento das benfeitorias úteis se refere não a estas, mas à coisa benfeitorizada. Daí que, independentemente da situação subjectiva do possuidor, seja juridicamente irrelevante que do levantamento das benfeitorias resulte o detrimento destas[4].
Por outro lado, tratando-se de prédio rústico dificilmente se concebe que o levantamento de benfeitorias úteis provoque detrimento do prédio[5]. Neste caso, o levantamento implicará a destruição dos bens em que as benfeitorias se concretizam, mas, como se disse, o detrimento destas não tem relevância jurídica.
Como tem sido reconhecido, o regime previsto no art. 1273º consagra uma solução de equilíbrio dos interesses dos intervenientes: as benfeitorias necessárias, dada a sua indispensabilidade, integram-se definitivamente na coisa onde se incorporaram, devendo o adquirente indemnizar porque delas beneficiou; quanto às benfeitorias úteis não seria justo que o possuidor forçasse o adquirente a gastos que não queria ou não podia fazer, mas para evitar o injusto locupletamento permite-se ao benfeitorizante que as levante ou, a não ser isto possível sem detrimento, que receba indemnização calculada segundo as regras do enriquecimento se causa[6].

Do que fica dito decorre que as conclusões do recurso não podem proceder, claramente.
Desde logo, no essencial, por se basearem em manifesto equívoco quanto ao "detrimento da coisa". Como acima se sublinhou, o detrimento provocado pelo levantamento das benfeitorias deve, para ser relevante, referir-se não a estas, mas à coisa benfeitorizada. Não releva, por isso, que o levantamento implique a destruição da obra ou dos bens incorporados em que a benfeitoria se traduziu. Interessa, sim, que não provoque prejuízo no próprio prédio.

Ora, no caso, não ficou demonstrado que seja impossível o levantamento por este causar dano no prédio. Pelo contrário, tratando-se de prédio rústico, será até de presumir que esse prejuízo não ocorrerá.
Daí que não possa reconhecer-se aos autores a pretensão de serem indemnizados pelo valor das benfeitorias por si realizadas, podendo os mesmos proceder ao seu levantamento, caso assim o entendam, deste modo evitando o alegado enriquecimento do réu.

2. Aqui chegados, perde interesse a questão do abuso do direito suscitada nos autos.
De qualquer modo, a este respeito, concluiu-se na sentença:

"Com relevância, decorre dos autos e factualidade provada que:
- Conforme documentos de fls. 313, 314 os AA. nunca pediram qualquer parecer e autorização para alteração ao uso do solo.
- A cedência da parcela de terreno aos AA. dirigiu-se no início à construção de um aviário, vide acta de fls. 228, 229, 316 a 318.
- Posteriormente, na acção sumária nº 146/97, do Tribunal Judicial de Mondim de Basto e que veio a redundar em transacção, a qual veio a ser, posteriormente, declarada nula, os AA. invocaram a acessão industrial, pelo facto de estarem a construir uma casa para habitação, vide artºs 4º, 5º e 6º, vide documento de fls. 118 a 120.
- Também decorre dos documentos de fls. 322 a 330 que os AA. sabiam desde 22.12.99 da impossibilidade legal de construir qualquer casa de habitação.
Ou seja, desde o início da cedência da parcela de terreno que os AA. sabiam e tinham conhecimento que a parcela se destinaria a um aviário, posteriormente, alteraram o fim da parcela para habitação.
Intentam a acção sumária nº 146/97, do Tribunal Judicial de Mondim de Basto, onde efectuam transacção, invocando a acessão industrial, pelo facto de estarem a construir uma casa para habitação.
Posteriormente tal transacção é declarada nula porque se verifica que nenhuma habitação havia sido efectuada na parcela de terreno.
Apesar de saberem da e a razão pela qual lhes foi atribuída a parcela de terreno (para um aviário, posteriormente alteram o fim para habitação), de forma temerária, efectuam obras e benfeitorias para fins agrícolas, sabendo que não foi essa a razão inicial que presidiu à atribuição da parcela de terreno, porquanto, nos termos da lei dos Baldios, artº 31º, nº 1, a), b) e 2, da Lei 68/93, de 4 de Setembro apenas podia ser atribuída a parcela de terreno caso o fim fosse a habitação ou instalação de unidades industriais.
Após todo este comportamento, aliado ao facto de durante todo o período de tempo que ocuparam a parcela de terreno terem extraído da mesma os benefícios que a parcela do terreno lhes trazia, ainda pretendem ser ressarcidos à custa da R. de obras que nenhuns benefícios e vantagens traz a esta, atentas as condicionantes legais acima referidas e que impossibilitam a R. de utilizar o solo nos termos em a que os AA. o destinaram e o fizeram[7].
Assim, ter-se-á de entender que os AA. ao deduzir a presente acção, manifesta e clamorosamente, ofendem os princípios da justiça como ensinava Manuel de Andrade (Teoria Geral das Obrigações pág. 63) ou na expressão de Vaz Serra com clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante (BMJ 85/253).
Com efeito, a dar-se acolhimento à presente acção de indemnização, tal significava fazer valer um direito em contradição com a conduta anterior do titular do mesmo.
Em suma, também por aqui o Tribunal considera não ser de conceder qualquer indemnização com base nas benfeitorias, atento o abuso de direito em que incorreram e actuaram".

