Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
201/10.3GAMCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: SISTEMA DE VIDEOVIGILÂNCIA
PROVA PROIBIDA
Nº do Documento: RP20130116201/10.3GAMCD.P1
Data do Acordão: 01/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a protecção de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente.
II – Não é proibida a prova obtida por sistemas de videovigilância colocados em locais públicos, com a finalidade de proteger a vida, a integridade física, o património dos respectivos proprietários ou dos próprios clientes perante furtos ou roubos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo comum colectivo 201/10.3GAMCD de Macedo de Cavaleiros

Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto - Artur Oliveira

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Efectuado o julgamento foi proferido Acórdão, onde se decidiu:

A) em relação ao arguido B…,

1. absolver da prática,
1. 1. do crime de detenção de arma proibida;
1. 2. em reincidência, dos crimes de falsificação, de furto (gasóleo), e de condução sem habilitação legal;
1. 3. de dois crimes de falsificação de documento;

2. condenar, pela prática,
2. 1. em co-autoria, de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256º/1-b) e) e 3 C Penal, na pena parcelar de dois anos de prisão;
2. 2. em co-autoria, de um crime de furto (gasóleo) p. e p. pelo artigo 203º/1 C Penal, na pena parcelar de quatro meses de prisão;
2. 3. em co-autoria, e em reincidência, de um crime de furto (quadriciclo) p. e p. pelos artigos 203º/1, 75º e 76º C Penal, na pena parcelar de um ano de prisão;
2. 4. em autoria material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º/2 do Decreto Lei 2/98 de 3/1, na pena parcelar de um cinco meses de prisão;
2. 5. em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º C Penal, na pena única de dois anos e sete meses de prisão;

B) em relação a arguida C…,

1. absolver da prática,
1. 1. do crime de detenção de arma proibida;
1. 2. de dois crimes de falsificação;

2. condenar, pela prática,
2. 1. em co-autoria, de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256º/1-b) e) e 3 C Penal, na pena parcelar de trezentos dias de multa;
2. 2. em co-autoria, de um crime de furto (gasóleo) p. e p. pelo artigo 203º/1 C. Penal, na pena parcelar de noventa dias de multa;
2. 3. em co-autoria, de um crime de furto (quadriciclo) p. e p. pelo artigo 203º/1 C Penal, na pena parcelar de duzentos dias de multa;
2. 4. em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º C Penal, na pena única de 400 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, o que perfaz a multa de € 2.800,00.

I. 2. Inconformado com o assim decidido, interpôs o arguido recurso – pugnando por que se declarem nulas as provas de reconhecimento efectuadas em audiência de julgamento e proibida a obtenção dos fotogramas que serviram de prova e, em consequência seja absolvido dos crimes de furto de gasóleo e do quadriciclo e ainda do crime de condução sem habilitação legal e a pena de prisão dos restantes crimes de que vem acusado, suspensa na sua execução - apresentando as conclusões que se passam a transcrever:

67. (assim no original) conforme resulta do douto Acórdão, o douto Colectivo pretende aplicar ao arguido uma pena de prisão, em cúmulo jurídico, de 2 anos e 7 meses de prisão;
68. para a aplicação desta pena, o douto colectivo fundou a sua convicção em provas proibidas, nulas, nomeadamente em fotogramas e reconhecimento do arguido através destes, em audiência de julgamento e em factos que erradamente deu como provados;
69. um reconhecimento pressupõe uma escolha numa pluralidade, ou seja, num reconhecimento por fotografia não e admissível que se mostre uma única fotografia do suspeito;
70. e preciso que se exiba a fotografia do suspeito em conjunto com uma ampla variedade de outras fotografias de pessoas de características similares;
71. ao fundar a sua decisão nos fotogramas e no reconhecimento do arguido feito através destes, o tribunal recorrido apreciou provas nulas, por não obedecerem aos requisitos do artigo 147º C P Penal;
72. percorrendo os depoimentos das testemunhas, não houve uma que fosse que dissesse que o arguido furtou o gasóleo, furtou o quadriciclo ou que conduziu o Renault … na via publica;
73. pelo que, o arguido deveria ter sido absolvido;
74. mesmo que Vexas. entendam que esta não se deve verificar, em nosso entender e pelas razoes já expostas, a pena do arguido devera ser substancialmente reduzida e suspensa na sua execução;
75. na eventualidade do Venerando tribunal ad quem não partilhar da posição que se deixou exposta, não poderá deixar de considerar desproporcional e desadequada a aplicação de uma pena de 2 anos e 7 meses de prisão ao arguido recorrente.

I. 3. Na resposta que apresentou, o Magistrado do MP. pugna pelo não provimento do recurso, suscitando, desde logo, a questão da rejeição do recurso na parte referente a impugnação da matéria de facto, pois que o recorrente não cumpriu, nem na motivação, nem nas conclusões a exigência de especificação imposta no artigo 412º/3 e 4 C P Penal, já que muito embora esgrima acerca do conteúdo do depoimento das testemunhas, o certo e que não reproduz nem transcreve tais depoimentos ou qualquer trecho em que possa fundamentar a modificação do julgamento a matéria de facto.

II. Subidos os autos a este Tribunal a Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta, da mesma forma, emitiu parecer, subscrevendo a resposta apresentada na 1ª instancia, no sentido do não provimento do recurso, suscitando, ainda a questão, que designa como, previa, da intempestividade da apresentação do recurso, que deve ser tido como de 20 dias no caso, uma vez que o recorrente não cumpriu com o formalismo exigido pelo artigo 412º/3 e 4 C P Penal atinente a impugnação da matéria de facto, limitando-se a fazer referencia ao teor dos depoimentos, sem fazer qualquer referencia especifica aos suportes técnicos, não existindo, por isso, qualquer justificação para que o prazo seja tido como de 30 dias.
Suscita ainda a questão de o recurso não ter conclusões, pois que o que como tal e designado não e uma súmula da motivação, antes, constitui o prosseguimento de toda a argumentação que vem de ser expendida, continuando-se, mesmo, a numeração que vem do antecedente.

No cumprimento do estatuído no artigo 417º/2 C P Penal, nada mais foi acrescentado.

No exame preliminar decidiu-se nada obstar ao conhecimento do mérito do recurso e que ao mesmo fora atribuído o efeito adequado.

Seguiram-se os vistos legais.

Foram os autos submetidos à conferência.

Cumpre agora apreciar e decidir.

III. Fundamentação

III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que define e delimita o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal.
No caso presente, de harmonia com o que o arguido designou de conclusões, podemos, enunciar que para apreciação, foram suscitadas as seguintes questões:

saber se foram valoradas provas nulas ou proibidas;
saber se existem factos erradamente julgados como provados;
a medida e a espécie da pena.

III. 2. Vejamos, então, para começar, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.

Factos provados
1. No período situado entre 18 de Maio de 2010, data em que foi concedida ao arguido a liberdade condicional no Processo Comum Colectivo 208/99.0POLSB, e 8 de Julho de 2010, os arguidos, em circunstâncias não concretamente apuradas, entraram na posse:
- de um par de chapas de matricula ..-FF-.., próprias para veículos automóveis, em alumínio, com 52,2 cm de comprimento, 11,4 cm de largura, 2 mm de espessura, dígitos em relevo de cor preta sob fundo branco, com os caracteres supra indicados, possuindo numa das extremidades o ano e o mês sob fundo amarelo com os caracteres 04/03 e na outra extremidade o símbolo da União Europeia e a letra “P” correspondente ao país Portugal, possuindo ainda o modelo através do qual foram aprovadas pela extinta Direcção Geral de Viação “DGV-M-002-059”;
- de um par de chapas de matricula ..-..-XD, próprias para veículos automóveis, em alumínio, com 52,2 cm de comprimento, 11,4 cm de largura, 2 mm de espessura, dígitos em relevo de cor preta sob fundo branco, com os caracteres supra indicados, possuindo numa das extremidades o ano e o mês sob fundo amarelo com os caracteres 04/03 e na outra extremidade o símbolo da União Europeia e a letra “P” correspondente ao país Portugal, possuindo ainda o modelo através do qual foram aprovadas pela extinta Direcção Geral de Viação “DGV-M-002-059”.
O nº de matrícula ..-FF-.., desde 14 de Fevereiro de 2008, corresponde ao quadriciclo de marca “Suzuki”, modelo …, cor verde, registado em nome de D….
O nº de matrícula ..-..-XD pertence à viatura de marca Renault, modelo …, ligeiro misto, propriedade da conhecida sociedade E…, Lda., com sede em Macedo de Cavaleiros.
Na posse das referidas chapas de matrícula, os arguidos decidiram em conjunto utilizá-las como meio de circular em auto-estradas e outras vias abertas ao trânsito sem procederem ao pagamento devido pelas portagens utilizadas, sem procederem ao pagamento devido pelos abastecimentos de combustível, e sem virem a ser responsabilizados por qualquer infracção de trânsito ou de outra natureza que pudessem vir a praticar.
Na execução dos seus intentos e não obstante saberem que os legítimos proprietários dos veículos associados a tais nsº de matricula nunca lhes haviam dado autorização para tanto, os arguidos colocaram nas costas e em volta das referidas chapas de matrícula, fita adesiva de cor branca própria para colar em qualquer superfície.
De seguida, os arguidos procederam à fixação das chapas com o nº de matrícula ..-FF-.. e das chapas com o nº de matrícula ..-..-XD, por cima das originais chapas de matrícula ..-EA-.. do Renault, modelo … cor branca (registado a favor da sociedade F… Lda., da qual é sócio-gerente a arguida), pelo que aquele veículo passou a ostentar, consoante as ocasiões, o nº de matrícula ..-FF-.. ou o nº de matrícula ..-..-XD.
No período em apreço e com as matrículas assim ostentadas, os arguidos circularam no referido Renault … em diversas estradas e auto-estrada, criando a convicção nos demais utentes da via e nos cidadãos em geral que as matrículas em questão eram verdadeiras.
Nesse período de tempo, os arguidos procederam em conjunto ao abastecimento do Renault …, que ostentava então o nº de matrícula ..-FF-.., num posto de abastecimento, sem procederem ao pagamento correspondente, causando ao lesado prejuízo não concretamente apurado.
Acresce que os arguidos chegaram ainda a colocar dois pedaços de fita adesiva de cor preta nas letras F das chapas, fazendo parecer dois “E” e criando assim a matricula ..-EE-.., não obstante saberem que o legítimo proprietário do veículo associado a tal matricula nunca lhes havia dado autorização para tanto.
A matrícula ..-EE-.. pertence ao veículo ligeiro de mercadorias, marca “Renault”, registado em nome de G….
Após a prática destes factos e até ao dia 8 de Julho de 2010, quando não utilizavam as referidas chapas de matrícula, os arguidos conservavam-nas no interior do veículo Renault, modelo …, para facilitar a sua utilização quando assim o desejassem, até que as mesmas lhes foram apreendidas no dia 8 de Julho de 2010, pelas 23h30, por elementos da Guarda Nacional Republicana.
Ao actuarem da forma descrita, apondo as chapas de matrícula ..-FF-.. e ..-..-XD no Renault, modelo …, e ao alterarem as letras FF dessa matrícula, os arguidos fizeram-no de forma deliberada, livre e consciente.
Bem sabiam os arguidos que os nºs de matrícula ..-FF-.. e ..-..-XD e ..-EE-.. não correspondiam ao nº oficialmente atribuído ao Renault …, e, ao colocarem as referidas chapas, actuaram com o propósito de não virem a ser responsabilizados por falta de pagamento de portagens, de abastecimentos em postos de combustíveis, ou por qualquer infracção de trânsito que pudessem vir a praticar, e de assim obter para eles um benefício que sabiam não lhes ser permitido por lei, pretendendo fazer crer aos demais utentes e às autoridades publicas e particulares que os elementos identificativos que dela constavam correspondiam à verdade, pondo em perigo a credibilidade merecida por tais documentos.
Os arguidos agiram em comunhão de esforços e intentos e em execução de planos previamente delineados entre eles, de forma livre, voluntária e consciente, não desconhecendo que tal conduta era proibida e punida por lei penal e que por isso incorriam em responsabilidade criminal.
2. No dia 8 de Julho de 2010, pelas 20h05, os arguidos decidiram em conjunto proceder ao abastecimento do referido Renault … e de não pagar o valor correspondente ao combustível.
Para tanto, fizeram-se transportar até ao posto de abastecimento de combustíveis denominado “H…”, propriedade da sociedade “H…, Lda.”, sito na Estrada Nacional …, …, Macedo de Cavaleiros, com o veículo em causa.
O referido posto de abastecimento de combustíveis funciona por norma com o sistema de “self-service”, sendo os clientes que abastecem os veículos, após o que devem deslocar-se à loja adjacente e proceder ao pagamento na caixa existente para o efeito.
Nessa altura, os arguidos saíram da viatura e o arguido B… abasteceu o referido automóvel, enchendo o respectivo depósito, com a mangueira ali existente para o efeito, o que perfez uma quantia compreendida entre os 90 € e os 93,15 €.
Acto contínuo, não obstante terem perfeito conhecimento do sistema de funcionamento do posto de abastecimento de combustíveis, os arguidos abandonaram o local sem proceder ao pagamento do combustível.
Com a conduta supra descrita, os arguidos causaram prejuízos ao ofendido em valor não inferior a 90 €, que ainda não ressarciram.
Os arguidos agiram em comunhão de esforços e intentos e na execução de plano previamente gizado entre eles, não obstante saberem que após abastecer o veículo, teriam de pagar o respectivo preço na caixa ali existente para o efeito.
Ao actuarem da forma descrita, os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de se apoderarem e fazerem sua aquela quantidade de combustível correspondente à aquele valor, que sabiam não lhes pertencer, bem sabendo que actuavam contra a vontade do seu legítimo proprietário, objectivo que alcançaram.
Os arguidos agiram não desconhecendo que tal conduta era proibida e punida por lei penal e que por isso incorriam em responsabilidade criminal.
3. Após, os arguidos deslocaram-se das supra indicadas bombas de combustíveis ao parque do I…, seguindo por diversas artérias desta cidade de Macedo de Cavaleiros no veículo de matricula ..-EA-...
No local, e antes das 20h30, os arguidos visionaram o quadriciclo de matrícula ..-GG-.., marca Eagle Motorsports, modelo …, cor preta, propriedade de J…, no valor de 1.800 (mil e oitocentos) €, que decidiram então fazer seu.
Depois de se assegurem que não se encontrava ninguém nas imediações, os arguidos, com a força dos braços, carregaram o quadriciclo pertencente ao ofendido no interior do Renault … em que se faziam transportar, após o que, e seguindo o arguido B… ao volante, como condutor, abandonaram o parque de estacionamento, levando consigo o quadriciclo dentro do Renault, seguindo pela via pública.
O arguido B…, que não era titular de carta de condução, licença válida ou de qualquer outro documento que legalmente lhe permitisse conduzir o mesmo na via pública.
O ofendido solicitou a intervenção do efectivo da Guarda Nacional Republicana desta cidade, que encetou de seguida diligências no sentido de localizar os arguidos e o quadriciclo, o que veio a conseguir, tendo apreendido a Renault … com o quadriciclo dentro, o qual foi devolvido ao ofendido.
Ao actuarem da forma relatada, os arguidos fizeram-no de forma deliberada, livre e consciente, em comunhão de esforços e intentos, com o propósito alcançado de fazerem seu o quadriciclo supra descrito, cientes que não lhes pertencia e que estavam a actuar contra a vontade e em prejuízo do seu proprietário, e que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
O arguido B…, ao conduzir nas ruas desta cidade o Renault …, bem sabia que a condução está reservada aos titulares de habilitação legal e, não obstante, sabendo não estar habilitado para tal, decidiu conduzi-lo na via pública, conhecedor das características do veículo e dos locais onde seguia, actuando de forma deliberada livre e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei penal.
4. Para além do quadriciclo, foram ainda aprendidos aos arguidos: o próprio veículo de matrícula ..-EA-.., o respectivo certificado de matrícula, uma bicicleta de criança de cor rosa, um saco de viagem de cor castanho-escuro, com diversas roupas, calçado e produtos de higiene no seu interior, um assento de criança, uma máquina fotográfica digital de marca Sony, cor cinzenta, 5.35 euros em moedas, um guarda-chuva, chave de fendas, estrela, alicate, chaves de bocas, o cartão de cidadão e carta de condução da arguida, chaves, chinelos, toalhas.
Para além disso, foram apreendidas as referidas chapas de matrícula ..-..-XD e ..-FF-...
5. Os arguidos transportavam ainda no referido Renault … um punhal, marca Albacete, com o comprimento total de 26.5 cm, sendo o da lâmina, pontiaguda e em aço, de 15,3 cm e largura média de 3 cm, com o cabo em metal de cor prateado, com cavacas em plástico de cor preto e com o comprimento 11,2 cm, em razoável estado de conservação, no valor de 5 euros, que se encontrava acondicionado num coldre em plástico de cor preto com mola.
A posse ou detenção da arma em causa por parte dos arguidos não estava autorizada.
Ao transportarem no Renault … o punhal referido, cujas características conheciam, os arguidos actuaram de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que o tinham em seu poder e actuaram de forma concertada, com a intenção alcançada de deter e conservar tal objecto.
6. O arguido B… tem os seguintes antecedentes criminais:
a) por furto qualificado tentado praticado em 1996, em pena de prisão suspensa;
b) por furto praticado em 1996, em 4 meses de prisão, que cumpriu – PCS 9/97.0TDLSB 1º J Crim. Évora (antigo 111/99);
c) por homicídio involuntário, praticado em 1999, em 3 anos de prisão, sendo-lhe perdoado um ano e substituído o remanescente por multa, por acórdão transitado a 23/4/01 – PCC 122/99.9TDLSB 4ª V. Crim. Lisboa (antigo 108/99);
d) por roubo praticado a 26/10/1999, em 2 anos e 6 meses de prisão efectiva, por acórdão transitado a 2/8/00 – PCC 833/99.9PELSB 7ª V. Crim. Lisboa (antigo 648/99), sendo os seguintes e em suma os factos em causa: naquela data, o arguido deu um encontrão na ofendida, puxou-lhe a pasta que ela transportava consigo, e pôs-se em fuga com a pasta, actuando de fazer sua a pasta e o seu conteúdo, empregando para tal a força física, actuando de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser a sua conduta penalmente proibida;
e) por tráfico de estupefaciente do art. 21º do DL 15/93, praticado a 12 de Fevereiro de 1999, em pena de 6 anos de prisão, por acórdão transitado a 1 de Outubro de 2001 – PCC 208/99.0POLSB (antigo 64/00) da 8ª Vara Criminal de Lisboa.
f) por resistência e coacção sobre funcionário, praticado em 1999, em 2 anos e 1 mês de prisão, suspensa, por sentença transitada a 11/5/06 – PCS 1385/99.5POLSB 2º J Crim. Lisboa;
g) por evasão, praticado a 27/7/01, em 1 ano de prisão, por sentença transitada em 15/9/06 – PCS 810/01.1TALRA do 3º Juízo Criminal de Leiria.
h) por condução sem habilitação legal, praticado em 15/9/2010, em pena de multa, por sentença transitada a 11/11/2010 -
Por acórdão cumulatório proferido no processo id. em e), entre a pena desse processo e as dos processos referidos em b), d), g), o arguido foi condenado na pena única de sete anos e cinco meses de prisão.
O arguido iniciou o cumprimento das penas em 26 de Outubro de 1999, registando uma evasão entre 27 de Julho de 2001 e 20 de Janeiro de 2006, no total de 4 anos, 5 meses e 24 dias.
O arguido atingiu o meio das penas em 7 de Novembro de 2007, os 2/3 em 12 de Fevereiro de 2009, e cumpriu cerca de 5/6 da supra aludida pena de prisão, tendo estado preso em Estabelecimento Prisional até vir a ser libertado a 18 de Maio de 2010 por decisão do 1º Juízo do TEP de Lisboa, transitada em julgado a 19.05.2010, no processo gracioso de concessão de liberdade condicional nº 829/00.0TXCBR, encontrando-se o prazo de liberdade condicional a decorrer até 23 de Agosto de 2011.
Não obstante as anteriores condenações, e a pena de prisão efectiva aplicada, o arguido não deixou de repetir a prática de factos ilícitos, porque aquela não constituiu para ele suficiente advertência contra o crime, nem se mostrou capaz de o fazer levar a abandonar a actividade criminosa e a adoptar uma conduta conforme ao direito, tanto mais que as condutas em causa nestes autos foram praticadas quando o arguido se encontrava em liberdade condicional.
7. A arguida não tem antecedentes criminais.
8. Os arguidos vivem juntos e residem, actualmente, na Bélgica, trabalhando no Luxemburgo, usufruindo de uma situação económica estável.
A arguida tem dois filhos menores, a cargo do casal.,
O arguido iniciou-se no consumo de drogas com a idade de 15 anos, nunca tendo aceite qualquer tipo de tratamento.
Em termos laborais, o arguido, até à sua ida para a Bélgica, nunca trabalhou com regularidade, mantendo apenas, de forma transitória, algumas ocupações.

Factos não provados

- o posto onde abasteceram os arguidos, ostentando o Renault … a matrícula ..-FF-.., era da K… e estava sito na … em Lisboa;
- No dia 8 de Julho de 2010, pelas 20h05, quando se deslocaram ao posto de abastecimento da H…, era o arguido quem ia a conduzir;
- Os arguidos abasteceram 77,69 l de gasóleo, num valor total de 93,15 €, causando prejuízo ao ofendido nessa exacta quantia;
- Os arguidos deslocaram-se ao parque do I… com o propósito, e único, de se apoderarem de quaisquer objectos de valor que pudessem levar com eles, e, nessa ida, era o arguido B… o condutor;
- a detenção do punhal não tinha outra justificação que não a de servir de objecto de agressão, em caso de conflito com terceiros;
- a detenção do punhal apenas era permitida a quem fosse titular de documento emitido por entidades oficiais;
- os arguidos bem sabiam que a detenção do punhal era proibida e punida por lei penal.

Porque tal questão releva igualmente para a discussão do recurso, vejamos, também, o que em sede de fundamentação se deixou exarado no que concerne à convicção assim formada pelo Tribunal.

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise e ponderação da prova produzida e examinada em audiência, conjugada com as regras da experiência comum, e, assim, e designadamente, e,
a) Quanto aos factos provados:
Nos docs. juntos aos autos, a fls. 15/16 e 17/18 (auto de apreensão e fotos dos objectos; realce para o quadriciclo, para os dois pares de matrículas em causa e para o punhal), 19 (entrega do quadriciclo ao dono), 23 (registo de propriedade do Renault … ..-EA-..: F…, Lda), 25 e 26 (veículos a que pertencem os pares de matrículas ..-..-XD – quanto a esta ver também o doc. de fls. 110/111 – e ..-FF-..: quadriciclo – quanto a esta ver também o doc. de fls. 79 – e ainda a que pertence a matrícula ..-EE-..), 39 (apreensão das imagens gravadas pelas câmaras de videovigilância do O…), 41/42 (registo comercial da sociedade F…: arguido é a única sócio e gerente), 120/121 (exame directo à Renault …), 124/125 (auto de exame directo às chapas de matrícula ..-..-XD, com ênfase para a colocação, na parte de trás, de fita adesiva própria para as mesmas poderem ser coladas em cima de outras, o que, pelas regras da experiência, mostra bem que as chapas foram utilizadas, sendo colocadas por cima das genuínas), 126/127 (exame directo às chapas de matrícula ..-FF-.., com ênfase, por um lado, e aqui também, pela presença de fita adesiva na parte de trás e o que tal significa quanto à efectiva colocação destas chapas por cima das genuínas, e, por outro, para a colocação de fita preta na parte da frente, “transformando-se” os “FF” em “EE”), 128/129 (exame directo ao punhal), 130 a 134 (fotos dos outros objectos apreendidos dentro da Renault …, enumerados no auto de fls. 15 a 18 já referido, com ênfase para uma bicicleta de criança cor de rosa), 135 a 139 (fotogramas das imagens captadas pelo sistema de videovigilância, já supra referido – note-se que como se salienta a fls. 135, o sistema de gravação não tinha nem a data nem a hora actualizadas – como, de resto, é entendimento absolutamente sedimentado da jurisprudência, a obtenção dos fotogramas através do sistema de videovigilância existente num estabelecimento comercial, para protecção dos seus bens e da integridade física de quem aí se encontre, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à CNPD, não corresponde a qualquer método proibitivo de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentar a prática de uma infracção criminal, e não diga respeito ao “núcleo duro da vida privada” da pessoa visionada.
Neste sentido, cfr., v.g., Acs. R. Guimarães, de 29/3/04 (P. 1680/03-2), R. Lisboa de 4/3/2010 (P. 1630/08.8PFSXL.L1-9), R. Porto de 23/11/2011 (P. 1373/08.2PSRT.P1), de 3/2/2010 (P. 371/06.5GBVNF.P1), de 14/10/2009 (P. 103/05.5GCETR.C1.P1), e STJ de 28/9/2011 (P. 22/09.6YGLSB.S2: “os fotogramas obtidos através do sistema de videovigilância existentes num local de acesso público, para protecção dos bens e da integridade física de quem aí se encontre, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à Comissão Nacional de Protecção de Dados ou tenha sido objecto de deliberação favorável da Assembleia de Condóminos do respectivo prédio constituído em propriedade horizontal, não correspondem a qualquer método proibido de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infracção criminal, e não digam respeito ao «núcleo duro da vida privada» da pessoa visionada (onde se inclui a sua intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas)”. Portanto, concluindo, a prova obtida mediante o visionamento dos fotogramas obtidos pela câmara de videovigilância pode e deve ser valorada), 235 a 254 (certidão do acórdão cumulatório) conjugadas com fls. 269 a 274 (data da concessão da liberdade condicional), certidão junta em audiência e CRC de fls. 411 a 423, quanto ao arguido B…, no CRC da arguida C…, e nos docs. de fls. 275 a 279 (contratos de trabalho dos arguidos, no Luxemburgo) conjugados com o relatório social.
Apoiou-se ainda o Tribunal – sendo certo que os arguidos não produziram declarações, visto que a audiência se realizou na sua ausência, a seu pedido – nos depoimentos das diversas testemunhas, que revelaram razão de ciência, assertividade, e por isso, e pela forma como depuseram, mereceram credibilidade.
Assim, tomaram-se em conta os depoimentos de
- D…, dono do veículo a que corresponde a matrícula ..-FF-.., que relatou ter sido contactado pela Via Verde e por um posto de abastecimento de combustíveis, explicando-lhe que um Renault com aquela matrícula tinha passado pelas portagens e que tinha abastecido de gasóleo, quando o seu veículo é um quadriciclo, a gasolina – o que só corrobora o que já se tinha concluído quanto à colocação das chapas.
- L…, que relatou dono do veículo a que pertence a matrícula ..-..-XD, e que se trata de um Renault … (como consta, de facto, nos docs. supra referidos quanto a este veículo).
- M…, abastecedor no posto de combustíveis da H…, que explicou que funciona a maior parte do tempo em “self-service”, e que no dia 8/7/10, cerca das 20 h, estando a atender clientes no bar do posto, viu uma Renault …, e uma casal jovem a abastecer e que se foi embora sem pagar, tê-los perseguido de moto, e tê-los perdido na rotunda do I… (de facto, a seguir os arguidos dirigiram-se ao parque do I…); mais tarde, nessa mesma noite, deslocou-se ao estacionamento do posto da GNR, onde já se encontrava a Renault …, não tendo dúvidas tratar-se da mesma viatura que tinha abastecido e cujo depósito, de resto, estava efectivamente cheio; quanto ao montante do abastecimento, referiu-se a “noventa e tal euros”.
- J…, que trabalha no I…. e é o dono do quadriciclo ..-GG-.., que lhe tinha custado, pouco tempo antes, 1.800 €, e relatou que ao sair do trabalho, não viu o seu quadriciclo, que havia deixado estacionado no parque, e que uma senhora lhe referiu que tinha visto duas pessoas a porem dentro duma carrinha/furgão branca uma “moto 4”, e que ao tentar recuperar a sua moto 4, andou no carro com a mulher pelas ruas da cidade até que acabou por encontrar, estacionada perto do Hospital, a carrinha com a sua moto 4 dentro e chamou a GNR, que interveio, acabando por recuperar o seu quadriciclo.
- N…, que foi a pessoa que indicou à anterior testemunha ter visto uma moto 4 a ser colocada numa carrinha, e que relatou ter ido às compras ao I… e, ao sair, ter visto uma carrinha branca (do género da de fls. 17, que lhe foi exibida) já em posição de saída e um casal jovem, muito atarefado, a prender uma moto 4 dentro da carrinha, mas de forma desadequada, o que lhe chamou á atenção porque o seu marido tem uma oficina de motos, e que a carrinha arrancou conduzida pelo rapaz (o arguido B…) e depois viu um senhor, que é a anterior testemunha, com um capacete e ar de apreensão, à procura de uma moto 4 e ter-lhe contado o que havia acabado de presenciar.
- O…, esposa do J…, que relatou ter ido ao I… com o filho, e ter visto uma carrinha branca, estacionada ao lado da moto 4 do marido, e um homem jovem a tirar um triciclo cor de rosa (e de facto, foi apreendida uma bicicleta para criança, daquela cor, o que diz bem do crédito a atribuir à testemunha) da parte traseira e a colocá-lo na parte lateral, e ter-se-lhe juntado uma mulher nova que vinha com compras, e antes de entrar no hiper, ter anotado a matrícula da carrinha por ter ficado incomodada pela forma como o homem a olhou, e depois, encontrou-se com o marido que lhe disse que tinham levado a moto 4 numa carrinha branca, e como tinha anotado a matrícula, foram à procura dela, e acabaram por a encontrar, e ainda tinha a moto 4 dentro; descreveu a forma como estavam vestidos os arguidos, de forma idêntica à que resulta dos fotogramas de fls. 135 a 139, que lhe foram depois exibidos, não tendo dúvidas a testemunha em identificar os arguidos como sendo os que deles constam.
- P…, cabo da GNR desta cidade, que relatou as diligências efectuadas (mulher do dono da moto 4 tinha anotado a matrícula da carrinha, e foram avisados que a carrinha estava estacionada junto ao Hospital, aí se deslocaram, montaram uma vigilância e detiveram em flagrante delito os arguidos, quando iam a entrar para a carrinha – o rapaz do lado do condutor; confirma os autos de exame às chapas de matrícula, realçando que a alteração dos “FF” para “EE” só era visível para quem estivesse mesmo junto à matrícula, resultando indetectável se o carro estivesse um pouco mais afastado ou em andamento).
Vê-se, portanto, que os arguidos actuaram sempre em conjunto, quer no abastecimento na H…, quer na subtracção da moto 4, quer na detenção do punhal e das chapas (e, face às regras da experiência comum, ao curto período de tempo que antecedeu tais factos, ao modus operandi, à detenção das chapas, é de concluir que a colocação das chapas foi feita por acordo de ambos e em conjugação de esforços e que foram também ambos que passaram na portagem e fizeram o anterior abastecimento – e tal conclusão não foi, de modo nenhum, posta em causa).
b) Quanto aos factos não provados, resultaram do que já se disse quanto à soma exacta do abastecimento e quantidade, e quanto ao facto do arguido ir a conduzir, só resultou provado na ocasião em que saíram do parque do I… (foi o facto foi presenciado pela testemunha N…), pois quanto às outras nenhuma prova foi produzida, quanto a irem de propósito ao I… para furtarem, não só nenhuma prova foi produzida, como resulta o contrário – os arguidos chegaram a fazer compras, como resulta de resto dos fotogramas e do depoimento de O…, e foram ao I…, em primeiro lugar, para despistar M…, como se viu; a ideia de furtar o quadriciclo surgiu, entretanto, fruto das circunstâncias – e quanto à localização do posto da K…, nenhuma prova foi produzida, como também a não foi quanto ao destino que pretendiam dar ao punhal.

III. 3. Apreciando.

III. 3. 1. A questão previa de (in)tempestividade da apresentação do recurso.

III. 3. 1. 1. As exigências contidas no artigo 412º/3 e 4 C P Penal.

Não obstante, hoje, nos termos do artigo 428º C P Penal, as Relações conhecerem de facto e de direito, não basta para que a Relação conheça da matéria de facto que a prova haja sido documentada, o que hoje acontece, sempre, obrigatoriamente, de resto.
A decisão, da 1ª instância, relativa à matéria de facto pode ser modificada nos termos do artigo 431º alínea b) C P Penal, isto é, quando a prova tiver sido impugnada de acordo com o disposto no artigo 412º/3 e 4 do mesmo diploma.
Como é sabido o artigo 412º C P Penal é relativamente exigente em relação aos requisitos formais a observar no recurso, quer este verse sobre matéria de facto, quer quando incida sobre a matéria de direito.
Se o recorrente pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, tem de dar satisfação cabal aos ónus contidos nos nºs. 3 e 4 do artigo 412º C P Penal, que dispõe que:

“3. quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) as provas que devem ser renovadas.
4. quando as provas tenha sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do nº anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do artigo 364º/2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.

A razão de ser da exigência deste procedimento, está relacionada com o facto de que o recurso sobre matéria de facto não configura um novo julgamento destinado a reapreciar toda a prova produzida perante a primeira instância e documentada no processo, antes se destina a remediar erros de julgamento, que devem ser indicados ponto por ponto e com a menção das provas que demonstram esses erros.

A Lei 48/2007 de 2AGO, que conferiu a redacção acabada de descrever ao preceito em causa, mudou profundamente o regime da impugnação da matéria de facto, visando, por um lado, tornar mais exigente a especificação dos pontos de facto impugnados e das provas que impõem, decisão diversa da recorrida e, por outro, colocar fim à transcrição dos registos gravados.
A exigência de na motivação do recurso sobre a matéria de facto, se dever especificar os concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, deve ser, nesta conformidade, entendida, como, apenas se satisfazendo, com:
a indicação do facto individualizado que consta da decisão recorrida e que se considera incorrectamente julgado e,
a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida .
Será insuficiente, no que a este último requisito, se refere, a indicação genérica de um determinado depoimento.
O recorrente deve explicitar por que razão essa prova impõe decisão diversa da recorrida. Esta exigência de concretização visa impor a quem recorre a obrigação de relacionar o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado.
No caso de depoimentos prestados em audiência, a referência ao suporte magnético apenas se cumpre com a indicação do nº. da “volta” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento ou agora que a gravação em feita em cd, com a indicação do tempo em que consta o trecho de depoimento, que se pretende salientar.

A razão de ser do texto da lei, é o de não obrigar o tribunal a ouvir mais do que aquilo que o recorrente entendeu ser a prova concreta relevante para a sua pretensão – de alteração do julgamento de determinado ponto da matéria de facto - dispensando-o de ouvir todos os depoimentos, na íntegra, como seria exigido, em pura perda, com não satisfação daquele ónus.
O local apropriado para o fazer constar – como de qualquer uma das apontadas indicações - é o texto da motivação (atente-se que as conclusões são o resumo do expendido na motivação, sendo que o que constar da motivação apenas e, não tiver sido traduzido nas conclusões, se deve entender como tendo sido deixado cair pelo recorrente e, que o que consta apenas das conclusões sem que conste do corpo da motivação se deve ter como irrelevante, por ser o resumo de coisa nenhuma. O que não consta do texto da motivação não pode ser levado às conclusões).
Se bem que se for feito no capítulo reservado as conclusões, da mesma forma, não poderá deixar de ser atendido.
Distinção quanto ao local, que apenas poderá ter relevância em termos de que a deficiência resultante da omissão na motivação das especificações impostas por lei, importa que o vício seria insanável, daquela outra omissão, de levar as especificações constantes do texto da motivação às conclusões, situação que já impõe o convite à correcção. Seja, o texto da motivação constitui o limite à correcção das respectivas conclusões.

III. 3. 1. 2. O prazo alargado para o recurso que vise a reapreciação da prova gravada.

O prazo adicional para o recurso sobre a matéria de facto justificava-se quando foi instituído pela 1ª vez, no âmbito do C P Civil, artigo 698º/2 (30 dias) e nº. 6, (mais 10 dias), se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, pela circunstância do artigo 690º-A/2 e 3, impor às partes o ónus de transcrição dos depoimentos prestados em audiência e objecto de registo áudio.
A eliminação desse ónus de transcrição, operada pela nova redacção dada ao artigo 690º-A/2 e 3 pelo Decreto Lei 138/2000 de 10AGO, tornou menos compreensível a atribuição desse prazo suplementar, não obstante as partes terem de ouvir a gravação para poderem proceder às indicações dos depoimentos por referência ao assinalado na acta, nos termos do artigo 522º-C/2 C P Civil.
No entanto, com a reforma do C P Civil, operada através do Decreto Lei 303/2007, de 24AGO, não obstante a relevante mexida em matéria de recursos, manteve-se a previsão de atribuição de um prazo suplementar de 10 dias ao prazo de interposição (e de resposta) se o recurso tiver por objecto a reapreciação da matéria de facto – cfr. artigo 685º/7, na redacção actual.
Não obstante o STJ e o TC, de forma concordante, terem vindo a decidir no sentido da inaplicabilidade ao processo penal daquela extensão do prazo, para interposição de recurso, cfr. respectivamente, Acórdão do Pleno das secções criminais 9/2005 e Acórdãos de 239/2002 e 542/2004, o certo é que a recente Lei 48/2007 de 29AGO veio alargar o prazo de interposição de recurso (já por si alargado de 15 para 20 dias) quando o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada.
Estamos, então, perante uma extensão do prazo para a interposição do recurso, que está directamente relacionada com a circunstância de o recurso ter por objecto a reapreciação da prova gravada, o que implica que o recorrente tenha que ouvir as gravações para poder proceder às indicações das concretas provas que impõem decisão diversa, o que tem que ser feito por referência ao consignado na acta, nos termos do artigo 412º/3 alínea b) e 4 C P Penal.
O sentido útil da extensão do prazo de recurso, prende-se, com a necessidade de o recorrente dar cumprimento ao preceituado naquelas normas, o que pressupõe, naturalmente a audição da prova gravada.
O prazo para alegação de recurso não pode ser definido em função do objecto anunciado ou declarado mas do objecto real e verificado do recurso. Doutra forma, estava encontrada uma maneira fácil de iludir a lei, bastando o recorrente declarar que o recurso tinha por objecto a reapreciação da prova gravada, para obter, sem qualquer controlo, o prazo mais longo dos 30 dias.
Deve-se entender, atendendo à razão de ser da atribuição de um prazo mais extenso, que não é a declaração de intenção de reapreciação da prova gravada que legitima a sua concessão, mas antes e tão só, a sua efectiva concretização, evidenciada através do teor do recurso, pela análise da respectiva motivação e conclusões.
Se o recorrente manifestar a intenção de reapreciação da prova gravada, mas depois, deixar cair essa intenção, na motivação e nas conclusões, restringindo-a a outras questões, sem a abordar, não pode deixar de se entender que este recurso teria que ter sido interposto no prazo de 20 dias.
Da mesma fora, o recorrente que, decorrente da omissão de tal manifestação de intenção, pretende ser absolvido, com base em vícios da decisão (que não em erros de julgamento), mesmo que refira que pretende impugnar determinados pontos do julgamento da matéria de facto.
Com efeito não se pode confundir impugnação da matéria de facto com reapreciação da prova gravada. Se esta pressupõe aquela, já aquela não se esgota nesta, no sentido de que se pode impugnar a matéria de facto sem que tal implique necessariamente a reapreciação da prova gravada (com base em outros elementos de prova, que não, de natureza pessoal).

III. 3. 1. 3. Isto dito.

No caso, é manifesto o recorrente não deu satisfação a exigência de situar as provas pessoais no suporte da gravação.
Tal não foi feito, pelo recorrente, que omite - quer nas conclusões, quer no corpo da motivação – não tanto, a indicação do facto individualizado que tem por incorrectamente julgado, mas essencial e decisivamente, qualquer referência à localização nos respectivos suportes magnéticos, das concretas passagens da prova pessoal em que funda a sua discordância quanto ao julgamento da matéria de facto.
No caso e certo que, em lado algum, o recorrente situa a prova que pretende conduzir a julgamento em sentido diverso, no suporte da gravação.
No entanto, o STJ veio através do Acórdão 3/2012 a fixar jurisprudência, assumidamente dando-se prevalência ao substancial em detrimento do formal – donde mesmo para os casos em que na acta constem o início e o termo da gravação de cada declaração - no sentido de que, “visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta para os efeitos do disposto no artigo 412º/3 alínea b) C P Penal, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”.

Da mesma forma, contudo, o recorrente não transcreve os trechos que pretende com virtualidade de traduzir tal desiderato.
Se transcrever significa referir, copiar, o que foi dito, em discurso directo pelo declarante, então o recorrente não o fez, formalmente.
O que o recorrente fez foi coisa substancialmente diversa, mas que da mesma forma, obriga a que tenha que ter ouvido as gravações – afinal a razão de ser do alargamento do prazo para o recurso.

