Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
86/05.1TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
REVOGAÇÃO
FORMA
Nº do Documento: RP2011060686/05.1TVPRT.P1
Data do Acordão: 06/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Embora o contrato-promessa de compra e venda em causa esteja sujeito à forma escrita (artº 410° nº 1 e 2 CC), a sua revogação não tem de obedecer à mesma forma.
II - O distrate é, em regra, um contrato puramente consensual, nos termos do art 219° CC. E pode resultar de meros comportamentos das partes que com toda a probabilidade o revelam artº 217°, CC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 86/05.1TVPRT.P1 (526/11)- AGRAVO/APELAÇÃO

Relator: Caimoto Jácome(1218)
Adjuntos: Macedo Domingues()
António Eleutério()

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1-RELATÓRIO

B…, com os sinais dos autos, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a sociedade C…, S.A., com sede no Porto, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 44.891,81.
Alegou, em síntese, os factos atinentes, na sua perspectiva, ao reconhecimento judicial do seu crédito sobre a demandada promitente vendedora (sinal dobrado por incumprimento do contrato-promessa referido na petição).
Citada, a ré contestou, excepcionando a prescrição e a revogação do aludido contrato-promessa e impugnando, depois, os factos vertidos na petição na medida em que sustentam o pedido formulado pelo autor, que deve improceder.
O demandante replicou, sustentando a inexistência de prescrição.
Houve tréplica da demandada, articulado mandado desentranhar por despacho de fls. 234-236.
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Por despacho de fls. 110 a 114, ao abrigo do art. 508.º, n.º1, al. a), do Cód. Proc. Civil, o autor foi convidado a proceder ao chamamento do outro promitente comprador, D…, para se associar a si, através da dedução do incidente de intervenção principal provocada, convite que, porém, o A. não aceitou.
Consequentemente, por despacho de fls. 121 a 126, o autor foi julgado parte ilegítima, por preterição de litisconsórcio necessário activo, absolvendo-se a ré da instância.
O A. veio, então, requerer a intervenção principal provocada de D…, devidamente admitida, por despacho transitado em julgado.
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Proferiu-se despacho saneador-sentença, confirmado pela Relação, cujo acórdão foi revogado no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) - ver acórdão de fls. 502-511 -, voltando os autos à 1ª instância.

Proferiu-se, então, despacho de saneamento e condensação.

Na fase de instrução, veio o autor requerer (fls. 528) a ampliação do pedido, pretensão admitida por despacho de fls. 589.

Inconformada, a ré agravou desse despacho tendo, nas alegações, concluído:
1ª- Veio o Autor requerer a ampliação do pedido, para que fosse a Ré condenada no pagamento de juros moratórios e sanção compulsória.
2ª- Nesse seguimento foi proferido despacho admitindo a ampliação do pedido.
3ª- Nos termos do citado n.º 2 do artigo 2730 C.P.C., a ampliação do pedido é permitida, se estivermos perante o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
4ª-No caso vertente não estamos manifestamente perante uma situação enquadrável em tal preceito legal.
5ª- O Autor deveria ter pedido o pagamento de juros moratórios juntamente com o pedido inicial, e não nesta fase do processo, até porque, os solicitados juros não decorrem do pedido inicial.
6ª- Não estamos perante factos novos, levados neste momento ao conhecimento do Autor, não estando de igual modo em causa um aumento do pedido primitivo, não se invocando, sequer, qualquer fundamento justificativo da desejada alteração.
7ª- Ainda assim, a haver lugar a qualquer pagamento de juros, seria tal valor calculado à taxa legal de 4% ao ano.
8ª- Só se compreendendo o valor apresentado tratando-se de um lapso nos cálculos efectua dos, ao qual a Ré se opôs em devido tempo.
9ª- No âmbito do mesmo pedido de ampliação é solicitado de igual modo, que a Ré seja condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.
10ª- A sanção pecuniária compulsória, prevista no artigo 829 - A do Código Civil, não poderá em momento algum ser paga desde a citação ou qualquer outro
momento, dado que aquela se destina a ser aplicada, sempre, e desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado (n.v 4 do artigo 829 - A do C.C.).
11ª- No Contrato - Promessa de Compra e venda, junto à P.L, não está contemplada nenhuma sanção pecuniária compulsória além da que resulta automaticamente da lei.
12ª- Aquando da notificação do requerimento apresentado pelo Autor, com a solicitação de ampliação do pedido, apresentou a Ré, aqui agravante, um requerimento em 2009.07.03, mediante o qual expunha as suas razões de discordância com a ampliação requerida, requerendo o seu indeferimento.
13ª- Acontece porém, que tal requerimento, nunca mereceu qualquer tipo de resposta por parte desse Tribunal, facto que configura, a nosso ver, clara Omissão de Formalidades que a lei prescreve.
14ª- Deste modo, estamos perante uma Nulidade, prevista no artigo 201º n.º 1 do Código de Processo Civil.
15ª- Dispõe o artigo 273º nº 2 do C.P.Civil que, o pedido poder ser ampliado até ao encerramento da discussão em primeira instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
16ª- Face ao despacho exarado, não se alcança onde foi enquadrado tal ampliação, dado que, os juros moratórios e sanção compulsória, não são o desenvolvimento nem a consequência do pedido primitivo.
17ª- O requerimento apresentado pelo Autor, não fundamenta tão pouco a sua pretensão, solicitando em singelo a ampliação do pedido.
18ª- Por outro lado, o despacho que a aceita e defere, é do mesmo modo omisso em qualquer fundamentação, remetendo exclusivamente para o supra citado artigo 273º n.o do C.P.Civil.
19ª- Porém, salvo o devido respeito, não poderá aí ser enquadrado o presente pedido, que deveria ter merecido o indeferimento.
20ª- No tocante à Sanção Pecuniária Compulsória, não vislumbramos também, como foi aceite na ampliação do pedido, uma vez que aquela se destina a ser aplicada, sempre, e desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado (n.º 4 do artigo 829 - A do C.C.), e nunca nesta fase processual.

Não houve resposta às alegações.
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Após julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu (dispositivo):
“Nos termos expostos, julgo pois a presente acção totalmente improcedente, absolvendo, em consequência, a Ré do pedido.
Custas pelo A.”.

Inconformado, o autor apelou da sentença tendo, nas alegações, concluído:
1) A sentença recorrida valorou erradamente como confissão o “depoimento” de parte do interveniente principal D… e, consequentemente, julgou provados os factos vertidos sob os pontos controvertidos n.º 1.º a 5.º da base instrutória.
2) Ao relevar a eficácia probatória de algo que não podia ser facto desfavorável ao A., numa hipótese de litisconsórcio necessário entre o A. B… e o interveniente “depoente” – para mera “coincidência” sócio e gerente da devedora, fez-se errada interpretação dos artigos 353.º, n.º 2, 352.º e 358.º, n.º 1, do C.C., tal como se recolhe na doutrina e jurisprudência referenciados acima de 20 a 26.
3) Ao reconhecer eficácia como “testemunho de parte” a declaração que não vale como confissão, fez-se errada interpretação e aplicação do regime dos artigos 352.º do C.C. e 617.º do C.P.C., como é ensinamento da doutrina e da jurisprudência – cfr. acima nos n.º 44 a 47 destas alegações.
4) Admitir recorrer à presunção judicial, quando a Ré invocava, como prova da “revogação contratual” que era o suporte e fundamento da excepção peremptória que deduziu,
5) negligenciando que foi a Ré a alegar que havia um documento escrito a tal destinado – artigos 33.º a 35.º da douta contestação e as alegações apresentadas em 11/02/2009, nos autos – interpretou-se erradamente os artigos 351.º e 393.º, n.º 2, do C.C.
6) Constatada a impossibilidade de prova pessoal,
se é a Ré que alega - a fazer fé no depoimento do co-A. e da testemunha que tal contabilidade organizava -, que os movimentos correspondentes à revogação, teriam sido levados à conta de suprimentos do co-A - o depoente – confitente – gerente (ao tempo) -, pese embora a “tonitruância” da argumentação, toda e qualquer impossibilidade de prova, é imputável à Ré – até pelo dever de conservação da contabilidade por dado espaço de tempo.
7) Permitindo à Ré usar prova pessoal para suprir prova documental que diz ter tido em seu poder, mesmo que se extraviasse do seu arquivo – sibi imputat! -fez-se errada interpretação dos artigos 344.º, n.º 2, 349.º e 351.º, todos do C.C.
Acresce que,
8) as “regras da experiência comum” que subjazem ao juízo de “livre convicção” ínsito no artigo 655.º do C.P.C., como as de certeza moral, levam a que se não valorize excessivamente o depoimento de quem, sendo parte, estava impedido de depor como testemunha – artigo 617.º do C.P.C.,e, para mais - face ao notório conflito de interesses deste co-A. que, também e ao mesmo tempo é representante da devedora Ré -numa situação em que se alude a um eventual acerto de contas entre dois cidadãos, acerto que englobasse um eventual crédito ao menos de um deles para com terceiro – a Ré que, apesar de tudo nele não interveio nem como destinatária das eventuais declarações –, representado por quem, por essa dupla qualidade de sócio e gerente da devedora demandada, nada perderia (e, mesmo que mediatamente, tudo teria a ganhar) se visse contrariada a tese do A.!
Decidindo de forma diferente, violava-se o regime dos artigos 349.º, 361.º do C.C. e 655.º do C.P.C.
9) Dando como provada a matéria do item 5.º, com base em “depoimento” não confessório de parte de um co-A e com recurso a presunção judicial numa hipótese em que tal não era aceitável, violou-se o regime dos artigos 516.º do C.P.C. e 342.º, n.º 2, do C.C., pelo que se deve alterar a douta resposta aos itens 1.º a 5.º da base instrutória, no sentido de considerar:”não provado”
10) Alterada a resposta em sede fáctica, tendo em conta a matéria assente, e porque foi a Ré a incumprir o contrato-promessa invocado, quando não compareceu no 6.º Cartório Notarial do Porto para a celebração da escritura pública, na sequência da notificação judicial avulsa efectuada pelo A. B… em 15/11/2004, este deve considerar-se definitivamente incumprido, desde aquela data.
11) Deve, pois, a Ré ser condenada a restituir ao A. o dobro do sinal prestado.
Decidindo, em contrário, a douta sentença violou o regime dos artigos 801.º, 808.º e 442.º, n.º 2, 2ª. parte, bem como 342.º, n.º 2, do C.C. e 516.º do C.P.C..

Na resposta às alegações a apelada defende a manutenção do decidido.
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O julgador a quo sustentou o agravo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 3, do C.P.Civil.
Nos termos do estatuído no artº 710º, nº 1, do CPC, “os agravos interpostos pelo apelado que interessem à decisão da causa só são apreciados se a sentença não for confirmada”, que, de todo o modo, apenas será provido “quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o agravante" (nº 2, do citado normativo).
APELAÇÃO
2.1 - OS FACTOS E O DIREITO

Conclui o recorrente que “A sentença recorrida valorou erradamente como confissão o “depoimento” de parte do interveniente principal D… e, consequentemente, julgou provados os factos vertidos sob os pontos controvertidos n.º 1.º a 5.º da base instrutória”.
Conclui, ainda, além do mais, que “Dando como provada a matéria do item 5.º, com base em “depoimento” não confessório de parte de um co-A e com recurso a presunção judicial numa hipótese em que tal não era aceitável, violou-se o regime dos artigos 516.º do C.P.C. e 342.º, n.º 2, do C.C., pelo que se deve alterar a douta resposta aos itens 1.º a 5.º da base instrutória, no sentido de considerar:”não provado”
Quer dizer, o apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto, de fls. 673-675, na qual se respondeu positivamente à matéria de todos os quesitos (1º a 5º).
Na respectiva motivação, a julgadora da 1ª instância afirma:
A matéria constante dos quesitos 1º a 5º foi alegada pela R., na sua contestação, e não impugnada pelo A. B….
A confissão ficta desses factos não foi considerada admissível, por se estar perante um litisconsórcio necessário e a confissão provir apenas de um dos A. - e não também do interveniente. Foi o que se decidiu no acórdão do STJ que consta de fls. 502 e ss. e o que motivou a elaboração da base instrutória.
Posteriormente, o interveniente principal D… veio apresentar declaração confessória escrita dos factos constantes do quesito 5° (revogação do contrato-promessa), que está junta a fls. 632-633.
A autoria dessa declaração foi confirmada pelo próprio em audiência de julgamento, pelo que tal declaração constitui uma confissão judicial espontânea, permitida nos termos do artigo 356°, n.º 1, do C.Civil.
Para além disso, o mesmo A. prestou depoimento de parte à matéria de todos os quesitos, tendo confirmado o que deles consta. Na posição que assume no processo - a de Autor, por via da sua admissão como interveniente principal - os factos sobre os quais depôs são-lhe desfavoráveis, e foram admitidos, pelo que devem ter-se por expressamente confessados.
A confissão tácita do A. B… pode então agora ser valorada, posto que também o seu litisconsorte necessário veio confessar.
Sendo evidente que não é por haver litisconsórcio necessário que a confissão (por todos os litisconsortes) é proibida. O que não pode ser é admitida a confissão que não provenha de todos os litisconsortes.
Por outro lado, não é defensável o entendimento de que os factos a que depôs o interveniente principal não lhe são desfavoráveis - por beneficiarem a R., de quem é sócio e, portanto, insusceptíveis de confissão. As personalidades do interveniente e da R. não se confundem e a sua posição nos autos é antagónica.
Mas ainda que assim não se entendesse, sempre se dirá que o depoimento do interveniente, acompanhado dos documentos cuja junção foi ordenada em audiência, convenceu por si só o tribunal da veracidade dos factos quesitados, principalmente quando se constata que tais factos não foram contrariados pelo A. B…, que também nenhuma contra-prova produziu sobre os mesmos.
Não é credível, em termos de experiência comum, que duas pessoas que têm diversos negócios em comum, que envolvem valores elevadíssimos (vd. aqueles documentos), resolvam pôr-lhes termo e deixem ficar por resolver aspectos secundários como a restituição de uma quantia paga a título de sinal num contrato-promessa com mais de 20 anos à data da propositura desta acção. O que faz sentido é que, como se perguntava nos quesitos, esses diversos negócios entre si relacionados tenham tido uma solução global, com encontros de contas globais, tudo como foi afirmado com pormenor e de forma convincente pelo depoente.
Assim sendo, e em resumo, para as respostas positivas dadas aos quesitos apoiou-se o tribunal na confissão do interveniente D….
Ainda que de confissão não se tratasse (mas trata-se), sempre o seu depoimento, aliado aos documentos por ele apresentados e juntos aos autos, a serem objecto de livre apreciação, convenceram o tribunal da veracidade desses factos”.
Vejamos.
A noção de confissão é-nos dada pelo artº 352º, do Código Civil(CC): ”Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.”.
É, pois, sabido que a “confissão constitui prova, não a favor de quem a emite, mas a favor da parte contrária; portanto recai necessariamente sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis ao seu adversário” (A. dos Reis, C.P.C. Anotado, IV, p. 70).
Dispõe o artº 353º, do CC:
“1 - A confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira.
2 - A confissão feita pelo litisconsorte é eficaz, se o litisconsórcio for voluntário, embora o seu efeito se restrinja ao interesse do confitente; mas não o é, se o litisconsórcio for necessário.”.
O depoimento de parte só pode ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento (artº 554º, do CPC).
Como vimos, foi admitida a intervenção principal provocada de D…, como associado do autor (arts. 325º e 327º, do CPC).
No aludido acórdão do STJ considerou-se que “existindo uma situação de litisconsórcio necessário entre o A. e o chamado-interveniente, parece-nos que a confissão tácita (quanto à revogação do contrato) efectuada pelo A. não pode ser considerada eficaz, face àquele art. 353º nº 2. Não pode a confissão, mesmo expressa, produzir efeitos em relação ao próprio confitente.
Não é, por conseguinte, admissível confissão no caso vertente, integrando-se, assim, a segunda excepção à regra do art. 490º nº 2”(do CPC).
Importa, desde logo, sublinhar que, a nosso ver e tal como ajuizado, quer no acórdão desta Relação, de fls. 342-358, como no mencionado aresto do STJ, dúvidas parecem não restar de que terá de considerar-se a existência de confissão ficta (tácita), no tocante aos factos articulados na contestação nos arts 27° a 35°, relativos à alegada revogação do contrato-promessa, matéria à qual o autor/apelante não respondeu, como lhe era facultado pelo art° 502°, do CPC (ver arts. 490º, nº 2, e 505º, do CPC).
O interveniente D… prestou depoimento pessoal, requerido pela ré (fls. 536) e admitido pelo Sr. Juiz (fls. 589), tendo reiterado, na audiência de julgamento (ver artº 356º, do CC, e 563º, do CPC), o antes declarado por escrito (fls. 632-633), a saber, que as partes revogaram, consensualmente, o contrato-promessa em causa.
Verifica-se uma confissão eficaz, na descrita situação de litisconsórcio necessário activo?
Ao contrário do observado pelo recorrente, pese embora se deva reconhecer que a sua perspectiva poderá constituir uma solução plausível da questão, pensamos que a confissão do interveniente, associado do demandante, é, no caso, possível e revela-se juridicamente eficaz.
Na verdade, tal como ponderado pela julgadora da 1ª instância, também entendemos que “Na posição que assume no processo - a de Autor, por via da sua admissão como interveniente principal - os factos sobre os quais depôs são-lhe desfavoráveis, e foram admitidos, pelo que devem ter-se por expressamente confessados.
A confissão tácita do A. B… pode então agora ser valorada, posto que também o seu litisconsorte necessário veio confessar.
Sendo evidente que não é por haver litisconsórcio necessário que a confissão (por todos os litisconsortes) é proibida. O que não pode ser é admitida a confissão que não provenha de todos os litisconsortes.
Por outro lado, não é defensável o entendimento de que os factos a que depôs o interveniente principal não lhe são desfavoráveis - por beneficiarem a R., de quem é sócio e, portanto, insusceptíveis de confissão. As personalidades do interveniente e da R. não se confundem e a sua posição nos autos é antagónica.”
O facto de o interveniente ter uma participação social na sociedade demandada, revelador de um aparente conflito de interesses, não implica, necessariamente, que a sua confissão tenha recaído sobre factos que lhe são favoráveis bem como, obviamente, à sociedade ré.
Enquanto promitente comprador, o reconhecimento, pelo interveniente D…, dos factos vertidos nos quesitos da base instrutória, envolve, objectivamente, a admissão de factos desfavoráveis ao confitente (promitente comprador) e favoráveis à ré (promitente vendedora).
A situação em apreço não se equipara, a nosso ver, á descrita no acórdão do STJ, de 25/11/2010, proc. nº 3070/04.9TVLSB.L1.S1(ver em dgsi.pt), citado pelo apelante na sua alegação.
Em suma, apoiamos a motivação da decisão sobre a matéria de facto e a valoração do depoimento de parte efectuado pelo interveniente principal D…, no sentido de se considerar provada a matéria dos quesitos 1º a 5º, da base instrutória.
Deste modo, considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
A) Mediante contrato-promessa de 29 de Junho de 1982, prometeu a Ré vender, em comum e partes iguais, ao A. e a D…, o 2.º andar do prédio urbano sito na …, .., da cidade do Porto, inscrito na matriz da freguesia … sob o art. 9960 e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o art. 52561 – al. A), da matéria de facto assente.
B) Por apresentação 12 de 13-1-1982, a Ré requereu na respectiva Conservatória o registo da propriedade horizontal – al. B), da matéria de facto assente.
C) O preço convencionado foi de Esc. 9.000.000$00 (€44.891,81), tendo os promitentes-compradores pago na data da outorga do aludido contrato, em partes iguais, como sinal e princípio de pagamento, a importância de Esc. 7.600.000$00 (€37.908,64) – al. C), da matéria de facto assente.
D) Mais tarde - 12 de Agosto de 1982 – entregaram os promitentes-compradores (o A. e o D…) à Ré, para pagamento integral do preço de Esc. 9.000.000$00, Esc. 700.000$00 (€3.491,59) cada um deles – al. D), da matéria de facto assente.
E) Foi o respectivo contrato-promessa outorgado na perspectiva, à data já concretizada, da constituição em regime de propriedade horizontal do respectivo imóvel – al. E), da matéria de facto assente.
F) Ficou convencionado que a escritura de compra seria outorgada no prazo de 30 dias a contar da data da inscrição na matriz da fracção correspondente a todo o segundo andar do identificado prédio – al. F), da matéria de facto assente.
G) O A. procedeu à notificação judicial avulsa da Ré para comparecer no dia 23 de Novembro pelas 14,30 horas no 6.º Cartório Notarial do Porto para a celebração da escritura pública – al. G), da matéria de facto assente.
H) Efectuada em 15 de Novembro de 2004 a respectiva notificação, não compareceu nem se fez representar a Ré no aludido Cartório Notarial, a fim de aí se proceder à outorga da respectiva escritura – al. H), da matéria de facto assente.
I) O A., por sua vez, compareceu com o imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis (IMT) pago – al. I), da matéria de facto assente.
J) O A. e o Sr. D…, sócio-gerente da Ré, são sócios numa empresa de fabrico de conservas de peixe, com sede em … – al. J), da matéria de facto assente.
L) A fracção autónoma referida em A) foi prometida comprar pelos sócios referidos em J) na perspectiva de aí instalar uma sociedade de mediação internacional dos negócios da empresa de conservas de peixe – resposta ao art. 1.º, da base instrutória.
M) Posteriormente, os referidos sócios abandonaram a ideia de construir a sociedade de mediação – resposta ao art. 2.º, da base instrutória.
N) Tais sócios durante os anos de 1981 a 1984 adquiriram diversas sociedades que acabaram por vender, realizando, deste modo, negócios em que havia sempre contas a saldar entre eles – resposta ao art. 3.º, da base instrutória.
O) No âmbito desse encontro de contas, foi o A. B… integralmente ressarcido da quantia que tinha dispendido na promessa de compra do imóvel objecto dos autos – resposta ao art. 4.º, da base instrutória.
P) E foi ainda o contrato-promessa objecto dos autos, revogado pelas partes durante o ano de 1983 – resposta ao art. 5.º, da base instrutória.
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Assente a matéria de facto, diremos, no tocante ao mérito da acção, acompanhando a fundamentação vertida na sentença recorrida, que, em face da matéria de facto apurada, se impunha a decisão da 1ª instância.
A sentença recorrida encontra-se bem fundamentada, de facto e de direito, pelo que este é um caso de remissão para os fundamentos da decisão posta em crise (artº 713º, nº 5, do CPC).
Na verdade, também entendemos, dada a factualidade apurada e o direito aplicável, que acção improcede nos precisos termos do decidido na sentença posta em crise, porquanto a demandada logrou provar, como lhe competia (artº 342º, nº 2, do CC), os factos integradores da revogação do contrato-promessa em causa.
As razões de tal entendimento mostram-se adequada e desenvolvidamente expostas na sentença recorrida, sendo desnecessário repeti-las.
Salientaremos, de todo o modo, os seguintes pontos:
- O contrato só pode extinguir-se nos casos admitidos na lei ou por mútuo consentimento dos contraentes (art. 406º, nº 1, do CC).
- A cessação de um contrato, por acordo, consiste na sua revogação, ou seja, na destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do contrato (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7.ª ed., II, p. 279.
- Trata-se de um contrato extintivo ou abolitivo, permitido pelo princípio da liberdade ou autonomia negocial (art. 405º, nº 1, do CC).
- É de distrate o contrato mediante o qual as partes revogam um contrato anterior, com ou sem eficácia retroactiva, consoante o que as partes estipulem (Vaz Serra, RLJ, 112º, pág. 30).
- O distrate é, em regra, um contrato puramente consensual, atento o disposto no artigo 219º, do CC:
"A validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir".
- Além disto, o distrate, o mútuo dissenso, pode resultar de meros comportamentos das partes que com toda a probabilidade o revelam (artº 217º, CC).
- "Se o contrato que é extinto estava legalmente sujeito a documento, a posterior estipulação revogatória só está sujeita a essa forma se as razões daquela exigência lhe foram aplicáveis; se o contrato que é extinto não estava legalmente sujeito a documento, mas esta forma tiver sido adoptada pelas partes, a estipulação revogatória é válida, excepto se, para o efeito, a lei exigir forma escrita". É o que resulta do disposto nos arts 221º, nº 2, 222º, nº 2, do CC, na lição de Vaz Serra, RLJ, 112º, pág. 32.
- Embora o contrato-promessa de compra e venda em causa esteja sujeito à forma escrita (artº 410º n.º 1 e 2, do CC), a sua revogação não tem de obedecer à mesma forma.
- Ensina o Prof. Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica), “a forma prescrita para o negócio jurídico não compreende só as suas cláusulas essenciais, mas também as estipulações acessórias, típicas ou atípicas (…). Já não se estende, porém, aos chamados negócios abolitivos, tendentes a anular, revogar ou destruir um precedente negócio solene ou a relação jurídica dele derivada”.
- No mesmo sentido, sustenta Rui Alarcão (Anteprojectos do Código, BMJ, 86º/23), “não deve considerar-se sujeito à forma requerida o pacto que a extinga, desde que as circunstâncias objectivas do caso o tornem verosímil, salvo se a razão de exigência da forma exigir a subordinação de tal pacto a essa forma” (ver, entre outros, os acórdãos desta Relação de 24/10/2006 e 13/02/2007, em dgsi.pt).
Em suma, validamente revogado o contrato-promessa em causa, não se coloca, obviamente, a questão do seu incumprimento (definitivo) por parte da ré promitente vendedora, conducente à obrigação de pagamento do sinal dobrado (artº 442º, nº 2, do CC).
A solução jurídica do presente pleito é precisamente, a nosso ver, a que foi acolhida na 1ª instância.
Improcedem, assim, as conclusões da alegação do recurso.
AGRAVO
Face ao ajuizado na apelação (improcedência) e tendo presente que “os agravos interpostos pelo apelado que interessem à decisão da causa só são apreciados se a sentença não for confirmada” (artº 710º, nº 1, do CPC), fica prejudicada a apreciação do recurso de agravo deduzido pela ré/apelada.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
a)Improcedente o recurso de Apelação, confirmando-se a decisão recorrida;
b)Prejudicado o conhecimento do Agravo.
Custas pelo Apelante.

Porto, 06/06/2011
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
António Eleutério Brandão Valente de Almeida