A dúvida que temos sobre esta fundamentação consiste apenas em saber se estaremos face a uma situação de abuso do direito ou de falta de direito (independentemente do regime específico das benfeitorias acima exposto). Com efeito, os autores, investidos na qualidade de proprietários, passaram a efectuar melhoramentos no prédio no âmbito de uma exploração agrícola do terreno que sabiam não ser permitida por lei, sendo, por isso, incongruente pretender agora obter uma indemnização por tais benfeitorias que não deveriam ter realizado.

Mesmo na perspectiva do abuso, crê-se que a situação sugere mais a figura do tu quoque, do que propriamente o "venire", na medida em que, para além da situação da propriedade, a usufruição que os autores passaram a fazer do prédio, apesar de formalmente correcta, não corresponde à "situação jusmaterial querida pela ordem jurídica", pelo que não seria admissível a pretensão dos autores de se prevalecerem da situação daí decorrente[8].

Como quer que seja, sem direito ou com abuso dele, a consequência seria sempre a improcedência da pretensão indemnizatória dos autores, como acima se expôs.

V.

Em face do exposto, julgam-se as apelações improcedentes, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.

Porto, 3 de Dezembro de 2012
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
______________
[1] Cfr. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4ª ed., 112 e 113; P. Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, 146.
[2] Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. III, 2ª ed., 42; Rodrigues Bastos, Notas ao CC, Vol. V., 31; entre outros, os Acs. desta Relação de 20.7.78, CJ III, 4, 214 e do STJ de 3.4.84, BMJ 336-420, de 26.2.92, BMJ 414-556 e ainda, em www.dgsi.pt, de 29.5.79 (proc. nº 067830), de 3.5.90 (proc. nº 077854), de 23.4.2002 (proc. nº 01A4298), de 3.4.2003 (proc. nº 03A663).
[3] Pensa-se que já assim não será no caso de ser pedido o levantamento das benfeitorias: será então ao dono da coisa que cabe invocar o dano, como meio de oposição ao levantamento (circunstância impeditiva), com o consequente reconhecimento do direito a indemnização – cfr. Ac. do STJ de 27.4.99, BMJ 486-273.
[4] Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Ibidem; citado Ac. desta Relação de 20.7.78.
[5] Neste sentido, o Ac. do STJ de 18.12.2003, em www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Ac. do STJ de 28.5.86, BMJ 357-440.
[7] Afirma-se noutro passo da sentença que "a parcela de terreno situa-se numa zona de Reserva Agrícola Nacional, Zona de Reserva Ecológica, bem como integra o Parque Natural do Alvão da Rede Nacional das Áreas Protegidas" (cfr. docs. de fls. 306 a 312).
E que "nos termos do artº 6º, nº 1, do Dec. Lei nº 237/83, de 8 de Junho, qualquer alteração ao uso do solo, que tenha decorrido entre 8 de Junho de 1983 e 7 de Abril de 2008 é proibida sem parecer favorável do INCB, I.P., parecer favorável que os AA. nunca solicitaram e obtiveram" (cfr. docs. de fls. 313 e 314).
Apesar do que vem alegado pelos Recorrentes, os factos não são anteriores à entrada em vigor deste diploma, havendo nos autos elementos que permitem concluir que a própria cedência do terreno ocorreu em momento posterior – cfr. acta da Assembleia de Freguesia de 25.09.1983 – fls. 78 e 79 (317 e 318).
[8] Cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo IV, 336 e 337; também Da Boa Fé no Direito Civil, II, 849 e segs.