Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4514/12.1TBVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: ESCRITURA PÚBLICA
FORÇA PROBATÓRIA
REGISTO PREDIAL
DUPLA PRESUNÇÃO
Nº do Documento: RP201401144514/12.1TBVFR.P1
Data do Acordão: 01/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A escritura pública faz prova plena do facto de que as declarações dela constantes foram efectuadas, por via da força probatória do documento autêntico (artº 371º nº1 CCiv), mas tal força probatória não abrange a realidade material do declarado, se tal realidade for impugnada.
II – A força probatória plena das escrituras públicas não abrange as confrontações e delimitações dos prédios nelas declarados comprar e vender.
III – O artº 7º CRegPred, ao preceituar que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” propõe-se apenas firmar uma dupla presunção, a saber: a) a de que o direito registado existe; b) a de que o mesmo pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define; a presunção resultante do registo deixa assim de fora necessariamente quer a área, quer as confrontações do prédio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec. 4514/12.1TBVFR.P1. Relator – Vieira e Cunha. Decisão de 1ª instância de 18/6/2013. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. Proença Costa.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo sumário nº4514/12.1TBVFR, do 4º Juízo Cível da Comarca de Stª Mª da Feira.
Autores – B… e mulher C….
Réus – D… e mulher E….

Pedido
Que sejam os RR. condenados a:
A – Reconhecer que o prédio identificado como prédio rústico, inscrito na matriz sob o artº 1415º e descrito na Conservatória sob o nº 454º, onde se inclui o tracto de terreno, é propriedade dos AA.
B – Demolirem o muro e retirarem os esteiros e placas metálicas.
C – Restituírem aos AA. esse tracto de terreno e absterem-se de praticar qualquer acto que impeça ou diminua a utilização, por parte dos AA., desse mesmo tracto de terreno.
D – Pagar aos AA. a quantia de € 2 000, como compensação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela sua conduta.
E – Pagar a sanção pecuniária compulsória de € 100, por cada dia de incumprimento da sentença que vier a ser proferida.

Tese dos Autores
São donos de um prédio urbano e de um outro contíguo, rústico. Os RR. são proprietários confinantes com o citado prédio rústico.
O antecessor dos AA. edificou um muro de sustentação de terras dentro do respectivo prédio; não o fez na estrema do prédio, na parte em que confronta com os RR., a fim de não prejudicar um caminho de consortes ali existente.
Os RR. porém, desrespeitaram os limites dos prédios, invadindo a propriedade dos AA., ali construindo um outro muro, onde colocaram esteiros, impossibilitando um adequado escoamento das águas, alterando as confrontações e tendo até marcos existentes nas estremas.
Tese dos Réus
Impugnam motivadamente a tese da Autora, desde logo os invocados limites do terreno, peticionando a condenação dos AA. enquanto litigantes de má fé.
Sentença
Na sentença proferida pelo Mmº Juiz “a quo”, decidiu-se julgar a acção procedente apenas relativamente ao direito de propriedade dos AA. sobre o prédio identificado em II, dos “factos provados”; no mais, a acção improcedeu, tendo os RR. sido absolvidos do pedido.

Conclusões do Recurso de Apelação dos Autores:
A – A matéria de facto foi apreciada pelo tribunal “a quo” sem a devida consideração da prova documental e testemunhal produzida, designadamente pelas testemunhas F… e G…, que afirmaram peremptoriamente que o muro de sustentação de terras dos AA. não correspondia à estrema do seu prédio, pois para lá do mesmo existia ainda um carreiro, e depois um rego, e depois deste encontravam-se os marcos, que dividem os prédios de AA. e RR.
B – Da prova documental junta como doc. nº1, com a P.I., resulta inequivocamente que o terreno dos AA. confronta a Sul com rego e, estando em causa um documento autêntico, produz prova plena dos factos que refere como declarados pelos seus outorgantes, só podendo ser elidida a sua força probatória com base na sua falsidade, o que não foi invocado pela contraparte.
