Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1477/12.7TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO LIMA COSTA
Descritores: ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
DENÚNCIA
Nº do Documento: RP201307041477/12.7TJPRT.P1
Data do Acordão: 07/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No contrato de arrendamento urbano para fim não habitacional em que as partes estabelecem prazo certo de duração do contrato mas não estabelecem a antecedência mínima que o arrendatário tem de respeitar quando pretende denunciar o contrato dentro daquele prazo de duração, vigora o disposto no art. 1110 nº 2 do Código Civil, sendo aquela antecedência mínima de 1 ano em relação ao termo pretendido para o contrato.
II - Esse entendimento é válido tanto para os contratos celebrados na vigência do Regime de Arrendamento Urbano e que são denunciados na vigência do Novo Regime de Arrendamento Urbano, como para os contratos celebrados após a entrada em vigor do Novo Regime de Arrendamento Urbano.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 1477/12.7TJPRT
Juiz Relator: Pedro Lima da Costa
Primeiro Adjunto: Araújo Barros
Segundo Adjunto: Judite Pires

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
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B… propôs a presente acção declarativa de condenação ao abrigo do regime processual experimental regulado pelo Decreto-Lei 108/2006, de 8/6, contra C…, Sociedade Anónima, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 14.042€, acrescida de juros a partir da citação.
Sumariamente alega a autora:
A autora arrendou à ré um espaço para agência de viagens pela renda mensal de 2.006€ e pelo prazo de 10 anos, o qual cessaria em 30/6/2014;
A ré, por carta de 23/11/2011, denunciou o contrato de arrendamento, pretendendo que o respectivo fim ocorresse no dia 26/3/2012;
A ré deveria ter conferido prazo mínimo de um ano na denúncia do contrato de arrendamento, nos termos do art. 1110 nº 2 do Código Civil, pelo que ao entregar o locado à autora no fim de Março de 2012 e ao limitar-se a pagar a renda de Abril de 2012 ficou a dever sete meses de renda, de Maio a Novembro de 2012, no montante de 14.042€.
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Na contestação a ré conclui que deve ser absolvida do pedido e formula reconvenção, a fim de a autora ser condenada a pagar-lhe 2.006€, acrescida de juros desde a notificação da contestação.
Sumariamente alega a ré que o contrato se rege pela regra de denúncia do art. 1098 nº 2 do Código Civil, por via do art. 1110 nº 1 do Código Civil, valendo a antecedência de 120 dias, pelo que a ré pagou a mais a renda de Abril de 2012, a qual lhe deve ser devolvida.
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Na resposta, a autora reiterou o seu entendimento sobre o aspecto jurídico do assunto e concluiu pela improcedência da reconvenção.
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No despacho saneador sentença decidiu-se julgar a acção procedente, condenando-se a ré a pagar à autora a quantia de 14.042€, com juros a partir da citação, ocorrida em 11/9/2012, tal como se decidiu julgar a reconvenção improcedente, absolvendo-se a autora desse pedido.
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A ré apelou do despacho saneador sentença para o efeito de o ver revogado e substituído por acórdão em que a ré seja absolvida do pedido formulado pela autora, bem como para que esta última seja condenada nos termos do pedido reconvencional, formulando as seguintes conclusões:
1 O Tribunal recorrido incorreu num erro julgamento, ao efectuar uma interpretação errada do art. 1110 nº 2 do CC, que não tem em conta todo o conjunto da legislação, a intenção do legislador e as condições específicas do tempo em que a lei é aplicada, tratando-se, assim, de uma interpretação inadmissível e contrária ao disposto no art. 9 nº 1, nº 2 e nº 3 do Código Civil.
2 O disposto no art. 1110 nº 2 do Código Civil aplica-se, como regra supletiva, apenas aos casos em que não se estipula qualquer prazo de duração do contrato e não aos casos em que as partes se limitaram a fixar um prazo e não regularam a denúncia ou oposição à renovação (a estes últimos aplica-se o disposto no art. 1110 nº 1).
3 É aplicável ao caso objecto do presente litígio o disposto no nº 2 do art. 1098 do Código Civil – que permite ao arrendatário denunciar o contrato com uma antecedência não inferior a 120 dias – por via do disposto no art. 1110 nº 1 do Código Civil, o qual é por sua vez aplicável por via do disposto nos art. 26 nº 1 e 59 nº 1 do NRAU.
4 O Tribunal a quo, em virtude da interpretação e aplicação errada que faz do artigo 1110 nº 2 do CC ao caso sub judice, acaba igualmente por proferir uma sentença não conforme ao direito, incorrendo novamente num claro e evidente erro de julgamento ao entender que não existe enriquecimento ilícito por parte da recorrida ao ter recebido o montante de 2.006€ correspondente à renda do mês de Abril de 2012, razão pela qual a sua decisão deverá ser revogada e substituída por outra que, nesta parte, considere procedente o pedido reconvencional.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
A questão a decidir prende-se com o prazo legal para a denúncia pelo arrendatário e com a obrigação de a autora devolver à ré o valor da renda de Abril de 2012.
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No despacho saneador sentença consideraram-se provados os seguintes factos:
a) Por escrito denominado “contrato de arrendamento comercial”, a autora proporcionou à D…, Sociedade Anónima, o gozo temporário da loja . do prédio sito na Rua …, …., …, Porto, pelo prazo de 10 anos, a contar de 1/7/2004, para agência de viagens e turismo, mediante o pagamento da renda mensal de 1.875€, com os demais termos e condições do documento junto a fls. 8 a 11, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
b) Por carta de 26/10/2009 a D… informou a autora de que se tinha fundido com outra sociedade e dado origem à ré, conforme documento junto a fls. 12, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
c) O contrato de arrendamento celebrado manteve-se entre autora e ré, com expresso reconhecimento mútuo das qualidades de senhoria e arrendatária, sem alterações, salvo quanto à renda, que era ultimamente de 2.006€ por mês.
d) Por carta de 23/11/2011, a ré denunciou o contrato para 26/3/2012, conforme documento junto a fls. 13, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
e) A autora enviou à ré a carta datada de 28/11/2011, junta a fls. 14, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
f) A ré enviou à autora a carta datada de 5/12/2011, junta a fls. 15, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
g) A autora enviou à ré a carta datada de 26/12/2011, junta a fls. 16, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
h) A ré enviou à autora a carta datada de 10/1/2012, junta a fls. 39, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
i) A autora enviou à ré a carta datada de 22/3/2012, junta a fls. 17, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
j) A ré entregou à autora as chaves do locado no final do mês de Março de 2012.
k) A ré pagou em 1/3/2012 a renda mensal correspondente ao mês de Abril de 2012.
l) A ré não pagou o valor correspondente às rendas de Maio a Novembro de 2012, no montante de 14.042€.
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O contrato de arrendamento urbano em causa destina-se a fim não habitacional e, para os efeitos que ora interessam, só tem cláusula que estabelece duração limitada – dez anos –, mas não incorpora cláusula sobre a antecedência mínima que a ré/arrendatária teria de respeitar na respectiva denúncia.
Foi celebrado na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU, aprovado pelo Decreto-Lei 321-B/90 de 15/10), numa altura em que esse RAU já vigorava com as alterações introduzidas pelo art. 2 do Decreto-Lei 257/95, de 30/9, mas foi denunciado pela ré quando vigorava o Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei 6/2006, de 27/2, vigente desde 28/6/2006.
O art. 1110 do Código Civil (CC) tem a seguinte redacção:
“1- As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação. 2- Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 10 anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a 1 ano”.
No âmbito do contrato de arrendamento para habitação, o art. 1098 nº 2 do CC tem a seguinte redacção:
“Após 6 meses de duração efectiva do contrato, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 120 dias do termo pretendido do contrato […]”.
Ainda que se trate de norma do CC, aquele art. 1110 foi reintroduzido nesse código pelo NRAU, especificação que assume relevo para os efeitos do adiante transcrito art. 59 nº 3 do NRAU.
A tese da ré assenta essencialmente nas seguintes asserções:
“O disposto no art. 1110 n° 2 do CC aplica-se, como regra supletiva, apenas aos casos em que não se estipula qualquer prazo de duração do contrato e não aos casos em que nada é referido quanto à denúncia do contrato (a estes últimos aplica-se o disposto no art. 1110 n° 1 do CC). Assim, quando as partes nada estipulem quanto à duração do contrato, há que aplicar a regra supletiva do n° 2 do art. 1110 do CC. Mas se as partes se limitaram a fixar um prazo e não regularam a denúncia […], sendo certo que podiam ter acordado livremente na matéria, aplica-se o disposto quanto ao arrendamento para habitação – cfr. art. 1110 n° 1 do CC”.
Ao invés do entendimento da ré, tem-se por correcto o entendimento de que a efectiva estipulação do prazo de duração do contrato é quanto basta para que se tenha por suprida a ausência de estipulação quanto à antecedência mínima que a arrendatária teria de respeitar na denúncia, valendo para esse suprimento a regra do nº 2 do dito art. 1110 e sendo essa antecedência mínima de 1 ano.
Esse entendimento tem apoio na letra do art. 1110 nº 2 do CC e corresponde à solução mais acertada, uma vez que faz coincidir a antecedência mínima de 1 ano na denúncia por parte do arrendatário tanto nos casos em que as partes fixaram expressamente prazo de duração do contrato de 10 anos, como nos casos em as partes não fixaram prazo algum (e sem clausularem expressamente duração indeterminada) mas em que aquele art. 1110 nº 2 faz prevalecer o mesmo prazo de 10 anos.
O despacho saneador sentença emprega um argumento correcto para sustentar a tese que se perfilha: “não se compreende que a lei pretenda estabelecer um prazo de denúncia com uma antecedência mínima de 1 ano quando as partes nada estipulam sobre o prazo de duração do contrato, considerando o contrato celebrado com prazo certo pelo período de 10 anos, e, paralelamente, pretenda estabelecer um prazo de denúncia com uma antecedência não inferior a 120 dias para um contrato em que as partes estipularam […] prazo de duração do contrato de 10 anos, por aplicação do disposto no art. 1098 nº 1 [2] do CC. A coerência do ordenamento jurídico impõe que a situações juridicamente iguais seja dado um tratamento igual”.
Também o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/1/20013, in www.dgsi.pt, no caso de um contrato em que tinha sido estabelecido o prazo de 5 anos mas nada tinha sido estipulado quanto à antecedência mínima que o arrendatário teria de respeitar na denúncia, entendeu que vigorava a antecedência de 1 ano, por aplicação do transcrito nº 2 do art. 1110.
Concorda-se com o entendimento desse acórdão, mas ressalva-se que tem diferença com o assunto dos autos, uma vez que se reporta a arrendamento em vigor desde 1/10/2009, ou seja contrato totalmente abrangido pelo NRAU.
O silêncio das partes quanto ao prazo de duração do contrato tem resultados antagónicos nos arrendamentos para habitação e nos arrendamentos para fins não habitacionais: no primeiro caso, o art. 1094 nº 3 do CC faz impor a duração indeterminada e no segundo caso o art. 1110 nº 2 do CC faz impor o prazo de 10 anos. Esta divergência primária também contribui para uma interpretação integrada – ou internamente agregada – do art. 1110 nº 2 do CC, no sentido de a efectiva estipulação do prazo de duração do contrato ser quanto baste para que se tenha por legalmente suprida a ausência de estipulação quanto à antecedência mínima que o arrendatário tem de respeitar na denúncia, valendo nesse suprimento a antecedência mínima de 1 ano. De outra forma misturam-se detalhes que, à partida, a lei quer distinguir entre o regime do arrendamento para habitação e o regime do arrendamento para fins não habitacionais.
No entendimento que se vem defendendo, seja qual for o prazo certo que as partes fixem no contrato para fins não habitacionais, mas com silêncio sobre a antecedência mínima para a denúncia por parte do arrendatário, vale sempre o prazo mínimo de 1 ano para a antecedência de tal denúncia.