O que o recorrente fez foi,
1. ao impugnar factos contidos no ponto 2. – “no dia 8 de Julho de 2010, pelas 20.05 horas, os arguidos decidiram em conjunto proceder ao abastecimento do referido Renault … e de não pagar o valor correspondente ao combustível. Nessa altura, os arguidos saíram da viatura e o arguido B… abasteceu o referido automóvel, enchendo o respectivo depósito, com a mangueira ali existente para o efeito, o que perfez uma quantia compreendida entre os 90 € e os 93,15 €. Acto contínuo, não obstante terem perfeito conhecimento do sistema de funcionamento do posto de abastecimento de combustíveis, os arguidos abandonaram o local sem proceder ao pagamento do combustível” – invocou o depoimento da alegada única testemunha que sobre tais factos falou, M…, para alegar que a mesma referiu que no dia 8 de Julho de 2010, cerca das 20 horas, estava atender clientes no bar do posto, viu uma Renault … e um casal jovem a abastecer e que se foi embora sem pagar, tê-los perseguido de moto e tê-los perdido na rotunda do I…; referiu ainda que, mais tarde, nessa mesma noite, deslocou-se ao estacionamento do Posto da GNR, onde já se encontrava a Renault …, não tendo duvidas tratar-se da mesma viatura que tinha abastecido.
Ora isto, não pode deixar de ser considerado como citação e transcrição, em substancia, ainda que, sem que tal seja formalmente assinado, contudo, mormente e, desde logo, visualmente, com a utilização de aspas, com a colocação do teor do depoimento – inequívoca e indesmentivelmente, copiado - entre aspas.
Esta lá tudo o que a lei adjectiva exige. Menos as aspas, que de resto, não constituem requisito necessário para se fazer uma transcrição;

2. mais adiante para impugnar factos contidos no ponto 3. – “após, os arguidos deslocaram-se das supra indicadas bombas de combustíveis ao parque do I…, seguindo por diversas artérias desta cidade de Macedo de Cavaleiros no veículo de matricula ..-EA-... No local, e antes das 20h30, os arguidos visionaram o quadriciclo de matrícula ..-GG-.. … que decidiram então fazer seu … os arguidos, com a força dos braços, carregaram o quadriciclo … levando consigo o quadriciclo dentro do Renault, seguindo pela via pública”, sendo certo que aqui não fez referencia alguma ao teor de qualquer depoimento, pela simples razão, que ele próprio o afirma, não houve testemunha nem qualquer outro tipo de prova que atestasse tais factos, pois que, alegadamente, as testemunhas apenas referiram que viram os arguidos no parque de estacionamento do I…, mas em momento algum os viram a carregar o quadriciclo para dentro da Renault.
Ora se assim e, não poderia ser exigido que o recorrente procedesse a localização, a transcrição, de qualquer trecho de qualquer depoimento, pela simples razão – diz ele – que não existem, com tal virtualidade;

3. mais a frente para impugnar o excerto em que se diz que, “após seguindo o arguido B… ao volante, como condutor, abandonaram o parque de estacionamento, levando consigo o quadriciclo dentro do Renault, seguindo pela via publica”, afirma que não houve uma única testemunha que declarasse tê-lo visto a conduzir na via publica e que apenas a testemunha N… declarou ter visto o arguido dentro do arque de estacionamento do I… e que este entrou para veiculo, elo lado do condutor e que foi ele que dali saiu a conduzir, o que só por si não constitui prova bastante que o arguido conduzisse na via publica - conclui o recorrente.
Também aqui o que o recorrente fez não pode deixar de ser entendido, objectiva e inequivocamente como acto de citar e de transcrever, em substancia sem que formalmente se assinale, da mesma forma, visualmente, com a utilização das declarações entre aspas.

Donde, perante o exposto, há que concluir que o recorrente não só cumpriu satisfatoriamente as exigências contidas no artigo 412º/3 C P Penal – assim se dando a exigida – nunca e demais relembra-lo - prevalência a substancia em detrimento da forma – como, pretendendo a reapreciação da prova pessoal gravada - o que o obrigou, pela forma como invocou as concretas passagens dos depoimentos que pretende evidenciam a necessária alteração do sentido do julgamento, a ouvir a prova gravada, pelo que há que considerar, também, verificado o pressuposto do direito a beneficiar da faculdade, excepcional, de o apresentar em 30 dias.

Assim, há que concluir, pela falta de fundamento para a rejeição do recurso, quer pela invocada falta de cumprimento dos requisitos exigidos para a impugnação da matéria de facto, quer pela sua invocada extemporaneidade.

III. 3. 2. Entrando agora na apreciação dos fundamentos do recurso.

III. 3. 2. 1. O reconhecimento por fotogramas feitos em audiência.

A decisão recorrida para fundar a formação da sua convicção sobre a autoria dos factos cujo julgamento vem impugnado, deixou exarado que o fez com base,
na apreensão das imagens gravadas pelas câmaras de videovigilância do I…,
nos fotogramas das imagens captadas por tal sistema de videovigilância,
nos depoimentos das testemunhas,
M…, abastecedor no posto de combustíveis da H…, que explicou que funciona a maior parte do tempo em “self-service”, e que no dia 8/7/10, cerca das 20 horas, estando a atender clientes no bar do posto, viu uma Renault …, e uma casal jovem a abastecer e que se foi embora sem pagar, tê-los perseguido de moto, e tê-los perdido na rotunda do I… (de facto, a seguir os arguidos dirigiram-se ao parque do I…); mais tarde, nessa mesma noite, deslocou-se ao estacionamento do posto da GNR, onde já se encontrava a Renault …, não tendo dúvidas tratar-se da mesma viatura que tinha abastecido e cujo depósito, de resto, estava efectivamente cheio; quanto ao montante do abastecimento, referiu-se a “noventa e tal euros”;
J…, que trabalha no I… e é o dono do quadriciclo ..-GG-.., que lhe tinha custado, pouco tempo antes, 1.800 €, e relatou que ao sair do trabalho, não viu o seu quadriciclo, que havia deixado estacionado no parque, e que uma senhora lhe referiu que tinha visto duas pessoas a porem dentro duma carrinha/furgão branca uma “moto 4”, e que ao tentar recuperar a sua moto 4, andou no carro com a mulher pelas ruas da cidade até que acabou por encontrar, estacionada perto do Hospital, a carrinha com a sua moto 4 dentro e chamou a GNR, que interveio, acabando por recuperar o seu quadriciclo;
N…, que foi a pessoa que indicou à anterior testemunha ter visto uma moto 4 a ser colocada numa carrinha, e que relatou ter ido às compras ao I… e, ao sair, ter visto uma carrinha branca - do género da de fls. 17, que lhe foi exibida - já em posição de saída e um casal jovem, muito atarefado, a prender uma moto 4 dentro da carrinha, mas de forma desadequada, o que lhe chamou á atenção porque o seu marido tem uma oficina de motos, e que a carrinha arrancou conduzida pelo rapaz (o arguido B…) e depois viu um senhor, que é a anterior testemunha, com um capacete e ar de apreensão, à procura de uma moto 4 e ter-lhe contado o que havia acabado de presenciar;
O…, esposa do J…, que relatou ter ido ao I… com o filho, e ter visto uma carrinha branca, estacionada ao lado da moto 4 do marido, e um homem jovem a tirar um triciclo cor de rosa (e de facto, foi apreendida uma bicicleta para criança, daquela cor, o que diz bem do crédito a atribuir à testemunha) da parte traseira e a colocá-lo na parte lateral, e ter-se-lhe juntado uma mulher nova que vinha com compras, e antes de entrar no hiper, ter anotado a matrícula da carrinha por ter ficado incomodada pela forma como o homem a olhou, e depois, encontrou-se com o marido que lhe disse que tinham levado a moto 4 numa carrinha branca, e como tinha anotado a matrícula, foram à procura dela, e acabaram por a encontrar, e ainda tinha a moto 4 dentro; descreveu a forma como estavam vestidos os arguidos, de forma idêntica à que resulta dos fotogramas de fls. 135 a 139, que lhe foram depois exibidos, não tendo dúvidas a testemunha em identificar os arguidos como sendo os que deles constam;
P…, cabo da GNR, que relatou as diligências efectuadas (mulher do dono da moto 4 tinha anotado a matrícula da carrinha, e foram avisados que a carrinha estava estacionada junto ao Hospital, aí se deslocaram, montaram uma vigilância e detiveram em flagrante delito os arguidos, quando iam a entrar para a carrinha – o rapaz do lado do condutor.

Defende o arguido que na decisão recorrida foram valoradas “provas proibidas, nulas, nomeadamente, os fotogramas e o reconhecimento do arguido através destes, em audiência de julgamento”. Isto porque, o reconhecimento pressupõe uma escolha numa pluralidade, seja, num reconhecimento por fotografia não e admissível que se mostre uma única fotografia do suspeito, sendo necessário que se exiba a fotografia do suspeito em conjunto com uma ampla variedade de outras fotografias de pessoas de características similares.
Donde, ao fundar a sua decisão nos fotogramas e no reconhecimento do arguido feito através destes, o tribunal recorrido apreciou provas nulas, por não obedecerem aos requisitos do artigo 147º C P Penal.

Se bem interpretamos o raciocínio do arguido, pretende que a obtenção de imagens nas circunstâncias do caso concreto constituem um crime de devassa contra a vida privada previsto no artigo 192º C Penal. Isto porque este tipo de vigilância, existente em estabelecimentos comerciais e autorizada para protecção dos seus bens e da integridade física de que ai se encontre, sendo autorizada quando exista um ajusta causa par a sua obtenção – como e o caso de documentar a pratica de uma infracção criminal e não diga respeito ao núcleo da vida provada da pessoa visionada, isto mesmo que se desconheça se o sistema foi comunicado a CNPD e no caso concreto os fotogramas, dali retirados, não documentam a pratica de qualquer infracção criminal do arguido, apenas documentando que esta no seu interior a efectuar compras, nem sequer existindo fotogramas do exterior, donde a justa causa não se encontra preenchida e tendo as imagens sido captadas no contexto de esfera da sua vida privada e intima – valores constitucionalmente protegidos – constituem um meio proibido de prova.
Invoca em defesa desta sua tese o disposto o artigo 126º/3 C P Penal.
De resto a testemunha N… quando confrontada com os fotogramas não o reconheceu como autor do crime, devendo por isso ser absolvido do crime de condução sem habilitação.
Da mesma forma em relação ao crime de furto do quadriciclo, pois que, nos fotogramas não se vislumbra o arguido a furtar o veículo e nenhuma testemunha disse tê-lo visto a furtar.
A testemunha O… confrontada com vários fotogramas identificou o arguido como sendo o individuo que se encontrava junto a uma carrinha branca estacionada ao lado da moto 4, mas tal reconhecimento tem que ser considerado nulo, sem valor como meio de prova, por não sujeito as exigências formais contidas no artigo 147º C P Penal.
De resto o reconhecimento fotográfico deve ser seguido de reconhecimento pessoal e o arguido nem sequer esteve presente em audiência

Independentemente da correcta qualificação do suporte em que se traduz a reprodução das imagens retirados do filme a que se refere a câmara de videovigilância, para suporte de papel; se como fotografia, se como fotograma, o certo e que, decisivamente, contem como, qualquer vulgar retrato, a imagem do arguido - que e o que afinal aqui esta em causa.
De resto a qualificação nem e relevante em sede de prova por reconhecimento – que o recorrente aborda - pois que o artigo 147º C P Penal, concede igual tratamento, quer seja feito através de fotografia, de filme ou gravação.
Como o próprio arguido reconhece, tem sido entendimento da jurisprudência que não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a protecção de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente.
E, por consequência, não é proibida a prova obtida por sistemas de videovigilância colocados em locais públicos, com a finalidade de proteger a vida, a integridade física, o património dos respectivos proprietários ou dos próprios clientes perante furtos ou roubos, pois que as imagens não são captadas em locais privados, total ou parcialmente restritos, nos quais, segundo as concepções morais vigentes, uma pessoa não deve ser retratada, justificando-se, pois, essa excepção aos métodos proibidos de prova por razões de polícia ou de justiça.

De resto, o próprio artigo 79º/2 C Civil prevê a desnecessidade do consentimento da pessoa retratada quando assim justifiquem exigências de polícia ou de justiça, o que, naturalmente, face à sua natureza fragmentária e ao seu princípio de intervenção mínima, também deve ser considerado como extensível ao direito penal.
E, consagrando-se neste âmbito, o princípio de que o ordenamento jurídico deve ser encarado no seu conjunto, dispõe o artigo 31º/1 C Penal, que o facto não é criminalmente punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.
Aquela justa causa apenas será afastada pela inviolabilidade dos direitos humanos, designadamente a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e integridade moral das pessoas, como seja o direito ao respeito pela sua vida privada.
Ora, a citada norma do C Civil não só afasta a ilicitude dos artigos 199º C Penal – pois que cremos ser obvio e manifesto, pela factualidade típica exigida, que se não verificaria, nunca, o crime de devassa da vida privada, como pugna o arguido - e 167º C P Penal, como também não é inconstitucional, uma vez que, embora comprima o direito à reserva da vida privada, não o faz de uma forma de todo intolerável, como parece evidente à luz do mais elementar bom senso.

Donde, nem as imagens captadas pela câmara de videovigilância, nem, as posteriormente reproduzidas em fotogramas, correspondem a qualquer método proibido de prova.
E se, como no caso concreto, não evidenciam a pratica de um qualquer ilícito, apenas foram reproduzidas e utilizadas com vista a identificação, com vista a documentação de que em determinado momento determinada pessoa esteve no local, ou nas imediações, onde foi cometido um facto ilícito, sem que obviamente se possa dai afirmar, sem mais, ter sido o autor.
O que dali resulta e que o arguido esteve naquele local naquela altura. Nada mais.

Por outro lado, o reconhecimento visa a identificação de pessoas, agentes de um crime, donde a ele se deve proceder quando se verifique tal necessidade, n.º 1 do artigo 147º C P Penal.
Ora no caso concreto, em sede de audiência não se procedeu a qualquer reconhecimento, enquanto tal, nem na sua estrutura nem com tal objectivo – a identificação, individualização do arguido.
O arguido já estava identificado nos autos, enquanto alegado autor dos factos – o que de resto culminou com a dedução da acusação contra si.
O que se passou em julgamento insere-se num fase posterior a tal operação e apenas visou a confirmação da bondade e averiguação da credibilidade da descrição pormenorizada que as testemunhas fizeram dos arguidos, permitindo que o tribunal pudesse ajuizar que essa descrição era cabal e completa.
Isto porque, a testemunha O…, logo a seguir à apresentação da queixa pelo seu marido, telefonou para a GNR e indicou, quer, a localização da carrinha identificada na queixa, contendo ainda no seu interior o motociclo furtado, quer a localização, em tempo real, e sinais identificadores dos indivíduos com quem se tinha cruzado, horas antes, no supermercado I…, o que veio a culminar com a sua localização por parte do elementos da GNR, que os seguiu até junto do veiculo, e que o indivíduo do sexo masculino, depois de atentamente observar em redor e de dar a volta ao veículo, abriu a viatura com o comando à distância entrando pela porta do lado do condutor, enquanto a sua companheira se preparava igualmente para entrar, quando aquele se terá apercebido da presença da GNR - muito embora em traje descaracterizado - a correr na sua direcção, mandou entrar a sua companheira apressadamente na viatura, dizendo em voz alta «entra, entra depressa», no entanto foram os mesmos interceptados antes de se conseguirem colocar em marcha, tendo-se procedido a sua detenção, identificação documental e revista, que culminou no facto de a acusação ter sido contra eles deduzida.

Ora, como e sabido, o simples acto de uma testemunha na audiência identificar o arguido – porventura, como o autor de determinados factos - quer pessoalmente - se estiver presente - quer através de fotografia, fotograma, filme ou gravação - insere-se não no âmbito da prova por reconhecimento, mas sim, da prova testemunhal – a ser livremente valorada.

Discorda-se o entanto da posição defendida pelo MP, na 1ª instancia e subscrita depois, neste Tribunal, sobre a extemporaneidade da arguição da nulidade da prova proibida.
Com efeito o regime da nulidade das provas proibidas - aqui reportada quer a visualização do resultado da vídeo-vigilancia, quer do alegado reconhecimento - não e o estipulado para as nulidade processais contido no artigo 118º e ss. C P Penal – como defende, de resto o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, no local, citado pelo MP – a culminar como se defende, na resposta, na extemporaneidade da arguição da nulidade, se, tão só, em sede de recurso.

Com efeito, apesar da estreita ligação entre o regime das nulidades e o das proibições de prova, trata-se, no entanto de realidades distintas: se as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aqueles que poderem afectar, o que tem como efeito que o acto nulo não produz efeitos, não tem valor, artigo 122º, já a proibição de prova tem a ver com a sua inadmissibilidade no processo.
Do artigo 118º C P, a propósito das nulidades de actos processuais, decorrem:
o princípio da legalidade das nulidades, ié. só constituem nulidades as expressamente previstas na lei;
o princípio da irregularidade de todos os demais actos ilegais, ié. os demais acatos ilegais, não cominados com a nulidade, são meramente irregulares e,
o princípio do tratamento autónomo das proibições de prova, ié, o regime jurídico das proibições de prova não se identifica nem se sobrepõe ao das nulidades nem ao das irregularidades.
Nos termos do artigo 125º são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.
Aqui se consagra o princípio da não taxatividade dos meios de prova - o que abrange, da mesma forma, os meios de obtenção de prova.
Assim, são admissíveis as provas e os meios de a obter, ainda que não previstos na lei – desde que não expressamente proibidos – ainda que subordinados aos limites constitucionais e legais da admissibilidade da prova.
A nulidade das provas proibidas obedece, como vimos já, a um regime diverso do da nulidade sanável ou insanável. Trata-se de um regime complexo, que distingue dois tipos de proibição de provas consoante as provas atinjam a integridade física e moral da pessoa humana ou a privacidade da pessoa humana, artigo 126º.
Enquanto aquelas são insanáveis e do conhecimento oficioso, estas são sanáveis pelo consentimento do titular do direito e só podem ser conhecidas a requerimento do titular do direito ofendido.
Por sua vez, a sentença fundada em provas nulas, é também, ela nula, nos termos do artigo 122º/1.
A consequência, de tal facto, se arguido em via de recurso, ao abrigo do artigo 410º/3 C P Penal, será a repetição da sentença, sem a ponderação da prova produzida.
A recente revisão do C P Penal introduziu uma alteração ao nº 3 do artigo 126º, ao acrescentar, a seguir a “são igualmente nulas”, a expressão “não podendo ser utilizadas”, como de resto constava já do nº.1.
“Alteração inútil, perturbadora hermeneuticamente disfuncional e iatrogéneo, pois que a proibição de prova no contexto do nº. 3 do artigo 126º era já uma evidência à luz do direito anterior.
Nenhum significado normativo e relevo prático-jurídico tem este aditamento ao nº. 3 do termo “não podendo ser utilizadas”, como já não tinha o similar, existente no nº. 1. cominar com a “nulidade” e acrescentar que “não podem ser utilizadas”, é absolutamente redundante e tautológico. Esta nova expressão limita-se a fazer eco da proibição de valoração, já inequivocamente prescrita e proclamada sob a forma de cominação de nulidade.
O legislador de 2007 partiu de um diagnóstico incorrecto – de uma pouco certeira representação do direito ate então vigente, ao aditar a expressão “não podendo ser valoradas” ao nº. 3 e fê-lo esclarecendo, “que as provas obtidas fora dos casos admitidos por lei e sem o consentimento do respectivo titular, mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou telecomunicações, não podem ser utilizadas. Supera-se, pois, uma dúvida interpretativa que a actual redacção do nº. 3 do artigo 126º suscita, por se referir apenas à nulidade”.
As situações dos nºs. 1 e 3 não assumem diferença alguma a nível de consequência jurídica – nulidade/proibição de valoração. A diferença está, antes, em que enquanto as situações do nº. 1 se reportam a atentados mais graves e intoleráveis à dignidade e integridade pessoais, sendo as provas assim obtidas, proibidas, independentemente do consentimento do visado, que é tido por isso, como pura e simplesmente irrelevante.
Diferentemente nas hipóteses do nº. 3 o consentimento afasta a proibição; tanto a proibição de produção, como a respectiva consequência. Consequência que persiste a mesma – nulidade/proibição de valoração – se não houver consentimento.
Em síntese, no caso do nº. 3, só a coerção e o arbítrio – só a ausência de consentimento, determinam a proibição de valoração; no caso do nº 1, a lei prescreve a proibição de valoração em nome de uma presunção geral, abstracta e não ilidível de arbítrio e coerção. De um lado o que releva é o atentado à autonomia individual; no outro é (também) o atentado contra valores supra-individuais fundamentais, pertinentes ao núcleo irredutível do Estado de Direito e mesma da civilização”, cfr. Prof. Costa Andrade, Bruscamente no Verão passado, in RLJ, ano 137º, 3951, 328
O que importa que a nulidade de toda a prova proibida – agora, como anteriormente, também da prevista no nº. 3 do artigo 126º C P Penal - possa ser conhecida em qualquer fase do processo, estando o fundamento do recurso da sentença ou do despacho interlocutório para conhecimento de uma tal nulidade, plasmado no artigo 410º/3 C P Penal, que excepcionalmente abre uma brecha no velho brocardo latino, “das nulidades reclama-se e dos despachos recorre-se”, ao prever a possibilidade de o recurso ter por fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.
A diversidade do regime da previsão do nº. 1 da do nº. 3 do artigo 126º C P Penal, estará, então, tão só, no facto de as situações previstas no nº. 1 serem do conhecimento oficioso, enquanto as do nº. 3, só podem ser conhecidas a requerimento do titular do direito infringido, isto porque este pode consentir na intromissão ou pode renunciar expressamente à arguição da nulidade resultante de prova obtida através de intromissão na sua privacidade, domicílio, correspondência ou telecomunicações.
Sendo no entanto, arguida e decidida a nulidade, estas provas, como aquelas, não podem ser utilizadas no processo.

Improcede, pois este segmento do recurso.

III. 3. 2. 2. Os erros de julgamento.

III. 3. 2. 2. 1. As razoes do arguido

Neste particular, defende o arguido que deveria ter sido absolvido, pois que, “percorrendo os depoimentos das testemunhas, não houve uma que fosse que dissesse que o arguido furtou o gasóleo, furtou o quadriciclo ou que conduziu o Renault … na via publica”.

O recorrente discorda do julgamento como provados dos seguintes factos:
- “no dia 8 de Julho de 2010, pelas 20.05 horas, os arguidos decidiram em conjunto proceder ao abastecimento do referido Renault … e de não pagar o valor correspondente ao combustível. Nessa altura, os arguidos saíram da viatura e o arguido B… abasteceu o referido automóvel, enchendo o respectivo depósito, com a mangueira ali existente para o efeito, o que perfez uma quantia compreendida entre os 90 € e os 93,15 €. Acto contínuo, não obstante terem perfeito conhecimento do sistema de funcionamento do posto de abastecimento de combustíveis, os arguidos abandonaram o local sem proceder ao pagamento do combustível”.
Invoca para fundamentar a alteração do sentido do decidido, o facto de que o depoimento da única testemunha que sobre tais factos falou, M…, ter dito que, no dia 8 de Julho de 2010, cerca das 20 horas, estava atender clientes no bar do posto, viu uma Renault … e um casal jovem a abastecer e que se foi embora sem pagar, tê-los perseguido de moto e tê-los perdido na rotunda do I…; referiu ainda que, mais tarde, nessa mesma noite, deslocou-se ao estacionamento do Posto da GNR, onde já se encontrava a Renault …, não tendo duvidas tratar-se da mesma viatura que tinha abastecido;
- “após, os arguidos deslocaram-se das supra indicadas bombas de combustíveis ao parque do I…, seguindo por diversas artérias desta cidade de Macedo de Cavaleiros no veículo de matricula ..-EA-... No local, e antes das 20h30, os arguidos visionaram o quadriciclo de matrícula ..-GG-.. … que decidiram então fazer seu … os arguidos, com a força dos braços, carregaram o quadriciclo … levando consigo o quadriciclo dentro da Renault, seguindo pela via pública”.
Aqui, neste particular, invoca o facto de não ter havido nem testemunha nem qualquer outro tipo de prova que atestasse tais factos, pois que, alegadamente, as testemunhas apenas referiram que viram os arguidos no parque de estacionamento do I…, mas em momento algum os viram a carregar o quadriciclo para dentro da Renault;

- “após seguindo o arguido B… ao volante, como condutor, abandonaram o parque de estacionamento, levando consigo o quadriciclo dentro do Renault, seguindo pela via publica”.
Aqui, da mesma forma, invoca o facto de não ter havido uma única testemunha que declarasse tê-lo visto a conduzir na via publica, tendo, apenas a testemunha N… declarado tê-lo visto dentro do arque de estacionamento do I… e que este entrou para o veiculo, pelo lado do condutor e que foi ele que dali saiu a conduzir, o que só por si não constitui prova bastante que o arguido conduzisse na via publica - conclui o recorrente.

De resto – como vimos já a outro propósito – defende o arguido que, se
a testemunha N…, mesmo, confrontada com os fotogramas não o reconheceu como autor do crime, deve, por isso, ser absolvido do crime de condução sem habilitação,
da mesma forma em relação ao crime de furto do quadriciclo: nos fotogramas não se vislumbra o arguido a furtar o veículo e nenhuma testemunha disse tê-lo visto a furtar;
a testemunha O… confrontada com vários fotogramas identificou o arguido como sendo o individuo que se encontrava junto a uma carrinha branca estacionada ao lado da moto 4, mas tal reconduz-se, na sua óptica a um reconhecimento que tem que ser considerado nulo, sem valor como meio de prova.

III. 3. 2. 2. 2. Antes de avançarmos na consideração mais aprofundada desta temática, justifica-se fazer um breve parêntesis aos poderes conferidos às Relações em termos de modificação da matéria de facto apurada em 1.ª instância.
É que não se trata, como à primeira vista poderia resultar de uma leitura mais imediata dos correspondentes preceitos processuais, de poderes que traduzam um conhecimento ilimitado dessa mesma factualidade.
Para isso concorre, essencialmente, a concepção adoptada no nosso ordenamento adjectivo que concebe os recursos como “remédio jurídico” para os vícios de julgamento, ou se se quiser, o seu entendimento como juízos de censura crítica e não como “novos julgamentos”, bem como ainda, as decorrências do princípio da livre apreciação da prova, artigo 127º C. P Penal e bem assim o natural privilegiamento que compreensivelmente se há-de conferir à decisão que foi proferida numa relação de maior imediação e proximidade com a sua própria produção.
Por via de regra, o tribunal de recurso não vai à procura de uma convicção autónoma fundada na sua própria interpretação da prova, mas antes verificar se a factualidade definida na decisão em apreciação se mostra adequadamente ancorada na análise crítica efectuada das provas.
Da mesma maneira, a alteração solicitada em recurso de um qualquer facto só é de proceder, quando de forma clara e convincente o juízo alternativo apresentado sobre a sua definição como provado ou não provado, evidencie o seu melhor fundamento em relação ao apresentado pela instância.
A questão, suscitada por todos os recorrentes, nesta sede, tem, desde logo, subjacente o controlo sobre a admissibilidade e valoração dos meios de prova de que depende em última análise, a fixação dos factos materiais da causa.

A circunstância de o tribunal, perante duas versões distintas, dar crédito a uma em detrimento da outra, tem a ver com o exercício do princípio da livre apreciação da prova, artigo 127º C P Penal, segundo o qual o julgador deve proceder à avaliação e ponderação dos meios de prova sem vinculação a um quadro pré-definido de valoração das provas, sujeito apenas às regras da experiência comum e ao dever de dar explicação concisa das razões da relevância atribuída à cada prova e do percurso racional que levou à decisão tomada.

Se assim é, se o Tribunal da Relação não procede a um segundo julgamento de facto, pois que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância, não pressupõe a reanálise pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzida, mas tão-só o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido mencionados no recurso e das provas, indicadas pelo recorrente, que imponham (e não apenas, sugiram ou permitam) decisão diversa, estamos perante uma reapreciação restrita aos concretos pontos de facto que o mesmo entende incorrectamente julgados e às razões dessa discordância.
Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível).

De resto, a consagração de um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto, pode vir a transformar o julgamento na 2ª instância, num jogo de palavras vazio do pulsar da vida, da percepção dos sentidos e sentimentos.
Na verdade, não podemos esquecer que, ao apreciar a matéria de facto, o Tribunal da 2ª instância está condicionado pelo facto de não ter com os participantes do processo, aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão. Só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabeleceu-se com o Tribunal de 1ª instância e daí que a alteração da matéria de facto fixada, deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo funcionamento do princípio da imediação. [1]

Apreciemos então, o que afinal se reconduz, a uma diversa valoração do sentido da prova pessoal produzida.
A este propósito convém, então, referir que, nos termos do artigo 127º C P Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A maior parte das vezes, os recursos, quanto a esta concreta questão, de impugnação da credibilidade dos elementos de prova, demonstram um evidente equívoco - o da pretensão de equivalência entre a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e o exercício, juridicamente ilegítimo, por irrelevante, do que corresponde ao princípio da livre apreciação da prova, exercício este que, para ser legítimo, logo juridicamente relevante, por imposição do artigo 127º C P Penal, somente ao tribunal, entidade competente, notoriamente, incumbe.
Não pode é, a convicção do recorrente sobrepor-se à do julgador.
À pergunta sobre o que significa, negativa e positivamente, a livre apreciação da prova, ou, o que é o mesmo, valoração discricionária ou valoração da prova segundo a livre convicção do julgador, responde o Prof. Figueiredo Dias, “(…) significa, negativamente, ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova; mas qual o seu significado positivo? Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma motivação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida; se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionaridade (como já dissemos que a tem toda a discricionaridade jurídica) os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados; a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo, possa embora a lei renunciar à motivação e o controlo efectivos”. [2]
“Livre apreciação da prova não é, portanto, livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, e, dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela objectivável e motivável; já se vê, assim, que sendo a dúvida que legitima a aplicação do princípio in dubio pro reo, obviamente, a que obsta à convicção do juiz, tal dúvida não pode ser puramente subjectiva, antes tem de, igualmente, revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável”. [3]
“Embora os meios de prova produzidos não estejam sujeitos a qualquer regime de prova legal, mas antes à livre apreciação do tribunal, artigo 127º C P Penal, a verdade é que livre apreciação não significa pura convicção subjectiva, mas sim “convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. E uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável; não se tratará, pois, de uma mera opção voluntarista pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos à posteriori tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse”. [4]
A conclusão – pela qual o arguido pugna - de que, pelo facto de nenhuma prova directa se ter produzido – não pode ser tido como o autor do factos, não é permitida, não é consentida, salvo atentado grosseiro à normalidade das coisas da vida e à inteligência do ser humano.
De resto, a propósito da inexistência de prova testemunhal a afirmar, directamente, ter tido o arguido, participação directa e pessoal na prática dos factos, convém dizer o seguinte:
como refere o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso, II, 82, citado no Ac. RC de 9.2.2000, in CJ, I, 51, que doravante seguiremos de perto, “é clássica a distinção entre prova directa e indiciária.
Aquela refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto que a prova indirecta ou indiciária, se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
Assim, se o facto probatório (meio de prova) se refere imediatamente ao facto probando, fala-se de prova directa e se o mesmo se refere a outro do qual se infere o facto probando, fala-se em prova indirecta ou indiciária.
O indício não tem uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos e, por isso o seu valor probatório é extremamente variável. Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica do juiz. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos.
Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto-indício a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos à inferência feita maior ou menor eficácia probatória.
A associação que a prova indiciária proporciona entre elementos objectivos e regras objectivas, leva alguns autores a afirmara sua superioridade perante outro tipo de provas, nomeadamente prova directa e testemunhal, pois que aqui também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho, (Mittermaier, Tratado de la Prueba em Matéria Criminal).
Como refere André Marieta, in La Prueba em Processo Penal, 59, são 2 os elementos da prova indiciária:
- o indício será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele está relacionado, que pode ser definido como todo o resto, vestígio, circunstância e em geral todo o facto conhecido ou melhor devidamente comprovado, susceptível de levar, por via da inferência ao conhecimento de outro facto desconhecido.
O indício constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico ou a uma regra da experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar. Este elemento de prova requer em primeiro lugar que o indício esteja plenamente demonstrado, nomeadamente através de prova directa (vg. prova testemunhal no sentido de que o arguido detinha em seu poder objecto furtado ou no sentido de que no local foi deixado um rasto de travagem de dezenas de metros).
O que não se pode admitir é que a demonstração do facto-indício que é a base da inferência seja também ele, feito através de prova indiciária, atenta a insegurança que tal acarretaria.
- em segundo lugar, é necessária a existência da presunção que é a inferência que obtida do indício permite demonstrar um facto distinto. A presunção é a conclusão do silogismo construído sobre uma permissa maior: a lei baseada na experiência; na ciência ou no sentido comum que apoiada no indício permissa menor, permite a conclusão sobre o facto a demonstrar.
A inferência realizada deve apoiar-se numa lei geral e constante e permite passar do estado de ignorância sobre a existência de um facto para a certeza, ultrapassando os estados de dúvida e probabilidade.
A prova indiciária realizar-se-á para tanto através de 3 operações: em primeiro lugar, a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador, uma regra da experiência ou da ciência, que permite num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.
A lógica tratará de explicar o correcto da inferência e será a mesma que irá outorgar à prova da capacidade de convicção.
A nossa lei processual não faz qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária.
O funcionamento e creditação desta está dependente da convicção do julgador que, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável.
Conforme refere Marques da Silva, o juízo sobre a valoração da prova tem vários níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal, os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervém elementos não racionais explicáveis. Num segundo nível inerente à valoração da prova intervém as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e, agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão, regras da experiência.
Porém o facto de também relativamente à prova indirecta funcionar a regra da livre convicção, não quer dizer que na prática não se definam regras que, de forma alguma se poderão confundir com a tarifação da prova. Assim os indícios devem ser sujeitos a uma constante verificação que incida não só sobre a sua demonstração como também sobre a capacidade de fundamentar uma lógica dedutiva: devem ser independentes e concordantes entre si.
Nada impedirá, porém, que devidamente valorada a prova indiciária, na conjugação dos indícios permita fundamentar a condenação, cfr. Mittermaier, ob. cit., 389”.

Definidos tais pressupostos, importará agora considerar – como de resto, se afirmou na decisão recorrida - que no caso vertente existem uma série de indícios objectivos que, face à regras da experiência comum de vida, levam à conclusão iniludível da intervenção do arguido nos factos em apreciação.
Obviamente que não foi produzida prova directa sobre os factos – ninguém viu – e a posição em que se estrutura o recurso, de resto.
No entanto existe prova indiciária bastante para afirmar, sem margem para qualquer dúvida, ser o arguido o seu autor.
Se é rigorosamente verdade que nenhuma prova pessoal foi feita no sentido de ser o arguido o autor material dos factos, que se reconduzem ao furto de gasóleo, ao furto do quadriciclo e a condução de veiculo automóvel na via publica sem habilitação - pois que ninguém referiu ter presenciado tais factos, não é menos verdade que.

1. Quanto ao furto do gasóleo.
a testemunha M…, abastecedor de combustíveis, referiu que viu uma Renault …, branca e um casal jovem a abastecer e que se foi embora sem pagar, tê-los perseguido de moto e tê-los perdido na rotunda do I… e que, mais tarde, nessa mesma noite, deslocou-se ao estacionamento do posto da GNR onde já se encontrava a Renault …, não tendo dúvidas tratar-se da mesma viatura que tinha abastecido, tendo ainda referido que, ainda nessa mesma noite, conjuntamente com a GNR, verificaram, após a apreensão da carrinha, que ainda tinha a depósito cheio.
De resto, a Renault … branca em referência cujo seguimento a testemunha perdeu na rotunda do I… é, logo a seguir, vista no parque desse supermercado, pelas testemunhas N… e O….
Mas não somente a carrinha.
Também aí e não só junto dela como também a entrar para o seu interior e a sair do parque em referência com o quadriciclo aí furtado no seu interior, foram vistos, os próprios arguidos – que foram, da mesma forma, filmados no interior daquele supermercado.
De resto, a mesma carrinha foi apreendida pela GNR, depois das informações, em tempo real, dadas pela testemunha O…, que conduziu os agentes de autoridade ate ela, com o arguido no seu interior, sentado ao volante e pedindo à arguida para que entrasse depressa.

Donde, se existe uma mutiplicidade de carrinhas Renault …, se muitas delas – porventura a maioria - serão de cor branca, já transportando um casal, heterossexual, jovem, com o homem ao volante, pelas 20 horas do dia 8JUL2010, a fazer o trajecto de um posto abastecedor de combustíveis em Macedo de Cavaleiros na direcção do parque de estacionamento do I… e que ainda nessa noite, veio a ser encontrada estacionada numa das ruas da mesma cidade, pelos agentes de autoridade, com o arguido a nela se introduzir, depois de abrir a porta com o respectivo comando à distância – sem margem para qualquer consideração de absoluta, lamentável e infeliz coincidência, só houve uma – a dos autos – que pertence à sociedade «F…» de que a arguida, acompanhante do arguido, então, é sócia e gerente e em cujo interior, na ocasião, da apreensão foi encontrado o quadriciclo que fora furtado no parque de estacionamento do I….

2. Quanto ao furto do quadriciclo.
Neste particular, as testemunhas N… e O… não disseram apenas que viram os arguidos no parque de estacionamento do I….
Aquela primeira, disse, ainda que, viu uma carrinha branca, do género da de fls. 17, que lhe foi exibida, já em posição de saída e um casal jovem, muito atarefado, a prender uma moto 4 dentro da carrinha, mas de forma desadequada e, que a carrinha arrancou conduzida pelo rapaz.
Por sua vez, esta, relatou ter visto uma carrinha branca estacionada ao lado da moto 4 do marido - o queixoso – e, um homem jovem a tirar um triciclo cor de rosa da parte traseira e a colocá-lo na parte lateral – que posteriormente veio a ser encontrado no interior da carrinha, em que os arguidos se faziam transportar, que, de resto, tinha a matricula que a testemunha O… havia anotado, no parque de estacionamento do I… - e ter-se-lhe juntado uma mulher nova que vinha das compras e ter anotado a matrícula da carrinha por ter ficado incomodada pela forma como o homem a olhou e, ainda que, quando se encontrou com o marido e este lhe disse que lhe tinham levado a moto 4 numa carrinha, como tinha anotado a matrícula, foram a procura dela e acabaram por a encontrar.

3. Quanto à condução sem carta,
A testemunha N… declarou ter visto o arguido dentro do parque de estacionamento do I… e que este entrou para o veículo pelo lado do condutor, com a carrinha em posição e saída do parque e que foi ele que dali saiu a conduzir.

Perante este quadro lógico, perfeitamente demarcado e delimitado, no espaço e no tempo, alicerçado em factos objectivos, inegáveis e seguros, não resulta de qualquer elemento de prova, quaisquer outros factos que possam colocar qualquer dúvida ou incerteza sobre ser esta a verdade dos factos.

A isto que contrapõe o arguido?
Rigorosamente nada, a não ser a falta de prova, directa, imediata, “ninguém viu, o furto do gasóleo, do quadriciclo, nem ninguém o viu a conduzir na via pública”.

Não encontrou, no entanto, o arguido – porque não existe, seguramente - qualquer elemento preciso e concreto, de prova de que se pudesse socorrer, para defender, objectivamente, como impondo decisão diversa daquela que consta da decisão recorrida.
Donde nenhuma das concretas provas acabadas de analisar e invocadas pelo arguido, impõem decisão diversa da recorrida - no caso, o julgamento como provados dos factos que integram a factualidade típica dos crimes de furto e de condução sem habilitação legal.
Só o arguido tinha, quer o motivo, quer a oportunidade para os apontados, contextualizados e contemporâneos e/ou subsequentes, crimes.
Daqui resulta não ser, de todo, possível afastar o arguido dos factos – salvo, aqui sim inequivocamente - ostensivo, manifesto e notório erro na apreciação da prova.
Se, como é certo,
a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando seja obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum;
desde que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, se deve acolher a opção do julgador da 1ª instância,
então, não merece acolhimento, na generalidade, a crítica que é dirigida ao decidido.
Com efeito o enunciado julgamento, a invocada prova e pormenorizada fundamentação de que a decisão recorrida dá conta, não só não pode ser colocada em causa pela argumentação do arguido, como de resto, responde, por antecipação, de forma cabal e absolutamente esclarecedora, às apontadas críticas.

Há, assim, que considerar definitivamente assente a matéria de facto definida pela 1ª instância - pois que não se vislumbra a existência de qualquer dos vícios do conhecimento oficioso, nos termos do Acórdão de fixação de Jurisprudência 7/95 de 19OUT, previstos no artigo 410º/2 C P Penal – donde passaremos a apreciar a derradeira questão suscitada no recurso.

III. 3. 2. 3. A medida e a espécie da pena.

III. 3. 2. 3. 1. Assim sendo – ate porque não vinha colocada em causa o julgamento da matéria de facto que não fosse nos segmentos enunciados, nenhum relevo pode assumir a alegação, agora, de que se encontra inserido social profissional e familiarmente, demonstrando comportamentos adequados a uma vivencia em liberdade (isto alem de vir provado que, trabalha no Luxemburgo e vive na Belgica, que vive com a arguida, de terem um filho e viverem ainda com 2 filhos da arguida) ou de que foi pai recentemente, ou ainda que o trabalho seja estável.

A este propósito, expendeu-se na decisão recorrida pela forma seguinte:

“resta apreciar qual a pena a aplicar a cada crime de furto, independentemente da reincidência, por forma a apurar se é superior a 6 meses de prisão efectiva, caso em que se deverá considerar a reincidência e, então, achar a nova pena dentro da moldura da recidiva.
São acentuadas as exigências de prevenção geral, em relação a todos os crimes praticados, assistindo-se, como vem sendo noticiado, de resto, sendo facto público, a um vivo aumento das falsificações das chapas dos automóveis, designadamente, através da justaposição de chapas com nºs falsos, ao aumento generalizado dos crimes contra o património, e, ainda, à manutenção de uma elevada sinistralidade rodoviária para a qual muito contribui a condução sem habilitação legal.
São exasperadas as exigências de prevenção especial, quanto ao arguido B…, impressionando não só os numerosos antecedentes criminais como, e fundamentalmente, a circunstância de menos de 2 meses a seguir à concessão da liberdade condicional, no cumprimento de uma pesada pena de prisão (7 anos e 3 meses), o arguido ter voltado a cometer crimes, o que significa que não se deixou minimamente impressionar pela pena aplicada.
Daqui resulta, como clareza, que no que toca a este arguido, deverá, em todos os casos, optar-se pela pena de prisão, não sendo a multa nem adequada nem suficiente.
(…)
Militam contra os arguidos, o dolo intenso e persistente.
O grau de ilicitude, no que toca ao crime de falsificação, é elevado, dada a utilização de várias chapas de matrículas e à adulteração de uma delas.
Também é elevado quanto ao furto do quadriciclo, dado o seu valor e ao local em que foi perpetrado, público, frequentado, ocorrendo os factos ainda de dia.
Militam ainda contra o arguido B… os antecedentes criminais (os que não serviram já para a reincidência) e sua situação em relação ao Sistema de Justiça quando cometeu os factos (estava em liberdade condicional).
O grau de ilicitude quanto ao crime de condução sem habilitação é o pressuposto pelo tipo.
A favor dos arguidos, milita o grau modesto de ilicitude, em relação ao outro crime de furto, dado o valor em causa e a circunstância de, actualmente trabalharem (embora tal circunstância, quanto ao arguido B…, não possa ser demasiado valorizada, dados os seus antecedentes profissionais, marcados por enorme instabilidade laboral) e de terem um filho menor a cargo.
(…)
Tudo ponderado, são adequadas as seguintes penas parcelares para o arguido B…:
- 2 anos de prisão para o crime de falsificação;
- 1 ano de prisão para o furto do quadriciclo;
- 4 meses de prisão para o crime de furto do gasóleo;
- 5 meses de prisão para o crime de condução sem habilitação legal.
Dadas as exigências de prevenção geral e especial supra referidas, a pena de 1 ano de prisão que cabe ao furto do quadriciclo não poderia ser substituída por multa, por trabalho a favor da comunidade nem ser suspensa, pois aquelas exigências demandariam absolutamente o cumprimento da pena de prisão, não sendo aquelas penas de substituição nem adequadas nem suficientes (arts. 43º/1, 50º/1, 58º/1, todos do C. Penal).
Destarte, vê-se que ao furto do gasóleo não poderá ser aplicada a reincidência (pena inferior a 6 meses), mas já o mesmo não se passa com o furto do quadriciclo, posto que seria punível com pena de prisão efectiva superior a 6 meses.
Assim, deve quanto a este crime ser considerada a reincidência do arguido, pelo que o mínimo da moldura passa a ser de 1 mês e 10 dias de prisão (art. 76º/1) o que, em todo o caso, face à pequenez do aumento, não é suficiente para fixar em ponto superior a 1 ano a medida da pena.
Operando o cúmulo jurídico e ponderando, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido, nos termos do art. 77º C. Penal e, designadamente, ponderando que o arguido tem enorme propensão para a prática de crimes, afigura-se justo fixar a pena em 2 anos e 7 meses de prisão.
Naturalmente que, face às já apontadas exigências de prevenção especial, não é viável a formulação de um juízo de prognose favorável que permitisse a suspensão da execução da pena, e, de resto, à mesma sempre se oporiam as exigências de prevenção geral.
(…)”

Em sede de factos, vem provado que o arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
a) por furto qualificado tentado praticado em 1996, em pena de prisão suspensa;
b) por furto praticado em 1996, em 4 meses de prisão, que cumpriu;
c) por homicídio involuntário, praticado em 1999, em 3 anos de prisão, sendo-lhe perdoado um ano e substituído o remanescente por multa;
d) por roubo praticado a 26/10/1999, em 2 anos e 6 meses de prisão efectiva, por acórdão transitado a 2/8/00 – sendo este o processo que foi convocado para a consideração do arguido como reincidente;
e) por tráfico de estupefacientes, praticado a 12 de Fevereiro de 1999, em pena de 6 anos de prisão;
f) por resistência e coacção sobre funcionário, praticado em 1999, em 2 anos e 1 mês de prisão, suspensa;
g) por evasão, praticado a 27/7/01, em 1 ano de prisão, por sentença transitada em 15/9/06;
h) por condução sem habilitação legal, praticado em 15/9/2010, em pena de multa, por sentença transitada a 11/11/2010;
por acórdão cumulatório proferido no processo id. em e), entre a pena desse processo e as dos processos referidos em b), d), g), o arguido foi condenado na pena única de sete anos e cinco meses de prisão.
Mais vem provado que,
o arguido iniciou o cumprimento das penas em 26 de Outubro de 1999, registando uma evasão entre 27 de Julho de 2001 e 20 de Janeiro de 2006, no total de 4 anos, 5 meses e 24 dias;
atingiu o meio das penas em 7 de Novembro de 2007, os 2/3 em 12 de Fevereiro de 2009, e cumpriu cerca de 5/6 da supra aludida pena de prisão, tendo estado preso em Estabelecimento Prisional até vir a ser libertado a 18 de Maio de 2010, em processo gracioso de concessão de liberdade condicional, encontrando-se o prazo de liberdade condicional a decorrer até 23 de Agosto de 2011.
E ainda que,
os arguidos vivem juntos e residem, actualmente, na Bélgica, trabalhando no Luxemburgo, usufruindo de uma situação económica estável;
a arguida tem dois filhos menores, a cargo do casal;
o arguido iniciou-se no consumo de drogas com a idade de 15 anos, nunca tendo aceite qualquer tipo de tratamento;
em termos laborais, o arguido, até à sua ida para a Bélgica, nunca trabalhou com regularidade, mantendo apenas, de forma transitória, algumas ocupações”.

III. 3. 2. 3. 2. Como é sabido a questão da medida da pena não é do conhecimento oficioso por parte do tribunal de recurso.
Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena, o juiz serve-se do critério global contido no artigo 71º C Penal, estando vinculado aos módulos – critérios de escolha da pena constantes do preceito. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O dever jurídico, substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo da decisão sobre a determinação da pena.
Acerca da questão da cognoscibilidade, controlabilidade da determinação da pena, no âmbito do recurso, há que dizer que a intervenção do tribunal nesta sede, de concretização da medida da pena e do controle da proporcionalidade no respeitante à sua fixação concreta, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada.
Vem-se entendendo que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.

Neste segmento defende o arguido que a pena única deve ser substancialmente reduzida (e, depois, ser decretada a suspensão da sua execução).
Isto, porque, “não poderá deixar de considerar desproporcional e desadequada a aplicação de uma pena de 2 anos e 7 meses de prisão”.
Defende o arguido – no que se refere aos seus antecedentes criminais – que, com excepção do crime de condução sem habilitação legal, praticado no ano de 2010, todos os outros foram praticados há mais de 5 anos – ficando assim, a coberto da prescrição da reincidência e que, actualmente se encontra inserido social, profissional e familiarmente, demonstrando comportamentos adequados a uma vivencia em liberdade, donde mesmo a manterem-se como provados todos os factos imputados, a pena seria injusta, desadequada e desproporcional (devendo, de resto, ser suspensa na sua execução, por ser possível fazer o juízo de prognose favorável, ademais tendo sido pai recentemente, ter um trabalho estável no Luxemburgo e viver com a sua companheira).

Donde resulta – que não distinguindo e misturando o arguido, a argumentação para a redução da medida da pena, por um lado e, para a suspensão da sua execução, por outro - o recurso neste primeiro segmento, em que versa sobre a determinação da medida da pena, não esta minimamente fundamentado – desde logo por referencia ao artigo 71º C Penal, cuja existência, o arguido omite, pura e simplesmente – o que sendo grave não seria irremediável - nem sequer refere, nem se vislumbra que exista, de resto, qualquer argumentação válida para alterar as operações que a esse propósito foram efectuadas.

E, de resto, não se vislumbra, que a consideração de qualquer das razões invocadas pelo arguido – avaliadas já na decisão recorrida, o facto de trabalhar no estrangeiro, de viver com uma companheira e terem um filho – e, que aqui pretende fazer ressurgir, tenha a virtualidade de demonstrar a existência de fundamento para a consideração de ser a pena única, exagerada, excessiva, injusta ou desproporcionada.
De resto, cumpre, desde logo, perguntar: desproporcionada em relação a que?
Se o ponto de referencia do seu limite e a culpa, artigo 40º/2 C Penal, não se vislumbra qualquer pertinência na defesa de tal tese, mormente com a argumentação, parca, aduzida e, relativa sempre as condições pessoais, provadas umas e outras nem isso.
Ate porque, não faz o arguido, uma qualquer ponderação em concreto dos factores agora invocados - a quem incumbia, naturalmente, alegar e situar quais as circunstâncias que foram subavaliadas e situar quais as que foram sobrevalorizadas - que não estejam ajustadas aos enunciados fins das penas, contidos no artigo 40º/1 C Penal ou que violem os critérios legais de determinação da medida concreta das penas, contidos no artigo 71º C Penal.
A forma ligeira e superficial como o arguido aborda a questão da medida da pena não permite, sequer, aferir, que na decisão recorrida hajam sido erradamente avaliadas – umas por defeito, outras por excesso – o que não permite, decisivamente, concluir que a pena única exceda a medida da culpa e seja injustificada perante as necessidades de prevenção e geral.

As circunstâncias invocadas pelo arguido,
o facto de todos os antecedentes criminais, com excepção do crime de condução sem habilitação legal, praticado no ano de 2010, se reportarem a factos praticados há mais de 5 anos;
o facto de actualmente se encontrar inserido social profissional e familiarmente, demonstrando comportamentos adequados a uma vivencia em liberdade;
o facto de ter sido pai recentemente,
o facto de ter um trabalho estável no Luxemburgo e,
o facto de viver com a arguida, sua companheira,
qualquer uma delas, por si só ou, conjugadas entre si, não são de molde, sequer a fazer evidenciar que a pena única tenha sido fixada em valor desmesuradamente elevado, em face do grau da sua culpa.

Donde, não existe qualquer fundamento valido, que justifique aqui se proceda à alteração das operações que culminaram na pena única de 2 anos e 7 meses de prisão.

III. 3. 2. 3. 3. Quanto a suspensão da execução da pena de prisão.

Invoca o arguido o disposto no artigo 50º C Penal, para referir que a suspensão da execução da pena constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico de forte exigência do plano individual particularmente adequada, para em certas circunstancias satisfazer as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente a satisfação das expectativas da comunidade na validade das normas violadas e a socialização e integração do agente no respeito pelos valores do Direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com valores inscritos nas normas para afirmar que será possível fazer um juízo de prognose favorável, acrescentando, então, que a circunstancia de ter sido pai recentemente, de ter trabalho estável no Luxemburgo e de viver com a companheira, permite concluir por que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Sendo a pena encontrada inferior a 5 anos de prisão, impõe-se a ponderação da possibilidade de suspender a sua execução.
Com efeito dispõe o artigo 50º/1 que”o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
A suspensão da execução da pena em medida não superior a 5 anos, trata-se de um poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos.
O tribunal deve, pois, ponderar os vários factores enumerados no nº 1 do artigo 50º e com base neles fazer um juízo de prognose, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, acerca do comportamento futuro do arguido. Caso conclua que se pode esperar que ele não voltará a adoptar novas condutas desviantes, deve suspender a execução da pena; no caso contrário, se tem dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, deverá afastá-la.
A decisão a emitir sobre esta questão, implica uma definição do equilíbrio entre a prevenção geral e especial na aceitação daquela pena de substituição.
Acompanhando o ensinamento da Prof. Anabela Rodrigues dir-se-á que o sentido com que se fala de penas de substituição é o daquelas que podem ser aplicadas em vez das penas principais concretamente determinadas. O seu elenco, tem vindo a ser gradualmente incrementado e enriquecido em diversas legislações, o que é fruto da orientação político-criminal de restrição da aplicação da pena de prisão, que, aliás, se inscreve no mandamento mais amplo que postula que a pena deve estar liberta, na medida do possível, de efeitos estigmatizantes.
Uma das questões mais importantes no âmbito das penas substituição, é o critério, ou critérios, que devem presidir à escolha entre prisão e uma pena de substituição.
Esta decisão deve ser tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção.
Significa o exposto que não oferece qualquer duvida interpretar o estipulado pelo legislador a partir da ideia de que uma orientação de prevenção - e esse é o da prevenção especial - deve estar na base da escolha da pena pelo tribunal; sendo igualmente uma orientação, agora, de prevenção geral, no seu grau mínimo - o único que deve fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos prevenção especial.
Impõe-se que a comunidade jurídica suporte a substituição da pena, pois só assim se dá satisfação às exigências de defesa do ordenamento jurídico e, consequentemente, se realiza uma certa ideia de prevenção geral. A sociedade tolera uma certa perda de efeito preventivo geral. A sociedade conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição, mas nenhum ordenamento jurídico se pode permitir pôr-se a si mesmo em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. Em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências mínimas de prevenção geral hão-de funcionar como limite ao que, de uma perspectiva de prevenção especial, podia ser aconselhável.
A utilização de reacções não institucionais foi muitas vezes apontada como um enfraquecimento da ideia de repressão que se alia à pena: dir-se-ia que a realização das finalidades de prevenção geral e a expressão do castigo pelo crime cometido que se pretendeu realizar através da pena entrariam, com elas, em crise.
Ora, é hoje unanimemente conhecido que qualquer das formas de substituição da pena clássica de prisão não deixa de envolver a inflição de um mal que comporta um efeito mais ou menos penoso para quem o sofre, constituindo, nesse sentido, uma verdadeira pena. O que se quer assim significar é que as exigências de exteriorização física da reprovação pelo crime cometido impõem, em certos casos, ao menos por agora, se lance mão da pena de prisão.
Mas, sempre que a ideia do “merecido”, deixe de impor, aos olhos da sociedade, a aplicação dessa de pena, qualquer indicação nesse sentido fornecida pelo legislador deve ser seguida, sem hesitações, pelo juiz. E não será descabido afirmar que isto cada vez mais se vai tomando numa realidade. A uma certa exteriorização do mal da pena sempre correspondeu um grau de afinamento da sensibilidade da comunidade jurídica, o que pode explicar que a evolução da encarnação do mal das penas tenha culminado – aparentemente - na prisão. Ora a sensibilidade da comunidade numa sociedade em evolução, em que cada vez mais qualquer intromissão na esfera privada do cidadão, por mais ínfima que seja, é sentida como insuportável, satisfaz-se hoje, plenamente, em certos casos, com formas de pena que não implicam prisão no sentido clássico.
O que assim se acentua é que o castigo e a reprovação públicas que se exprimem através das penas de substituição satisfazem, nesses sentido, as exigências de justiça que o sentimento geral da comunidade requer assegurando-se, assim, a manutenção da fidelidade do público ao direito e a sua confiança na validade daquele.
Só quando a realização desta finalidade seja posta em perigo, no caso, concreto, por esta forma de exprimir a reprovação do crime - o que nenhum ordenamento jurídico se pode permitir sob pena de ver a sua própria sobrevivência ameaçada - se pode aceitar que se afaste a aplicação de uma pena de substituição.
O conceito de prevenção geral surgiu reportado à prevenção frente à colectividade. Fundamentalmente, numa perspectiva redutora, o mesmo concebe a pena como meio de evitar que surjam delinquentes na sociedade.
Na actualidade assinala-se que a intimidação não é a única via da prevenção geral.
Uma corrente doutrinal sustenta que esta prevenção não deve buscar-se através da pura intimidação negativa, ié. inibidora da tendência a delinquir, senão também mediante a afirmação positiva do Direito Penal como afirmação das convicções jurídicas fundamentais, da consciência social da norma ou de uma atitude de respeito pela norma.
Enquanto que a prevenção intimidatória se chama também prevenção geral negativa, o aspecto de afirmação do Direito Penal denomina-se prevenção geral positiva.
Esta vertente de afirmação positiva da prevenção geral poderia ser questionável se fosse concebida em termos tais que permitisse ampliar a ingerência do Direito Penal na esfera da atitude interna do cidadão. Sem embargo a mesma também pode ser entendida como uma forma de limitar a tendência de uma prevenção geral puramente intimidatória a cair numa manifestação de terror penal por via de uma progressiva agravação da ameaça penal. É assim que a prevenção geral não se realiza não só por medo da pena, mas também por uma razoável afirmação do Direito num Estado social e democrático de Direito suporá que se tenha de limitar a prevenção geral por uma série de princípios que devem restringir o Direito Penal naquele modelo de Estado.
Entre tais princípios avulta a exigência de proporcionalidade entre delito e pena.
Para Roxin a prevenção geral positiva implica três efeitos: o ensino pedagógico-socialmente motivado o qual deve provocar a aprendizagem da fidelidade ao direito; o efeito de confiança que se produz quando o cidadão vê que o direito se impõe; finalmente o efeito de satisfação que se apresenta quando o delinquente já foi penalizado de uma forma que a consciência jurídica geral tranquiliza-se perante a infracção ao direito e considera solucionado conflito com o autor.
Em contraposição com a noção geral de reforço da expectativa no cumprimento do direito, amplamente aceite, a agravação preventivo-geral da medida da pena particular enfrenta grandes reservas.
Estes situam-se no facto de a relação psicológico-social entre a medida particular da pena e a influência na colectividade carecerem de clarificação.
Nos últimos anos ocorreram importantes modificações na teoria dos fins das penas que, no geral, alteraram a relação entre a prevenção geral e a prevenção especial em favor daquela. Neste contexto foi beneficiada a prevenção de integração com o que se faz sobressair dentro da prevenção geral uma troca que leva da pura prevenção de intimidação para o aspecto positivo da salvaguarda e caucionamento da fidelidade ao direito. Deste modo a prevenção geral perdeu a sua orientação unidimensional para a agravação da pena para passar a constituir uma expressão diferenciada acerca da aceitação das normas e a disposição ao cumprimento destas por parte da população. Dependendo da específica situação do autor e do delito ela pode mover-se entre o prescindir das sanções até um considerável agravamento da pena.
Deste modo a prevenção geral, de forma similar à prevenção especial, passou a constituir um principio flexível para a determinação da pena da qual se aproximam tanto as estratégias de diversão como a compensação entre o autor e o ofendido, assim como um mais intensivo agravamento na imposição de sanções.
As modificações mais actuais e apreensíveis tiveram lugar dentro da prevenção especial. Elas podem ser resumidas da seguinte maneira: uma acentuada retirada da ideia de asseguração; uma clara mudança de acentuação dentro da ideia de ressocialização - evitar dessocialização; formas sancionatórias ambulatórias em substituição das estacionárias - e, finalmente, uma mais clara diferenciação na intimidação preventivo-especial e uma revalorização das penas privativas de liberdade de curta duração.
No seu conjunto a prevenção especial está orientada no sentido de desenvolver uma influência inibitória do delito no próprio autor. Por seu turno esta finalidade geral subdivide-se em três fins das penas: intimidação (preventivo-individual), ressocializaçao (correcção) e segurança. Neste sentido a intimidação e a ressocialização podem ser concebidos como objectivos positivos pois que pois que buscam reincorporar o autor na comunidade jurídica ou mantê-lo nela.
A delimitação entre intimidação e ressocialização depende do facto de o autor se encontrar na situação de realizar uma conduta socialmente conforme e que, consequentemente só requeira uma chamada enérgica ao cumprimento das suas obrigações (função de advertência) ou que tal objectivo só possa ser atingido por meio de um processo especial dirigido com tal objectivo (ressocialização) ocorra ele através de uma forma ambulatória (suspensão da pena) ou estacionária (execução da pena).
No primeiro caso a pena é suficiente enquanto factor de oposição a um eventual impulso delictivo, não existindo o temor da comissão de novos factos puníveis; em tais casos o meio de reacção primário é a pena pecuniária.
Porém, face ao agente que não se encontra socialmente reinserido requerer-se uma transformação de todas as suas capacidades de motivação no sentido da inibição perante o delito; neles existe a necessidade de um processo estacionário ou ambulatório de realização.
Conforme referem Murach, Gossel e Zipf basicamente deve-se tomar como ponto de partida somente a necessidade de uma enérgica chamada ao cumprimento das obrigações para alcançar uma conduta livre de penas.
Só quando de acordo com a personalidade do autor e a sua carreira criminal anterior exista a necessidade de um tratamento ressocializador é possível recorrer a este fim da pena. Finalmente o fim e segurança só tem lugar quando a influência do sentido da intimidação ou da ressocialização não ofereça possibilidades de êxito.
Esta ordem de aplicação deduz-se a partir das exigências dos próprios fins das penas. Também aqui se exige numa perspectiva derivada do próprio direito constitucional, a proibição do excesso, não se aplicando uma finalidade da pena quando exista outra viável de menor intensidade.
Com o exposto traça-se uma liminar dicotomia: se o agente está socialmente integrado bastará uma função de advertência da pena; se o agente não está integrado e apresenta um défice de socialização o indicado é um tratamento ressocializador de forma ambulatória ou estacionária.
Pressuposto básico da aplicação de pena de substituição ao arguido recorrente é a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável em relação ao seu comportamento futuro. Por outras palavras é necessário que o tribunal esteja convicto de que a censura expressa na condenação e a ameaça de execução da pena de prisão aplicada sejam suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais e para o futuro.
Tal juízo tem de se fundamentar em factos concretos que apontem de forma clara na forte probabilidade de uma inflexão em termos de vida reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de actos ilícitos.
O pressuposto material de afirmação do juízo de prognose subjacente à suspensão da execução da pena, deve emergir de uma dupla génese, ou seja, das circunstâncias do facto e a personalidade do agente.
Para avaliar da necessidade da execução da pena de prisão importa fundamentalmente atender à personalidade do agente, conduta anterior e posterior e circunstâncias dos crimes, para aquilatar da probabilidade de a socialização só poder ter êxito com o cumprimento da pena de prisão.

Neste contexto, verificamos, então que o arguido,
tem já largos antecedentes criminais, tendo já sido condenado, no que ao caso releva, por furtos, em pena de prisão suspensa e em pena de prisão efectiva, que cumpriu, por roubo, em pena de prisão efectiva – onde foi considerado como reincidente, por tráfico de estupefacientes, igualmente, em pena de prisão e que, na derradeira ocasião em que esteve preso, estava a cumprir a pena única de 7 anos e 5 meses de prisão, desde 26 de Outubro de 1999, registando uma evasão entre 27 de Julho de 2001 e 20 de Janeiro de 2006 – pela qual foi já punido, de resto, em pena de prisão efectiva – tendo-lhe sido concedida, aos 5/6, liberdade condicional, desde 18 de Maio de 2010 até 23 de Agosto de 2011,
no decurso da qual foram os factos deste processo levados a cabo,
o arguido iniciou-se no consumo de drogas com a idade de 15 anos, nunca tendo aceite qualquer tipo de tratamento,
actualmente vive com a arguida, na Bélgica, trabalhando no Luxemburgo, usufruindo de uma situação económica estável;
a cargo do casal estão dois filhos menores da arguida.

Nada mais se apurou. Se o arguido não pode, naturalmente, ser prejudicado pelo facto de não ter estado presente em audiência, da mesma forma, obviamente, que com essa opção perdeu a oportunidade de transmitir ao processo, de entre várias realidades – esta que apenas ali o poderia ser – o facto de que a evolução da sua personalidade, mormente com a confissão e com o arrependimento sincero e demonstrativo de censura critica a sua conduta, tinha subjacente uma mudança de estilo de vida, que no passado era povoado pela consumo de estupefacientes e pela forte instabilidade dai proveniente.

Assim sendo e perante a realidade apurada, na decisão recorrida considerou-se serem exasperadas as exigências de prevenção especial, quanto ao arguido, impressionando não só os numerosos antecedentes criminais como, e fundamentalmente, a circunstância de menos de 2 meses a seguir à concessão da liberdade condicional, no cumprimento de uma pesada pena de prisão, ter voltado a cometer crimes, o que significa que não se deixou minimamente impressionar pela pena aplicada e que, por isso, naturalmente, não era viável a formulação de um juízo de prognose favorável que permitisse a suspensão da execução da pena, à qual, de resto, sempre se oporiam as exigências de prevenção geral.
Acertadamente se ajuizou, pois que cremos inegável a conclusão que a personalidade revelada pelo arguido está fortemente carecida de socialização, evidenciando um défice de valores, envolvendo, por isso, exigências de prevenção especial que reclamem a aplicação de pena de prisão efectiva e que a sua desejável socialização não se verificará, tudo o indica, com a aplicação da pena de substituição, de suspensão da execução da pena.

“Recuperando a posição inicial, de que o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas, a conjugação de tais factores permite a conclusão de que o défice de socialização demonstrado pelo arguido se não equaciona com uma função de advertência da pena, justificando-se a conclusão de que a ameaça da pena não basta para afastar o arguido da criminalidade”, cfr. Ac STJ de 25.10.2006, in site da dgsi.

Donde, também, neste segmento, não existe qualquer fundamento valido, que justifique alteração ao sentido do decidido.

IV. Dispositivo

Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acordam os Juízes que compõem este Tribunal, em negar provimento ao recurso apresentado pelo arguido B…, confirmando-se, por isso a decisão recorrida, na parte que vem impugnada.

Taxa de justiça pelo arguido, que se fixa no equivalente a 5 Uc,s.

Consigna-se, nos termos do artigo 94º/2 C P Penal, que o antecedente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2013.janeiro.16
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Artur Manuel da Silva Oliveira
_________________
[1] Cfr. Figueiredo Dias, in Princípios Gerais do Processo Penal, 160.
[2] In Direito Processual Penal, 202/203.
[3] No dizer do Ac. STJ de 4NOV1998, in CJ, S, III, 209.
[4] Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 125.