C – Além disso, os RR. aceitaram o conteúdo do artº 6º da P.I., onde se alega que a propriedade dos AA. confronta com rego.
D – A presunção do artº 7º CRegPred abrange também os elementos que compõem a descrição do prédio, nomeadamente confrontações.
E – Os Autores impugnam a decisão da matéria de facto relativa aos artºs 8º, 14º, 15º, 16º e 20º da P.I., pois a estes factos deveria ter sido dada resposta positiva ou “provada”, no sentido de concluir que o prédio dos AA. não confronta directamente com o prédio dos RR., mas sim com o rego, e a faixa de terreno reivindicada pelos AA., que medeia entre o seu muro de suporte e o mencionado rego, lhes pertence, tendo os RR., com a construção do seu muro, invadido o prédio dos AA.

Por contra-alegações, os Apelados pugnam pela confirmação da sentença recorrida.

Factos Apurados
I. Encontra-se inscrita na matriz predial, sob o art. 1186, a favor do A. B…, a propriedade de um prédio urbano sito na Rua …, …, ….-… … VFR (artigo 1.º, 1.ª parte, da PI).
II. Encontra-se inscrita a favor da Autora C… a propriedade do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1415 e descrito na conservatória, sob o número 454 (artigo 2.º, da PI).
III. Os Prédios referidos em I e II são contíguos (artigo 2.º, da PI).
IV. No dia 10 de Janeiro de 1991 foi outorgada escritura de partilha com o teor que consta do doc. nº4, junto com a PI).
V. O prédio urbano referido em I, foi identificado na escritura referida em IV. Como casa de rés-do-chão e primeiro andar, para habitação, sito no lugar e freguesia …, com o artigo 541 (art. 4.º, 1.ª parte, da PI).
VI. E, actualmente, deu origem ao artigo 1186 mencionado em I., uma vez, que a habitação antiga foi remodelada e ampliada (art. 4.º, 2.ª parte, da PI).
VII. O prédio rústico referido em II., foi identificado na escritura referida em IV., como um terreno de cultura e ramada, sito no lugar e freguesia …, com a área de novecentos e sessenta metros quadrados, a confinar do norte e sul com rego, do nascente com H… e do poente com estrada (arts. 5.º e 6.º, da PI).
VIII. Encontra-se inscrita a favor do Réu D… o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1020 e descrito na conservatória, sob o número 93. (art. 7.º, da PI).
IX. O prédio referido em VIII é confinante com o prédio rústico referido em II. (art. 7.º, da PI).
X. O predio referido em II fica numa cota acima do prédio referido em VIII. (art. 8.º 1.ª parte, da PI).
XI. No local do desnível existente foi construído um muro (art. 8.º, 2.ª parte, da PI).
XII. O pai da Autora acedia ao prédio referido em II por um caminho, na altura composto por calçada, com uma entrada para tal prédio (art. 9.º, 2.ª parte, da PI)
XIII. Desde a aquisição do prédio referido em VIII. os RR passaram a cortar as ervas que crescem após o muro referido em XI., num caminho aí existente (art. 12.º, 1.ª parte, da PI).
XIV. Os Réus retiraram a calçada e cimentaram o terreno correspondente ao caminho mencionado em XII (art. 15.º, 2.ª parte, da PI).
XV. Os Réus edificaram, junto ao muro referido em XI, um outro muro, em betão armado (art. 16.º, 1.ª parte, da PI).
XVI. E colocaram esteios, com umas placas metálicas (art. 16.º, 2.ª parte, da PI).
XVII. Os Réus taparam o rego existente no local, colocando manilhas, cobertas com o cimento mencionado em XIV (art. 24.º, da PI).

