Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3283/09.7TBVCD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: ARRESTO
PERDA DA GARANTIA PATRIMONIAL
Nº do Documento: RP201010113283/09.7TBVCD-A.P1
Data do Acordão: 10/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Quando incide a fortuna do arrestado em bens imóveis e resultantes de actividade funcional e objecto social de construção civil ou de intervenção apenas a nível de imobiliária – compra e venda de imóveis ou revenda dos adquiridos para esse fim -, também aí o justo receio de quem se mostra credor se coloca a um nível de insegurança elevado.
II - São bens que se podem transferir a todo o tempo, como resulta e será timbre de uma boa empresa imobiliária, tanto mais que todos os bens estão à venda.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 3283/09.7TBVCD-A.P1
Relator: Pinto Ferreira - R/1326 -
Adjuntos: Marques Pereira
Caimoto Jácome

Tribunal Judicial de Vila do Conde -.º Juízo Cível - Processo autuado a 29-08-2009
Data da decisão recorrida: 9-4-2010; Data da entrada do processo na Relação: 30-07-2010

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

B………., LDA., propôs contra C………., SA., a presente providência cautelar de arresto com fundamento no facto de ter adquirido um imóvel à requerida - lote n.º 40º -, para construção e venda, tendo pago o respectivo preço e realizado despesas de impostos e registo, para além de licenciamento
Acontece que foi ordenado judicialmente - em virtude de providência cautelar de restituição de posse -, que procedesse à entrega do terreno a um terceiro, que se arroga proprietário, o que o impede de prosseguir o objectivo que teve com a compra, razão pelo qual pretende em acção principal resolver o contrato com a requerida.
A conduta da requerida causou diversos prejuízos, que pretende ser ressarcido, sendo que, para além de mais, está a vender o seu imobiliário em Portugal, pois pretende deslocar-se para Moçambique, pelo que pede o arresto dos imóveis identificados a fls. 22 e 23.

Instruída e discutida a causa, profere-se decisão em que se ordena o arresto de fracções autónomas da requerida.

A requerida deduz oposição, por não ouvida antes do decretamento da providência, alegando factos e apresentando meios de prova não tidos em conta pelo tribunal anteriormente, com vista a afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.
Após ouvir testemunhas e analisar documentos, decidiu manter o decretamento do arresto.

Inconformado, recorre a requerida.
Junta alegações. Há contra alegações.
Nada obsta ao conhecimento do recurso
*
II - Fundamentos do recurso

O âmbito dos recursos fixa-se com as conclusões - artigos 684º n.º 3 e 685º-A n.º 1 do Novo CPC -
Daí a conveniência da sua transcrição que, no caso, foram:

1 — A Requerente, através da providência cautelar de arresto, pretendia ver arrestados bens da Requerida, alegando que em acção principal pretende resolver o contrato de compra e venda, celebrado com aquela e referente a uma parcela de terreno destinada a construção urbana;
2 — Por estar impedida, por Providência Cautelar, contra si intentada, a construir no prédio adquirido;
3 — O que lhe causou prejuízos, receando pelo seu crédito, já que a Requerida está a vender o seu imobiliário em Portugal, pois pretende deslocar-se para Moçambique.
4 — Foi decretado o arresto, sem audição prévia da Requerida;
5 — Posteriormente aquela foi notificada do arresto e apresentou oposição
6 — Alegando que, apesar de considerar que não se encontra preenchido o requisito de existência de direito de crédito da Requerente sobre a Requerida, relega tal defesa para a acção principal;
7 — Uma vez que, no presente, não está preenchido o segundo dos requisitos, ou seja “ justo receio de perda da garantia patrimonial, os quais têm de se verificar cumulativamente.
8 — Conforme resultou da prova produzida, a Requerente é uma sociedade que se dedica à compra e venda de bens imóveis e revendados adquiridos para esse fim;
9 - Devendo ser alterados os factos dados como provados, o que se requer e acrescentado, que a Requerente vem a exercer normal e habitualmente a sua actividade;
10 — É nesse contexto que a Requerida tem à venda o seu património, ou seja como concretização do seu objecto social e não com a intenção de encerrar a sua actividade;
11 — Sendo, também nesse contexto que tem efectuado compras;
12 - Pelo que o seu património é composto por vários prédios;
13 — A situação económica e financeira da Requerida é excelente, tem completa solvabilidade, o facto de ter o seu património à venda, já vem há vários anos, pelo que não há qualquer comportamento anómalo;
14 — Tem meios próprios para fazer face aos seus compromissos
15 — Os seus administradores deslocam-se a Moçambique, porque aí, também, têm negócios, que coexistem com os de Portugal e fazem -o já há vários anos.
16 — Pelo que, da prova produzida não pode ser considerado que está preenchido o requisito de “ justo receio de perda de garantia patrimonial” e ser decretado o arresto.
17 — Já que a comprovação deste requisito não se basta com o receio subjectivo do credor,
18 - O critério de avaliação tem de assentar em circunstâncias concretas,
19 — Sendo que as circunstâncias objectivas que possam integrar o conceito de “justo receio de perda de garantia patrimonial, têm de surgir em momento posterior ao negócio de onde emerge o crédito;
20 — O que, por si só, no caso presente não se verifica, já que a Requerida tem prédios à venda, já há vários anos, porque essa é a sua actividade.
21 - Pelo que o Tribunal “a quo”, fez uma má avaliação dos factos e consequente má aplicação do Art. 406 do C.P.C e Art. 619 do C. Civil.

Termos em que deve ser revogada a decisão proferida em primeira instância, sendo revogada a providência e levantado o arresto, com todas as legais consequências.

Em contra alegações vem defendida a manutenção da decisão recorrida.
*
III - Factos provados

Para a primeira decisão relevaram os seguintes factos:
1. A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos para esse fim, construção civil e administração de imóveis.
2. A Requerida – C………., SA -, com sede na Rua ………, n.º …, ………., freguesia de ………., no concelho da Trofa, é uma sociedade cujo o objecto social é o seguinte: comércio por grosso, importação e exportação de vinhos e derivados, comércio por grosso e a retalho de tecidos, importação e exportação de têxteis; importação de peixe e madeiras. Compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Promoção de urbanizações e loteamentos de terrenos. Indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas.
3. No âmbito da sua actividade, a Requerente, à data de 03/08/2007, adquiriu à ora Requerida uma parcela de terreno destinada à construção urbana, no lote .., a confrontar de norte e poente com a D………., a nascente com E………., L.da e a sul com arruamento, com a área de 410,36 m2, sita na ………. e ………., no concelho de Vila do Conde, através de escritura pública de compra e venda.
4. A Requerente pagou por aquele lote, àquela sociedade vendedora “C………., SA”, a quantia de 225.000,00 Euros (duzentos e vinte e cinco mil euros).
5. Tendo pago o respectivo Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas no montante de € 14.625,00 (catorze mil, seiscentos e vinte e cinco euros).
6. A Requerente registou a seu favor na Conservatória do Registo Predial deste concelho, pela apresentação n.º 19 de 29/08/2007, tal parcela, parcela essa descrita sob o n.º 3999 e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 8364. 7. Tal parcela de terreno, destinada à construção urbana, identificada como lote n.º .., proveio de loteamento a que correspondeu o alvará n.º ./03 de 20 de Março.
8. Após a aquisição de tal parcela, a ora Requerente deu entrada de um pedido de licenciamento, para aquele lote, na Câmara Municipal de ………., nomeadamente para a construção de uma moradia bifamiliar, composta por: r/c, 1º andar duplex e 2, 3º andar duplex, a submeter ao regime da propriedade horizontal, tendo apresentado, para o efeito, um projecto arquitectónico naquela Câmara.
9. Licenciamento esse, a que correspondeu o processo n.º …/07 e que se encontra já devidamente aprovado pela Câmara Municipal respectiva, tendo sido emitida, com data de 9 de Maio de 2008, também por aquela Câmara de ………., uma autorização para a Requerente realizar os trabalhos de escavação até à profundidade do piso menor.
10. Autorização essa, que foi levantada e paga, a título de caução, pela ora Requerente naquela data, na Câmara Municipal, custo esse -nomeadamente do aterro e regularização dos terrenos – que importou na quantia de 4.950,00 € (quatro mil novecentos e cinquenta euros), mas que foi posteriormente reembolsado à Requerente.
11. No âmbito de uma Providência Cautelar de Restituição Provisória de Posse, já transitada em julgado -providência essa a que correspondeu o n.º 853/09.7TBVCD, que correu trâmites no .º Juízo Cível deste Tribunal – em que é Requerente a sociedade D………., L.da, sociedade comercial por quotas, com sede na Rua ………., em Vila do Conde e Requerida a ora aqui Requerente, tal providência foi decretada e em consequência julgada a mesma procedente e a Requerida – a ora aqui Requerente - obrigada a não construir naquele lote de terreno.
12. Foi decidido, em tal providência:

“a) ordenar que a Requerida (a ora Requerente) se abstenha, de futuro, de praticar qualquer acto que perturbe, dificulte ou impeça a posse / fruição do prédio em apreço(descrito de 1) a 5) dos factos assentes), designadamente, abstendo-se de retirar e / ou danificar a vedação existente no mesmo, bem como, tentar entrar no seu interior;

b) fixo uma sanção pecuniária compulsória de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) por cada dia em que se verifique, por parte da Requerida(a ora Requerente), infracção da decisão ora proferida.”

13. A D………., L.da. é uma sociedade que tem alguns prédios contíguos ao prédio identificado em 3), alegando que, aquele lote .. foi “criado em terreno” que era seu e, como tal, o licenciamento do loteamento, no que toca ao “lote .., é nulo e de nenhum efeito e ainda ineficaz quanto a si”, baseando a sua alegação no facto de se considerar como legítima e exclusiva proprietária daquele prédio e que tem tido a sua posse material e jurídica ao longo do tempo, a qual tem vindo a ser exercida por si e seus antepassados legítimos há mais de cinquenta anos.
14. Aquela sociedade, além do Procedimento Cautelar supra identificado, propôs, na qualidade de Autora, Acção Administrativa Especial contra o Município de ………. e contra os contra interessados: E………., L.da, F………., G………. e B………., L.da (a aqui requerente), acção esta que corre os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o n.º 249/09.0BEPRT.
15. Alega aquela D………. em tal Acção Administrativa o que se passa a reproduzir:

“Por escritura pública Iavrada no 2° Cartório Notarial de Vila do Conde a fls. 66v° a 8v° do livro 156-0 de que se junta um exemplar (doc. n° 2) a autora na qualidade de proprietária dum terreno destinado à construção urbana com a área de 4700m2, sito na Rua ………. em Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob a ficha 1173 - Vila do Conde e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 6491, permutou com E………., Lda, F………. e G………. uma única parcela de terreno com a área de 125m2, a confrontar do Norte com terreno seu (do seu predio sobrante), do Nascente a terminar em ponta aguda e do Sul e Poente com as permutantes (a dita E………., Lda e F………. e G……….;

Por sua vez a autora recebeu das permutantes referidas uma parcela com a área de 74m2, a destacar do prédio contíguo descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob a ficha 2693 — Vila do Conde e inscrito nos artigos 124 e 126 urbanos e 523 rústico da freguesia de Vila do Conde;

A qual se destinou a rectificar a extrema Norte do prédio da autora;

A parcela adquirida pelos contra interessados destinou-se a rectificar a extrema nascente do seu prédio;

A dita escritura não foi instruída com uma planta com a localização das parcelas, por ter sido considerado desnecessário;

Por questão de cortesia e para prevenir qualquer incidente a autora mandou uma carta á contra interessada E………., L.da para marcarem dia e hora para a delimitação exacta da parcela que recebeu (doc. n° 3) e recebeu como resposta de que era desnecessária a presença desta para a efectiva demarcação (doc. n° 4);

A parcela de terreno recebida pela autora deu lugar à ficha 3462/20000413 a [qual foi anexada à ficha 1173/120491 objecto da permuta formando um prédio novo já sem os 120m2 que foram cedidos aos 1°, 2° e 3° contra interessados;

E foi criado um prédio novo no registo predial que passou a ter a seguinte descrição: urbano — Rua ………. — parcela de terreno para edificação urbana com 5049m2.
Norte — Rua ……….; Sul e Poente com novo arruamento e do Nascente com H………. (doc. n° 5) passando a ter no Registo Predial a identificação 03583 -Vila do Conde;

Em 7 de Outubro de 2008 a autora formalizou uma reclamação na Câmara (doc. no 6) em aditamento aos já efectuados, em que chamou à atenção para que a planta de permutas junta ao processo de loteamento não estava assinada pelo gerente da contra interessada E………., L.da e que esta era representada ininterruptamente desde 27/7/82 até 27/6/08 por I……….;

O lote .. foi destacado do prédio objecto da permuta descrito sob a ficha 2693/961107 e está registado sob a ficha 3999/030704 (doc. n° 7 e 8);

No processo de loteamento consta um documento da autoria e da responsabilidade da contra interessada a sociedade com o título descrição das permutas datada de 20/2/2002 onde constam que a contra interessada E………., L.da, cede à autora duas parcelas de terreno uma com 76,87m2 e a outra com 87,97m2 e por sua vez recebe da autora uma parcela com 27,79m2 (doc. n° 9) e uma planta com a identificação das permutas lá referidas;

Como resulta óbvio a descrição aqui referida nada tem a ver com teor da escritura de permuta (nem com as áreas nem com o número de parcelas permutadas) (doc. n 10 e 11), não havendo entre elas a menor correspondência;

A técnica do Réu J………. por informação interna de 06.03.2002 pediu que fosse analisado juridicamente o quadro de permutas assinaladas nas plantas que juntamos sob os n°s 10 e 11, por as considerar essenciais para a exequibilidade do loteamento e portanto condicionadoras da aprovação (doc. no 12);

Foi elaborada uma informação pelo jurista Dr. K………. (doc. no 13), em que foi declarado ser necessário juntar ao processo uma declaração da Autora atestando a dimensão das áreas a permutar no caso de se vir a concluir que as mesmas são inferiores às constantes da escritura de permuta anteriormente celebrada;

Entretanto, após a permuta a contra interessada E………., L.da adquiriu a totalidade da L………. aos contra interessados F………. e G……….;

O licenciamento do loteamento no que toca ao lote .. é nulo e de nenhum efeito e ainda ineficaz quanto à Autora;

De facto, o loteamento só é possível de ser deferido e licenciado se incidir sobre a propriedade do loteador;

Como aliás se disse a contra interessada não demonstrou ter adquirido da Autora duas parcelas de terreno separadas mas apenas uma e não cedeu em permuta 3 mas apenas 1, não podia a Câmara aceitar como boa a titularidade da área que transformou no lote ..;

Ora, baseando-se no título que é a escritura de permuta — e nunca se louvou noutro título - não podia ter adquirido 2 parcelas em vez de uma;

E, por isso, não podia o Réu ter licenciado o loteamento com base nesta falta, quanto à área em questão;

Só tem legitimidade para lotear, para urbanizar o proprietário;

Sendo qualquer acto administrativo quanto ao proprietário ineficaz;

Pela simples razão de que o proprietário não interveio nem deu o aval à operação urbanística;

Deste modo perante a Autora o loteamento é ineficaz;

De facto este acto ofende o direito de propriedade da Autora pelo que é nulo;”

16. D………., considera que o licenciamento daquele lote .. é nulo, pois, segundo esta, ”foi implantado em prédio de sua propriedade.”
17. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º 2693/19961107 foi submetido a um processo de loteamento, que englobava várias desanexações entre as quais a n.º 03999/030404, a que correspondeu o alvará de loteamento n.º ./03 de 20 de Março, devidamente aprovado pela Câmara Municipal de ………..
18. Desse loteamento provieram dezenas de lotes e um desses lotes, nomeadamente, o lote .., que é contíguo a um prédio da D………., foi adquirido precisamente pela aqui Requerida “C………., S.A.”.
19. Que por seu turno a aqui Requerida havia adquirido aquele lote à sociedade de Construção Civil e loteadora do loteamento E………..
20. A Requerente está impedida de iniciar a construção em tal lote, por decisão judicial no âmbito da Providência Cautelar referida onde foi fixada sanção pecuniária compulsória de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) por cada dia em que se verifique por parte da ora Requerente a infracção da decisão proferida.
21. A Requerente “impedida” de iniciar os trabalhos de construção em tal lote, estando já a construção devidamente licenciada e pronta a iniciar a obra.
22. A Requerida sabe que com a Providência Cautelar da sociedade D………., Lda a Requerente ficou impedida de iniciar as obras.
23. A Requerente, tinha celebrado um contrato de empreitada com a firma “M……….”.
24. A Requerente, à data de 2 de Dezembro de 2008, celebrou com a firma “M……….”, com sede na Rua ………., n.º .., na freguesia de ………., no concelho da Póvoa de Varzim, um contrato de empreitada, respeitante à construção naquele lote da moradia bifamiliar, sendo que, tal contrato foi objecto de um aditamento, já que, o início das obras eram para se iniciar em Janeiro de 2009, mas sofreram um atraso de 2 meses e ficou então acordado em tal aditamento, iniciar os trabalhos somente em Março de 2009.
25. A Requerente pagou a quantia de 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros) àquela firma, aquando da celebração do contrato de empreitada, sendo certo que o montante total de tal contrato importa em € 535.000,00 (quinhentos e trinta e cinco mil euros).
26. E teria de ter pago até ao fim do mês de Março do corrente ano, a quantia de 50.000,00€ (cinquenta mil euros) àquela mesma firma, conforme o contrato e aditamento (de empreitada).
27. A Requerente procedeu já ao levantamento da licença de construção, à data de 18/03/2009, tendo pago a quantia de 1.565,40 € (mil quinhentos e sessenta e cinco euros e quarenta cêntimos).
28. Celebrou um contrato promessa de compra e venda respeitante ao 2º/3º andar duplex do prédio a construir naquele lote, contrato esse, celebrado entre a Requerente e N………., à data de 27/12/2007, e cuja a prometida venda é de € 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil euros).
29. Sendo certo que, o promitente comprador já entregou à Requerente a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros), a título de sinal, aquando da assinatura daquele contrato promessa, a quantia € 200.000,00€ (duzentos mil euros) como reforço daquele sinal, sendo que, € 100.000,00 foram entregues à data de 28/01/2008 e os restantes € 100.000,00 à data de 25/06/2008.
30. O promitente-comprador já procedeu ao pagamento à Requerente da quantia total de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), e o restante montante em falta – € 250.000,00 – será entregue aquando do contrato definitivo de compra e venda.
31. A Requerente, por imposição judicial, não pode iniciar a construção do prédio naquele lote, que foi adquirido pela Requerente à Requerida para nele construir, já que, essa é a sua actividade.
32. A construção naquele lote era essencial para a sobrevivência da própria Requerente, já que é uma sociedade de pequenas dimensões, sendo esta a única obra que a Requerente tinha em curso àquela data.
33. Com a decisão judicial, com o registo da mesma na Conservatória do Registo Predial, a Requerente está com problemas a nível bancário para conseguir a obtenção de qualquer crédito, pois, consta dos registos bancários que a Requerente tem a correr contra si aquela Providência Cautelar já supra identificada.
34. Mediante as obrigações assumidas, a Requerente incorreu e incorrerá em incumprimento.
35. Com a construção daquela moradia bifamiliar obteria a Requerente a quantia de € 1.200.000,00.
36. Sendo que, já despendeu os seguintes montantes:
a. a quantia de € 225.000,00 com a compra do lote de terreno;
b. a quantia de € 2.000,00 com escritura e registos;
c. a quantia de € 14.625,00 com IMT;
d. a quantia de € 35.000,00 com o contrato de empreitada (sendo que o montante total será de € 535.000,00).
e. a quantia de € 1.565,40 com o licenciamento;
36. Quando adquiriu aquele lote o objectivo era precisamente o da construção no mesmo, pois, se assim não fosse, isto é, se tal lote não fosse destinado à construção, a requerente nunca teria adquirido o mesmo e disso tem perfeito conhecimento a Requerida, isto porque, desde logo, a Requerente tem como sua actividade principal a construção.
37. Era com o dinheiro que a Requerente faria naquela obra que disporia de dinheiro para iniciar uma outra obra.
38. A Requerente ao ter sido obrigada a não avançar com tal obra terá lucros cessantes na ordem dos € 300.000,00€.
39. Ou a Requerente solve os compromissos assumidos ou terá acções judiciais por incumprimento de contratos a que se vinculou, o que levará inevitavelmente à inviabilidade económica da Requerente, já que, podendo inclusivamente ocorrer situações de pagamento em dobro de sinais recebidos e indemnizações por não cumprimento de contratos.
40. Não tem acesso, neste momento, ao crédito bancário, quer para iniciar qualquer outra obra, quer para pagar, ou restituir, o dinheiro respeitante às obrigações por si assumidas.
41. Por outro lado, já recebeu a Requerente ameaça de processo judicial pela firma M………., por incumprimento do contrato de empreitada.
42. A Requerida sabe das acções judiciais em curso.
43. A Requerida está a dissipar todo o seu património, alienando e prometendo vender os seus imóveis, com o objectivo de encerrar cá a sua actividade e abrindo nova actividade em Moçambique.

Motivação destes factos:

O decidido funda-se na análise crítica dos documentos juntos aos autos, nomeadamente cópias de certidões registais, de escritura de compra e venda celebrada entre Requerente e Requerida, liquidação de IMT, caderneta predial, documentos camarários, decisão da providência cautelar e da petição da acção administrativa, contrato de empreitada, aditamento e cheque entregue ao empreiteiro, factura da Câmara onde consta o valor liquidado pelo levantamento da licença de construção, contrato promessa, documentos de quitação do sinal e reforço do mesmo, conjugado com o depoimento firme e esclarecido das testemunhas O………., que tem acompanhado a situação descrita na petição, por trabalhar para a Requerente no escritório – contabilidade e acompanhamento de contas correntes – e deslocações às obras e P………., empreiteiro com o qual o Requerente celebrou o contrato de empreitada alegado nos autos.

O tribunal socorreu-se das regras da experiência sempre que necessário, designadamente quanto ao conhecimento do destino que a Requerente pretendia dar ao imóvel, já que se tratava da sua actividade ou o facto 34), já que a manutenção do actual status quo implicará a impossibilidade de cumprir os contratos promessa e de empreitada que outorgou.

Relativamente aos demais factos alegados na petição inicial não se fizeram constar desta sentença, quer por se tratarem de conclusões, matéria de direito ou inócuos, quer porque não se produziu prova nesse sentido.

Factos provados resultantes da oposição

Que a requerida tenha à venda no mercado, todo o seu património imobiliário.
Que os administradores da requerida tenham negócios em Moçambique e para lá se desloquem várias vezes.

Não provado que:

Que a requerida tenha efectuado várias aquisições imobiliárias após a realização do contrato com a requerente.
Que os bens imóveis arrestados tenham um valor global muito superior ao valor do pedido de arresto.

A fundamentação foi:

A matéria de facto não provada deveu-se à ausência de prova nesse sentido.
As testemunhas indicadas e ouvidas, limitaram-se a referir o objecto social da requerida, e que como tal, é objectivo da mesma, a venda dos imóveis que adquire, o que só por si não nos leva a concluir pela impossibilidade de venda do património desta e subsequente dissipação do mesmo, com a perda de garantias pela requerente.
Precisamente pela facilidade de deslocação dos sócios gerentes da requerida, para Moçambique, e atenta a conjuntura actual do nosso mercado, se poderá concluir pela procura e implantação de actividade noutros mercados, para obtenção de melhores de negócios, o que justifique o justo receio da requerente.
Por outro lado, os documentos juntos não tiveram a virtualidade de abalar tal convicção porquanto os mesmos se limitam a indicar o património da requerida, que aliás se encontra à venda como referido por tais testemunhas.
Igualmente nãos e fez qualquer prova relativamente ao valor real do património imobiliário da requerida, para efeitos de redução do valor do arresto.
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IV - O Direito

A apelante insurge-se, em primeiro lugar, contra o facto de o tribunal não ter dado como provado que a requerida tenha efectuado várias aquisições imobiliárias após a realização do contrato com a requerente.
E isto em função dos documentos pelos quais se retira que a requerida adquiriu nove fracções autónomas, para a sua actividade económica, todas após a venda à requerente e do depoimento de Q………..
Seguidamente, pretende que seja incluído o facto de que a requerida vem a exercer a sua actividade, normal e habitualmente, este facto com base no depoimento testemunhal desta testemunha e de S……….., como ainda que os bens comprados vieram engrossar o seu património, composto de vários prédios, esta em função dos documentos juntos com a oposição, com os n.ºs 3 a 28, como ainda dos juntos no requerimento inicial com os n.ºs 18 a 22, que os administradores se deslocam a Moçambique, por aí terem negócios, há vários anos, que sempre coexistiram com a actividade comercial exercida em Portugal, que não é sua intenção cessar a sua actividade cá, que tem uma excelente situação económica e financeira, com solvabilidade e meios próprios para fazer face aos compromissos assumidos, como não houve alteração ao seu modo de actuar, estes factos pela prova testemunhal indicada.

Vejamos

Com o meio usado pelo requerido de deduzir oposição à providência cautelar de arresto, teria, em função do fixado no n.º 2 do art. 388º do CPC de alegar factos e meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que pudessem afastar os fundamentos da providência, ou determinar a sua redução.
Ora, no caso, o requerido alegou factos instrumentais com os quais pretendi abalar a convicção do julgador quanto à verificação de factos que tinham constituído fundamento da providência.
E perante a decisão proferida, verificamos que não conseguiu obter o resultado pretendido.
E será que com o presente recurso consegue mostrar a existência de mais estes factos?
Desde já adiantamos que não, ou seja, que a requerida tenha conseguido infirmar com a prova produzida a anteriormente aceite pelo tribunal a quo.
O tribunal ouviu a prova produzida e analisou os documentos juntos pelo opositor e formamos a mesma convicção do julgador inicial, isto é, que «a venda dos imóveis que adquire, o que só por si não nos leva a concluir pela impossibilidade de venda do património desta e subsequente dissipação do mesmo, com a perda de garantias pela requerente.
Precisamente pela facilidade de deslocação dos sócios gerentes da requerida, para Moçambique, e atenta a conjuntura actual do nosso mercado, se poderá concluir pela procura e implantação de actividade noutros mercados, para obtenção de melhores de negócios, o que justifique o justo receio da requerente.
Por outro lado, os documentos juntos não tiveram a virtualidade de abalar tal convicção porquanto os mesmos se limitam a indicar o património da requerida, que aliás se encontra à venda como referido por tais testemunhas.
Igualmente não se fez qualquer prova relativamente ao valor real do património imobiliário da requerida, para efeitos de redução do valor do arresto».
Ora, mesmo que se aceite a verificação de alguns factos mais, como sejam, que a requerida vem exercendo normalmente a sua actividade, que adquiriram alguns prédios para o seu património, que se deslocam várias vezes a Moçambique por aí terem negócios, facto já dado em parte como assente, e que não tenciona cessar a sua actividade, o certo é que se prova que a requerida tem à venda no mercado todo o seu património, facto este relevante e fulcral para a convicção do justo receio de dissipação dos seus bens, tudo aliás, mesmo que no âmbito da normal função da sua específica actividade económica que é a compra e venda de imóveis.
Sucede, porém, dos depoimentos das testemunhas S………. e Q………., que mostram algum conhecimento sobre os bens da requerida, resulta claro que esta tem como objecto negocial a compra e venda de imóveis, para revenda, e que possuem negócios do mesmo ramo em Moçambique.
Portanto, os factos que o tribunal a quo considerou como assentes, são o reflexo destes depoimentos.

No entanto, não se pode esquecer que a requerente mostra, indiciariamente, que tem um crédito contra a requerida, resultante de uma eventual anulação de um contrato de compra e venda, facto que a requerida não questiona.
Mas será que se mostra preenchido ainda o requisito de perigo de perder a respectiva garantia patrimonial?

Como é sabido, a providência cautelar de arresto - art. 406º do CPC -, exige, para ser decretada, a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

a) Probabilidade séria da existência do direito de crédito invocado pelo requerente;
b) Justo receio de perda de garantia patrimonial do seu crédito.

Quanto ao direito ameaçado, cujo receio de lesão se tem de mostrar suficientemente fundado, não se exige para a concessão da sua tutela, um juízo de certeza, mas antes um “justificado receio", "bastará que o requerente mostre ser fundado (compreensível ou justificado) o receio da sua lesão” – Antunes Varela, Manual do Processo Civil, 2ª ed., pág. 25 -, isto é, a demonstração do perigo de insatisfação desse crédito, bastando uma averiguação e juízo perfunctório dos factos alegados.
O que se procura evitar com o decretamento do arresto é que o facto receado - a perda da garantia patrimonial do crédito -, possa ocorrer caso se não decrete a medida e se evite essa perda, incidente em bens do próprio devedor, o que se consegue com a apreensão desses mesmos bens.
Daí que este instituto do arresto se encontre integrado num procedimento cautelar, cuja alegação e prova serão necessariamente sumários e cujos requisitos serão apenas indiciadores, apontando quer para uma “provável existência do crédito" e “justificado receio" o que se reconduz a uma "aparência do direito" e a um "periculum in mora” –
Acresce, no entanto, que este critério de aferição "não deve ser conduzido à certeza inequívoca quanto à existência da situação de perigo, invisível ou dificilmente obtida em processos com as características e objectivos dos procedimentos cautelares, bastando, por isso, que se mostre razoavelmente fundada esse pressuposto” – Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, Procedimento cautelar Comum, pág. 88 -.
Este mesmo autor e imediatamente a seguir, refere “As circunstância em que o juiz deve ter por justificado o receio de lesões futuras deve ser apreciadas objectivamente pelo juiz que, para o efeito, terá em conta o interesse do requerente que promove a medida e o do requerido, que com ela é afectada, as condições económicas de um e de outro, a conduta anterior e a sua projecção nos comportamentos posteriores”.
Também e agora em IV volume relativo aos Procedimentos Cautelares Especificados, a fls. 176 escreve que “o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor, antes deve assentar em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, aconselham uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva”.
Ainda sobre a questão do justo receio escreve Antunes Varela, C Civil Anotado, vol. I, pág. 637, em anotação ao artigo 619º que “ Para que haja justo receio de perda da garantia patrimonial basta que, com a expectativa de alienação de determinados bens ou a sua transferência para o estrangeiro, o devedor torne consideravelmente difícil a realização coactiva do crédito”.
De igual modo e sobre o justo receio considera Lebre de Freitas, em CPC Anotado, vol. 2º, pág. 119 “que qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio é concretamente invocável pelo credor, constituindo o periculum in mora” , dando ainda alguns exemplos típicos como o receio de insolvência, ocultação ou venda de bens, etc., concluindo ainda que genericamente que existe também desde que se esteja perante uma actuação do devedor “que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a perder a garantia patrimonial do seu crédito”.
E é sabido e resulta da lei que será na acção principal que poderá e deverá ser feita a averiguação exaustiva dos factos alegados, com todo o ritualismo processual existente sempre mais completo e exigente, e ser proferida decisão definitiva, esta já com base num melhor e mais profundo conhecimento desses mesmos factos.
Ao requerente do arresto compete deduzir os factos que tornam provável a existência do crédito e justifica o justo receio – art. 407º n.º1 -, devendo juntar todas as provas – art. 302º e 303º, todos do CPC –
Mas como anota A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª ed., pág. 453, nota 1, «………não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de carácter subjectivo. É preciso que haja razões objectivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular».
E aponta-se então que a alegação de tal perda de garantia patrimonial deve assentar em factos positivos e concretos de dissipação, ocultação ou extravio do património do devedor que, pelo seu contexto ou reiteração, constituam um real perigo de insatisfação do direito do credor - Ac. R. Évora, de 7-11-02, CJ., Tomo V, pág. 240 -
Por outro lado o receio de perda de garantia patrimonial de um crédito tanto pode ocorrer em relação a quem tenha muitos ou poucos bens, mas será porventura maior esse receio quando estamos perante e nos surgem apenas e só meros direitos (arrendamentos, trespasses, cessões de posição contratual, etc.), ou ainda apenas bens móveis ou dinheiro, entre os bens do devedor, bens todos eles de fácil e rápida alienação e ocultação, mas quando analisada a situação sobre o ponto de vista meramente monetário (dinheiro), então a conclusão será ainda mais evidente.
Quando incide a fortuna do arrestado em bens imóveis e resultantes de actividade funcional e objecto social de construção civil ou de intervenção apenas a nível de imobiliária - compra e venda de imóveis ou revenda dos adquiridos para esse fim -, também aí o justo receio de quem se mostra credor se coloca a um nível de insegurança elevado.
São bens que se podem transferir a todo o tempo, como resulta e será timbre de uma boa empresa imobiliária, tanto mais que todos os bens estão à venda.
Portanto, o justo receio tem, nestes momentos e nestas ocasiões, contornos específicos e a análise tem de contar com esta problemática e, perante os factos apurados, deve obedecer a um especial cuidado.
Sempre sem esquecer que a objectividade da análise incidirá no facto concreto de a requerida não mostrar ser possuidora de um património fixo, permanente, com um mínimo de estabilidade, naturalmente até em função e dada a sua específica e objectiva actividade negocial, que é a compra e venda, para revenda, dos imóveis que possui, pelo que o que hoje detém, amanhã pode já não ter.
E nem a situação económica actual nem a dificuldade sentida neste tipo de negócio, falseia ou retira o que acima se afirma.
Daí que, atenta as regras da experiência, o sentir do comum e vulgar cidadão, numa perspectiva objectiva do problema, acompanhamos o receio da requerente, caso não se decrete o arresto, que a requerida possa alienar todo o seu património, colocando em causa a satisfação do seu crédito.
Há uma insegurança e incerteza de qualquer credor sobre os bens da requerida.
Mostra-se, portanto, justificado o receio do credor.
É da conjugação destes vectores e dentro dos parâmetros acima expostos, que se decide pela manutenção da decisão apelada e a incidir nos bens já designados.
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V - Decisão

Nos termos e pelas razões expostas, acorda-se em se julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença apelada.
Custas pelo apelante.
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Porto, 11-10-2010
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome