Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1668/11.8PBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: REGISTO CRIMINAL
TRANSCRIÇÃO
Nº do Documento: RP201306261668/11.8PBMTS.P1
Data do Acordão: 06/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O juiz pode determinar a não transcrição no registo criminal de uma pena de prisão superior a um ano, declarada suspensa na sua execução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1668/11.8PBMTS.P1
4.º Juízo Criminal do Tribunal de Matosinhos

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório.
O Ministério Público recorreu do despacho proferido no processo em epígrafe que deferiu o pedido do arguido B… de não transcrição da condenação nos certificados de registo criminal da pena de 2 anos e 2 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa na sua execução por igual período, pedindo que o mesmo seja revogado e substituído por outro que indefira aquele requerimento, concluindo a motivação com as seguintes conclusões:
1 - Nos presentes autos de processo comum singular, B… foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão cuja execução ficou suspensa na sua execução por igual período, nos termos do preceituado no art. 50.º, n.º 2 do Código Penal, tendo o condenado requerido a não transcrição da condenação no certificado de registo criminal nos termos do preceituado no art. 17. ° da Lei n.º 57/98 de 18 de Agosto, o que foi deferido pelo Tribunal no douto despacho ora objecto de recurso;
2 - O art.º 17.º da Lei n.º 57/98 de 18 de Agosto (na redacção dada pela Lei n.º 114/2009 de 22 de Setembro) dispõe que "Os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, (...) a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11.º e 12.º.
3 - A pena de prisão até um ano e a pena não privativa da liberdade a que alude o citado art.º 17.º comporta apenas a pena de multa e a pena de prisão que não exceda aquele limite;
4 - A suspensão da pena de prisão aplicada em medida superior a um ano está excluída do âmbito de aplicação do preceito em causa já que apesar de a mesma se poder considerar uma pena autónoma, o facto é que está sempre dependente da pena principal que a qualquer momento pode vir a ser executada;
5 - E caso assim fosse ficaria o Tribunal na posição "incómoda"de ter ordenado a não transcrição de uma condenação em pena de prisão superior a um ano, suspensa na execução, se essa condenação não se mantivesse e a pena de prisão aplicada ab initio fosse mandada executar (!);
6 - Caso o legislador tivesse pretendido consagrar tal solução certamente que o teria feito constar expressamente como o fez para os casos de cancelamento definitivo - cfr. art.º 4.º, n.º 1 da Lei n.º 113/2009 de 17 de Setembro;
7 - Em suma, quando o art.º 17.º estabelece a possibilidade de dispensa da transcrição da condenação no certificado de registo criminal pretende apenas consagrar os casos em que foi aplicada pena de prisão que não exceda aquele limite (ainda que substituída por outra pena alternativa) e pena de multa;
8 - Tendo B… sido condenado nestes autos na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, tal condenação está excluída do âmbito de aplicação do citado art.º 17.º uma vez que excede o limite de 1 (um) ano ali previsto;
9 - Pelo que, ao determinar a não transcrição para o certificado de registo criminal da condenação proferida nos autos violou o Tribunal, por erro de interpretação, o preceituado nas disposições combinadas dos art.os 11.º, 12.º e 17.º da Lei n.º 57/98 de 18 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 114/2009 de 22 de Setembro.

