Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1594/07.5TASTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: ASSISTENTE
ADVOGADO EM CAUSA PRÓPRIA
Nº do Documento: RP201403191594/07.5TASTS.P1
Data do Acordão: 03/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A falta de representação do assistente por advogado, que renunciou ao mandato, decorrido o prazo para constituir novo mandatário sem que o tenha feito, determina a perda da qualidade de assistente;
II - A norma do artº 70º1 CPP não é inconstitucional.
III - O processo penal não é um processo de partes, mas de sujeitos processuais, e, por isso, não devem aplicar-se a este processo os princípios do processo de partes, como é o processo civil;
IV - A intervenção do advogado ofendido como assistente, advogando em causa própria, quebra a unidade processual e cria uma descontinuidade e desarmonia processual inconciliável com o regular andamento do processo.
V - O ofendido, que é advogado, para ser assistente no processo, tem de ser representado por outro advogado, não podendo agir como advogado em causa própria.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº1594.07.5TASTS.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

Na Instrução nº1594.07.5TASTS do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso em que são arguidos
B…,
C…
D…
E…,
E assistente F…

Por despacho de 30/4/2013 a fls. 897 e ss foi decidido:
- Não conhecer do requerimento de fls. 895;
- declarar a perda da qualidade de assistente do Dr. F… e ordenar o arquivamento dos autos;

Recorre o assistente o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
1º - Os factos imputados aos arguidos de corte de água, de tubos de água, de sistemas de refrigeração e ar condicionado, derrube e furto de candeeiros foram praticados no G… que pertence à herança e que a herança e também esses arguidos (como herdeiros) entregaram ao assistente como arrendatário-comodatário-ocupante (cfr. doc. 9, despacho de arquivamento);
2º- Por isso, o requerente-recorrente assistente é assistente face a essa qualidade de arrendatário e requerente cível;
3º- Nada tem a ver a circunstância do prédio ser da herança que neste processo não intervém, nem o requerente que é herdeiro que não invocou a herança pois em 2007 nem sequer era (como é agora) o cabeça de casal, nem invocou a qualidade de herdeiro na defesa da herança;
4º - Não estão aqui em questão por isso a relação de parentesco com os arguidos, nem a relação com a herança, mas a violação criminal pelos arguidos do direito do assistente arrendatário;
5º- Tal questão não foi decidida (e portanto também nestes termos) por decisão anterior nem pela decisão recorrida mas continuadamente omitida;
6º- O assistente-requerente-simultaneamente advogado tem direito a fazer-se representar a si próprio, com advogado em causa própria, na posição de assistente face a esses factos de violação de contrato e não parentesco.
7º- Consequentemente é terceiro na qualidade de arrendatário-ocupante do estabelecimento relativamente aos arguidos;
8º- Consequentemente, perante o arquivamento pelo Mº Pº, o meio próprio de reagir ao arquivamento é o pedido de instrução, tanto mais que há co-autoria de crimes com terceiros;
9º- O regime de acusação particular é privativo dos casos em que o bem lesado pertence ao requerente-assistente (no caso não pertence ao requerente-recorrente o prédio) exerça direitos de bens que lhe pertencem (o bem da herança não foi invocado no RAI, nem no pedido cível) e os arguidos ajam contra bem e qualidade de ofendido-irmão…
10º- tal questão não foi abordada ou decidida previamente ou na decisão recorrida;
11º - O que se pretende desde 2007 é obstruir os direitos do recorrente, ataca-lo nesse exercício, minar o grau de confiança do requerente e do requerente advogado com sucessivos incidentes (como o do pedido de escusa que não é mais do que uma calúnia sobre o recorrente fls. 494-5/7) com a exigência de sucessivos requerimentos para sanar irregularidades (cfr. doc. 6), incidentes não objecto de recurso (cfr. Acórdão do TRP da Senhora Juiz Dra. Eduarda Lobo sobre a pessoa do advogado signatário), do incidente de falsificação da acta a gerar conflitos e a renuncia de outras intervenientes, agora no ataque pessoal, à pessoa do recorrente negando-lhe a qualidade em que demanda, para lhe negar o exercício, para o aniquilar nos direitos objecto da actividade criminosa dos arguidos;
12º - As decisões recorridas violam o artº 68 e 70 do CPP o Estatuto da O. A. o regime constitucional de acesso ao Direito, designadamente.
No provimento do recurso, revogadas todas as decisões recorridas e, em consequência:
a) admitido o advogado signatário apresentar-se a si próprio como assistente nos direitos que constituem o contrato constante dos autos (cfr. doc. 9);
b) sempre – quando assim não se entenda – decidindo a questão de representação do assistente por advogado em causa própria ou por outro advogado;
c) declarando a legitimidade do assistente em toda a sua intervenção, ou a sanar a irregularidade caso se entenda que não pode intervir nos autos em causa própria;
d) ordenar-se a instrução contra todos os arguidos e pelos factos do RAI e não apenas contra o terceiro (E…) co-autor e a mando dos actos criminosos dos restantes arguidos (fls. 460-477)
e) fazer seguir todos os incidentes (designadamente de falsificação) pois crime público;
f) declarar-se nulos todos os despachos em face dessa falsificação e decisões recorridas, aliás face à omissão de nomeação e presença de defensor oficioso ao arguido E… que não consta (por óbvio) na acta do dia 20 de Março de 2013 – artº 118 e ss do C.P.P.

O MºPº respondeu pugnando pela manutenção da decisão;
Os arguidos não responderam ao recurso
Nesta Relação a ilustre PGA é de parecer que o recurso deve improceder;
Foi cumprido o artº 417º2 CPP
O recorrente respondeu, pugnando pela procedência do recurso

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência
Cumpre apreciar.
É do seguinte teor o despacho recorrido (transcrição):
“Requerimento de fls. 895:
O assistente F…, que exerce a actividade profissional de advogado, apresentou requerimento de fls. 895 onde vem arguir a falsidade da acta de inquirição de testemunhas, por si subscrito e com a expressa menção de Advogado, arrolando ainda testemunhas.
Devidamente notificado o ilustre mandatário até então constituído nos autos, o mesmo refere expressamente que não subscreve o requerimento apresentado pelo assistente (cfr. fls. 894). Porém, considera-se que em processo penal, o ofendido não pode intervir como advogado em causa própria, porque a qualidade simultânea de assistente e mandatário não é conciliável. Neste sentido, veja-se o douto Ac. do TRL de 20/05/99, in BMJ nº487, pág.351, com o qual se concorda e onde se refere “o ofendido sendo advogado, caso deseje constituir-se assistente, terá que se fazer representar por outro advogado. Tal resulta do preceituado no nº1 do art.70 do CPP onde se não distingue entre queixoso e advogado ou sem o ser, não sendo por outro lado, facilmente conciliáveis as qualidades simultâneas de assistente e de mandatário em causa própria”. Neste sentido ver ainda Acs. do TRL de 20/5/98 e de 17/2/98, in www.dgsi.pt.
Assim pelas razões expostas carece o subscritor do requerimento em análise de legitimidade para apresentar tal requerimento, motivo pelo qual não se conhece do mesmo.
Notifique.
**
Em 20-03-2013 (fls. 893), foi o então assistente, face à renúncia do mandato, notificado, nos termos do artigo 39º, do CPC, para constituir mandatário para sua representação. Decorrido o prazo legal, não foi junta aos autos qualquer procuração.
O art.70, C.P.P. afirma "sempre", logo independentemente do sujeito, e os advogados não constituem excepção alguma, mesmo que invoquem norma própria do seu estatuto (norma procedimental interna), pois os institutos de processo penal são de interesse público e sujeitos ao princípio da legalidade processual, impõem-se "erga omnes". Repare-se que o CPP não seguiu a técnica legislativa do art.32, CPC, determinando “é obrigatória a constituição de advogado” quando o ofendido pretende intervir como assistente, antes tendo determinado “…são sempre representados por advogado”.
No sentido da constitucionalidade desta interpretação do art.70, nº1, do CPP, pronunciou-se o Tribunal Constitucional no Ac. nº338/06 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt e DR, II série, de 30-6-2006): «(...) Mas, ao remeter para a lei o direito de intervir no processo, não pode deixar de reconhecer-se que a Constituição quis deixar na discricionariedade normativo-constitutiva do legislador a possibilidade quer da determinação do universo dos processos ou crimes em que a intervenção do ofendido poderia ocorrer, só não podendo abolir ou restringir esse direito de forma desadequada, desnecessária ou arbitrária, quer da regulação dos termos a que essa intervenção processual deverá obedecer. Na mesma linha, aliás, se posiciona o art. 208.º da CRP, nos termos do qual “a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça”. É dentro de um tal quadro jusfundamental que deve entender-se a disposição constante do art. 70.º, n.º 1, do CPP, segundo a qual “os assistentes são sempre representados por advogado”.
E compreende-se a opção do legislador ordinário de o assistente ter sempre de estar representado por advogado. Sendo o Ministério Público, a quem se encontra cometido o exercício da acção penal, constituído por um corpo de magistrados, funcionalmente apto para essa função, torna-se necessário que o assistente, em ordem à boa condução e decisão do pleito, tenha, do ponto de vista legal, capacidade para poder entender e aferir a actividade levada a cabo por tais magistrados e a conveniência ou necessidade de prática de outras diligências ou actos processuais, susceptíveis de ocorrer no processo penal, bem como para poder intervir, no processo, de forma serena e desapaixonada.
É, em regra, no advogado, que exerce o mandato forense por profissão (cf. art. 3.º, n.º 1, alínea b), e 53.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março), que o legislador vê essa capacidade de poder prosseguir, com o M.º P.º, a defesa daqueles interesses que a lei quis proteger com a incriminação.
Mas, sendo assim, não pode, igualmente, deixar de reconhecer-se ao legislador uma discricionariedade de ponderação quanto às circunstâncias que, podendo interferir psicologicamente com o advogado, são, adequadamente, susceptíveis de fazer perigar as exigências de uma intervenção serena e desapaixonada no processo penal, tanto mais reclamáveis aqui quanto está em causa a defesa de valores fundamentais da comunidade como são aqueles que são prosseguidos pelo direito penal.
Ora, é seguramente diferente a situação psicológica do advogado, potenciadora de se reflectir na serenidade com que deve ser discutida a causa, quando intervém em representação de outrem, por via de mandato forense, ou quando age em defesa de interesses pessoais.
Não pode, deste modo, considerar-se como sendo desproporcionada, desadequada ou arbitrária uma avaliação do legislador, no sentido de considerar esse advogado como não estando em condições objectivas de poder prosseguir a defesa dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação de modo desapaixonado e sereno.
Estando em causa, no instituto da assistência em processo penal, essencialmente, interesses de ordem pública (característica esta que não se perde, mesmo quando o legislador torne o procedimento criminal dependente de queixa ou de acusação do assistente), dado a acção penal não visar satisfazer qualquer vindicta mas, essencialmente, interesses de prevenção geral e especial, compreende-se, deste modo, que o legislador sujeite a representação forense do assistente a regras diferentes consoante a questão que está em causa contende com interesses de terceiros ou não, ou, então, quando a questão já não é uma questão de assistência em processo penal mas, por natureza, uma relação jurídico-privada, como é o caso do direito do lesado a ser ressarcido do dano provocado com o crime.
(...) Não estando primacialmente em causa, na relação que é objecto do processo penal, a tutela de qualquer interesse estritamente privado do ofendido, na sua outra face como advogado, não se vê como é que, ao ser-lhe vedada a possibilidade de se representar a si próprio, como assistente no processo penal, lhe estejam a ser restringidos quaisquer direitos reconhecidos a título de pessoa, como o direito ao desenvolvimento da sua personalidade, em quaisquer das dimensões que esse direito comporta, entre as quais avultam o direito geral de personalidade e a liberdade geral de acção (cf. Jorge Miranda-Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2005, p. 286) ou, maxime, o direito de autonomia privada, de que o recorrente fala, e que se exprime, essencialmente, na possibilidade de dispor e regular as suas relações de direito privado, dentro dos limites da lei (cf., também, art. 61.º, n.º 1, da CRP).
(...) não se descortina que tal princípio imponha que, detendo o titular dos interesses ou bens jurídicos que a norma penal quis especialmente proteger a qualidade de advogado, tenha, obrigatoriamente, o legislador ordinário de optar pela solução de aquele se poder representar a si próprio como advogado no processo penal em que se queira constituir como assistente. Ao contrário, e como já se disse, ao dispor no art. 208.º que “ a lei […] regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça”, a CRP deixa aberta ao legislador ordinário a possibilidade de não admitir o patrocínio forense em causa própria, pelo menos naqueles casos em que, pela ausência de uma discussão desapaixonada e serena das questões a decidir, a administração da justiça poderá sair prejudicada (...)».
Assim, seguindo a orientação do Prof. Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. pág. 215, aderimos à jurisprudência que nega ao advogado ofendido, com a faculdade de se constituir assistente, o direito a litigar em causa própria em processo penal.
Face a todo o exposto, perdeu o Dr. F… a qualidade de assistente nos presentes autos, uma vez que não se encontra devidamente representado por mandatário, pelo que não pode a presente instrução ter o seu seguimento, ordenando-se assim, o oportuno arquivamento dos autos (artigo 287º, nº 1, alínea b), do C.P.P.).
Sem tributação (por não estar legalmente prevista, não configurando a apresentação do requerimento incidente nem podendo considerar-se ocorrência anómala: cfr. artigo 84º, do Código das Custas Judiciais – aplicável ao presente processo).
Notifique.”
+
São as seguintes as questões de que cumpre conhecer:
- Junção de documentos;
- se a falta de representação do assistente, por advogado que renunciou ao mandato, determina a perda da qualidade de assistente,
Se o advogado que era assistente não pode agir como tal em causa própria;
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O âmbito dos recursos é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98), e são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª ed., pág. 335), sem prejuízo das de conhecimento oficioso, que no caso não se suscitam nem ocorrem.
+
Com a sua motivação do recurso veio o recorrente juntar nove documentos.
Conhecendo:
A junção de documentos apenas pode ser feita até ao final da audiência de julgamento e apenas se antes não tiver sido possível – artº 165º 1 CPP, isto é enquanto decorre a fase de investigação e julgamento e não em qualquer fase de fase de recurso (Ac. STJ 30/10/2001 proc 1645/01 in M. Gonçalves, CPP anot., cit. pág. 392), em conformidade com o que dispõe o artº 165º CPP que “o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução … “e só se isso não for possível e excepcionalmente, “… deve sê-lo até ao encerramento da audiência” – Cfr. Ac. STJ 25/2/93 BMJ 424, 545.
E tanto assim é que mesmo por parte do arguido este pode juntar os documentos se “se provar a impossibilidade de o ter feito antes, até ao final da audiência de julgamento para que o contraditório seja ainda possível” - Germano M. da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2008, 4ª ed. pág. 229 - circunstância - impossibilidade - que o recorrente não aborda sequer, e se necessários para a instrução (averiguação dos factos) do processo.
Por outro lado os documentos só podem ser admitidos se forem pertinentes para a boa decisão em discussão.
Ora os documentos foram ora juntos em sede de recurso com a motivação para instruir este, pelo que a sua apresentação é extemporânea, e vistos estes verifica-se que são destituídos de sentido, pois nada têm a ver com o objecto do recurso, face ao que se discute na decisão recorrida (que fixa o objecto do recurso) pelo que não podem ser admitidos, devendo por isso ser mandados desentranhar e devolver ao apresentante / recorrente;
+
O direito ao recurso não coincide com o direito à tutela jurisdicional, tout court, mas sim com o direito à impugnação, como concretização do direito ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional, da decisão contra si proferida. Ou de outro modo: o direito ao acesso ao direito e à efectiva tutela jurisdicional concretiza-se, por princípio, pelo direito de acesso aos Tribunais, concebido enquanto direito à protecção, do particular, pelo Estado, e dever de prestação dessa protecção, por parte do Estado. O direito ao recurso tem subjacente a ideia de que essa tutela, manifestada através das decisões judiciais, comporta, em face da natureza humana, uma margem de erro ou imperfeição, da qual o particular há de poder salvaguardar-se, na pressuposição que exerceu tempestiva e regularmente o seu direito ao contraditório. E então o direito ao recurso funciona como direito à protecção judicial contra as próprias decisões judiciais.
É que sendo o recurso o meio normal de impugnação de uma decisão judicial (artº 399º/CPP e 676º/1, do CPC), o mesmo como é evidente reporta-se a uma concreta decisão judicial (àquela de que se recorre) e por ela delimita o objecto do recurso e apreciação dos factos.
Ora uma e cada decisão judicial tem por base um determinado acervo de factos e de questões jurídicas, que vão desembocar na pretensão jurídica trazida a tribunal, de modo que a decisão final tem em conta estas duas vertentes : os factos e o direito.
Como expressam Simas Santos e Leal Henriques, in «Recursos em Processo Penal», 7ª ed., 2008, 83. “com o recurso abre-se somente uma reapreciação dessa decisão, com base na matéria de facto e de direito de que se serviu ou podia servir a decisão impugnada, pré-existente, pois, ao recurso. Como assim, visando os recursos modificar as decisões impugnadas e não criar decisões sobre matéria nova, não é lícito na motivação ou nas alegações invocar questões que não tenham sido objecto das decisões recorridas, isto é, questões novas”.
No mesmo sentido, a Ac. STJ 6/6/2002, in M. Gonçalves, CPP, anot. Cit. pág. 856 “Os recursos como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso…”
Assim a ausência de decisão, sobre uma determinada questão na decisão recorrida, (que não seja de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso), onde não foi suscitada, impede este Tribunal de sobre ela se pronunciar sempre que seja e (porque é) questão nova, e consequentemente não pode ser objecto de reapreciação: finalidade e fundamento do recurso
Do mesmo modo, decidida uma questão num dado processo e não tendo sido interposto recurso, ela transita em julgado e torna-se obrigatória nesse processo e durante todo o processo, não podendo mais ser colocada (só assim não sendo nos processos de jurisdição voluntária ou sujeitos à regra rebus sic stantibus), que não é o caso – artº 620º CPC (ex vi artº 4º CPP)

Ora no presente processo, pareceria que tudo estava a processar-se com regularidade.
Assim:
O ofendido constituiu-se assistente e como tal foi admitido tendo constituído mandatário (fls. 423);
Ao apresentar o RAI verifica-se que o mesmo não foi subscrito pelo ilustre mandatário do assistente, mas apenas pelo ofendido / assistente advogado de profissão.
A fls. 725 tendo-se verificado tal facto, foi determinada a notificação do mandatário para ratificar o processado, expendendo-se para tal na decisão que o assistente é sempre representado por advogado;
O ilustre mandatário do assistente ratificou o processado, pelo que o processo (instrução) prosseguiu;
Na diligência de 20/3/2013 veio o ilustre mandatário do assistente renunciar ao mandato, na sequência do que foi o assistente ali presente notificado pessoalmente nos termos do artº 39º CPC para no prazo legal constituir novo mandatário, com a cominação legal, e em face disso não foi realizada a diligência em causa;
Em requerimento subscrito apenas pelo ofendido / assistente, veio este em 9/4/2013 arguir a falsidade da acta da diligência de 20/3/2013;
Notificado o ilustre mandatário do assistente, veio este referir que não subscreve tal requerimento;
Decorreu o prazo legal para o ofendido/ assistente constituir mandatário, e não o tendo feito, foram proferidos os despachos sob recurso, nos termos dos quais não se conhece da arguição da nulidade da acta, e por falta de constituição de advogado o assistente haver perdido essa qualidade;

Assim as questões recursivas traduzem-se nas supra elencadas de saber se a falta de representação do assistente, por advogado que renunciou ao mandato, determina a perda da qualidade de assistente, e se o advogado que era assistente não pode agir em causa própria, questão esta última que sem nunca expressamente haver sido decidida esteve sempre como pressuposto e fundamento das decisões tomadas.

Apreciando.
A primeira questão é e deve ser analisada independentemente da qualidade (de advogado) do assistente, mas apenas enquanto tal.
E assim.
Se para a admissão de intervenção do ofendido nos autos como assistente é obrigatória a constituição de advogado (como mandatário judicial) - artº 70º1 CPP, - e se sem essa representação não é admissível a intervenção nos autos como assistente, afigura-se-nos ser manifesto que se no decurso do processo o ofendido já constituído assistente, fica sem representação por parte do advogado, por qualquer causa, a não ser que constitua novo advogado como mandatário no prazo que lhe for atribuído ou no prazo legal, tem de cessar essa intervenção como assistente, por haver deixado de reunir os requisitos dos quais depende a legitimidade da sua intervenção.
Embora tal não resulte de norma legal expressa do CPP, resulta das regras legais que impõem que o assistente é sempre representado por advogado (artº 70º1 CPP) que não se refere apenas ao acto (momento) de admissão como tal, mas de representação no processo, e cessando essa representação tem de cessar a intervenção que a pressupunha;
Por outro lado tal consideração é a única consentida pelo artº47º CPC (actual que prevê expressamente a extinção do procedimento nº3 c) e pelo artº 39º 3 e 6 CPC à data, (aplicáveis ex vi artº 4º CPP) e observado como da acta consta, que determina a notificação do representado, em caso de renuncia (ou revogação) do mandato, para constituir novo mandatário no prazo legal, dele resultando que o acto até aí praticado pelo faltoso fica sem efeito.
Assim sendo relativo à admissão e representação como assistente a falta de constituição de novo mandatário tem como efeito a perda da qualidade que detinha, ou seja determina a perda da qualidade de assistente.
Não merece por isso censura a decisão recorrida quanto a este ponto em geral, sendo a sua aplicação ao caso concreto dependente da resposta à questão seguinte.

Vejamos então a segunda questão: se o advogado que era assistente pode agir em causa própria como tal, ou noutro modo se o ofendido advogado não necessita para ser assistente de ser representado por outro advogado, podendo agir no processo como advogado em causa própria.

Dispõe o artº 70º1 CPP que: “1- Os assistentes são sempre representados por advogado. Havendo vários assistentes, são todos representados por um só advogado. Se divergirem quanto à escolha, decide o juiz.”
Este normativo parece, assim, impor uma regra absoluta “sempre”.
Todavia do disposto no EOA (Lei 15/2005, de 26 de Janeiro) nomeadamente do artº 61º que dispõe “1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 198.º, só os licenciados em direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional, praticar actos próprios da advocacia, nos termos definidos na Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto.
2…;
3 - O mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza.” e do artº 64º que estabelece “Os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor não podem ser impedidos, por qualquer autoridade pública ou privada, de praticar actos próprios da advocacia.” tem-se procurado extrair a regra de que o advogado pode advogar em causa própria em qualquer jurisdição, e mormente na penal (mas excluindo quando tem a qualidade de arguido);
Esta questão, não está nem tem sido legislativamente resolvida, pois aquelas normas referem-se ao exercício da advocacia (ele é mandatário de outrem representa alguém e assiste outra pessoa, ou seja agindo como representante de outrem - essência da advocacia - e não ao advogado enquanto representante de si próprio) e desde há muito que tem dividido os tribunais.
Pela nossa parte importa desde já referir que propendemos para considerar efectivamente que a lei ao exigir no artº70º1CPP que o assistente é sempre representado por advogado, pretende abranger qualquer ofendido que se constitua assistente e para todos os actos do processo.
A Relação de Lisboa defende desde há muito, e tem cremos como orientação dominante que o advogado ofendido que pretenda constituir-se assistente tem de constituir mandatário outro advogado.
Assim para além do citado na decisão recorrida (de 20/5/99 BMJ 487º, 351), vejam-se os ac.s:
R.Lx 17/2/98 www.dgsi.pt/jtrl “O advogado não pode intervir no processo penal em causa própria na veste de mandatário do ofendido.”
R. Lx, 20/5/98 www.dsgi.pt/jtrl “II - O queixoso, advogado, quando pretenda intervir como assistente tem de estar representado por advogado, não podendo litigar como advogado em causa própria.”
Para além de outros como os ac. RL 8/1/2003, CJ, XXVIII, T. I, pág. 123; ac. RL 22/5/2003, CJ, XXVIII, T. III, pag. 133; ac. RL 12/2/2004, CJ, XXIX, T. I, pag. 134; ac. RL 20/12/2006, CJ, XXXI, T. V. pag. 147; ac. RL 20/12/ 2006, CJ, XXXI, T. V, p. 147.
A Relação de Coimbra no ac. 30/3/2011 www.dgsi.pt/jtrc decidiu “O advogado que, em processo crime, figure como ofendido, não pode intervir como assistente, devendo, para esse efeito, fazer-se representar por outro advogado.”
Já na Relação do Porto, a opinião dominante é de permitir advogar em causa própria. Assim:
Ac.R. P. de 28/4/2004: “O ofendido que seja advogado e pretenda constituir-se assistente pode assumir o seu próprio patrocínio.”- www.dgsi.pt/jtrp
Ac.R.P. de 13/4/2005 “O ofendido, sendo advogado, pode, com vista à sua constituição como assistente, assumir o seu próprio patrocínio, advogando em causa própria”
Ac.R. Porto, 28/3/2007 www.dgsi.pt/jtrp “Não existe obstáculo legal a que um advogado se auto-represente quando requer a sua constituição como assistente. Mas, se vier a prestar declarações como assistente, terá de constituir advogado.”

Por sua vez o Supremo Tribunal de Justiça admite tal auto representação do advogado.
Assim o Ac.STJ 18/4/2012 www.dgsi.pt/jstj:
“1 - Os arts. 68.º, n.º 1, e 69.º do CPP referem-se à legitimidade para a constituição de assistente em processo penal e à respectiva posição processual e atribuições. Por sua vez, ao nível da representação judiciária dos assistentes, o art. 70.º, n.º 1, do mesmo Código, determina que os assistentes são sempre representados por advogado, acrescentando o n.º 3 que podem ser acompanhados por advogado nas diligências em que intervierem.
II - A exigência de representação do assistente, por advogado, significa imediatamente a necessidade de haver pessoa idónea legalmente habilitada no conhecimento do direito – por via de regra o advogado –, que possa agir e zelar juridicamente pelos interesses do ofendido no processo, através do mandato judicial, uma vez que o processo se desenrola de harmonia com, e obedece, a regras jurídicas.
III - Em termos de lei penal adjectiva, contrariamente ao que vigora para a obrigatoriedade de assistência do arguido por defensor (art. 64.º do CPP), não existe norma excludente da auto representação do assistente, sendo advogado, pois que apenas existe a obrigação de o assistente estar representado por advogado. Efectivamente, se a assistência de defensor ao arguido no processo radica nas garantias do processo penal, decorrentes do disposto no art. 32.º da CRP, resultando óbvias limitações à actuação do defensor caso se permitisse a auto representação do arguido, tais limitações já não ocorrem se o sujeito processual for assistente, uma vez que a posição deste, apesar da sua relativa autonomia, é apenas a de colaborador do MP, a quem se encontra subordinado, nos termos do art. 69.º, n.º 1, do CPP.
IV - Há, por sua vez, uma distinção subjectiva e funcional – processual – entre o MP e o assistente, que não impede que este se auto represente judiciariamente quando advogado. Com efeito, o exercício do contraditório não deixa de ser efectuado plenamente, quer pelo MP quer pelo defensor do arguido, e quaisquer eventuais inconvenientes ou vicissitudes perturbadoras da instância serão sempre supridos pela intervenção pronta, atenta e legalmente pertinente do juiz, sendo que as declarações do assistente, em processo penal, são tomadas pelos julgadores (o juiz presidente, ou outros juízes do Colectivo, ou jurados) – art. 346.º, n.º 1, do CPP –, o que afasta qualquer conflito na falsa questão da (in)conciliação do auto patrocínio do assistente perante a tomada de declarações, em instrução ou julgamento, ao ofendido assim constituído.
V - A dimensão interpretativa da norma do art. 70.º, n.º 1, do CPP, pelo TC nos seus Acs. n.ºs 325/06 e 338/06 [que firmaram jurisprudência no sentido de não julgar inconstitucionais as normas constantes do art. 70.º, n.º 1, do CPP, no segmento em que determina que os assistentes são sempre representados por advogado e na interpretação segundo a qual esta representação tem de ser assegurada mediante emissão de procuração a favor de advogado que não o advogado ofendido com direito a ser constituído assistente nos termos dos arts. 68.º, n.º 1, al. a), e 68.º do mesmo Código], não invalida o entendimento que sufragamos, uma vez que não colide com o disposto no art. 32.º, n.º 1, da CRP. Aliás, entendimento de encontro à decisão do Comité des Droits de L’Homme das Nações Unidas, apreciada no Ac. do STJ de 14-06-2006, Proc n.º 2806/02-3.ª, no sentido de que o Estado Português deveria «modificar a sua legislação a fim de assegurar a conformidade com o artigo 14.º, alínea d), do n.º 3 do Pacto de Nova Iorque sobre os Direitos Civis e Políticos, em ordem a que ao requerente (advogado) assistisse o direito absoluto de se defender a si próprio em todos os estádios do procedimento penal».

O Tribunal Constitucional não vê qualquer impedimento constitucional à existência da norma do artº 70º1 CP e que nela seja englobada a situação em análise dos autos pois que em face do disposto no artº 208º CRP “A lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.” e do artº 32º7 CRP que dispõe que “O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei.” estarem assegurados as respectivas exigências em face da remissão para a regulamentação legal e cujos interesses ficam assim subordinados à normatividade imposta pelo legislador ordinário.
E assim, no ac. n.º 338/2006 (DR, II série, de 30/6/2006), pronunciando-se expressamente sobre a representação judiciária do assistente expende tendo em conta aquela norma:
«(...) Mas, ao remeter para a lei o direito de intervir no processo, não pode deixar de reconhecer-se que a Constituição quis deixar na discricionariedade normativo-constitutiva do legislador a possibilidade quer da determinação do universo dos processos ou crimes em que a intervenção do ofendido poderia ocorrer, só não podendo abolir ou restringir esse direito de forma desadequada, desnecessária ou arbitrária, quer da regulação dos termos a que essa intervenção processual deverá obedecer.
É dentro de um tal quadro jusfundamental que deve entender-se a disposição constante do art. 70.º, n.º 1, do CPP, segundo a qual “os assistentes são sempre representados por advogado”.
E compreende-se a opção do legislador ordinário de o assistente ter sempre de estar representado por advogado. Sendo o Ministério Público, a quem se encontra cometido o exercício da acção penal, constituído por um corpo de magistrados, funcionalmente apto para essa função, torna-se necessário que o assistente, em ordem à boa condução e decisão do pleito, tenha, do ponto de vista legal, capacidade para poder entender e aferir a actividade levada a cabo por tais magistrados e a conveniência ou necessidade de prática de outras diligências ou actos processuais, susceptíveis de ocorrer no processo penal, bem como para poder intervir, no processo, de forma serena e desapaixonada.
É, em regra, no advogado, que exerce o mandato forense por profissão (cf. art. 3.º, n.º 1, alínea b), e 53.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março), que o legislador vê essa capacidade de poder prosseguir, com o M.º P.º, a defesa daqueles interesses que a lei quis proteger com a incriminação.
Mas, sendo assim, não pode, igualmente, deixar de reconhecer-se ao legislador uma discricionariedade de ponderação quanto às circunstâncias que, podendo interferir psicologicamente com o advogado, são, adequadamente, susceptíveis de fazer perigar as exigências de uma intervenção serena e desapaixonada no processo penal, tanto mais reclamáveis aqui quanto está em causa a defesa de valores fundamentais da comunidade como são aqueles que são prosseguidos pelo direito penal.
Ora, é seguramente diferente a situação psicológica do advogado, potenciadora de se reflectir na serenidade com que deve ser discutida a causa, quando intervém em representação de outrem, por via de mandato forense, ou quando age em defesa de interesses pessoais.
Não pode, deste modo, considerar-se como sendo desproporcionada, desadequada ou arbitrária uma avaliação do legislador, no sentido de considerar esse advogado como não estando em condições objectivas de poder prosseguir a defesa dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação de modo desapaixonado e sereno.
Estando em causa, no instituto da assistência em processo penal, essencialmente, interesses de ordem pública (característica esta que não se perde, mesmo quando o legislador torne o procedimento criminal dependente de queixa ou de acusação do assistente), dado a acção penal não visar satisfazer qualquer vindicta mas, essencialmente, interesses de prevenção geral e especial, compreende-se, deste modo, que o legislador sujeite a representação forense do assistente a regras diferentes consoante a questão que está em causa contende com interesses de terceiros ou não, ou, então, quando a questão já não é uma questão de assistência em processo penal mas, por natureza, uma relação jurídico-privada, como é o caso do direito do lesado a ser ressarcido do dano provocado com o crime.
(...) Não estando primacialmente em causa, na relação que é objecto do processo penal, a tutela de qualquer interesse estritamente privado do ofendido, na sua outra face como advogado, não se vê como é que, ao ser-lhe vedada a possibilidade de se representar a si próprio, como assistente no processo penal, lhe estejam a ser restringidos quaisquer direitos reconhecidos a título de pessoa, como o direito ao desenvolvimento da sua personalidade, em quaisquer das dimensões que esse direito comporta, entre as quais avultam o direito geral de personalidade e a liberdade geral de acção (cf. Jorge Miranda-Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2005, p. 286) ou, maxime, o direito de autonomia privada, de que o recorrente fala, e que se exprime, essencialmente, na possibilidade de dispor e regular as suas relações de direito privado, dentro dos limites da lei (cf., também, art. 61.º, n.º 1, da CRP).
(...) não se descortina que tal princípio imponha que, detendo o titular dos interesses ou bens jurídicos que a norma penal quis especialmente proteger a qualidade de advogado, tenha, obrigatoriamente, o legislador ordinário de optar pela solução de aquele se poder representar a si próprio como advogado no processo penal em que se queira constituir como assistente. Ao contrário, e como já se disse, ao dispor no art. 208.º que “a lei […] regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça”, a CRP deixa aberta ao legislador ordinário a possibilidade de não admitir o patrocínio forense em causa própria, pelo menos naqueles casos em que, pela ausência de uma discussão desapaixonada e serena das questões a decidir, a administração da justiça poderá sair prejudicada (...)”
Ou seja o legislador é livre de estabelecer uma norma como a do artº 70º1 CPP nela englobando o ofendido advogado;

Na Doutrina não existe de igual modo unanimidade de posições.
Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, Anotado - Legislação Complementar, 16ª edição - 2007, pág. 200, expende “A exigência de os assistentes serem representados por advogado fundamenta-se em razões de ordem técnica, de que só um jurista está dotado. Não vemos, assim, obstáculo legal a que um advogado, que seja ofendido e pretenda constituir-se assistente, possa advogar em causa própria. Esta é também a solução implícita nos arts 77º e 78º, da Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro (Estatuto da Ordem dos Advogados), dispositivos onde se não descortina qualquer impedimento de os advogados advogarem em causa própria.”
No “Código de Processo Penal”, Coimbra editora 2009, pág. 188, os magistrados do Mº Pº Distrito Judicial do Porto, são de opinião de que o advogado ofendido que se queira constituir assistente deve constituir mandatário;
P. Pinto de Albuquerque, Comentário do Cód. Proc. Penal, UCP, 4ªed. pág. 228, depois de anotar as diversas correntes jurisprudenciais (e as divergentes em cada Relação), entende que o ofendido advogado para se constituir assistente carece de constituir mandatário outro advogado, apoiando a Jurisprudência nesse sentido;
Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 5ª ed. pág. 342, não discutindo esta questão, parece assumi-la no entanto ao fazer constar “O assistente não intervém pessoalmente no processo, contrariamente ao arguido, a sua intervenção há-de ser sempre feita através de mandatário judicial: advogado ou advogado estagiário. A necessária representação judiciária dos assistentes permite obstar a muitos dos reconhecidos inconvenientes da sua intervenção como sujeitos processuais, além de assegurar a colaboração técnica do processo.”

Pela nossa parte cremos que a lei não resolve esta questão, e nomeadamente no sentido de o artº 70º1 CPP não ser aplicável aos advogados.
Desde logo, a Constituição não impede e antes autoriza o legislador a produzir uma norma como a que está em discussão.
O âmbito da norma do artº 70º1 CPP absorve e contem em si a capacidade para que o ofendido advogado tenha de constituir mandatário para ser assistente, quer por não conter qualquer excepção, quer pelo carácter imperativo “sempre”;
Mas convirá precisar que tal norma não é norma nova no ordenamento jurídico português, pois já vem do artº 5º DL 35 007, mas com relevo acentuado, pois neste se previa apenas “Os assistentes deverão ser sempre representados por advogado. (…)” e ora se acentua essa necessidade “Os assistentes são sempre representados por advogado” parecendo assim denunciar, salvo melhor opinião, que actualmente não admitirá excepções (se for possível dizer que antes as admitia).
Não existe em lado algum quanto aos advogados norma equivalente ao artº 19º do Estatuto dos Magistrados Judiciais que legitima a intervenção em causa própria dos magistrados “Os magistrados judiciais podem advogar em causa própria, do seu cônjuge ou descendente”
As normas do Estatuto da O.A. supra referenciadas, referem-se mais ao advogado como patrocinador - agente em nome de outrem e no exercício dessas funções - como mandatário, representante e prestador de assistência do que como beneficiário delas e carecido de tais serviços, e é no exercício dessas funções próprias e em nome de outrem que o artº 61º 3 dispõe “O mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza.”, sem prejuízo do disposto no artº 64º que aqui não está em causa, que tem a ver com a não obstrução no exercício das suas funções.
Assim sendo e porque nos parece, com Figueiredo Dias, Jorge, Sobre os sujeitos processuais no Novo Código de Processo Penal, in o Novo Código de Processo Penal, Jornadas de direito Processual Penal, CEJ, Almedina, 1988, pág.31 que “ … o processo penal contido no Código Português de 1987 não é seguramente, sob qualquer perspectiva, um processo de partes” mas um processo de sujeitos processuais, em que ao lado dos sujeitos processuais tradicionais (Juiz, MºPº e arguido) se adita o assistente, e em que todos devem gozar das mesmas armas, e portanto estar em pé de igualdade processual, incluindo a mesma preparação jurídica.
Todavia pode acrescentar-se que não sendo o processo penal um processo de partes, não devem aplicar-se a este processo os princípios do processo de partes como é o processo civil, face á sua diversa natureza, e se neste se justifica a intervenção em causa própria, já não tem o mesmo sentido no processo penal, pois aí o ofendido / assistente pode ser e é por regra objecto e meio de prova;
Se, por outro lado, a preparação jurídica, não é argumento, porque o advogado assistente detêm-na, o certo é que ainda aí tem uma menos valia, não menos importante, traduzida na necessária serenidade para a boa condução no pleito, que ao assistente como ofendido e advogado poderá faltar ou em regra faltará, podendo ser factor de perturbação indesejada do processo, sendo que nos termos do artº 76º 2 do EOA “O exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou actividade que possam afectar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.” o que constituindo princípio geral, enforma toda actuação do advogado, e que seria fortemente abalada com a intervenção do advogado/ assistente no processo, e pondo em causa o disposto no nº1 do mesmo artº 76º “1 - O advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável.”
Se o assistente tiver autonomamente de constituir advogado, como seu mandatário, todos os intervenientes estariam em pé de igualdade, não apenas técnica mas também de serenidade, sem esquecer como expende Figueiredo Dias, ob. loc. cit. pág.10: “Ao tratar o ofendido como mero participante processual e ao vincular à sua constituição como assistente para assumir a veste de sujeito do processo, é ainda da formalização necessária a uma realização mais consistente e efectiva dos direitos da vítima que se trata – e assim, a seu modo, de algo paralelo ao que sucede com a constituição formal do suspeito como arguido”, e por isso mesmo se entende que a parte civil é obrigatoriamente representado por advogado (do mesmo modo que o seria se deduzisse o pedido em separado e não o sendo e não constituindo mandatário não tem intervenção processual de defesa do direito que se arroga, que compete ao tribunal - artº 77º4, e 80º CPP), e bem assim os demandados civis (artº 76ºCPP).
Reconhecendo-se como se expressa o STJ no Ac.18/4/2012 citado supra ao mencionar que em conformidade com o “Ac. deste Supremo, e desta Secção, de 21 de Maio de 2009, proc. nº 105/09.2.YFLSB, que seguimos de perto: “As razões pelas quais o artigo 70º nº 1 do CPP, exige a representação do assistente, [por lapso escreveu-se arguido] por advogado, e o artigo 32º do Código de Processo Civil exige a constituição de advogado, são razões de natureza técnica, respeitantes à necessidade de uma preparação jurídica para a prática de determinados actos processuais, designadamente para dedução de acusação ou para a interposição de recurso.”, cremos não ser menos verdade como se expressa no mesmo ac. STJ referenciando “ o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, Col. Jur. 1995, I, pág. 57: “Às partes falta a necessária serenidade para a boa condução no pleito, pelo que a reunião daquelas qualidades imprimiria o risco de se manifestar uma exacerbada paixão na defesa do ponto de vista do assistente, em prejuízo da garantia do bom funcionamento da justiça, razão pela qual a doutrina, em regra – cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, ed. Danúbio, 1986, pág. 156 e 157; Manso Preto in Pareceres do MºPº, págs. 323 e segs; e Germano Marques da Silva, para quem a necessária representação judiciária dos assistentes permite obstar a muitos dos inconvenientes da sua intervenção como sujeito processual (cfr. Curso de Processo Penal, I, pág. 316) – rejeita a dispensa pretendida pelo recorrente. (…)” cremos que ver no artº 70º1 CPP como permitindo que o advogado ofendido possa constituir-se assistente advogando em causa própria, vai contra a harmonia do processo penal, não sendo por isso sufragável um entendimento da necessidade ou desnecessidade de ser representado por outro advogado consoante a sua intervenção processual for ou não pessoal como se defende no ac. desta Relação supra citado de Ac.R. Porto, 28/3/2007 quanto à prestação de declarações ou não na audiência por parte do assistente, pois ora intervinha pessoalmente como assistente ora necessitava de ser representado, criando uma descontinuidade e desarmonia inconciliável com o regular andamento do processo.
Assim na defesa de um entendimento que a lei expressamente não prevê criávamos um processo penal cheio de contradições, que certamente a mesma lei nunca quis que ocorresse, como:
- o assistente enquanto tal presta declarações e enquanto advogado solicita-as ao juiz ( artº 346º1 in fine CPC),
- enquanto assistente a sua falta não é motivo de adiamento, enquanto advogado representa o assistente faltoso (artºs 331º CPP) e enquanto advogado pode faltar à vontade prosseguindo a audiência, mas enquanto assistente pode ser detido e condenado em multa (artº 330º3 e 331º1CPP);
- enquanto assistente não pode assistir aos actos processuais antes de ser ouvido o arguido, como advogado tem de estar presente;
- enquanto assistente não pode estar na sala de audiência antes da sua audição, como advogado tem de estar presente desde o início da audiência;
- enquanto assistente não pode pedir esclarecimentos ao arguido, como advogado pode pedir ao presidente do tribunal que lhe formule perguntas;
- enquanto assistente não pode proceder a interrogatório ou contra-interrogatório das testemunhas, como advogado pode,
- para já não falar que como assistente pode ser objecto de exame e como advogado não, entre muitas outras intervenções incompatíveis.
Ora fazer depender a constituição de advogado por parte do assistente do desenrolar do processo vai contra a intencionalidade do artº 70º1 CPP e da intervenção que o assistente venha a ter no processo, transformando um “ sempre” em “caso a caso” o não nos parece curial e é manifestamente afectada a harmonia e a unidade dos vários actos do processo, princípios estes enformadores do processo penal e expressos no artº 4º e 5º 2b) CPP, e assim do ponto de vista funcional no processo penal a posição do assistente e do advogado reunidas na mesma pessoa são incompatíveis e inconciliáveis entre si, e não pode depender da fase processual em que se encontra o processo, nem da natureza particular, semi-publica ou publica do crime, face à maior ou menor intervenção processual que cada crime exige do assistente;
Afigura-se-nos por isso que a aplicação do artº 70º1 CPP ao advogado / assistente não pode depender do acto a realizar ou da fase processual em que se encontra o processo penal em cada momento, e por isso o ofendido advogado que pretenda constituir-se assistente deve fazer representar-se por outro advogado para poder ser admitido a intervir como assistente.
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Chegados a esta conclusão, importa agora analisar as questões concretas que nos autos requerem solução.

Tendo o assistente subscrito pessoalmente requerimento no processo a arguir a nulidade de um acto processual (acta) e porque o advogado que o representava não subscreveu tal requerimento, foi decidido não conhecer do mesmo. Quid júris?
De imediato importa salientar que ao contrário do que acontece com o arguido (nº1 o artº 98º CPP), os demais sujeitos processuais representados por advogado não podem pleitear por si, no sentido de lhes ser permitido apresentar requerimentos apenas por si assinados, por tal contrariar a regra expressa no artº 98º2 CPP, que dispõe: “Os requerimentos dos outros participantes processuais que se encontrem representados por advogados são assinados por estes, salvo se se verificar impossibilidade de eles o fazerem e o requerimento visar a prática de acto sujeito a prazo de caducidade.”
Assim o assistente ao apresentar o requerimento a alegar a falsidade da acta apenas por si (ofendido/ assistente) assinado, e ao não ser subscrito expressamente pelo então seu mandatário (ainda que renunciante mas no decurso do prazo para constituir novo mandatário), e ao ser decidido dele não conhecer, por aquela razão, tal decisão com esse fundamento e nesse pressuposto mostra-se correcta.
E correcta se mostra ainda, porque o assistente/ advogado como vimos não pode agir no processo como advogado em causa própria.
Assim é de manter a decisão recorrida neste ponto;
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Quanto à 2ª decisão constante do despacho recorrido, já vimos supra que não podendo o ofendido advogado ser assistente sem estar representado por outro advogado, e não o tendo feito em devido tempo, perdeu essa qualidade.
Circunstância que não é de estranhar, pois desde há muito se tem entendido que “o estatuto do assistente é um estatuto dinâmico, pelo que um determinado sujeito pode num momento revestir as condições indispensáveis para ser admitido como assistente e deixar de as possuir em momento subsequente…” Barreiros, José António, Processo Penal 1, Almedina, 1981, pág. 471
Como o acto em curso dependia dessa qualidade (instrução requerida pelo assistente), não restava senão dar por finda a mesma e ordenado o arquivamento do processo por não poder prosseguir o processo sem a intervenção do assistente.
Sendo tal decidido no despacho recorrido é de manter tal decisão.
E assim é de julgar improcedente o recurso.
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Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Não admitir a junção dos documentos apresentados com a motivação do recurso pelo assistente, e ordenar o seu desentranhamento e devolução ao apresentante;
Negar provimento ao recurso interposto pelo assistente e em consequência confirma o despacho recorrido
Condenar o recorrente no pagamento da taxa de justiça de 04 Uc, e nas demais custas
Notifique.
Dn
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Porto, 19/3/2014
José Carreto
Paula Guerreiro