Fundamentos
As questões colocadas pelo presente recurso de apelação são as seguintes:
- saber se a resposta negativa ou simplesmente inconsiderada à matéria de facto dos artºs 8º, 14º, 15º, 16º e 20º da P.I. deveria ter sido integralmente “provada”, por força da prova testemunhal efectuada em audiência;
- saber, subsidiariamente, se a mesma conclusão sobre a prova de tais factos é de retirar da escritura pública de partilha junta ao processo, seja das certidões matriciais juntas, seja da presunção do artº 7º CRegPred, seja, por fim, do facto de os RR. terem aceite o conteúdo do alegado no artº 6º da P.I.;
- saber por fim se, alterados os factos nessa conformidade, a decisão recorrida deve ser alterada no sentido da procedência da acção.
Apreciemo-las seguidamente.
I
Vejamos, em primeiro lugar, a matéria de facto impugnada. Para o efeito foi ouvido na íntegra o suporte áudio CD, relativo ao julgamento efectuado.
No artº 8º do douto petitório alegou-se que “o prédio dos AA. fica numa cota acima do prédio dos RR. e, por isso, o anterior proprietário, o pai da Autora, já falecido, edificou um muro de suporte e sustentação de terra, a cerca de 60 cm da estrema que divide os dois prédios”.
Desta alegação, foi julgado provado que “o prédio dos AA. fica numa cota acima do prédio dos RR. e, no local do desnível existente, foi construído um muro”. Julgou-se não provado que “o muro tenha sido construído pelo pai da Autora para suporte e sustentação de terras, a cerca de 60 cms da estrema que divide os prédios referidos”.
De facto, não existiu prova concludente de que tenha sido o pai, ou o antecessor, da Autora C… quem tenha procedido à construção do muro, posto que o mesmo era, aparentemente, muito antigo e meramente rústico (a testemunha F… referenciou ter sido o seu avô e avô da Autora a construir o muro); nenhuma testemunha presenciou a respectiva construção, sendo que os dois prédios, já antes de 1954 e 1956 (decesso da avó e, mais tarde, do avô da Autora C.., I…, e data da partilha pelos referidos óbitos), pertenciam aos mesmos donos – e após 1956 vieram ao domínio dos pais da Autora, até à morte do último, em 1990, portanto tendo pertencido praticamente sempre aos mesmos donos até esta última data.
Existe também uma evidente função do muro no suporte de terras do prédio que hoje é dos AA., unanimemente descrito como situado em plano mais elevado que o do prédio que hoje é dos RR.
Quanto à localização da estrema dos prédios, é difícil fixá-la, posto que os referidos prédios pertenceram, até tempos recentes, quase sempre ao mesmo dono. A testemunha F… (prima dos AA.) referencia o muro como sendo divisório, mas, contraditoriamente, localiza marcos divisórios para lá do “carreiro”, dentro do que consensualmente é prédio dos RR.; as testemunhas J… (que construiu o muro dos AA.) e G… (familiar da Autora) entendem que o muro antigo foi recuado pelo muro novo, em 1992, pelo menos em parte da extensão do antigo (por uma questão de alinhamento do muro); o depoimento de K…, embora detalhado, afigurou-se-nos confuso (afirma que o acesso ao … era feito pela estrada, mas, confrontado com uma fotografia dos autos, o seu depoimento tornou-se equívoco) e sobretudo globalmente afectado, na sua potencial isenção, pelo litígio judicial que o opõe aos AA.; a testemunha L…, confrontada com uma fotografia dos autos, localizou um dos marcos como divisório, não do …, mas divisório dos … (hoje dos RR.) precisamente por baixo do novo muro construído pelos RR., todavia, afirmou também que os … só começavam depois do rego e do carreiro, e, noutros pontos, do rego, do carreiro e da calçada, restando assim dúvida sobre se a localização do citado “marco” é a localização original de 1956; os depoimentos de M… e de N… (vizinhos) pouco mais acrescentaram, relativamente aos já aludidos.
Resta porém o que consta dos títulos de aquisição de AA. e RR. – independentemente do valor probatório dos documentos que integram, a descrição dos prédios constante dos documentos pode ser avaliada, também como qualquer outro elemento de prova.
A escritura de compra e venda, pela qual os RR. adquiriram o respectivo prédio, menciona uma confrontação Sul com rego foreiro, menção que já constava também do inventário de 1977, por morte da mãe da Autora mulher.
Da mesma forma, quer os títulos de aquisição, quer o registo, relativos ao prédio dos Autores, mencionam o respectivo confrontar com “rego”.
A questão está em que, hoje em dia, como foi aceite, o rego desapareceu, ao menos na sua maior parte ou extensão, substituído por canalização subterrânea, pelo que se torna, hoje por hoje, impossível dizer qual a distância a que o muro citado, ou o muro hoje existente no prédio dos AA., ficava a contar do rego.
Por fim, os AA. reconstruíram o muro agora com uma aparência de muro de divisão, não se limitando a construir um muro sobre o antigo, mas colocando-lhe por cima, um gradeamento metálico, encimado por formas geométricas, também metálicas, em bico, configuração essa que ajuda a entender que, no espírito dos AA., quando procederam à reconstrução do muro, se encontrava a divisão dos prédios.
Por este acervo de dados probatórios, não estamos em condições de julgar “provada” a parte da alegação do artº 8º que resultou “não provada”. A decisão recorrida vai, nesta parte, confirmada.
No artº 14º alegou-se que “não obstante os avisos e a concordância dos RR., este ano os AA. foram surpreendidos com uma edificação dos RR., que viola a estrema e invade o terreno dos AA.”.
Esta parte da douta alegação foi inconsiderada nas respostas à matéria de facto, todavia, por razões idênticas às já expostas, não havia fundamento para a prova da referida alegação, sendo que a existência de um novo muro edificado junto ao muro dos AA., pelos RR. resulta da demais matéria de facto apurada.
No artº 15º alegou-se que “o caminho de consortes mencionado tem agora uma composição completamente diferente, uma vez que os RR. retiraram a calçada e cimentaram o trato de terreno correspondente ao caminho, e invadiram a faixa de terreno entre a estrema e o muro de sustentação dos AA.”.
Desta matéria apenas se provou que “os RR. retiraram a calçada e cimentaram o terreno correspondente ao caminho”; resultou “não provado” que os RR. tenham invadido a faixa de terreno situada antes da estrema dos prédios e após o muro”.
Ora, irrelevando a parte inconsiderada inicial da alegação (a composição diferente é, evidentemente, o facto da calçada ter sido substituída por cimento), pelos mesmos motivos já anteriormente aludidos, não temos fundamento para a prova da matéria que resultou “não provada”.
No artº 16º alegou-se que “além disso, os RR. edificaram, contra o muro dos AA., um outro muro em betão armado, e colocaram esteiros com umas placas metálicas, invadindo o terreno dos AA.”.
Desta matéria, logrou-se provar a mencionada edificação do muro em betão armado, mas não se provou que tal edificação tenha ocorrido “contra o muro” dos AA., e, no seguimento das respostas anteriores, que tal edificação tenha resultado na invasão do prédio desses mesmos AA.
Para lá das razões já alinhadas, a construção do muro dos RR. foi referida pela testemunha O…, que mencionou os cuidados para que os muros não se encontrassem directamente apoiados ou meramente erigidos um contra o outro (sendo que, na parte inferior do muro dos RR., este muro apoia na rampa cimentada e confronta com simples terra). Confirma-se também a resposta adoptada.
Finalmente, no artº 20º alegou-se que “desta forma os RR. impedem o acesso e a utilização do trato de terreno dos AA., com cerca de 60 cms de largura, ao longo da extrema que divide os dois terrenos” – esta matéria resultou inconsiderada na decisão recorrida e vimos já como não podemos considerá-la matéria provada. Confirmamos por igual a resposta adoptada.
Vejamos agora se outros elementos de prova impunham resposta diversa.