Esse entendimento não falece nos casos em que tal prazo de 1 ano fosse de cumprimento impossível por ser superior ao próprio prazo fixado para o contrato, já que também se verifica essa impossibilidade na imposição da antecedência de 120 dias nos casos em que o contrato para fins não habitacionais tem prazo fixado inferior a 120 dias, não se podendo olvidar que, ao contrário do prazo mínimo de 5 anos para os arrendamentos habitacionais, o art. 1110 nº 1 do CC permite que nos contratos para fins não habitacionais seja fixado prazo de duração inferior a 120 dias.
Por o contrato ter sido celebrado no dia 1/7/2004, iniciando efeitos nesse mesmo dia, ou seja durante a vigência do RAU, importa ponderar o disposto no art. 59 nº 3 do NRAU, onde se estabelece que “as normas supletivas contidas no NRAU só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável”.
Por via do art. 117 nº 2 do RAU, o art. 100 nº 4 do RAU estabelecia que “O arrendatário pode […] revogar o contrato a todo o tempo […] com a antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que se operam os seus efeitos”.
Essa norma do nº 4 do art. 100 não tem natureza supletiva, sendo imperativa a antecedência mínima de 90 dias para a revogação do contrato promovida pelo arrendatário (essa revogação é uma forma de denúncia, mas não deve ser confundida com a oposição à renovação automática do contrato no fim do prazo convencionado). Esse entendimento de imperatividade confirma-se pela situação prevista – só para o senhorio – nos arrendamentos para comércio ou indústria, contratos esses onde o art. 118 nº 2 do RAU prevê que as partes possam acordar prazo de denúncia – na forma de oposição à renovação automática do contrato no fim do prazo convencionado – pelo senhorio, e só por ele, diferente do prazo mínimo de 1 ano em relação ao fim do prazo convencionado, ou da sua renovação, prazo esse de 1 ano que vinha previsto no art. 100 nº 2 do RAU.
Porque a regra do art. 100 nº 4 do RAU que estabelece a dita antecedência mínima de 90 dias é imperativa, resta concluir que não tem aplicação o disposto no nº 3 do art. 59 do NRAU, já que aí só se estabelece prevalência de uma das normas quando ambas as normas tenham natureza supletiva.
O art. 1110 do CC aplica-se ao assunto dos autos por via da segunda parte do nº 1 do art. 59 do NRAU e por via do art. 26 nº 1 do NRAU, sendo certo que a norma do nº 3 desse art. 26 não tem aplicação no assunto dos autos, já que se reporta à oposição à renovação automática do contrato no fim do prazo convencionado.
A renda do mês de Abril de 2012 foi bem paga, por ser devida, nos termos do art. 1098 nº 3 do CC, aplicável por via do art. 1110 nº 1 do CC, o que acarreta a improcedência da reconvenção.
Também é esse entendimento que coloca a ré a ter ainda de pagar á autora o equivalente às rendas que se reportariam aos meses de Maio a Novembro de 2012.
Sumário previsto no art. 713 nº 7 do Código de Processo Civil:
1- No contrato de arrendamento urbano para fim não habitacional em que as partes estabelecem prazo certo de duração do contrato mas não estabelecem a antecedência mínima que o arrendatário tem de respeitar quando pretende denunciar o contrato dentro daquele prazo de duração, vigora o disposto no art. 1110 nº 2 do Código Civil, sendo aquela antecedência mínima de 1 ano em relação ao termo pretendido para o contrato.
2- Esse entendimento é válido tanto para os contratos celebrados na vigência do Regime de Arrendamento Urbano e que são denunciados na vigência do Novo Regime de Arrendamento Urbano, como para os contratos celebrados após a entrada em vigor do Novo Regime de Arrendamento Urbano.
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Em face do exposto, acordam os Juízes em julgar improcedente a apelação e confirmam o despacho saneador sentença.
Custas pela ré.

Porto, 4/7/2013
Pedro André Maciel Lima da Costa
José Manuel Ferreira de Araújo Barros
Judite Lima de Oliveira Pires