Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ARTUR OLIVEIRA | ||
| Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO RESPONSABILIZAÇÃO PESSOA COLECTIVA INTERPRETAÇÃO ATUALISTA DA LEI | ||
| Nº do Documento: | RP201206064679/11.0TBMAI.P1 | ||
| Data do Acordão: | 06/06/2012 | ||
| Votação: | I | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A centralidade que o Código Penal tem na legislação penal leva-nos a afirmar a necessidade de fazer uma interpretação atualista do nº 2 do arº 7º do RGCO, de forma a harmonizar o seu alcance com a norma agora estabelecida pelo artº 11º do C. Penal. II - O que significa que as pessoas colectivas ou equiparadas devem ser responsabilizadas pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos nos exercícios das suas funções e também quando cometido em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança, ou quando cometidas por quem aja sob a autoridade das pessoas antes referidas em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbam | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA) - no processo n.º 4679/11.0TBMAI.P1 - com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade, - após conferência, profere, em 6 de junho de 2012, o seguinte Acórdão I - RELATÓRIO 1. No recurso de contraordenação n.º 4679/11.0TBMAI, do 2º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal da Comarca da Maia, a arguida B…, S.A. (com a denominação comercial de C…) impugnou judicialmente a decisão do Diretor Regional do Norte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que lhe aplicou uma coima no valor de € 27.915,50 pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 6.°, 1 e 202.º, 3 da Lei n.° 23/07, de 4 de Julho. Na sequência de tal impugnação foi proferido despacho judicial que decidiu [fls. 246]: «(…) Pelo exposto, A) (…), B) Julgo totalmente improcedente o recurso de impugnação interposto por "B…, S.A.", e consequentemente, condeno-a pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 6.° 1, 202.º, 3 e 204º,1 da Lei n.° 23/07, de 4 de Julho, no pagamento à recorrida de uma coima no montante de € 27.915,50 (vinte e sete mil, novecentos e quinze euros e cinquenta cêntimos). (…)» 2. Inconformada, a arguida recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. 257 vº a 263º]: A) Concluiu o Tribunal a quo pela improcedência do argumento da Impugnante da inexistência da responsabilidade objectiva da pessoa colectiva/Recorrente, tendo concluído pela impossibilidade do afastamento da responsabilidade contra-ordenacional da Recorrente. B) Ora, salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o Meritíssimo Juiz a quo não fez uma correcta interpretação e aplicação do Direito no caso concreto, como adiante se pretende demonstrar. C) Recorrente e o Mmo. Juiz a quo estão de acordo, no sentido em que entendem que: (i) as pessoas colectivas podem ser responsabilizadas em sede penal (e, em especial, em sede de Direito de Mera Ordenação Social), quando as contra-ordenações sejam praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções (o que decorre, de resto da lei, e directamente do artigo 7.º n.º 2 do RGCO); (ii) a responsabilidade das pessoas colectivas não tem carácter objectivo nos termos do artigo 6.º n.º 1 conjugado com o artigo 202,º n.º 3 ambos da Lei 23/2007 de 4 de Julho; e (iii) em consequência, estas (pessoas colectivas) só poderão ser responsabilizadas por actos praticados pelos seus órgãos no exercício das suas funções; (iv) no conceito de “órgãos” terão de incluir-se as pessoas singulares que actuem em nome e interesse da pessoa colectiva, como seus representantes e em substituição dos “órgão”. D) Diverge, no entanto, o entendimento que o Tribunal a quo tem sobre o conceito de “órgãos” e em que medida é que a actuação das pessoas singulares que praticam actos em representação das primeiras se trata de actuação imputável a tais “órgãos”. E) Assim, no que se refere ao conceito de “órgãos”, deverá entender-se que estes abrangem as pessoas singulares que exercem os poderes funcionais das pessoas colectivas, mas tão-somente quando essas mesmas pessoas (singulares) actuem em nome da pessoa colectiva, em sua representação directa, ou seja, quando a sua actuação vincule juridicamente a pessoa colectiva por lhe se imputável a respectiva “vontade” ou as suas “decisões” (decisões estas que sempre serão decisões de gestão da actividade daquela pessoa colectiva). F) Ou seja: não é qualquer acção de cada um dos trabalhadores da pessoa colectiva que a vincula e responsabiliza (e neste sentido, não é qualquer acção de um funcionário ou agente seu que a responsabiliza, objectivamente, sem maior análise e independentemente das próprias decisões individuais dessas pessoas (agentes e funcionários no exercício das respectivas funções laborais)). G) Só haverá vinculação da pessoa colectiva pelos actos da pessoa singular quando a segunda actua em execução das decisões dos “órgãos” da primeira, pois só nesse caso a sua vontade é imputável à da pessoa colectiva; caso contrário, estaremos a postular responsabilidade (penal/contraordenacional) objectiva da pessoa colectiva. H) O erro da trabalhadora da Recorrente (Senhora D…), teve lugar exactamente porque esta não cumpriu as normas e procedimentos da pessoa colectiva/Recorrente - tivera a D… feito o print daquele voo em sistema … quando teve a dúvida sobre a origem do voo, como tinha instruções para, ao invés de perguntar a informação correspondente ao TTAE de placa, que não é responsável pela mesma, não teria dado a informação errada ao motorista do autocarro que foi fazer o acolhimento e que desembarcou aqueles passageiros na porta errada. I) Mais: prescrevem o artigo 11.º, nºs 6 e 7, do CP, aplicáveis subsidiariamente ao RGCO por via do seu artigo 32.º, que “(…) A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito. (…)”. Daqui sai reforçada a ideia de que as vontade e actuação das pessoas singulares que agem em representação das pessoas colectivas nem sempre estão “coladas” com as desta e nem sempre coincidem ou sequer são confundíveis. J) Pelo que não interpretou bem o Tribunal a quo quando decidiu fazer uma interpretação do preceito contido no artigo 202.º n.º 3 em conjugação do artigo 6.º n.º 1 da Lei 23/2007 de 4 de Julho ao arrepio das normas de interpretação quer do RGCO, quer do CP (entendendo que a melhor interpretação a fazer no caso em apreço será a de considerar que a responsabilidade da Recorrente decorre “directamente” no artigo 202.º n.º 3 em conjugação do artigo 6.º n.º 1 da Lei 23/2007 de 4 de Julho, como se esta estabelecesse uma responsabilidade objectiva da pessoa colectiva). K) Também não interpretou correctamente o Tribunal a quo quando pugnou pelo recurso à analogia das regras contidas na Lei n.º 99/2009 de 4 de Setembro, que aprova o regime quadro das contra-ordenações no sector das comunicações para o caso concreto, no âmbito da Lei 23/2007 de 4 de Julho, pois fê-lo ao arrepio das regras de interpretação da Lei (impossibilidade de aplicação analógica nas normas excepcionais e impossibilidade de ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal (vide, artigos 9.º n.º 2 e 11.º do Código Civil (“CCiv.”)). L) Igualmente, parece-nos pouco claro (salvo devido respeito) o encadeamento do raciocínio contido nos parágrafos 2 a 4 da página 12 da Douta Sentença recorrida, porquanto, por um lado, pugna pela não aplicação da previsão ou abrangência do artigo 7.º n.º 2 do RGCO e, por outro, volta a expor o que entende ser a correcta interpretação daquele mesmo artigo, aplicando-a ao caso concreto. M) Por outro lado, considerar que só os funcionários da Recorrente tinham o domínio de facto para poder proceder ao desembarque daqueles passageiros e que, por esse facto, qualquer actuação sua vinculava a Recorrente é contraditório com o preceito do artigo 11.º n.º 7 do CP, nos termos do qual “(…) A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes nem depende da responsabilização destes (…)” (sublinhados nossos). De facto, não nos parece correcto aquele raciocínio por nele estar implícito que, independentemente da responsabilização concreta das pessoas singulares, a pessoa colectiva/Impugnante teria sempre de ser responsabilizada. N) Aliás, o entendimento do Douto Tribunal Judicial da Maia (2.º Juízo de Competência Criminal) na sentença proferida em sede do Processo 8748/10/10.5TBMAI (Recurso de contra Ordenação) em que eram partes a ora Recorrente e o SEF, na qualidade de Recorrido, é coincidente com a argumentação e defesa/recurso da ora Recorrente, como se segue: (…) O) Já o Tribunal a quo, em sede de Sentença Recorrida, embora reconheça e tenha considerado provado (i) que a Recorrente explanou as instruções dadas os funcionários responsáveis pelo desembarque de passageiros no Manual de Passageiros para o Aeroporto do Porto (Capítulo C”), que existia e foi distribuído aos funcionários e; (ii) que aqueles funcionários, embora com negligência, contrariaram as instruções contidas no Manual de Passageiros para o Porto, acaba por concluir que daquele Manual não se pode retirar um comando concreto dirigido aos funcionários, pelo que a sua existência e divulgação não são, por si só, aptos a afastar a responsabilidade contra-ordenacional da Recorrente. O) Sobre o mesmo Manual pronunciou-se do Douto Tribunal Judicial da Maia (2.º Juízo de Competência Criminal) na sentença proferida em sede do Processo 8748/10/10.5TBMAI (Recurso de contra Ordenação) como se segue: Q) De facto, os factos 4 e 8, considerados provados pelo Tribunal a quo, permitem fazer esse raciocínio (sendo tais factos como se segue): (…) R) Parece-nos, assim, que as perguntas que deverão ser colocadas para descortinar se as instruções contidas naquele Manual consubstanciavam, ou não, um comando concreto dirigido aos funcionários são: a) Os funcionários sabiam, por intermédio daquele Manual, claramente, quais as acções correctas a executar aquando do desembarque daqueles passageiros (ou seja, sabiam que Voos com proveniência do Reino Unido eram voos Não Schengen e, em consequência, o desembarque teria de se fazer de forma (e pela porta) pela qual os passageiros fossem forçados a passar pelos postos de controlo de fronteiras qualificados para o efeito)? --- Ora, por todo o exposto quer na defesa da Recorrente, quer na Douta Sentença recorrida, à primeira questão teremos de responder afirmativamente: os funcionários da Recorrente têm pleno e actualizado conhecimento das regras aplicáveis aquando do desembarque de passageiros e sabem, a todo o tempo, e naquele acto, que voos com proveniência do Reino-Unido são voos classificados como Não Schengen. b) A Recorrente (pessoa colectiva) poderia e deveria ter tido outra actuação, no sentido de poder evitar o erro dos funcionários e que o desembarque daqueles passageiros se tivesse feito na porta correcta? S) E a resposta terá de ser, necessariamente, negativa. A Recorrente não tinha mais formas ou mecanismos para evitar o resultado do desembarque errado, pois empreendeu todos os esforços que lhe era possível para o evitar (inclusive: (i) formação dos seus funcionários, (ii) Manual de procedimentos com informação actualizada, divulgado aos mesmos, inclusive (iii) com Comunicações de Serviços e relembrar as regras em causa e (iv) criação de duas etapas de verificação entre funcionários para evitar erros ((a) verificação pela funcionária de acolhimento, em sistema …, da proveniência do voo; (b) ok da funcionária de acolhimento ao funcionário que vai executar o desembarque da proveniência do voo e da porta na qual os passageiros deverão desembarcar, de acordo com o mesmo). T) O problema foi os funcionários terem cometido o erro de não seguir TODOS os procedimentos que a Recorrente impõe naqueles actos (de desembarque de passageiros) (e que são, para além das regras contidas no Manual e que são transmitidas aos funcionários da Recorrente em sede de formação obrigatória para aquelas funções, inclusive tal como imposto pelo H…), conforme constante da Comunicação de Serviço da Direcção do Porto, datada de 15/09/2009. U) Assim, é notório que a Senhora D…, funcionária da Recorrida com funções de Acolhimento, embora conhecesse as instruções explanadas no Manual e soubesse exactamente quais os procedimentos a adoptar, desleixou-se e não cumpriu as instruções todas que tinha da Recorrente (verificação em sistema … (como, aliás, admite a Sentença Recorrida), com vista à identificação dos voos e respectivas origens) e que são verdadeiras orientações sobre como agir em sede de acolhimento (tendo facilitado, ao questionar o TTAE sobre a proveniência do voo, quando não era função daquele fornecer aquela informação). V) Não se vislumbra, portanto, qual foi a conduta passível de censura da pessoa colectiva/Recorrente – apenas se admite o descuido, também identificado pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo, da pessoa singular Senhora D…, que não seguiu os procedimentos vigentes na Recorrente para evitar aqueles resultados (conforme também afirma o Mmo. Juiz do Tribunal a quo). Ora, sem conduta passível de censura, não pode haver responsabilização contra-ordenacional da pessoa colectiva, sob pena de se estar a postular a responsabilidade objectiva da mesma. W) De mais a mais, não é certo o exposto no parágrafo 3 da página 12 da Sentença Recorrida, no sentido de a pessoa colectiva não poder ser responsabilizada contra-ordenacionalmente pelo desembarque de cidadãos estrangeiros fora dos postos de fronteira qualificados para o efeito, caso não se considere haver responsabilidade directa da pessoa colectiva decorrente da imposição do artigo 6.º n.º 1 conjugada com o artigo 202,º n.º 3 ambos da Lei 23/2007 de 4 de Julho. X) De facto, imaginemos que o Manual de Passageiros do Aeroporto do Porto continha, ainda que por negligência, regras desactualizadas sobre o correcto desembarque de passageiros: aí, havendo uma situação de desembarque executado de forma errada pelo facto de um funcionário executar essa acção de acordo com tal Manual (desactualizado), estaríamos perante a prática daquele ilícito pela pessoa colectiva, ainda que por negligência. Y) Ou se, por exemplo (ainda que este exemplo repugne à Recorrente), a pessoa colectiva decidisse que o desembarque de determinado passageiro que devesse ser feito pela porta para voos Não Schengen se fizesse pela porta destinada a voos Schengen, por ordens do órgão de gestão dessa sociedade e por esta ter interesse na vinda a território nacional daquela pessoa, sem que esta tivesse de passar por aqueles postos de fronteira qualificados para o efeito, pelo facto de, se o fizesse, aí ficasse retida, por exemplo. Estaríamos perante a prática daquele ilícito, com dolo, da parte da pessoa colectiva. Nestes Termos e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, Deve o presente recurso se julgado procedente e revogada a douta Sentença Recorrida, quanto à improcedência do argumento da inexistência da responsabilidade objectiva da pessoa colectiva/Recorrente. (...)» 3. Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls. 274-275]. 4. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência. 5. A decisão recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva motivação [fls. 231-235]: «(…) 1. Factos Provados: Com relevância para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos: 1. A recorrente B…, S.A., é uma sociedade comercial anónima, com o NIF ………, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com sede no …, …, .., ….-… Lisboa. 2. O objecto social da recorrente é a prestação de serviço de assistência em escala ao transporte aéreo. 3. No dia 30.04.2009, o Sr. E…, sob a indicação da Supervisora D…, ambos funcionários e ao serviço da recorrente B…, S.A., prestaram, no âmbito de um contrato de handling celebrado entre as recorrentes, assistência ao voo …, proveniente do Reino Unido. 4. A recorrente explanou as instruções dadas aos funcionários responsáveis pelo embarque e desembarque de passageiros no Manual de Passageiros para o Aeroporto do Porto, o qual contém, no respectivo Capítulo C, intitulado "Embarques/Desembarques", secção …. "Assistência nos Desembarques", os seguintes procedimentos: "Âmbito - TTAE's (Acolhimento) I. Procedimentos de desembarque 1.1. Verificar, através do check-list de desembarque (…-mod.104), a existência de assistências especiais (UM's, Macas, WCH, INAD 's, etc.). 1.2. Desembarcar os passageiros, de acordo com o tipo de voo, utilizando as seguintes portas e mangas: Portas A — Schengen B — Não Schengen Mangas 10 - Não Schengen 11, 12, 30 e 31-Mista 32, 33, 34 e 35 – Schengen 2. Acolhimento 2.1. Desembarque por Autocarro 2.1.1. O acompanhamento do desembarque é garantido pelos TTAE's de Acolhimento. Sempre que estes não possam ir a bordo, o Coordenador informará o seu homólogo da Placa, quais os voos sem Acolhimento, bem como a porta por onde os passageiros desembarcarão. 2.1.2. O Condutor só abre aporta da viatura quando recebe o "OK" do TTAE que se encontra a coordenar o desembarque. 2.2. Desembarque por manga Contactar o pessoal de cabina, à porta do avião, de modo a poder receber informações para o correcto desembarque dos passageiros. 2.2.1. Em casos pontuais e apenas por decisão superior, poderá proceder-se ao desembarque de passageiros pela porta de trás do avião. 3. Fecho das portas de Desembarque 3.1. Fechar as porta, imediatamente após o desembarque de todos os passageiros. 3.2. Contactar, de imediato o SOA (Serviço de Operações Aeroportuárias) sempre que se verifique qualquer anomalia na abertura/fecho das portas. 4. Assistências Especiais 4.1. Todos os voos com assistências especiais a desembarcar em manga ou autocarro têm Acolhimento à chegada. 4.2. Sempre que à chegada, um passageiro tenha necessidade de cadeira de rodas e precise de a utilizar até junto do seu transporte no exterior da Aerogare e não seja possível o seu acompanhamento por pessoal C…, o elemento do Acolhimento deverá facilitar-lhe um documento identificativo (BI ou outro oficial), para posterior devolução aquando da entrega da cadeira, tendo o cuidado de o informar, que o seu documento será entregue, no Lost and Found, pelo OAE ali em serviço. 4.2.1. O TTAE de Acolhimento após deixar o passageiro, e em posse do documento de identificação, terá que dirigir-se ao Lost-Found, onde o entregará ao OAE. 4.2.2. Este, só devolverá o documento ao familiar do passageiro contra a entrega da Cadeira de Rodas 5. Classificação dos Voos 5.1. Voos Schengen - Todos os efectuados entre os Países signatários do Acordo (Portugal, Espanha, França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Áustria, Itália, Grécia, Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia e Islândia). 5.2. Voos da União Europeia Não Schengen - Todos os que têm proveniência num dos Países que embora fazendo parte da União Europeia, não assinaram o acordo de Schengen (Reino Unido e Irlanda). 5.3. Voos de Países Terceiros - todos aqueles com origem, escala ou destino em todos os outros Países do Mundo. 5.4. Voos Mistos - Todos aqueles provenientes de Países Terceiros com destino a Países Schengen e vice-versa." 5. No dia 30 de Abril de 2009, todos os passageiros do voo …, com proveniência do Reino Unido não passaram pela área de controlo documental de entrada em Território Nacional, efetuado pelo SEF do Posto de Fronteira …. 6. O respectivo desembarque foi efectuado fora do posto de fronteira qualificada para o efeito. 7. O encaminhamento dos passageiros desembarcados do voo … foi efectuado por funcionários da recorrente. 8. Os passageiros não foram encaminhados para a porta designada para o desembarque dos passageiros provenientes de voos Não Schengen, entre o mais, por falta de confirmação da proveniência do Voo em sistema … e consequente indicação ao motorista do autocarro para desembarcar na área destinada aos voos Shengen. 2. Factos Não Provados: O voo … era operado pela recorrente F…. 3. Motivação da matéria de facto: O Tribunal fundou a sua convicção, quanto aos factos provados, nos factos constantes da decisão administrativa que, compulsados os termos das impugnações interpostas pelos recorrentes, não foram colocados em causa e, ainda, na análise de toda a prova documental junta aos autos, mais precisamente: ● Teor do auto de notícia constante de fls. 5; ● Teor da documentação constante de fls. 6 a 11; ● Teor da documentação constante de fls. 40 a 49; e ● Teor da documentação constante de fls. 94 a 103. Quanto ao facto não provado, o mesmo resulta da análise do teor da documentação constante de fls. 203 a 207, do qual resulta que, por força da celebração de um contrato de "sub-charter", o voo … foi efectivamente operado por G…, tendo, no âmbito desse contrato, ficado a F… encarregue de celebrar um contrato de handling, o que, como se viu, veio efectivamente a ocorrer, tendo-o celebrado com a recorrente B… (…)” 6. Pela sua relevância, transcreve-se a fundamentação de direito da sentença recorrida, na parte atinente ao recurso [fls. 235-245]: «(…) A. Da inexistência da responsabilidade objectiva da pessoa colectiva: Em primeiro lugar, sustenta a recorrente B…, S.A que é de excluir a sua responsabilidade contra-ordenacional dado que a actuação que esteve na origem da prática do ilícito contra-ordenacional foi única e exclusivamente um lapso dos seus funcionários que confessaram que as instruções que tinham da recorrente no que respeitava ao desembarque dos passageiros eram em sentido contrário àquele que foi a sua acção, agindo assim contra ordens ou instruções expressas da recorrente, que sempre deu instruções expressas e claras aos seus funcionários para que verificassem de acordo com o procedimento do Manual de Passageiros se os passageiros deveriam ser reconduzidos a uma determinada porta e qual a porta correcta de acordo com o respectivo voo. Cumpre apreciar e decidir. A responsabilidade das pessoas colectivas começou por ser aceite ao nível do Direito de Mera Ordenação Social. Em 1973, Eduardo Correia, no artigo Direito Penal e Direito de Mera Ordenação Social, publicado no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, admite a possibilidade de, em sede de Direito de Mera Ordenação Social, as pessoas colectivas serem responsabilizadas pela prática de contra-ordenações e susceptíveis de serem condenadas nas correspondentes sanções. Actualmente, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º, do Regime Geral de Contra Ordenações (doravante R.G.C.O.), regulado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, prevê-se que: "As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas colectivas, bem como às associações sem personalidade jurídica". Consagra-se assim, como princípio fundamental do direito das contra-ordenações, a responsabilidade de entidades colectivas, a par da responsabilidade individual. Com efeito, prevê o artigo 7.º, n.º 2 do R.G.C.O., que "As pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções." Seguindo de muito perto o Acórdão da Relação do Porto de 27 de Janeiro de 2007, da análise deste normativo decorre que a responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas ou equiparadas não tem carácter objectivo, já que pressupõe a prática do facto típico pelos seus "órgãos" no exercício das suas funções, que só terá sentido quando praticada por pessoas singulares. Daí que a expressão "órgãos" deva ser identificada com as pessoas físicas que, enquanto tais, actuam em nome do ente colectivo". Neste sentido veja-se Manuel António Lopes Rocha, in «A Responsabilidade Penal Das Pessoas Colectivas», Direito Penal Económico, ciclo de Estudos, Coimbra, 1985, pág. 156. "No preenchimento do conceito, a generalidade da doutrina aponta para pessoas que estatutariamente ou de facto praticam actos imputáveis à pessoa colectiva ou, por outras palavras, que integrem a vontade da pessoa colectiva. Ou seja, as pessoas físicas que integram "os centros institucionalizados de poderes funcionais a exercer pelo indivíduo ou colégio de indivíduos que nele estiverem providos com o objectivo de exprimir a vontade juridicamente imputável a essa pessoa colectiva", Cfr., designadamente, João Castro de Sousa, As Pessoas Colectivas em face do Direito Criminal e do chamado Direito de Mera Ordenação Social, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 223, neste ponto citando Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, pág. 154. Ora, de acordo com os doutos ensinamentos de Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, I Volume, Coimbra 1970, pp. 143 e ss: "A vontade do órgão é referida ou imputada por lei à pessoa colectiva, constituindo, para o Direito, a própria vontade desta pessoa. Correspondentemente, os actos do órgão valem como actos da própria pessoa colectiva, que assim agirá mediante os seus órgãos jurídicos, do mesmo modo que a pessoa singular actua e procede através dos seus órgãos físicos. Se os indivíduos encarregados de gestionar os interesses da pessoa colectiva são órgãos dela, os factos ilícitos que pratiquem no âmbito das suas funções serão actos da mesma pessoa; a culpa com que tenham procedido será igualmente culpa dessa pessoa; e sobre esta recairá a competente responsabilidade civil e criminal, que será, para o Direito, responsabilidade pelos próprios actos e pela própria culpa, que não por actos e por culpa de outrem." Mas, verdadeiros órgãos serão as pessoas físicas que têm a seu cargo decidir e actuar pelas pessoas colectivas. No entanto, como refere o Professor Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, I Volume, Coimbra 1970, "há que distinguir os simples agentes ou auxiliares, que só executam por incumbência ou ainda sob a direcção dos órgãos deliberativos e principalmente dos representativos, determinadas operações materiais que interessam à pessoa colectiva. São simples agentes ou auxiliares os operários, os empregados (que podem ser técnicos de alta qualificação) e outros profissionais a cujos serviços a pessoa colectiva ocasionalmente recorra, como mandatários, os advogados constituídos para quaisquer litígios em que a sociedade seja pleiteada, etc.". Essas pessoas não são órgãos, mas simples agentes ou auxiliares, visto que, por si próprias, não manifestam uma vontade imputável à sociedade. Na verdade, as sociedades podem ter mandatários constituídos e tratados como os das pessoas singulares; são os órgãos da pessoa colectiva quem os designa e lhes confere os respectivos poderes. Distinguem-se dos meros agentes ou auxiliares por terem a seu cargo a conclusão de actos jurídicos. Distinguem-se dos órgãos porque a intervenção destes resulta dos próprios estatutos ao passo que a daqueles resulta das deliberações tomadas pelos órgãos ou por imposição legal, observados determinados pressupostos. A restrição da responsabilidade das pessoas colectivas ou equiparadas pelas contra- ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções implica que a responsabilidade dos entes colectivos não existirá quando a contra-ordenação tenha sido praticada por pessoas físicas que tão-só mereçam a qualificação de agentes ou auxiliares? Este é o entendimento sufragado por Teresa Serra, in "Contra-Ordenações: Responsabilidade de Entidades Colectivas", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, n.º 9 (1999), onde se pode ler que o artigo 7.º, n.º 2 do R.G.C.O. "espelha, na realidade, uma consagração inadmissivelmente restritiva da responsabilidade contra-ordenacional: só às contra-ordenações cometidas pelos órgãos (negrito e sublinhado nosso) é atribuída pela lei relevância para efeitos de desencadear a responsabilidade colectiva. Este regime parece pelo menos incompreensível, quando confrontado com um critério de imputação que permite uma inegável maior amplitude da responsabilidade criminal de entidades colectivas, em matérias muito específicas, (...)". Conclui esta advogada no seu artigo que "havendo um critério de imputação definido no regime geral, o Governo tem de respeitá-lo ao tratar de regimes especiais", sendo que a solução para o problema passa pela alteração da redacção do artigo 7.º, n.º 2 do R.G.C.O.. Seguindo esta interpretação, e tal como foi decidido no Acórdão da Relação do Porto supra citado, um empregado da pessoa colectiva, que realiza a conduta típica, não é «órgão» da mesma e, como tal, aquela não pode ser responsabilizada pela conduta dele. Assim, coloca-se a seguinte questão: uma vez que os factos em causa nestes autos foram praticados por funcionários da recorrente, que não são «órgãos» da mesma, pode a recorrente ser responsabilizada pela conduta deles? A recorrente, na sua impugnação, manifesta-se no sentido de que, no que se refere ao conceito de "órgãos", deverá entender-se, de facto, que estes abrangem as pessoas singulares que exercem os poderes funcionais nas pessoas colectivas, isto é, os seus agentes, os seus funcionários, quando agem no exercício das suas funções de trabalhadores da pessoa colectiva. Impõem-se assim abordar esta questão prévia. Apesar de não ser o que acontece in casu, já se prevê em determinadas situações um regime de punibilidade extensiva às pessoas colectivas pelas infracções cometidas em actos praticados em seu nome ou por sua conta, pelos titulares dos seus órgãos sociais, pelos titulares dos cargos de direcção e chefia e pelos seus trabalhadores no exercício das suas funções, bem como pelas infracções cometidas por seus mandatários e representantes, em actos praticados em seu nome ou por sua conta (cfr. por exemplo o artigo 3.º da Lei n.º 99/2009, de 4 de Setembro, que aprova o regime quadro das contra-ordenações do sector das comunicações). A melhor interpretação a fazer neste caso concreto é a de que, o que sucede é que a responsabilidade da recorrente decorre directamente da imposição do artigo 6.º, n.º 1, conjugada com o artigo 202.º, n.º 3, ambos da Lei 23/2007, de 4 de Julho e não da previsão, alcance ou abrangência que se contenha no artigo 7.º n.º 2 do R.G.C.O. Na verdade, uma interpretação em sentido contrário levaria inelutavelmente à irresponsabilidade de todas as pessoas colectivas neste tipo de infracções, anulando o objectivo enunciado na lei, que foi elaborada para regular um específico contexto onde praticamente só pessoas colectivas operam. Em suma, entendemos que o critério de imputação na responsabilidade contraordenacional das pessoas colectivas, nos termos do R.G.C.O., é o seguinte: a expressão "órgãos" reporta-se também às pessoas físicas que, enquanto tais, actuam em nome do ente colectivo, nos termos da doutrina que explanámos. É pois possível gizar um conceito mais amplo, abrangendo as pessoas físicas que, em nome e no interesse da pessoa colectiva, administram os interesses desta, decidindo e actuando pelas pessoas colectivas. A lei penal, por exemplo, e presentemente, na definição do critério de imputação, alarga a responsabilidade para além da noção de "órgão", reportando-se a pessoas que ocupem uma "posição de liderança" e, num determinado quadro, a quem actua sob a autoridade daquelas. Na legislação avulsa, fala-se, por vezes, em "órgãos" e "representantes", actuando em nome e no interesse colectivo, entendendo-se (não sem discussão) estarem abrangidos representantes de facto. No caso concreto, é verdade que um funcionário não é um "órgão" da pessoa colectiva. Daí que tenhamos de fazer uma interpretação da norma no sentido de abranger estas situações, em que só aqueles funcionários tinham a incumbência da proceder ao desembarque dos cidadãos estrangeiros para os postos de fronteira qualificados - e só eles tinham o domínio do facto -, actuando no exercício das suas funções e em nome e no interesse da pessoa colectiva, de alguma forma como seus representantes ou em substituição do órgão, para aquele efeito. A entender-se de outro modo, nunca ou dificilmente a pessoa colectiva será responsabilizada contraordenacionalmente pelo desembarque de cidadãos estrangeiros fora dos postos de fronteira qualificados para esse efeito, sendo que em cada um dos desembarques, não estarão presentes, em cada momento, os seus órgãos, para por si encaminharem correctamente o desembarque de cidadãos estrangeiros para os postos de fronteira qualificados. B) Da exclusão da responsabilidade da pessoa colectiva. Agora sim, passemos ao segundo momento, que é precisamente analisar se é de excluir a responsabilidade da pessoa colectiva, conforme argumenta a recorrente, pelo facto dos seus funcionários terem desobedecido a ordens ou instruções expressas que lhes hajam sido dadas. Muito embora o R.G.C.O também não contemple norma semelhante à do artigo 7.º, n.º 2, do R.G.I.T., segundo o qual a responsabilidade contraordenacional das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída "quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito", vem-se aceitando que essa regra corresponde a um princípio de carácter geral do direito contraordenacional - neste sentido, veja-se o Parecer da Procuradoria-Geral da República de 7/07/94, publicado no D.R. IIª Série, nº 99, de 28/04/95 e Sérgio Passos, Contra-Ordenações, 2ª Edição, pag. 75. Assim sendo, a responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas é, pois, delimitada negativamente quando o agente/funcionário/subordinado não tenha actuado no círculo de ordens ou instruções expressas dadas pelo ente colectivo. Como referiu o Professor Germano Marques da Silva, na Conferência realizada a 27 de Setembro de 2007, nas Jornadas sobre o Código Penal, organizadas pelo Centro de Estudos Judiciários, "Nestes casos, a actuação do agente, órgão ou representante, não corresponde à vontade da pessoa colectiva e por isso que esse acto não lhe possa ser imputado. Haverá então responsabilidade da pessoa física mas não da pessoa colectiva, pois que embora a pessoa física actue na qualidade de órgão ou representante e ainda que no interesse da pessoa colectiva não age em conformidade com a vontade da pessoa colectiva expressa por quem de direito". Quanto à natureza das ordens ou instruções, tal como refere o mesmo Professor, na sua obra "Responsabilidade Penal das Pessoas Colectivas e dos Seus Administradores e Representantes", Verbo, 2009, "é necessário que o agente conheça a ordem ou instrução, que necessariamente se há-de dirigir ao acto a praticar, que seja dada por quem de direito e que seja concreta, que represente um comando e não uma mera sugestão ou recomendação e que esse comando seja perfeitamente perceptível pelo destinatário". Defende a recorrente que os seus funcionários não se conformaram com as instruções e política funcional e operacional da pessoa colectiva e agiram em sentido contrário ao que esta define como comportamento a adoptar naquelas situações. E que, assim sendo, não se poderá pretender imputar à mesma a prática de um acto que não corresponde à sua vontade e nem se lhe poderá imputar a consequente culpa (ainda que a culpa na pessoa colectiva apenas pudesse ser aferida por "imputação" da exacta culpa da pessoa singular). Conclui pugnando que, uma interpretação em sentido contrário, isto é, que qualquer actuação das pessoas singulares no exercício das suas funções corresponde à actuação funcional das pessoas colectivas que elas representam, independentemente da culpa da pessoa colectiva nessa actuação, postularia a responsabilidade contra-ordenacional objectiva das pessoas colectivas. Vejamos os factos que se deram como provados. Provou-se que a recorrente explanou as instruções dadas aos funcionários responsáveis pelo embarque e desembarque de passageiros no Manual de Passageiros para o Aeroporto do Porto, o qual contém, no respectivo Capítulo C, intitulado "Embarques/Desembarques", secção …. "Assistência nos Desembarques", entre outros procedimentos, os seguintes: "Âmbito - TTAE´s (Acolhimento) 1. Procedimentos de desembarque: (...) 1.2. Desembarcar os passageiros, de acordo com o tipo de voo, utilizando as seguintes portas e mangas: Portas: A - Schengen; B - Não Schengen; 5. Classificação dos Voos - 5.1. Voos Schengen -Todos os efectuados entre os Países signatários do Acordo (Portugal, Espanha, França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Áustria, Itália, Grécia, Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia e Islândia). 5.2. Voos da União Europeia Não Schengen - Todos os que têm proveniência num dos Países que embora fazendo parte da União Europeia, não assinaram o acordo de Schengen (Reino Unido e Irlanda)." Por outro lado, ficou demonstrado que no dia 30 de Abril de 2009, todos os passageiros do voo …, com proveniência do Reino Unido não passaram pela área de controlo documental de entrada em Território Nacional, efectuado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras do …. Trata-se portanto, de um voo Não Schengen. Provou-se ainda que, o respectivo desembarque foi efectuado fora do posto de fronteira qualificado para o efeito, através de encaminhamento dos passageiros por funcionários da recorrente, que não os encaminhou para a porta designada para o desembarque dos passageiros provenientes de voos Não Schengen por falta de cuidado. Ora, daqui decorre inequivocamente que, embora com negligência, os funcionários da recorrente, contrariaram as instruções no Manual de Passageiros para o Aeroporto do Porto. Todavia, da mera existência e distribuição deste Manual não se pode retirar o facto de que houve uma instrução expressa e clara da recorrente B… aos funcionários a quem adjudicou esta concreta tarefa de desembarque dos passageiros do …, ou seja, não se retira um concreto comando dirigido aos seus funcionários que seja contemporâneo dos factos em apreço, pelo que a mera existência de um manual, bem como a sua divulgação, não são, por si só, aptos a afastar a responsabilidade contra-ordenacional da recorrente B…, pelo que, também aqui, improcede a argumentação desta recorrente. C. Do erro na qualificação jurídica do tipo (elemento pessoal especial do tipo de ilícito.) Da análise do tipo de ilícito previsto no artigos 202.º, 3 e 6º, 1, da Lei 23/2007 de 4 de Julho, não se consegue - diga-se desde já - chegar à conclusão a que a Recorrente B… chega de que apenas uma empresa transportadora (aérea, neste caso) poderá levar a cabo uma acção de desembarque. Vejamos: Prevê o artigo 6º n.º 1 "A entrada e a saída do território português efectuam-se pelos postos de fronteira qualificados para esse efeito e durante as horas do respectivo funcionamento, sem prejuízo do disposto na Convenção de Aplicação." E o artigo 202º, na parte que para aqui importa, prevê que "3—O desembarque de cidadãos estrangeiros fora dos postos de fronteira qualificados para esse efeito e em infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 6.º constitui contra-ordenação punível com uma coima de € 50.000 a € 100.000. 4—São solidariamente responsáveis pelo pagamento das coimas previstas no número anterior a empresa transportadora e as suas representantes em território português." Parece evidente que o tipo visa sancionar a pessoa (singular ou colectiva) que procede ao desembarque dos passageiros fora dos postos de fronteira qualificados para o efeito, independentemente de quem efectua esse serviço aeroportuário de desembarque. Aliás, se o legislador pretendeu, nos termos do n.º 4 do artigo 202º que acabou de se transcrever, atribuir ao transportador a responsabilidade solidária (civil, evidentemente) pelo pagamento da coima aplicada nos termos do n.º 3, é porque admite que a prática da contra- ordenação pode ser praticada por quem não é transportador aéreo. Para além do mais, não deixa de ser estranho que a recorrente B… venha alegar que apenas uma transportadora aérea pode levar a cabo uma acção de desembarque e, ao mesmo tempo, junte aos autos um Manual onde destina um capítulo a Desembarques e Desembarques, e onde estão contempladas regras como: "1.2 Desembarcar passageiros, de acordo com o tipo de voo, utilizando as seguintes portas e mangas ". Assim sendo, parece também aqui falecer razão à recorrente B…. D. (…) *** Isto posto, e face aos factos acima dados como provados, não se poderá deixar de concluir como concluiu a autoridade administrativa no tocante à conduta da recorrente B…. De facto, nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro "constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima." Assim, e para que possa ser configurada a prática de um ilícito contra-ordenacional, qualquer que ele seja, é necessária a verificação de determinados pressupostos, a saber: - ocorrência de um facto (por acção ou omissão), no sentido em que só uma conduta humana traduzida em actos externos pode ser qualificada como contra-ordenação e justificar a aplicação de uma coima. - a existência de um tipo-de-ilícito, no sentido em que, exprimindo-se a ilicitude precisamente através de tipos de ilícitos, só a conduta subsumível à descrição legal - o comportamento proibido - poderá ser contraordenacionalmente relevante. - a existência de culpa, no sentido de relação subjectiva entre o facto típico e o seu autor, que permite responsabilizar este pelo cometimento daquele (o mesmo que vontade racional e livre de dar causa ao facto). No caso dos autos, face à factualidade apurada, ficou inequivocamente demonstrado que a arguida B… por descuido de pelo menos dois seus funcionários, desembarcou vários cidadãos provenientes de um país que não é signatário do acordo Shengen (Reino Unido) fora do posto de fronteira destinado a efectuar o controlo dos cidadãos em causa. Resulta, então, inegável que a conduta (negligente) da recorrente B… preenche o tipo de ilícito objectivo e subjectivo, sendo que a conduta a título de negligência é também punível, nos termos do artigo 204º, 1 da Lei 23/2007 de 4 de Julho, pelo que se entende que praticou a contra-ordenação por que vem condenada. (…)» II – FUNDAMENTAÇÃO 7. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objeto do recurso, a recorrente suscita para apreciação a questão da responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas, invocando: (i) nos termos da Lei vigente, as pessoas coletivas ou equiparadas só são responsáveis pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções [artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, que institui o ilícito de mera ordenação social e respetivo processo – adiante designado RGCO]; (ii) por outro lado, sempre a sua responsabilidade deveria ser excluída por o trabalhador (agente) ter atuado contra ordens e instruções expressas emanadas pela respetiva chefia [artigo 11.º, n.º 6, do Cód. Penal]. 8. (i) A recorrente vem condenada pela prática da contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 6.°, 1 e 202.º, 3 da Lei n.° 23/07, de 4 de julho [que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional]. Dada a pertinência que têm, transcrevemos, de seguida, as normas legais atinentes à matéria que se discute nos presentes autos: — Da Lei n.º 23/07, de 4 de julho Artigo 6.º Controlo fronteiriço 1 - A entrada e a saída do território português efetuam-se pelos postos de fronteira qualificados para esse efeito e durante as horas do respetivo funcionamento, sem prejuízo do disposto na Convenção de Aplicação. (…) Artigo 202.º Inobservância de determinados deveres (…) 3 - O desembarque de cidadãos estrangeiros fora dos postos de fronteira qualificados para esse efeito e em infração ao disposto no n.º 1 do artigo 6.º constitui contraordenação punível com uma coima de (euro) 50000 a (euro) 100000. (…) — Do DL n.º 433/82, de 27 de outubro [RGCO]: Artigo 7.º Da responsabilidade das pessoas coletivas ou equiparada 1 - As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas coletivas, bem como às associações sem personalidade jurídica. 2 - As pessoas coletivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções. Artigo 32.º Do direito subsidiário Em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contraordenações, as normas do Código Penal. 9. No caso dos autos foi dado como provado que, no âmbito do cumprimento de um contrato de handling, dois trabalhadores da arguida prestaram assistência a um voo proveniente do Reino Unido e, contrariando instruções expressas da recorrente, permitiram que o desembarque de passageiros fosse efetuado fora do posto de fronteira qualificado para o efeito [itens 3 a 8 dos Factos Provados]. 10. Na verdade, a supervisora D… deu indicação a E…, também ele trabalhador da recorrente, no sentido de encaminhar os passageiros para a porta destinada a passageiros provenientes de voos Não Schengen, contrariando, assim, as instruções do “Manual de passageiros para o aeroporto do Porto”, elaboradas e apresentadas pela recorrente aos seus trabalhadores. 11. Perante estes factos, a recorrente defende que não pode ser responsabilizada pela contraordenação verificada, apoiando-se no texto da lei que limita a responsabilidade das pessoas coletivas ou equiparadas às atuações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções [artigo 7.º, n.º 2, do RGCO]. 12. A responsabilidade penal e contraordenacional de entes coletivos é um dos temas do momento da dogmática penal, não só pela urgência com que se impõem alterações, mas também pela “revolução” do modelo clássico de imputação penal que ele acarreta. Na origem do problema, está uma realidade incontornável: a sociedade de risco em que nos tornámos. 13. A Lei admite a responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas mas apenas por atos praticados “pelos seus órgãos no exercício das suas funções [artigo 7.º, n.º 1, do RGCO – ver AcRP de 24.1.2007 (Isabel Pais Martins)]. O sinal mais forte de evolução do quadro legislativo foi dado, entretanto, pela alteração ao artigo 11.º, do Cód. Penal, da Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, com a superação do princípio do caráter pessoal da responsabilidade criminal. Assim, onde antes se lia: Artigo 11.º Caráter pessoal da responsabilidade Salvo disposição em contrário, só as pessoas singulares são suscetíveis de responsabilidade criminal. — passou-se a ler: Artigo 11.º Responsabilidade das pessoas singulares e coletivas 1 - Salvo o disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são suscetíveis de responsabilidade criminal. 2 - As pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção do Estado, de outras pessoas coletivas públicas e de organizações internacionais de direito público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152.º-A e 152.º-B, nos artigos 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º, sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º, 169.º, 171.º a 176.º, 217.º a 222.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285.º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 374.º, quando cometidos: a) Em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou b) Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem. 3 - Para efeitos da lei penal a expressão pessoas coletivas públicas abrange: a) Pessoas coletivas de direito público, nas quais se incluem as entidades públicas empresariais; b) Entidades concessionárias de serviços públicos, independentemente da sua titularidade; c) Demais pessoas coletivas que exerçam prerrogativas de poder público. 4 - Entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa coletiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua atividade. 5 - Para efeitos de responsabilidade criminal consideram-se entidades equiparadas a pessoas coletivas as sociedades civis e as associações de facto. 6 - A responsabilidade das pessoas coletivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver atuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito. (…) 14. A magnitude desta alteração e a sua importância face à centralidade que o Código Penal tem na legislação penal leva-nos a afirmar a necessidade de fazer uma interpretação atualista do n.º 2 do artigo 7.º do RGCO [As pessoas coletivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções], de forma a harmonizar o seu alcance com a norma agora estabelecida pelo artigo 11.º, do Cód. Penal. É que sendo o direito contraordenacional um direito penal secundário, não faria sentido admitir que ele apresentasse um quadro de pressupostos da imputação das pessoas coletivas ou equiparadas com uma exigência superior ao previsto no direito penal. 15. O que significa que as pessoas coletivas ou equiparadas devem ser responsabilizadas pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos nos exercícios das suas funções e também quando cometidas em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança, ou quando cometidas por quem aja sob a autoridade das pessoas antes referidas em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem [artigo 7.º do RGCO e 11.º, n.º 2 do Cód. Penal]. 16. Revertendo para o caso concreto, temos como certo que os factos dados como provados apontam no sentido da responsabilização da recorrente, uma vez que o ato ilícito [desembarque de passageiros efetuado fora do posto de fronteira qualificado para o efeito] foi praticado pelo trabalhador E… mas por indicação da supervisora D… – ou seja, por indicação de quem tem autoridade para exercer o controlo da sua atividade [n.º 4 do cit. artigo 11.º]. 17. (ii) A questão, porém, não fica por aqui. De acordo com o artigo 180.º, da Lei n.º 23/07 de 4 de julho, “As pessoas coletivas e entidades equiparadas são responsáveis, nos termos gerais (…)”. O que nos remete para o diploma que institui o ilícito de mera ordenação social [DL 433/82, de 27 de outubro]. E este, por sua vez, define o Código Penal como direito subsidiário “no que respeita à fixação do regime substantivo das contraordenações” [artigo 32.º, do RGCO]. 18. Pois bem: no esforço de estabelecer regras (regular) em função das especificidades do funcionamento dos entes coletivos, o referido artigo 11.º, do Cód. Penal, alonga-se em vários outros critérios, entre os quais, o da exclusão da responsabilidade das pessoas coletivas e entidades equiparadas “quando o agente tiver atuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito” [n.º 6]. 19. Ora, está demonstrado que a arguida “explanou as instruções dadas aos funcionários responsáveis pelo embarque e desembarque de passageiros no Manual de Passageiros para o Aeroporto do Porto” [item 4], cujos procedimentos, se seguidos pelos trabalhadores em causa, permitiriam inviabilizar a conduta que deu causa à contraordenação verificada. 20. É verdade que a diferença ôntica entre crimes e contraordenações justificará, também aqui, um tratamento diferenciado e menos protetor no caso destas últimas. Porém, a lei não dá qualquer indicação expressa nesse sentido. O que vigora é, ainda assim, a regra da aplicação subsidiária das normas do Código Penal em tudo o que não for contrário ao regime geral das contraordenações [artigo 32.º, do RGCO]. E o que cabe aos tribunais é aplicar a lei – artigos 203.º, da CRP e 4.º, da LOFTJ [Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto]. 21. Ou seja: assente, num primeiro momento, a responsabilidade da arguida por ato ordenado por quem ocupava uma posição de liderança, o certo é que tal responsabilidade vem a ser excluída por o agente ter atuado contra ordens e instruções expressas da recorrente. E se bem que se admita ser este um dos aspetos que justifica um tratamento diferenciado consoante o ato seja crime ou contraordenação, com a previsão de um regime menos protetor para o caso das contraordenações, o certo é que a lei não expressa a mínima indicação nesse sentido, uma indicação que pudesse justificar decisão diferente daquela que tomamos ao aplicar a disciplina prevista pelo n.º 6 artigo 11.º do Cód. Penal, ex vi, do artigo 32.º, do RGCO, declarando excluída a responsabilidade contraordenacional da recorrente. 22. Assim, procedem as razões da recorrente. A responsabilidade pela taxa de justiça Sem tributação – procedência do recurso [artigo 513.º, n.º 1, a contrario, do CPP]. III – DISPOSITIVO Pelo exposto, os Juízes acordam em: ● Conceder provimento ao recurso interposto pela arguida B…, S.A., absolvendo-a da prática da contraordenação por que vinha condenada. Sem tributação. [Elaborado e revisto pelo relator – em grafia conforme ao Acordo Ortográfico de 1990] Porto, 6 de junho de 2012 Artur Manuel da Silva Oliveira José Joaquim Aniceto Piedade |