II
Saber pois se a conclusão sobre a prova de tais factos é de retirar da escritura pública de partilha junta ao processo, ou das certidões da matriz, ou da presunção do artº 7º CRegPred, ou ainda do facto de os RR. terem aceite o conteúdo do alegado no artº 6º da P.I.
A prova das confrontações do prédio dos AA. não resultaria, desde logo, das normas dos artºs 352º e 358º nº1 CCiv, que regem sobre a prova por confissão, porque não estamos, designadamente na escritura de compra e venda do prédio dos RR., perante declarações extra-judiciais efectuadas perante os AA., que não venderam (artº 358º nº4 CCiv – trata-se, no caso, de elementos documentais de apreciação livre).
Todavia, pela exegese do artº 371º nº1 CCiv, será indiscutida a realidade das declarações prestadas nas escrituras públicas, realidade que se fixa pela percepção da entidade documentadora, mas já seria passível de discussão, por quaisquer meios de prova, e de ser impugnada, como foi, a correspondência entre a realidade e aquilo que foi declarado perante o notário.
A força probatória plena não cobre a veracidade ou a sinceridade do declarado (assim, Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares, pg. 227, cit. in S.T.J. 15/5/07, www.dgsi.pt, pº 07A1273, relatado pelo Consº Sebastião Póvoas).
Desta forma pode usualmente concluir-se que as confrontações de um prédio referenciados numa escritura pública, constituem meros elementos identificadores do prédio, para efeitos da escritura, e não integram, como tais, a força probatória plena do declarado, mais a mais se forem objecto de impugnação – cf. Ac.R.C. 27/10/87 Bol.370/624 ou Ac.S.T.J. 18/11/04, in www.dgsi.pt, pº 04B2972, relatado pelo Consº Lucas Coelho.
Todavia, vimos já que o problema dos autos é tanto a delimitação do prédio dos AA., como resulta da prova documental, independentemente da respectiva força probatória, como também a natureza dos elementos de delimitação ou a sua correcta localização, à data em que a acção foi posta e à data em que se fez prova sobre a existência desses elementos delimitadores.
Saliente-se igualmente que aquilo que os RR. aceitam na delimitação do prédio dos AA. é aquilo que resulta da escritura de partilha (como tal descrita, entre outros, nos artºs 4º a 6º do douto petitório) – não aceitam, claro, a realidade da delimitação por tais elementos, sendo que, ainda que aceitassem, continuaria a prova a sofrer da mesma dificuldade de localização actual do referido “rego”.
III
O registo predial tem por função primordial, definida no artº 1º CRegPred, dar publicidade à situação jurídica dos prédios - visa a segurança do comércio jurídico imobiliário e “assegurar a quem adquire direitos de certa pessoa sobre um prédio que esta não realizou, em relação a ele, actos susceptíveis de prejudicar o mesmo adquirente” (Prof. Vaz Serra, Revista Decana, 97º/57).
Daí que se possa afirmar que o registo possui uma natureza meramente declarativa, que não constitutiva – “o registo não dá direitos, apenas os conserva” (Prof. Manuel de Andrade, Teoria Geral, II/19).
De facto, o registo não visa garantir que “o direito pertença na realidade à pessoa que figura no registo como seu titular ou que esse direito não esteja desfalcado no seu valor por quaisquer encargos: em primeiro lugar, porque não estão sujeitos a registo todos os actos que o deviam estar; em segundo lugar, porque o registo não sana radicalmente os defeitos de que porventura enfermem os títulos apresentados para o registo” (Prof. Vaz Serra, cit. pelo Prof. Antunes Varela, Revista Decana, 118º/312).
Pode concluir-se assim que o artº 7º CRegPred, ao preceituar que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” propõe-se apenas firmar uma dupla presunção, a saber:
a) a de que o direito registado existe;
b) a de que o mesmo pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
A presunção resultante do registo deixa assim de fora necessariamente quer a área, quer as confrontações do prédio.
Desde logo porque só os factos jurídicos e decisões indicados nos artºs 2º e CRegPred, em que se não incluem as descrições dos prédios, se encontram sujeitos a registo.
O registo destina-se a dar publicidade à verificação de certos “factos jurídicos”, com relação a certos prédios; não se destina a garantir elementos de identificação predial, para os quais bastasse, note-se, a mera indicação da área e das confrontações constantes de uma descrição para que o respectivo beneficiário gozasse, sem mais, de uma presunção legal.
Repare-se como os factos jurídicos a registar se têm de basear em documentos que legalmente os comprovem (artº 43º CRegPred) e a descrição pode resultar de simples declarações complementares dos interessados (artº 29º nº2).
Vem-se assim decidindo que a presunção de registo resultante do disposto no artº 7º CRegPred não abrange “as circunstâncias descritivas como a área e a confrontação, não percepcionadas oficiosamente, mas declaradas pelo interessado” – cf. S.T.J. 29/10/92 Bol.420/590, S.T.J. 11/5/93 Col.II/95, S.T.J. 11/5/95 Col.II/75, S.T.J. 17/6/97 Col.II/126, S.T.J. 11/3/99 Col.I/150, Ac.R.P. 10/10/89 Bol.390/464, Ac.R.P. 16/11/89 Bol.391/701, Ac.R.P. 27/3/90 Bol.395/674, Ac.R.C. 12/6/90 Bol.398/599, Ac.R.P. 16/9/91 Col.IV/249, Ac.R.C. 21/2/93 Col.I/28, Ac.R.P. 19/5/94 Col.III/213, Ac.R.C. 10/5/94 Bol.437/602, Ac.R.P. 16/1/95 Col.I/197, Ac.R.C. 19/3/96 Bol.455/584, Ac.R.P. 10/7/97 Col.IV/181 e Ac.R.C. 9/3/99 Col.III/14.
O mesmo se diga relativamente aos elementos constantes da matriz, os quais constituem presunção apenas para fins tributários – cf. S.T.J. 11/5/95 Col.II/75 e Ac.R.P.10/3/88 Col.II/196.
Ou seja: contrariamente às doutas alegações de recurso, e salvo o devido respeito, não se pode dizer que quanto às confrontações do prédio dos AA., possuíssem estes qualquer presunção que os isentasse de provar os elementos relativos ao domínio sobre o concreto tracto de terreno, cuja propriedade e respectiva ofensa, nos termos do artº 1311º nº1 CCiv, constituíam a causa de pedir da acção, nem que a especificação dos elementos relativos à descrição predial impedisse o Tribunal de formar convicção diversa sobre a propriedade do concreto tracto de terreno invocado na acção (se efectivamente integrando o prédio dos AA.), ou então não formar sequer qualquer convicção, o que veio a acontecer no processo.
De facto, o domínio dos AA. sobre o prédio respectivo não vinha até contestado, o que restava apurar na acção eram os concretos limites do prédio e a ofensa dos RR. a tais limites.
Nenhuma ofensa se praticou assim ao disposto nas normas legais sobre registo predial.

Para resumir a fundamentação:
I – A escritura pública faz prova plena do facto de que as declarações dela constantes foram efectuadas, por via da força probatória do documento autêntico (artº 371º nº1 CCiv), mas tal força probatória não abrange a realidade material do declarado, se tal realidade for impugnada.
II – A força probatória plena das escrituras públicas não abrange as confrontações e delimitações dos prédios nelas declarados comprar e vender.
III – O artº 7º CRegPred, ao preceituar que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” propõe-se apenas firmar uma dupla presunção, a saber: a) a de que o direito registado existe; b) a de que o mesmo pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define; a presunção resultante do registo deixa assim de fora necessariamente quer a área, quer as confrontações do prédio.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedente, por não provado, o interposto recurso de apelação e, consequentemente, confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes.

Porto, 14/I/2014
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença