Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0431329
Nº Convencional: JTRP00033569
Relator: JOÃO VAZ
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
OBRAS
DESPESAS
Nº do Documento: RP200404290431329
Data do Acordão: 04/29/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: O comprador de uma fracção de um prédio em propriedade horizontal é responsável pelo pagamento das despesas com obras de conservação e beneficiação decididas em assembleia de condóminos realizada anteriormente à compra.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I-Relatório:
No .. Juízo Cível da Comarca do .........., por apenso a execução para pagamento de quantia certa, em que é exequente Administração do Condomínio do Edifício, .............., B.............. e marido C.............. deduziram embargos pedindo a sua procedência, com a subsequente extinção da execução.
Para tanto, alegam, em resumo, que não eram, ainda, proprietários da fracção autónoma do prédio constituído em propriedade horizontal, quando, em assembleia de condóminos se deliberou a realização de obras de conservação e beneficiação de partes comuns do edifício.

O exequente apresentou contestação, dizendo, em resumo, que os executados são responsáveis pelo pagamento parcelar do custo das obras, correspondente à fracção de que são donos.

Por sentença que se seguiu aos articulados, foi decidido julgar os embargos improcedentes e, consequentemente, extinta a execução.

Inconformado, o Embargado interpôs recurso, que foi recebido como apelação e em cujas alegações conclui pela forma seguinte:
1. Gozam os Executados para todos os efeitos a presunção da propriedade a seu favor, uma vez que adquiriram a fracção, através de escritura pública.
2. Os Executados desde que adquiriram aquela fracção sempre lá habitaram.
3. A obrigação de pagar a dívida exequenda, das obras de reparação da parte comum do prédio, transmite-se no caso concreto com a alienação e sendo os Executados responsáveis pelo pagamento da mesma, devendo os presentes embargos serem julgados não provados e subsistir a execução.
4. São os executados partes legítimas e responsáveis pelo pagamento da quantia exequenda.

Foram apresentadas alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
II-Fundamentos:
A) Factos tidos por provados na 1ª Instância:
1. Os embargantes são proprietários da fracção “J” do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..............., nº.. a .., no ........., descrito na Conservatória do Registo Predial do ........... sob o nº61.360 - documento de fls. 41 a 49 da execução.
2. O direito de propriedade sobre a dita fracção encontra-se inscrito, na respectiva Conservatória do Registo Predial, a favor dos embargantes, a fls. 58 do livro G-155, pela Ap. .../.......
3. A referida fracção foi adquirida pelos embargantes, por compra a D............... e E..............., realizada por escritura pública de 30/6/2000, exarada de fls. 36 a 38v., do Livro de Escrituras Diversas, nº50-D, do Cartório Notarial de .......... - documento de fls. 7 a 21, que aqui se reproduz.
4. Na assembleia geral de condóminos realizada em 28 de Janeiro de 2000, foi deliberada, por unanimidade dos condóminos presentes, a realização de obras no prédio, e ainda que o orçamento definitivo para essas obras seria apresentado até ao fim de Fevereiro, com a indicação do respectivo encargo por habitação, sendo que cada condómino deveria efectuar a liquidação do seu encargo até 31 de Maio de 2000, sob pena de lhe ser judicialmente exigido um acréscimo de 25% - documento de fls. 25 a 27, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. O orçamento definitivo referido em 4. constitui o documento de fls. 111-112, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Face à permilagem da fracção J do prédio, coube-lhe, como comparticipação nessas obras, a quantia total de Esc. 536.050$00.
7. Na assembleia geral de condóminos realizada em 27/10/2000, foi discutida e aprovada por unanimidade dos condóminos a adjudicação de obras de beneficiação e reabilitação das fachadas do prédio à empresa “F...........”, seleccionada em função dos recursos financeiros existentes nessa data, conforme documento de fls. 75 a 82 do processo principal, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
8. Obras essas no valor total de Esc. 32.643.000$00.
9. Na assembleia de condóminos de 26/1/2001, foi deliberado que aos condóminos que não procedessem ao atempado pagamento das prestações, com um período de carência de 60 dias a partir da data do vencimento, seria cobrada uma pena pecuniária de 25% ao mês, conforme documento de fls. 84 a 90 do processo principal, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. Os embargantes não procederam ao pagamento da quantia referida em 6, não obstante terem sido, por diversas vezes e sob diversas formas, instados pelo embargado no sentido de o efectuarem.

B) Apreciação dos factos e sua qualificação:
É pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, nos termos dos artºs 684º e 690º do C.P.Civil.

Remetemos para os fundamentos e decisão da sentença recorrida, por merecerem a nossa concordância, nos termos do artº 713º nº5 do C.P.Civil.

No entanto, sempre diremos o seguinte:
O acordo, pelo qual os condóminos, reunidos em assembleia, deliberaram submeter o seu prédio a obras de beneficiação e de reabilitação, foi celebrado em 28 de Janeiro de 2000.
Foram os anteproprietários da fracção autónoma, hoje pertencente aos Executados, quem ali interveio, na qualidade de condóminos, pois que a transmissão da propriedade para os ora Embargantes apenas se operou, por escritura celebrada em 30 de Junho daquele ano.
E foram aqueles antecessores dos Embargantes quem assumiu, juntamente com os restantes condóminos e perante o condomínio do prédio, a obrigação de realizar obras de conservação e beneficiação, fixando acordo quanto à celebração do pertinente contrato de empreitada e pagamento da parcela do preço, em conformidade com a respectiva permilagem.
Trata-se de obrigação não autónoma ou dependente, que surge de um facto que pressupõe um direito pré-existente e que, não constituindo a regra, ocorre na sequência do direito real que o de propriedade contém e intrinsecamente ligado ao de condómino.
Em geral, estes vínculos jurídicos são denominados “obrigações reais” ou “obrigações ambulatórias”, “ob rem” ou “propter rem”, determinando-se a pessoa do devedor pela titularidade de um direito real – são exemplos disso, a obrigação de contribuir para as despesas para a coisa comum e decorrentes da situação de comproprietário (artº 1411º do C.Civil), com cuja semelhança se apresenta a do artº 1424º, do mesmo Código (relativo ao condomínio) – v. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 7ª ed., pág. 84 e 576; Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 7ª ed. pág. 12; Henrique Mesquita, in “Direitos Reais, 1967, pág. 261.