O arguido respondeu ao recurso, pugnando para que se negue provimento e se mantenha o despacho recorrido, para tanto alinhando as seguintes razões:
1. Vem o Exm.º Ministério Público recorrer do douto despacho da Meritíssima Juíza proferido a fls. 188 e 189, o qual, versando sobre requerimento de não transcrição da condenação nos presentes autos no certificado de registo criminal nos termos do preceituado no art.º 17.º da Lei n.º 57/98 de 18 de Agosto, conforme requerido a fls., 185, veio deferir o mesmo, conforme despacho datado de 17 de Janeiro de 2013, por entender aquele, conforme sua promoção de fls. 186/187, que não se verifica pressuposto formal que permita o mesmo.
2. Ora, não pode o arguido deixar de se pronunciar contra o entendimento do Exma. Sra. Procuradora Adjunta do Ministério Público, pois bem andou a Exma. Sr.ª Dr.ª Juíza com a sua decisão de não transcrição, conforme motivação e fundamentação da decisão da mesma que aqui se dá por reproduzida por questões de economia processual.
3. Conforme entendeu a Exm.ª Sr.ª Dr.ª Juíza e se pronunciou o Prof. Figueiredo Dias «a pena de prisão suspensa na execução deve ser entendida como uma verdadeira pena e não detentiva».
4. Ainda, diz o art.º 17.º da Lei n.º 57/98 de 18 de Agosto na redacção dada pela Lei n.º 114/2009 de 22 de Setembro que «Os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar (...) a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os art.os 11.º e 12.º.»
5. Como bem refere o recorrente, a solução da questão passa pelo conceito de pena privativa de liberdade, por um lado, e com o conceito da suspensão da execução da pena de prisão, por outro lado.
6. Todavia, a questão não é mais abrangente do que o que se pretende, sob pena de se perder o seu objectivo principal que é a Segurança, a do Direito e da Sociedade que o mesmo visa proteger e fazer sentir segura.
7. E a questão é, precisamente, esta: a suspensão da pena de prisão é uma verdadeira pena ou não é?
8. Porquanto, duvidas não há que, sendo-o, e na medida em que suspende a execução da pena de prisão, o seu carácter é, indubitavelmente, não detentivo, não mudando esse carácter nem pelo tamanho” da duração da suspensão nem pelo «tamanho» da pena que suspendeu.
9. Diz a tradição doutrinal portuguesa e é entendimento generalizado que a substituição da execução de uma pena de prisão se consubstancia, sempre, na aplicação de uma outra pena.
10. Posto isto, ou a suspensão da pena de prisão é uma pena privativa de liberdade ou não é.
11. Se o é, como não há quaisquer dúvidas, tão NÃO detentiva é uma pena de suspensão de execução de uma pena de prisão de um ano como uma pena de suspensão de execução de uma pena de três anos.
12. Vem o recorrente discorrer que «mais premente do que tecer considerações sobre a natureza autónoma/principal da suspensão, é saber se foi ou não aplicada uma pena privativa da liberdade já que não pode deixar de se equacionar a circunstância de a pena suspensa ser indissociável da pena de prisão aplicada ab initio».
13. Ora, não pode deixar de se discordar em absoluto com o recorrente, pois o cerne da questão está precisamente na natureza e carácter da suspensão!
14. Porquanto o citado art.º 17.º prevê a dispensa de transcrição quando o tribunal condene em pena de prisão até um ano ou, COM ÊNFASE NO OU, em pena não privativa de liberdade!
15. Ao contrário do que diz o Acórdão da Relação de 23 de Fevereiro de 2011, a pena de prisão até um ano e a pena não privativa da liberdade a que se reporta aquele artigo não pode comportar tão só a pena de prisão que não exceda aquele limite e a pena de multa.
16. Não foi essa, claramente, a intenção do legislador ao prever a dispensa de pena e sim distinguir entre penas efectivas de prisão até um ano e penas não privativas de liberdade!
17. Ou teria formulado o seu dispositivo dizendo a «pena de prisão até um ano ou pena de multa»!
18. Nem faz sentido o alegado naquele Acórdão que diz que «qualquer outra pena de prisão, ainda que substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão não pode ser incluída (...) pois que sendo-o (autónoma)... está sempre dependente da pena principal, podendo a execução desta ter lugar a qualquer momento...», pois são inúmeros os crimes previstos no nosso código penal que têm previstas penas de prisão OU, com ênfase no ou, multa, penas essas, que mesmo quando são substituídas por penas de multa ( e portanto não detentivas também!), não deixam de ser multas calculadas com base em dias de prisão a uma determinada taxa diária, penas de multa essas que, se não forem pagas, também se transforma em cumprimento de dias de prisão efectiva, sejam os mesmos de um ano ou três!
19. Ou seja, também as penas principais de multas, também elas autónomas e não detentivas, não podem dissociar-se da forma como são determinadas, nomeadamente em dias de prisão que pode ter execução a qualquer momento, verificados que se mostrem, naturalmente, os factores legais susceptíveis de conduzir a essa mesma execução.
20. Significa isto dizer que não existe uma pena não privativa de liberdade de per si e que o art.º 17.º em questão é vazio de sentido por inaplicável!?
21. Por fim, também não se lê da citada norma penas não privativas de liberdade até um ano!
22. Pelo que deve o recurso interposto pelo Ministério Público de que as presentes são contra-alegações ser considerado improcedente, confirmando-se o douto despacho do Meritíssimo juiz a quo de fls. 185 e mantendo-se o deferimento da requerida dispensa de transcrição da condenação no certificado de registo criminal para os efeitos da citada norma.

Nesta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, para tanto louvando-se no seguinte:
Apreciando, propendemos para a adesão à tese recursiva do M.P de Matosinhos, apesar da orientação da doutrina invocada em considerar a pena de prisão declarada suspensa na sua execução como uma pena de substituição, autónoma e não privativa da liberdade, aproveitada no despacho recorrido para a fundamentação da decisão recorrida pretensamente à luz do disposto no art.º 17.º da citada Lei n.º 57/98.
Quanto a nós, a suspensão da execução de uma pena de prisão nos termos do disposto nos art.os 50.º e ss. do CP não constitui uma pena de substituição, apenas visando a possível não efectivação do seu cumprimento, se no decurso do período de suspensão não ocorrer qualquer das causas de revogação da mesma contempladas na Lei.
A suspensão é, assim, apenas um entrave à execução da pena de prisão a que foi aplicada, sendo que esta não é substituída nem perde a sua natureza de pena privativa da liberdade, que se manifesta no caso da suspensão vir a ser revogada e que pressupõe o cumprimento integral da mesma, sem prejuízo da eventual concessão de liberdade condicional nos termos previstos no Código da Execução das Penas (Lei n.º 115/2009 de 12/10).
Somos, assim, de parecer que o presente recurso do M. P. deve proceder.
De todo o modo, ainda que se considere a decisão recorrida conforme à Lei, por se entender estarmos em presença de uma pena de substituição, autónoma e não privativa da liberdade, deverá ter-se em conta que, no caso da suspensão da execução da pena (de 2 anos e 2 meses) de prisão cominada ao arguido vir a ser revogada, fatalmente então, ao ordenar-se o envio de novo CRC onde conste tal revogação, terá de revogar-se o despacho ora sob recurso, sob pena de, não o fazendo, se violar, agora sem qualquer dúvida, o disposto no invocado art.º 17.º da Lei 57/98 de 18/08.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem qualquer sequela por parte do recorrente.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
***
II - Fundamentação.
1. O despacho recorrido.
Veio o condenado requerer a não transcrição no certificado de registo criminal da condenação dos presentes autos para efeitos e fins de emprego, encontrando-se o mesmo desempregado à procura de emprego, fls. 185.
O Digno Ministério Público teve vista a fls. 186.
Cumpre decidir.
Nos termos do art. 17.º, n.º 1, da Lei 57/98, de 18 de Agosto, dispõe: «Os tribunais que condenem em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que as circunstancias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11.º e 12.º, deste diploma.
Vejamos:
O arguido foi condenado na pena de 2 anos e 5 meses de prisão, suspensa na execução, nos termos do art.º 50.º, n.os 1 e 5 do CP.
In casu, teremos de apurar qual a natureza a atribuir às penas, designadamente se a suspensão da pena de prisão é uma verdadeira pena.
A este propósito pronunciou-se o Prof. Figueiredo Dias,[1] estudo institucional das penas abrange as penas principais (a pena privativa da liberdade ou pena de prisão e a pena pecuniária de multa) e as penas acessórias (isto é, aquelas que não podem ser cominadas na sentença condenatória sem que simultaneamente tenha sido aplicada uma pena principal) (...) Com as mencionadas penas principais e acessórias não se esgota, porém, o catálogo das penas, havendo que considerar ainda os institutos (...), das chamadas penas de substituição. Nelas se trata de penas que são concretamente aplicadas em vez das penas principais legalmente previstas para os crimes da PE do CP (maxime, das penas de prisão).
E continua este Prof. “Parece todavia, (...), que o nosso CP recebeu um conceito diferente e mais amplo de penas principais, abrangendo (...), para além das penas de prisão e das de multa, a suspensão da execução da pena, o regime de prova, a admoestação e a prestação de trabalho a favor da comunidade (...) também as “novas” penas, diferentes da de prisão e multa, são verdadeiras penas - dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art.º 72.º) que não meros ^institutos especiais de execução da pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social.” E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena.
Neste mesmo sentido, quanto às penas de substituição, sufragou o Ac. da RC, de 29-09-2010,[2] onde se escreveu: “Menosprezar os efeitos que da substituição operada podem decorrer redundaria em "fraude" que o legislador não pode tolerar.”
Donde, seguindo os ensinamentos do citado Prof., considerando-se que a pena de prisão suspensa na execução deve ser entendida como uma verdadeira pena e não detentiva, encontra-se verificado o 1.º dos pressupostos do art.º 17.º, n.º 1, da citada Lei 57/98, ou seja, mostra-se o arguido condenado em pena não privativa da liberdade.
Quanto ao segundo pressuposto, considerando as condições de vida do condenado, à sua inserção familiar e social e ao facto de não se mostrar necessária a sua ressocialização, bem como das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo da prática de novos crimes, mostra-se, também, preenchido.
Donde, estando, assim, verificados os pressupostos para a não transcrição da condenação nos certificados de registo criminal, defiro o requerido.
Remeta o boletim ao registo criminal, com a menção de que foi determinada a não transcrição da presente sentença nos certificados a que se referem os artigos 11.º, 12.º, ex vi do 17.º, da Lei n.º 57-98, de 18 de Agosto.
Notifique.
***
2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.
2.1. A abrir diremos que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.[3] Tendo isso em conta, diremos que a única questão a apreciar neste recurso é a seguinte:
Pode o juiz determinar a não transcrição no registo criminal de uma pena de prisão superior a um ano, declarada suspensa na sua execução?
***
2.2. Vejamos então a questão atrás enunciada.
As teses em dissídio neste recurso já foram objecto de decisões contrastantes nos nossos Tribunais superiores.
O Ministério Público recorrente estriba a sua tese na circunstância do art.º 17.º da Lei n.º 57/98 de 18 de Agosto (na redacção dada pela Lei n.º 114/2009 de 22 de Setembro) dispor que os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade poderem determinar, na sentença ou em despacho posterior, a não transcrição da respectiva sentença nos certificado do registo criminal e do entendimento perfilhado de que, por um lado a pena não privativa da liberdade ali aludida comporta apenas a pena de multa que, com a pena de prisão, resumem as penas principais do nosso sistema punitivo[4] e, por outro, a natureza da pena de prisão suspensa na sua execução ser sempre a de uma pena de prisão, pois que a suspensão pode ser revogada e a prisão ter que ser cumprida.[5]
Salvaguardando embora o respeito devido pela tese do recurso, a verdade é que não poderemos sufragar este entendimento antes seguimos com a que foi perfilhada pela Mm.ª Juiz no despacho ora em crise.
Vejamos mais de perto as razões porque assim entendemos.

Em primeiro lugar, importa dizer que a pena de prisão suspensa na sua execução não é, quanto a nós e ao contrário do sustentado pela tese que enformou o recurso, uma pena de prisão tout court, o que bem se compreende se pensarmos que com o trânsito em julgado da sentença que a decidiu o condenado não se vê compelido ao imediato cumprimento da pena de prisão. Tal poderá ocorrer, é certo, mas apenas na hipótese da suspensão da execução vir a ser definitivamente revogada por decisão judicial.[6] De contrário, a pena não deixará de se considerar cumprida no caso de ter decorrido o prazo da suspensão da execução da pena sem que tenha havido motivos que pudessem ter conduzido à sua revogação.[7]

Por outro lado e de novo em contramão com a tese do recurso, não é a circunstância da suspensão da execução da pena poder ser revogada e determinado o cumprimento da pena de prisão substituída que altera este modo de ver as coisas, pois que, como já vimos oportunamente referido,[8] o mesmo se passa com a pena de multa que, em caso de não pagamento, poderá vir a originar o cumprimento subsidiário de prisão por tempo correspondente, reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com pena de prisão,[9] sem que se veja aí qualquer obstáculo ao deferimento da não transcrição no registo criminal dessa condenação, sempre se considerando, naturalmente, que a pena de multa é, sem qualquer sombra de dúvida, uma pena não privativa da liberdade para efeitos do citado art.º 17.º da Lei n.º 57/98 de 18 de Agosto.

Também não releva de modo algum a consideração como únicas penas principais as de prisão e de multa em resultado do disposto no art.º 70.º do Código Penal para que se tivesse de considerar a pena de prisão suspensa na sua execução como uma pena privativa da liberdade, agora à luz do art.º 17.º da Lei n.º 57/98 de 18 de Agosto, pois que a dicotomia entre penas principais de prisão e de multa é feita naquele preceito legal em referência a penas abstractas enquanto que o contraponto entre as penas de prisão até um ano ou não privativa da liberdade neste último normativo é referido a penas já concretizadas.[10]

E sabendo o legislador que além da pena de multa outras penas não privativas da liberdade existem no Código Penal, torna-se seguro que não pode colher a pretensão de que o legislador não soube exprimir adequadamente o seu pensamento e disse no art.º 17.º da Lei n.º 57/98 de 18 de Agosto mais do que queria dizer. E, por conseguinte, que ao referir-se aqui, no art.º 17.º da Lei n.º 57/98 de 18 de Agosto, a pena não privativa da liberdade quis excluir a pena de prisão superior a um ano suspensa na sua execução ─ ou até mesmo quaisquer outras penas de substituição não detentivas.[11]

Aliás, diga-se em abono da verdade que há muito a pena de prisão suspensa na sua execução é tida pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça como uma pena autónoma da pena de prisão e verdadeiramente não privativa da liberdade do condenado.[12]

Não terminaremos sem dizer que nada se decidirá acerca da hipótese da suspensão da execução da pena de prisão cominada ao arguido vir a ser revogada dever determinar a que seja ordenado o envio de novo certificado do registo criminal onde conste tal revogação e também revogado o despacho sub iudicio, conforme preocupação manifestada pelo Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, pois que, sendo apenas mera hipótese, naturalmente extravasa o objecto do recurso.
***
III - Decisão.
Termos em que se nega provimento ao recurso e se confirma o despacho recorrido.
Sem custas (art.os 522.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
*
Porto, 26-06-2013.
António José Alves Duarte
José Manuel da Silva Castela Rio
_____________
[1] In Direito Penal Português, As consequências jurídicas do Crime, Editorial Noticias, paragr. 8, pg. 79 e 80.
[2] Disponível in www.dgsi.pt.
[3] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Na linha, aliás, do que desde há muito ensinou o Prof. Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil, Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, página 359: «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.»
[4] Para tanto acobertando-se no ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, página 334 e seguinte.
[5] Fundamentando-se na jurisprudência perfilhada nos acórdãos das Relações de Lisboa, de 23-02-2011, no processo n.º 53/05.5PEAGH-A.L1-3, publicado em http://www.dgsi.pt e do Porto, de 30-09-2009, no processo n.º 7235/08, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano de 2009, tomo IV, página 219.
[6] Art.º 56.º, n.º 2 do Código Penal.
[7] Art.º 57.º, n.º 1 do Código Penal.
[8] Acórdão da Relação de Coimbra, de 27-02-2013, no processo n.º 1562/09.2PCCBR-A.C1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[9] Art.º 49.º, n.º 1 do Código Penal.
[10] Citado acórdão da Relação de Coimbra, de 27-02-2013, no processo n.º 1562/09.2PCCBR-A.C1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[11] Acórdão da Relação de Lisboa, de 21-01-2012, no processo n.º 279/10.0GCBNV.L1-3, publicado em http://www.dgsi.pt.
[12] Neste sentido, vd. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 18-03-1999, no processo n.º 76/99 - 3.ª Secção, nos Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secção Criminal, Número 27 – Janeiro de 1999, Boletim n.º 27, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/criminal/criminal1999.pdf, de 20-04-2005, no processo n.º 04P4742, publicado em http://www.dgsi.pt e de 19-04-2006, no processo n.º 655/06, publicado na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano de 2006, tomo II, página 170.