Referem P.Lima e A.Varela, in C.Civil anotado, 2º ed., vol. 3º, pág. 385, citando Henrique Mesquita: “Devedor (no caso de compropriedade) é quem for titular da compropriedade na altura em que a despesa se torna necessária e enquanto a necessidade estiver por satisfazer”; “mesmo que algum dos consortes transmita entretanto a sua quota a estranhos, antes de haver cumprido a sua obrigação de comparticipação, esta já se não transmite ao adquirente da quota”. E, mais adiante, justifica este entendimento, dizendo: “o adquirente nem sempre tem facilidade de averiguar, no momento da aquisição, se há prestações em dívida, por parte do alienante, e qual é, no caso afirmativo, o seu exacto montante”; “por outro lado, quando a aquisição se faz a título oneroso, a contraprestação prometida pelo adquirente terá por via de regra em linha de conta o aumento de valor obtido pela coisa através das despesas de conservação anteriormente efectuadas”. - v. ainda, Mota Pinto, in “Revista de Direito e Estudos Sociais”, 21º, pág. 102.
Face a este entendimento (que é o nosso) será que a obrigação não impende sobre o adquirente da fracção autónoma, por não ter sido ele quem celebrou (interveio) no acordo que deu origem à despesa com as obras realizadas, cujo pagamento, agora se exige?
Pensamos que o comprador assume tal responsabilidade, pelos fundamentos que vamos passar a descrever:

Não vamos desenvolver qualquer comentário sobre a eventual responsabilidade do vendedor, pois o que nos interessa saber é se o comprador, cumulativamente ou não com aquele, é responsável pelo pagamento do montante correspondente às despesas com a dita obra de conservação e beneficiação do prédio.
O entendimento formulado por P. Lima e A. Varela, atrás enunciado, resulta da ideia de que, por regra, o vendedor, ao fixar o preço da venda da fracção autónoma, toma em consideração o aumento do valor do imóvel resultante das mencionadas obras – e que, por forma correspondente, o comprador aceita, por, como é óbvio, reconhecer esse circunstancialismo.
Se bem repararmos, muito embora se tenha estabelecido, na assembleia de condóminos de 28-1-2000, que o orçamento (para futura aprovação, claro está) seria apresentado até ao fim de Fevereiro seguinte, tal só veio a ocorrer em 27-10-2000.
Entretanto, a fracção foi vendida por escritura de 30-6-2000, ou seja, antes de ter sido apresentado o aludido orçamento e (diga-se necessariamente) acordado em assembleia.
Quer dizer:
Quando a fracção autónoma, hoje dos embargantes, lhes foi vendida, ainda não se sabia qual haveria de ser o preço a pagar pela obra e, consequentemente, o correspondente à permilagem respectiva – querendo-se significar que a aludida despesa a que haveria de corresponder o aumento do valor do imóvel, por força das obras de conservação e beneficiação, não pode ter sido considerada na fixação do preço de venda (a não ser que o tenha sido por mera estimativa ou, a qualquer outro título, considerado, o que não se provou nos autos nem foi alegado).

Por outro lado, como pode ver-se do documento de fls. 14 da acção executiva de que estes embargos são apenso, os embargantes estiveram presentes e, juntamente com os restantes condóminos, votaram (por unanimidade) a adjudicação da obra e respectivo preço.
Por isso, também por este fundamento, não se pode dizer que os ora embargantes, só por serem os compradores da dita fracção e não terem sido eles quem interveio na deliberação pela qual a realização da obra foi acordada, não devem ser responsabilizados pelo pagamento da parte lhes cabe naquela despesa, tanto mais que não manifestaram a sua discordância sobre esse aspecto – pelo contrário, manifestaram-se favoravelmente, como ficou a constar da respectiva acta.
Aliás e como se depreende da leitura do texto doutrinal que atrás reproduzimos, para que o comprador fosse isentado da responsabilidade por tal pagamento, seria necessário que se demonstrasse que a obra de conservação tinha sido efectuada anteriormente à data da escritura de compra e venda ou, pelo menos (dizemos nós), que já se conhecesse o valor daquela despesa e se demonstrasse, neste caso, que na fixação do preço de venda foi tomada em consideração.
Deste modo, à falta de outros elementos de prova sobre factos que os autos não contém, teremos de concluir que os compradores beneficiaram do aumento de valor que a obra trouxe à sua fracção e com cuja despesa, como se referiu, concordaram.
Em resumo: independentemente de se considerar que os vendedores possam ser (também) responsabilizados por tal pagamento (nomeadamente ao nível das relações internas – comprador/vendedor), concluímos quer tal responsabilidade impende sobre os compradores ora embargantes, como donos actuais da dita fracção, de harmonia com o princípio “propter rem” atrás aludido.
Deste modo, com a procedência da apelação, revogar-se-á a sentença recorrida.

III-Decisão:
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente, em consequência do que se revoga a sentença recorrida e, em conformidade, se julga estes embargos improcedentes.
Custas do recurso, pelos apelados.

Porto, 29 de Abril de 2004
João Carlos da Silva Vaz
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes