Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1114/09.7TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: PERÍODO EXPERIMENTAL
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Nº do Documento: RP201203051114/09.7TTPRT.P1
Data do Acordão: 03/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Se durante o período experimental de um contrato de trabalho não foi dada ao trabalhador a possibilidade de demonstrar as suas qualidades ou aptidões para o desempenho das funções para as quais foi contratado ou não tiver tido a oportunidade de efectuar a sua prestação, a cessação da relação laboral, por parte do empregador, nesse período experimental, constituí uma denúncia abusiva.
II – Tal denúncia, como acto ilegítimo e abusivo que é, corresponde a um despedimento ilícito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação: nº 1114/09.7TTPRT.P1 Reg. Nº 162
Relator: António José Ascensão Ramos
1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva
2º Adjunto: Des. José Carlos Machado da Silva
Recorrente: B…, Lda.
Recorrida: C…

Acordam os Juízes que compõem a secção social do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
C…, solteira, residente na Rua …, …, .º Dtº, Frente, Porto, deduziu contra B…, Lda., com sede na Rua …, .., no Porto, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, pedindo que a acção seja julgada procedente por provada e, por via disso:
I)Ser declarada a ilicitude do despedimento da Autora;
II) Ser a Ré condenada a pagar à Autora:
a) a quantia global de 5.000,00€, a título de danos morais;
b) a quantia de 428,46 €, de prestação de alimentação;
c) a retribuição base vencida nos 30 dias seguintes ao despedimento no valor de 552,00€ e vincendas desde a propositura da acção até à decisão final;
d) a reintegrar a Autora, ou alternativamente, a pagar a esta a indemnização de antiguidade que vier a ser fixada, mas que o Autor peticiona no valor mínimo de EUR 2.484,00€;
e) os juros de mora.
Alegou, em síntese, que, mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado, foi admitida pela Ré ao seu serviço, em 02 de Fevereiro de 2009, mediante a retribuição mensal de 552,00€, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de cozinheira de 2ª.
Embora a Ré tenha denunciado tal contrato no decurso do período experimental, essa cessação corresponde a um despedimento sem justa causa, uma vez que a autora não chegou a prestar um único dia de trabalho para a sua entidade empregadora, à semelhança, aliás do que sucedeu com os seus colegas de trabalho, cujos contratos foram denunciados pela ré, na mesma data e com invocação do período experimental.
Alega ainda que a ré lhe não pagou os montantes correspondentes à alimentação, em espécie, a que estava obrigada, nem qualquer quantia depois da cessação daquele contrato de trabalho.
Mais alegou que em virtude daquela cessação do seu contrato de trabalho, sofreu danos de natureza não patrimonial, para cujo ressarcimento peticiona 5 mil euros de indemnização.
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Infrutífera a audiência de partes, contestou a Ré, alegando, em síntese, que não despediu ilicitamente a autora, pois que a cessação do contrato daquela decorreu no decurso do período experimental.
Mais alegou que, por isso, nada deve à autora.
Conclui, assim, pela improcedência da presente acção e pela condenação da demandante, como litigante de má-fé.
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A Autora respondeu, reafirmando o que sustentara na petição inicial, requerendo ainda que a Ré seja condenada como litigante de má-fé.
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Procedeu-se à elaboração do despacho saneador, tendo-se dispensado a selecção da matéria de facto assente e controvertida.
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Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, finda a qual o Tribunal respondeu à matéria de facto.
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Foi proferida sentença, cuja decisão tem o seguinte conteúdo:
«Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção pelo que se condena a ré B…, Lda. a pagar à autora C… a quantia global de €17.712,46 (dezassete mil, setecentos e doze euros e quarenta e seis cêntimos), a título de retribuições devidas desde o despedimento da autora, de indemnização por despedimento ilícito, de indemnização por danos não patrimoniais e por alimentação.
A esse montante há que deduzir o recebido pela autora o valor dos montantes recebidos pela autora a título de subsídio de desemprego e de trabalho subordinado.
Acrescem as retribuições que se venceram, à razão mensal de €552,00 até ao trânsito em julgado da presente sentença, bem como dos juros legais de mora, desde a citação da ré.
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Custas pela autora (26%) e pela ré (74%), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a autora.
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Valor da acção: €17.712,46.
Registe e notifique.»
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Inconformada com o assim decidido, veio a interpor recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença, que deverá ser substituída por outra nos termos expostos nas conclusões, tendo formulado a final as seguintes conclusões:
A) DA MATÉRIA DE FACTO:
1) O presente recurso da matéria de facto pretende aditar á matéria dada como assente a confissão da A. plasmada no art.º 19.º da resposta, de que “naquele dia 14 de Fevereiro a A. esteve dentro da cozinha da RR desde as 8h30 da manhã até ás 4h30, ininterruptamente “;
2) Efectivamente, na matéria dada como assente na douta sentença não consta aquele facto confessado pela A. (art.º 19.º da sua resposta), no entanto tal matéria é de extrema relevância para a boa decisão da causa,
3) Já que a A. expressamente confessa que desde as 8h30 da manhã do dia 14 de Fevereiro de 2009 até ás 4h30 da manhã do dia 15 de Fevereiro de 2009, esteve ininterruptamente na cozinha do estabelecimento comercial da R, a executar tarefas da sua função;
4) Ou seja, confessa que esteve a trabalhar, no seu local de trabalho, durante cerca de 20 horas;
5) Ora, pelo menos nesse largo período de tempo a R teve oportunidade de aferir o trabalho da A;
6) Decidiu mal o Tribunal a quo ao não dar como assente tal facto confessado pela A.,
7) Pelo que, pretende a R. que seja aditado á matéria de facto dada como provada a confissão da A. efectuada no art.º 19.º da resposta, com a seguinte redacção: “naquele dia 14 de Fevereiro a A. esteve dentro da cozinha da RR desde as 8h30 da manhã até ás 4h30, ininterruptamente”
B) DA DECISÃO DE DIREITO:
8) Na douta sentença, o Tribunal a quo, condenou a R., ora apelante, referindo que a “denúncia do contrato de trabalho efectuada pela ré, apesar de ter ocorrido no decurso do período experimental, mostra-se imotivada, pelo que não pode subsistir.” E como tal, “ Para todos os efeitos corresponde pois a um despedimento sem justa causa e por conseguinte ilícito”.
9) Mais expressando que “recorta-se como manifestamente insuficiente que apenas com base naquela sua participação na preparação da refeição servida em 14. FEV.09 pudesse a R. aferir da competência profissional da autora”;
10) Como se verá tal motivação, não traduz a verdade dos factos, sendo certo que a decisão de direito não detém qualquer suporte legal.
DA LEGITIMIDADE E LEGALIDADE DA DENUNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO DURANTE O PERÍODO EXPERIMENTAL:
11) Na douta sentença foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos:
12) A autora (A., de ora em diante) C… foi admitida pela ré (R., de ora em diante) B…, Lda. em 02.FEV.09 para, sob a autoridade e direcção da R. e mediante a retribuição mensal de 552,00, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de cozinheira de 2 (ponto 1.);
13) As funções para que a A. foi contratada, correspondentes à referida categoria profissional, eram as de – designadamente - coordenar, organizar e dirigir a preparação e confecção das refeições e pratos ligeiros, elaborar ou colaborar na elaboração das ementas, receber os víveres e os outros produtos necessários à confecção das refeições, sendo responsável pela sua guarda e conservação, preparar carne, peixe e legumes e proceder à execução das operações culinárias, empratar e guarnecer os pratos cozinhados, assegurar a perfeição dos mesmos e a sua concordância com as normas estabelecidas, confeccionar os doces destinados às refeições, colaborar na limpeza da cozinha, dos utensílios e dos equipamentos. (ponto 2.)
14) O local de trabalho da A. seria no estabelecimento de restaurante da R., sito na Rua …, n.º .., no Porto, (ponto 3.);
15) O encerramento temporário do estabelecimento foi determinado pela execução de obras de remodelação profundas que a R. decidiu efectuar no mesmo (ponto 5.);
16) Tais obras já se encontravam em curso na data da admissão da A. e de outros trabalhadores (ponto 6.);
17) Entre 2 de Fevereiro e 14 de Fevereiro de 2009, a A. participou com outros colegas de trabalho – nomeadamente D… e E… - na aquisição de matérias primas (nos estabelecimentos F… e G…), necessárias ao funcionamento do restaurante que a ré pretendia por em funcionamento, bem como de acessórios e fardas (ponto 8.);
18) A A. e os referidos trabalhadores seus colegas colaboraram com a R. num evento pontual que a mesma permitiu fosse realizado nas suas instalações, no dia 14.FEV.09, (ponto 9.)
19) A A., nessa ocasião, prestou auxílio na cozinha à pessoa (de nome H…) que procedeu à preparação e confecção dos alimentos que foram servidos nesse jantar, tendo designadamente a A. colocado no forno o prato de carne, provando a mesma e verificado o estado em que o assado dessa carne se encontrava; igualmente a A. descascou legumes e lavou a louça que entretanto se sujara, tendo igualmente empratado a refeição, juntamente com a referida H…; também auxiliou na preparação de umas castanhas estufadas, tendo sido aquela H… quem temperou as ditas castanhas (ponto 10.).
20) Através de comunicação escrita datada de 16.MAR.09, e que a A. recebeu naquela referida data, a R. procedeu à denúncia do contrato de trabalho celebrado com a A., invocando como fundamento que o fazia no «período experimental (ponto 15.);
21) A A., na data da celebração do contrato de trabalho, sabia que o restaurante da R. se encontrava encerrado e em fase de remodelação, mas que se pretendia o seu contributo antes e durante a fase de abertura para realizar todas as tarefas que estivessem ao seu alcance (ponto 37.);
22) Ora tendo em atenção a matéria de facto dada como provada e supra identificada é certo que:
23) Após a celebração do contrato de trabalho a A. executou várias e múltiplas tarefas para a R., e melhores descritas nos pontos 8., 9. e 10. da matéria dada como assente;
24) Tarefas essas que se enquadram no âmbito da sua categoria profissional de cozinheira de 2.ª, tais como, “colocou no forno o prato de carne, provando a mesma e verificado o estado em que o assado dessa carne se encontrava; igualmente a A. descascou legumes e lavou a louça que entretanto se sujara, tendo igualmente empratado a refeição”;
25) E outras que estão indirectamente relacionadas com a sua categoria, nomeadamente, “entre 2 de Fevereiro e 14 de Fevereiro de 2009, a A. participou com outros colegas de trabalho – nomeadamente D… e E… - na aquisição de matérias primas (nos estabelecimentos F… e G…), necessárias ao funcionamento do restaurante que a ré pretendia por em funcionamento, bem como de acessórios e fardas”;
26) Aliás é a própria A. que no art.º 19.º da sua resposta confessa que “naquele dia 14 de Fevereiro a A. teve dentro da cozinha da RR desde as 8h30 da manhã até às 4h30 (da manhã do dia 15 de Fevereiro), ininterruptamente”;
27) Ou seja a A. confessa que pelo menos naquele dia esteve ininterruptamente durante cerca de 20 horas no seu local de trabalho (a cozinha do restaurante da R.) a exercer as tarefas para as quais foi contratada, sob as ordens e orientações da R;
28) Tais actos praticados pela A. consubstanciam actos de execução do contrato de trabalho celebrado com a R. e do cumprimento das obrigações dele decorrentes;
29) Reiterando-se que todas aquelas tarefas foram executadas no âmbito do contrato de trabalho em causa, sob a direcção da R. e estão directamente ou indirectamente relacionadas com a sua categoria profissional,
30) Pelo que não podem restar dúvidas de que a A. teve a oportunidade de iniciar e efectivamente iniciou a sua prestação de trabalho,
31) tendo inclusivamente recebido remunerações (salários) em virtude dessa prestação;
32) E mesmo que se entendesse que as tarefas exercidas não se enquadrassem nas normalmente praticadas por uma cozinheira (o que só se concebe por mero raciocínio jurídico), o certo é que como o Código do Trabalho, permite ao empregador encarregar o trabalhador de exercer temporariamente funções de outra actividade, sempre se teria de concluir que efectivamente o contrato de trabalho teve o seu inicio;
33) Ou seja jamais se poderia considerar que não existiu inicio da prestação de trabalho e/ou inicio da execução do contrato de trabalho;
DITO ISTO,
34) O regime que regulamenta o período experimental encontra-se previsto nos art.º 111.º a art.º 114.º do Código do Trabalho, 35) O período experimental corresponde à fase inicial de execução do contrato e destina-se a permitir às partes uma avaliação recíproca do interesse das mesmas na manutenção desse contrato, permitindo-lhes, dentro do mencionado período, a possibilidade de a ele porem termo sem os condicionalismos legais previstos para a resolução do contrato de trabalho seja por parte do trabalhador, seja por parte da entidade empregadora.
36) O período experimental é estabelecido no interesse de ambas as partes. Do ponto de vista da entidade patronal, interessa que a situação resultante do contrato só se estabilize se o trabalhador contratado mostrar que possui as qualidades e as aptidões laborais procuradas.
37) Refira-se que o período experimental assume, contudo e naturalmente, maior relevância para o empregador, na medida em que, sendo para este muito mais exigente o condicionalismo legal para a cessação do contrato de trabalho, lhe permite resolvê-lo sem necessidade de invocação de justa causa ou de qualquer outro motivo legalmente previsto para a cessação do contrato de trabalho por sua iniciativa, não havendo direito a qualquer indemnização.
38) Durante aquele período experimental é inteiramente livre a ruptura do contrato - a lei presume, em absoluto, que a cessação do contrato é determinada por inaptidão do trabalhador ou por inconveniência das condições de trabalho oferecidas pela empresa;
39) Dos preceitos legais supra citados evidencia-se que o instituto do período experimental reúne quatro elementos essenciais: (i) integra naturalmente o contrato, dado que, salvo convenção escrita em contrário, corresponderá à fase inicial da sua execução; (ii) é temporalmente limitado; (iii) durante a sua vigência, qualquer das partes pode fazer cessar o vínculo sem invocar motivo, sem aviso prévio (como regra geral), e sem compensação ou indemnização; (iv) o seu escopo é, apenas, a experimentação.
40) A doutrina e a jurisprudência têm considerado que a denúncia operada no período experimental poderá ser considerada abusiva se, por exemplo, a entidade empregadora põe fim ao contrato em virtude o trabalhador estar filiado em determinado sindicato ou num partido político ou em que o empregador, em vez de se limitar a denunciar o contrato, diga ao trabalhador que nunca teve a intenção de o contratar ou que denuncia o contrato no período experimental porque descobriu, entretanto, que o trabalhador é comunista, homossexual ou que a trabalhadora está grávida;
41) Por tudo o supra exposto, não restam duvidas que no caso concreto estão preenchidos todos os requisitos formais e substantivos da denúncia do contrato de trabalho no período experimental;
42) Pelo que jamais poderia o Tribunal a quo concluir que a denúncia do contrato de trabalho efectuado pela R., apesar de ter ocorrido no decurso do período experimental, mostra-se imotivada (pois como se viu no período experimental a denúncia não tem que ser motivada), e que tal denúncia corresponde a um despedimento sem justa causa (supostamente porque o contrato não se iniciou – ou seja seriam irrelevantes todas as tarefas que a A. realizou e que constam da matéria dada como provada e que incluem nomeadamente o exercício de 20 horas seguidas de trabalho de cozinha);
43) E, obviamente, não sendo possível dar como procedente tal pedido de despedimento ilícito, têm necessariamente de improceder os pedidos de indemnização de danos não patrimoniais e por alimentação, bem como de retribuições que se venceram, até ao transito em julgado da presente acção, e juros legais de mora, desde a citação da R.;
NULIDADE DA SENTENÇA: CAUSA DE PEDIR (O ALEGADO ABUSO DE DIREITO E FRAUDE Á LEI):
44) A A. na sua petição inicial fundamenta a eventual ilicitude do despedimento no período experimental porquanto foi efectuado de forma abusiva e em fraude à lei, matéria que consubstancia a sua única causa de pedir.
45) No entanto a douta sentença em nenhum momento se pronuncia ou fundamenta a condenação da R. em qualquer abuso de direito ou fraude á lei,
46) Bem pelo contrário, limita-se a declarar o despedimento no período experimental como ilícito, pois mostra-se imotivado;
47) Ora, o Tribunal a quo ao não se pronunciar sobre o eventual abuso de direito ou fraude á lei por parte da R. (reitera-se única causa de pedir da A), questões que obrigatoriamente tinha de apreciar, violou o disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 668.º do C.P.C;
48) Nos termos daquele normativo tal omissão consubstancia uma causa de nulidade da sentença, pelo que deverá a mesma ser declarada nula por violação do normativo supra identificado;
DO ALEGADO ABUSO DE DIREITO:
49) O abuso de direito pressupõe que a R tem um direito, mas que o exerceu em manifesta violação de uma ou vários princípios legalmente estabelecidos;
50) Não constam, da matéria de facto assente, factos que consubstanciem qualquer eventual abuso de direito da R.,
51) Tal instituto para ser aplicável não basta a mera conclusão da A. de que a denúncia do contrato no âmbito do período experimental foi efectuada em abuso de direito;
52) Sempre se dirá que não constam dos autos de que a alegada não prestação de trabalho por parte da A. se tenha ficado a dever a qualquer comportamento ilícito e/ou culposo da entidade empregadora.
53) Pelo contrário, a factualidade apurada revela, aliás, uma causa justificativa para o eventual não recebimento da prestação de trabalho da A. como decorrência do encerramento temporário do estabelecimento por força da execução de obras de remodelação, que estavam a decorrer quando a trabalhadora foi admitida, sendo certo que ela tinha conhecimento de tal facto, quando o celebrou.
54) Ora, como se viu, na sequência da celebração do contrato de trabalho objecto dos autos, a A. executou para a R., as tarefas identificadas nos pontos 8., 9. e 10. da matéria dada como assente, bem como executou o trabalho identificado no art.º 19.º da resposta, as quais, permitiram à R. ponderar e apreciar o interesse na manutenção, ou não, do contrato de trabalho celebrado.
55) Tal ponderação poderá inclusivamente levar em linha de conta outras características para além da competências executórias, nomeadamente o perfil, educação, postura, higiene, da pessoa do trabalhador, e/ou quaisquer outras que sejam reconhecidamente importantes para a cultura da empresa e para o desenvolvimento da sua actividade.
56) Entender que no período experimental só poderão ser avaliadas, sem mais, as tarefas em si, retirando-as de todos os elementos que caracterizam a pessoa do trabalhador e da entidade empregadora, é altamente redutor e esvazia o objectivo do período experimental e da sua possibilidade de denunciar o contrato, sem qualquer justa causa ou motivação.
57) Não foi essa a intenção do legislador, nomeadamente porque considerou que seriam importantes todos os aspectos objectivos e subjectivos inerentes a uma relação laboral.
58) Por outro lado, exigir que a entidade empregadora tenha de fazer prova de todas as tarefas que uma trabalhadora executou durante o seu período experimental, para que um terceiro possa aferir (com a sua subjectividade) se é imotivado ou não, parece-nos excessivo e não se encontra prevista legalmente;
59) Não resulta, pois, dos factos dados como assentes que ao denunciar o contrato no período experimental a R. tenha assumido qualquer actuação que, objectivamente considerada, fosse passível de constituir clamorosa ofensa grave e patente das regras da boa fé, dos bons costumes, do fim social ou económico do direito ou de sentimento jurídico socialmente dominante.”
60) E como tal jamais poderá, portanto, dar como verificada uma situação de abuso de direito por parte da R, tal como o configura o artigo 334.° do Código Civil”.
Pelo acima exposto, é certo que a sentença agora em recurso, não respeitou a legislação em vigor, nomeadamente no que concerne á correcta interpretação e aplicação dos arts.º art.º 111.º, 112.º, 113.º, 114.º, 381.º alínea c) e 390.º n.º 1 e 2, alínea b) todos do Código do Trabalho, art.º 334.º do Código Civil, bem como o art.º 668.º, alínea d) do Código de Processo Civil, devendo o mesmo ser revogado por douto Acórdão que aplicando as normas acima identificadas Absolva a R, com todas as consequências legais;
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A Autora apresentou contra-alegações, pedindo a manutenção da sentença recorrida, concluindo do seguinte modo:
A – Não tem razão a recorrente quanto à inclusão na matéria de facto assente dos factos alegados pela A. no artigo 19º da resposta porquanto tal facto se mostra irrelevante para a decisão.
B - Não se encontra demonstrado que as tarefas exercidas pela A. tivessem sido sob as ordens e orientação da Ré.
C – Os factos provados não permitem conhecer as circunstâncias em que ocorreu a participação da A. nas tarefas descritas sob o ponto 8 dos factos assentes, designadamente, se as mesmas foram ordenadas pela Ré e ou se foram executadas sob as suas ordens e direcção.
D - Os factos provados não demonstram que a colaboração que a A. prestou no evento pontual que a Ré permitiu fosse realizado nas suas instalações, o tenha sido em subordinação à Ré e sob as suas ordens e direcção
E – Naquele referido evento a A. prestou auxílio a uma pessoa de nome H… que não representava nem tinha quaisquer poderes de representação da Ré.
F - A Ré não conseguiu demonstrar que no decurso do período experimental a A. executou inúmeras e variadas tarefas que permitiram à Ré apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho, cfr a alínea H dos factos não provados
G – A Ré não preencheu os requisitos substantivos essenciais a uma denúncia lícita do contrato de trabalho da A. no âmbito do período experimental, pelo que, bem esteve a douta sentença ao decidir como decidiu ao decretar a ilicitude do despedimento.
H – Não padece a douta sentença de qualquer nulidade, pois decretada a ilicitude do despedimento, prejudicado fica quer o conhecimento da fraude à lei quer do abuso de direito conforme decorre do nº 2 do artigo 660º do CPC.
I – Sem prescindir caso se pudesse entender dos factos provados que a Ré podia ter denunciado validamente o contrato no período experimental, uma vez apreciado o abuso de direito teria este de ser reconhecido o que sempre esse Tribunal, oficiosamente poderia reconhecer.
J – Não há, assim qualquer censura a fazer à douta sentença que deverá manter-se.
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O Ex.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que a apelação não merece provimento.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Delimitação do Objecto do Recurso
Como é sabido o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil (na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2). Assim, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (art. 660.º, n.º 2, do CPC), com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, este normativo, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, independentemente da sua respeitabilidade, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como resulta do disposto no art. 664.º do Código de Processo Civil[1].
De modo que, tendo em conta os princípios antes enunciados e o teor das conclusões formuladas pelo apelante, as questões a decidir são as seguintes:
- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
- Impugnação da matéria de facto.
- Legitimidade e legalidade da denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
1. Fundamentação de facto
1.1. São os seguintes os factos que a sentença recorrida deu como provados:

1. A autora (A., de ora em diante) C… foi admitida pela ré (R., de ora em diante) B…, Lda. em 02.FEV.09 para, sob a autoridade e direcção da R. e mediante a retribuição mensal de €552,00, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de cozinheira de 2ª.
2. As funções para que a A. foi contratada, correspondentes à referida categoria profissional, eram as de – designadamente – coordenar, organizar e dirigir a preparação e confecção das refeições e pratos ligeiros, elaborar ou colaborar na elaboração das ementas, receber os víveres e os outros produtos necessários à confecção das refeições, sendo responsável pela sua guarda e conservação, preparar carne, peixe e legumes e proceder à execução das operações culinárias, empratar e guarnecer os pratos cozinhados, assegurar a perfeição dos mesmos e a sua concordância com as normas estabelecidas, confeccionar os doces destinados às refeições, colaborar na limpeza da cozinha, dos utensílios e dos equipamentos.
3. O local de trabalho da A. seria no estabelecimento de restaurante da R., sito na Rua …, n.º .., no Porto.
4. À data da contratação da A. e dos demais trabalhadores, R. tinha o estabelecimento temporariamente encerrado.
5. O encerramento temporário do estabelecimento foi determinado pela execução de obras de remodelação profundas que a R. decidiu efectuar no mesmo.
6. Tais obras já se encontravam em curso na data da admissão da A. e de outros trabalhadores e ainda não estavam totalmente concluídas na data em que a A. deixou de prestar trabalho para a R.
7. A R. tencionava que as obras de remodelação do estabelecimento estivessem concluídas no mês de Fevereiro de 2009.
8. Entre 2 de Fevereiro e 14 de Fevereiro de 2009, a A. participou com outros colegas de trabalho – nomeadamente D… e E… – na aquisição de matérias primas (nos estabelecimentos F… e G…), necessárias ao funcionamento do restaurante que a ré pretendia por em funcionamento, bem como de acessórios e fardas.
9. A A. e os referidos trabalhadores seus colegas colaboraram com a R. num evento pontual que a mesma permitiu fosse realizado nas suas instalações, no dia 14.FEV.09.
10. A A., nessa ocasião, prestou auxílio na cozinha à pessoa (de nome H…) que procedeu à preparação e confecção dos alimentos que foram servidos nesse jantar, tendo designadamente a A. colocado no forno o prato de carne, provando a mesma e verificado o estado em que o assado dessa carne se encontrava; igualmente a A. descascou legumes e lavou a louça que entretanto se sujara, tendo igualmente empratado a refeição, juntamente com a referida H…; também auxiliou na preparação de umas castanhas estufadas, tendo sido aquela H… quem temperou as ditas castanhas.
11. Em data não concretamente apurada de Fevereiro de 2009, posterior ao dia 14 desse mês, a A. não compareceu, conforme o combinado e ordenado pela gerente da R., I..., em um almoço que iria ter lugar num restaurante, sito na … do Porto.
12. O objectivo desse almoço era o de a A. e demais colegas observarem a forma de confeccionar, empratar e servir vários tipos de refeições, de forma a colher ideias para implementar no restaurante da R.
13. A partir do dia 15.FEV.09 (inclusive) a A. não realizou qualquer tarefa no restaurante da ré, nem ali mais compareceu ao trabalho.
14. Tal deveu-se ao facto de a A. aguardar ordens da R., no sentido de comparecer no dito estabelecimento, o que não veio a verificar-se.
15. Através de comunicação escrita datada de 16.MAR.09, e que a A. recebeu naquela referida data, a R. procedeu à denúncia do contrato de trabalho celebrado com a A., invocando como fundamento que o fazia no período experimental.
16. A A. remeteu à R. comunicação escrita datada de 18.MAR.09, através da qual manifestava a sua oposição ao modo como a R. havia unilateralmente posto termo á relação contratual existente entre ambas.
17. Para além da A., a R. despediu igualmente a outra cozinheira, D…, e o empregado de mesa, E… – que igualmente haviam sido contratados em 02.FEV.09 – e com igual fundamento: denúncia no período experimental, tendo ficado a partir de então sem qualquer trabalhador ao seu serviço.
18. A R., no dia 01.ABR.09, colocou na montra do estabelecimento informação a publicitar o negócio de transmissão do negócio, de cessão de quotas ou trespasse, como sendo uma “oportunidade única” “sem nenhum encargo ou passivo”.
19. A R. decidiu não prosseguir a actividade no estabelecimento, tencionando transmitir o estabelecimento a terceiros.
20. Desde a contratação da Autora até à data da propositura da presente acção, o estabelecimento manteve-se encerrado ao público.
21. A R. dirigiu outra comunicação escrita à A., na qual lhe imputa a desobediência a ordem que lhe dirigira para «se apresentar ao serviço em datas posteriores a 14.FEV.09.
22. Antes de ser admitida a trabalhar para a R., a A. era cozinheira no estabelecimento de restaurante da sociedade comercial J…, S.A.
23. O local de trabalho da A. era no estabelecimento de restaurante daquela sociedade, denominado K…, sito no …, na …, .., loja ., em …, Matosinhos.
24. Auferia ali a A. a retribuição mensal base ilíquida no montante de €765,00, acrescida de subsídio de alimentação no montante diário de €5,93.
25. Na perspectiva do contrato de trabalho que iria iniciar com a R., a A. procedeu ao arrendamento de uma casa próxima do estabelecimento, sita na mesma Rua …, n.º …, .º d.to fr.te, no Porto, tendo procedido à entrega da sua casa anterior.
26. A cessação do contrato de trabalho que firmara com a R. causou-lhe surpresa e desorientação, bem como a angústia de não poder cumprir com as suas responsabilidades de nível financeiro, designadamente com a renda mensal de €425,00.
27. A A., em virtude da referida cessação, sentiu-se defraudada nas suas expectativas e envergonhada perante o seu logro.
28. A A. é considerada profissional aplicada, cumpridora, zelosa e diligente.
29. A A., pelo seu brio profissional e competência, sofre ao ter de revelar que o contrato de trabalho que tinha com a ré ocorreu no período experimental.
30. A A. sente forte insegurança, medo e preocupação pela situação de desemprego em que se encontrou a partir de Março de 2009.
31. O modo como cessou o contrato de trabalho que tinha com a R. provocou à A. preocupação, vergonha, desgosto, desilusão, tristeza e indignação.
32. A R. não assegurou à A. o direito à alimentação de almoço e jantar enquanto durou o contrato de trabalho em vigor entre ambas.
33. Após a contratação da A. não foram confeccionadas refeições no estabelecimento e não foram satisfeitos em espécie à A. o almoço e jantar.
34. A R. nada pagou à A. a título de alimentação durante a vigência do contrato.
35. Entre Abril e Julho de 2009 a A. auferiu mensalmente, a título de subsídio de desemprego, as quantias que constam de fl.s 97.
36. Entre Agosto e Julho de 2010 A. auferiu mensalmente, a título de trabalho remunerado, as quantias que constam de fl.s 96.
37. A A., na data da celebração do contrato de trabalho, sabia que o restaurante da R. se encontrava encerrado e em fase de remodelação, mas que se pretendia o seu contributo antes e durante a fase de abertura para realizar todas as tarefas que estivessem ao seu alcance.
38. A A. denunciou o contrato de trabalho que tinha com a sociedade comercial referida no ponto 22. por escrito datado de 21.JAN.09 e com efeitos 30 dias depois (21.FEV.09).
___________________
2. Fundamentação de direito
2.1. Comecemos então por conhecer da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

A Recorrente alegou que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos do 668° nº 1 al. d) do Código de Processo Civil, uma vez que fundamentando a Autora a eventual ilicitude do despedimento no período experimental porquanto foi efectuado de forma abusiva e em fraude à lei, matéria que consubstancia a sua única causa de pedir, constata-se que a sentença recorrida em nenhum momento se pronuncia ou fundamenta a condenação da R. em qualquer abuso de direito ou fraude á lei, bem pelo contrário, limita-se a declarar o despedimento no período experimental como ilícito, pois mostra-se imotivado.

De acordo com o expresso no artigo 668º, nº 1 do CPC, “ É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
f) Seja omissa no que respeita à fixação da responsabilidade por custas, nos termos do nº 4 do artigo 659º.

A nulidade prevista na alínea d), nº 1, do artigo 668º do C.P.C., está directamente relacionada com o comando que se contém no n.º 2, do artigo 660.º, servindo de cominação ao seu desrespeito: o Juiz deve resolver na sentença todas as questões[2] (não resolvidas antes) que as partes tenham suscitado, com excepção daquelas que estejam prejudicadas (tornadas inúteis) pela solução já adoptada quanto a outras.
Por questões deve entender-se as matérias respeitantes ao pedido, à causa de pedir ou aos pressupostos processuais, e não os argumentos ou razões invocadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista.

O artigo 77º do Código de Processo do Trabalho, sob a epígrafe «Arguição de nulidades da sentença», dispõe:
1 — A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
2 — Quando da sentença não caiba recurso, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.
3 — A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ou ao juiz, conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso.

A arguição da nulidade da sentença não teve lugar no requerimento de interposição do recurso da forma imposta pelo artigo 77º, nº 1, do CPT – expressa e separadamente, tendo a mesma sido feita apenas no corpo das alegações e nas conclusões.
A referida norma do CPT encontra a sua razão de ser na circunstância da arguição das nulidades serem, em primeira linha, dirigidas à apreciação pelo juiz pelo tribunal da 1ª instância e para que o possa fazer.
Radica no “princípio da economia e celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade”[3].
O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 304/2005, DR, II Série, de 05.08.2005 confirma esta doutrina: em processo do trabalho, o requerimento de interposição de recurso e a motivação deste, no caso de arguição de nulidades da sentença, deve ter duas partes, a primeira dirigida ao juiz da 1ª instância contendo essa arguição e a segunda (motivação do recurso) dirigida aos juízes do tribunal para o qual se recorre.
No caso, na parte relativa ao requerimento de interposição do recurso, a Recorrente refere, apenas, que “(…), não se conformando com a douta sentença proferida nos autos, dela interpõe recurso de apelação, com efeito devolutivo, a subir imediatamente nos presentes autos, (…)”, aí nada referindo a propósito de nulidades da sentença, muito menos aí as invocando expressa e separadamente.
Seguem-se as alegações, e só no decurso destas, e nas conclusões, é que o Recorrente alude à mencionada nulidade.
Por conseguinte, reconhecendo a razão do Ex.º Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, ao levantar esta questão, uma vez que o procedimento utilizado pela ré apelante, para a arguição da nulidade da sentença, não está de acordo com o legalmente exigido em processo de trabalho, pelo que não se conhecerá da mencionada nulidade já que, não tendo sido dado cumprimento ao estabelecido no art. 77º, nº 1, do CPT, a sua arguição é extemporânea.
___________________
2.2. Vejamos agora a questão relacionada com a impugnação da matéria de facto, ou seja, saber se deve ser aditada, por confissão da Autora nos articulados, a matéria constante no artigo 19º da resposta.

Pretende a Recorrente que se dê como provado que “naquele dia 14 de Fevereiro a A. esteve dentro da cozinha da RR desde as 8h30 da manhã até ás 4h30, ininterruptamente “. Para o efeito, refere, que é o que decorre do artigo 19º da resposta á contestação, tendo o mesmo sido confessado pela Autora.

Diremos desde já que este facto que se pretende aditar à matéria dada como provado não foi um facto alegado pela Recorrente. No entanto, o mesmo encontra-se inserido na matéria em discussão (factos 9 e 10 dados como provados) pelo que tendo sido alegado e admitido pela Autora, dever-se-á, dentro das várias soluções plausíveis de direito, admiti-lo e aditá-lo á matéria de facto – independentemente da sua relevância na apreciação da matéria de direito e na apreciação em conjunto com a matéria dos factos 9 e 10.
Assim sendo, adita-se à matéria de facto provada o seguinte:
39. Na ocasião referida em 9 e 10 (no dia 14 de Fevereiro) a A. esteve dentro da cozinha da Ré desde as 8h30 da manhã até ás 4h30, ininterruptamente.
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2.3. Legitimidade e legalidade da denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental.

A questão a resolver prende-se, assim, com a invocada cessação do contrato de trabalho que vinculou as partes entre 02 de Fevereiro de 2009 e 16 de Março do mesmo ano. A Autora sustentou a ré a despediu ilicitamente, porque fez cessar o contrato de trabalho no período experimental, sem que tenha prestado qualquer actividade profissional para esta. A Ré, por sua vez, defende que a cessação que fez da relação laboral é legal, em virtude da a iniciativa dessa cessação ter ocorrido no decurso do período experimental, atenta a sua avaliação do desempenho profissional da autora.
A sentença recorrida entendeu que a denúncia do contrato de trabalho efectuada pela ré, apesar de ter ocorrido no decurso do período experimental, mostra-se imotivada, pelo que não pode subsistir, correspondendo, assim, a mesma a um despedimento sem justa causa e, por conseguinte, ilícito (art.º 381.º, al. c) do C. do Trabalho). É contra este entendimento que se insurge a Recorrente.

Vejamos
A autora foi admitida pela ré em 02.FEV.09 para, sob a autoridade e direcção da R. e mediante a retribuição mensal de €552,00, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de cozinheira de 2ª.
As funções para que a A. foi contratada, correspondentes à referida categoria profissional, eram as de – designadamente – coordenar, organizar e dirigir a preparação e confecção das refeições e pratos ligeiros, elaborar ou colaborar na elaboração das ementas, receber os víveres e os outros produtos necessários à confecção das refeições, sendo responsável pela sua guarda e conservação, preparar carne, peixe e legumes e proceder à execução das operações culinárias, empratar e guarnecer os pratos cozinhados, assegurar a perfeição dos mesmos e a sua concordância com as normas estabelecidas, confeccionar os doces destinados às refeições, colaborar na limpeza da cozinha, dos utensílios e dos equipamentos.
Através de comunicação escrita datada de 16 de Março de 2009, e que a A. recebeu naquela referida data, a R. procedeu à denúncia do contrato de trabalho celebrado com a A., invocando como fundamento que o fazia no período experimental.

Destes factos resulta que as partes celebraram um contrato de trabalho por tempo indeterminado (artigo 10º do Código do Trabalho de 2003).

Ora, tendo a duração do período experimental início ainda na vigência do Código do Trabalho de 2003, não se aplica, no que se refere à respeitava duração, o Código do Trabalho de 2009, conforme resulta da alínea a) do nº 5 do artigo 7º da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro.

De acordo com o disposto na alínea a) do artigo 107º do Código do Trabalho de 2003 nos contratos de trabalho por tempo indeterminado, como é o caso em apreço, o período experimental tem para a generalidade dos trabalhadores a duração de 90 dias. Período este também previsto pelo actual Código do Trabalho de 2009 no seu artigo 112º, nº 1, alínea a).

O período experimental corresponde ao tempo inicial de execução de um contrato de trabalho, durante qual a entidade empregadora e o trabalhador tem a possibilidade de ponderar o seu interesse na manutenção do contrato em causa, podendo qualquer deles provocar a sua cessação sem obrigatoriedade de invocação de justa causa, sem necessidade de aviso prévio, em regra, e sem que daí advenha, salvo acordo contrário, uma obrigação de indemnização a cargo do denunciante (art. 111º, nºs 1 e 2 e art. 114º, nº 1, ambos do CT).
O período experimental começa a correr com a efectiva prestação do serviço (artigo 113º, nº 1 do CT).
A decisão de fazer cessar o contrato de trabalho não depende de prévia comunicação à contraparte, a menos que o período experimental tenha durado mais de 60 dias, caso em que a entidade patronal tem que comunicar a sua decisão ao trabalhador com a antecedência mínima de sete dias (artigo 114º, nº 2 do CT).
Em regra, o direito de denunciar o contrato de trabalho durante o período experimental não implica o pagamento à contraparte de qualquer montante indemnizatório, se bem que o seu pagamento possa ser objecto de acordo entre as partes (art. 114º, nº 1 do CT).
É o início da execução da prestação do trabalho por parte do trabalhador, conforme já dissemos e resulta do artigo 113º, nº 1 do CT, que marca o começo da contagem do período experimental. Assim, nos termos de tal normativo, as próprias acções de formação do trabalhador determinadas pela entidade patronal ou ministradas pela mesma só contam para o período experimental se não excederem metade do mesmo. O legislador pretendeu tornar claro que é condição essencial para a ponderação a efectuar pela entidade patronal e pelo trabalhador, que este exerça o seu labor no local e nas condições em que futuramente o desenvolverá. Seguindo o mesmo entendimento, os dias de falta, ainda que justificadas, de licença e de dispensa, e os dias de suspensão do contrato, não englobam o período experimental (artigo 113º, nº 2 do CT). Já o tempo de descanso semanal está incluído no período experimental, porquanto faz parte do acervo dos direitos inalienáveis dos trabalhadores, uma vez que o contrato de trabalho é um contrato de execução continuada[4].
O período experimental[5] tem a sua razão de ser nas próprias características do contrato de trabalho: carácter duradouro da relação de trabalho e natureza intuitus personae onde as características das partes se revelam determinantes. Na verdade, só com a execução do trabalho as partes podem aferir com alguma segurança e sensatez no interesse que nutrem em manter um negócio que se vai prolongar pelo tempo. O empregador só pode avaliar as qualidade e as aptidões do trabalhador para as respectivas funções quando este der início e executar as mesmas e o trabalhador, por sua vez, só com a sua integração no meio organizacional funções do empregador pode confirmar o seu interesse na manutenção do vinculo laboral.
O período experimental, também chamado de tempo de «prova» existe para que as partes possam determinar — no quadro de uma relação jus-laboral já vivida — se a projecção que fizeram quanto à conveniência da contratação se adequa às condições efectivas em que se processa a prestação de trabalho[6].
Portanto, o período experimental tanto é estabelecido em favor do empregador como do trabalhador, na medida em que ambos avaliam o interesse na continuação ou manutenção do contrato durante esse período.
Reconhece-se no entanto, conforme refere Maria do Rosário Palma Ramalho[7] «que o período experimental tem um interesse acrescido para o empregador, uma vez que, decorrido, este período, o empregador está mais limitado quanto à possibilidade de fazer cessar o contrato de trabalho do que o trabalhador».

No caso, constatamos que a Autora/trabalhadora foi admitida para desempenhar as funções de cozinheira de 2.ª em 02 de Fevereiro de 2009, tendo a denúncia do seu contrato de trabalho ocorrido em 16 de Março seguinte, isto é, teve a duração de 43 dias. Ocorreu, assim, a denúncia dentro do prazo legal de 90 dias.

Em principio nada obsta à mencionada denúncia.
No entanto, tendo em conta as finalidades do período experimental, há que apurar se a denúncia efectuada pela aqui Recorrente foi realizada sem que tal período experimental tivesse dado oportunidade de a mesma ter apreciado e avaliado as qualidades e aptidões da trabalhadora para o desempenho das funções para as quais foi contratada.
Como referimos a sentença recorrida entendeu que a denúncia do contrato de trabalho efectuada pela ré, apesar de ter ocorrido no decurso do período experimental, mostra-se imotivada, pelo que não pode subsistir, correspondendo, assim, a mesma a um despedimento sem justa causa e, por conseguinte, ilícito.

Já referimos que qualquer das partes, durante o período experimental, pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa (art. 114º, nº 1 do CT), ou seja, basta a meta manifestação de vontade de qualquer uma das partes no sentido de extinguirem ou cessarem a relação laboral.
Esta desnecessidade de alegação ou fundamentação de justa causa de denúncia do contrato durante o período experimental, não implica necessariamente a ausência de motivação ou uma absoluta discricionariedade ou arbitrariedade. Como refere Tatiana Guerra de Almeida[8] «as especiais faculdades extintivas da relação laboral durante o período experimental são assentidas em função de determinado fim, correspondente, a traço largo, ao reconhecimento e atribuição de relevância jurídica á frustração da experiência», «procura-se, assim», diz a referida autora[9], «salientar que nos achamos ante uma faculdade orientada (ou vinculada hoc sensu) ao fundamento geral de um instituto que, permitindo o reconhecimento e tutela de interesses experimentais na relação jurídica laboral, aceita os corolários lógicos desse reconhecimento, não deixando, porém, de sujeitar tais especiais faculdades de actuação extintiva do vínculo contratual em causa aos estritos termos em que se fundamenta ou se justifica o reconhecimento e tutela jurídica da experiência».
Também Maria do Rosário Palma Ramalho[10], refere que «o facto desta denúncia ser incondicionada não significa, no entanto, que seja insindicável e que possa ser exercida em moldes abusivos, ou seja, que contrariem a função para que foi instituído o próprio período experimental.»
Assim sendo, durante o período experimental, em princípio, o empregador, tem a faculdade de despedir o trabalhador sem aviso prévio e sem invocação de justa causa e sem que este tenha direito a indemnização. No entanto, se é certo que o empregador está isento de invocar a justa causa para a denúncia, esta não deve obedecer a meros caprichos do mesmo, antes corresponder a uma realidade objectiva.
Situações existem em que se o empregador não provar que a sua decisão de denunciar o contrato durante o período experimental foi baseado em razões ou juízos essencialmente laborais, como o desempenho e aptidão, pode incorrer em denúncia abusiva. Não pode, assim, o período experimental ser utilizado pelo empregador para de forma unilateral fazer cessar o contrato de trabalho de um trabalhador por aspectos não relacionados com o seu desempenho, aptidão, habilidade e competência.

Assim, quando a denúncia do contrato de trabalho exorbita ou vai além das premissas a que está subjacente o instituto do período experimental converte-se numa denúncia ilícita. Estas situações disfuncionais do instituto[11] deverão ser resolvidas através do regime do abuso de direito (artigo 334º do Código Civil), considerando-as como denúncia abusiva.

Durante o período experimental existe um desenvolvimento normal da relação laboral estabelecida entre as partes, pelo que apenas a sua execução, nos termos entre elas acordados, pode dar satisfação aos propósitos que estão na base de tal instituto. Daí o artigo 111º, nº 1 do CT determinar que o período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato. Significa isto que para o período experimental cumprir os seus propósitos ou função necessário se torna que o contrato de trabalho esteja a ser executado, ou seja, que se inicie a prestação de trabalho no seio da organização[12]. Só com a execução do contrato de trabalho as partes se encontram em condições de aferir do interesse na manutenção da relação laboral. Só com a prestação efectiva da actividade laboral por parte do trabalhador é que a entidade empregadora pode avaliar as qualidades e aptidões desse trabalhador para as funções para as quais foi contratado. O mesmo sucede com o trabalhador, pois só com a sua integração na organização do empregador pode avaliar o seu interesse na manutenção do vínculo laboral[13]. Daí o nº 2 do artigo 111º do CT estabelecer que «no decurso do período experimental, as partes devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho».

Poderemos assim concluir que se ao trabalhador não for dada a possibilidade de demonstrar as suas qualidades ou aptidões para o desempenho das funções para as quais foi contratado ou não tiver tido a oportunidade de efectuar a sua prestação, a cessação da relação laboral, por parte do empregador, no período experimental, constituí uma denúncia abusiva.

Foi essa a conclusão da sentença recorrida. Para o efeito, referiu que «as tarefas que (a Autora) concretamente desempenhou nesse jantar (tendo designadamente a A. colocado no forno o prato de carne, provando a mesma e verificado o estado em que o assado dessa carne se encontrava; igualmente a A. descascou legumes e lavou a louça que entretanto se sujara, tendo igualmente empratado a refeição, juntamente com a referida H…; também auxiliou na preparação de umas castanhas estufadas, tendo sido aquela H… quem temperou as ditas castanhas – ponto 10.), foram apenas auxiliares e de ajuda à pessoa que confeccionou a refeição.
Se a autora tivesse sido contratada como ajudante de cozinha ou auxiliar, a sua prestação profissional poderia ser objecto de um juízo fundamentado pela ré.
Não foi, porém, o caso: a autora fora admitida ao serviço da demandada como cozinheira, pelo que só se tivesse sido ela quem preparou a refeição que foi servida nesse jantar é que poderia a ré alegar que estava em condições de emitir um juízo objectivo acerca da competência profissional dela.
E, mesmo assim, seria sempre pouco cauteloso e eventualmente precipitado por parte da ré ajuizar sobre a adequação da autora ao cargo para o qual fora contratada apenas com base em uma única refeição, salvo se a mesma tivesse sido de tal modo desastrosa que dúvidas não restariam sobre a incompetência da trabalhadora.
Não foi, porém, o caso, pelo que se reitera o que acima se referiu: foi insuficiente – para ajuizar devidamente a competência profissional da autora – a sua participação no evento ocorrido em 14.FEV.09.
Por outro lado, o que a A. fez entre 2 e 14 de Fevereiro, constituindo o desempenho de tarefas ancilares e subordinadas à sua prestação principal, não autoriza igualmente que a ré concluísse pela sua inadequação à tarefa para a qual foi contratada.
E, em qualquer caso, a ré não logrou demonstrar que o desempenho profissional da autora revelasse insuficiências e falhas que comprometessem a sua permanência ao serviço da ré».
Concordamos com estes fundamentos, os quais achamos acertados e adequados face aos factos provados. Na verdade, a trabalhadora não teve oportunidade de durante o período de tempo que esteve ao serviço da Recorrente em demonstrar as suas qualidade ou aptidões para as funções para as quais foi contratada – correspondentes à categoria profissional de cozinheira de 2ª.
Não existe um único facto provado que donde se possa concluir que à trabalhadora foi dada a possibilidade de desenvolver a sua actividade profissional. O que se provou foi unicamente que a mesmo, durante alguns períodos, não muitos, desempenhou funções correspondentes a ajudante de cozinha – e não correspondentes à sua categoria profissional. Ou então, que durante os dias 2 e 14 de Fevereiro a Autora participou com outros colegas de trabalho na aquisição de matérias-primas (nos estabelecimentos F… e G…), necessárias ao funcionamento do restaurante que a ré pretendia por em funcionamento, bem como de acessórios e fardas, ou seja, desempenhou funções marginais à sua categoria profissional.
Não está assim demonstrado que a Recorrente durante o período em causa tenha tido a possibilidade de com alguma segurança e sensatez aferir do interesse na manutenção do contrato que a ligava à trabalhadora, uma vez que esta não teve a oportunidade de desenvolver a sua actividade profissional para o qual foi contratada. Muito pelo contrário, apesar de a Recorrente o ter alegado, não ficou provado que no decurso do período experimental a A. executou inúmeras e variadas tarefas para a Recorrente que permitiram a esta apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho. Aliás, face á matéria de facto dada como provada, dificilmente isso seria possível. Basta atentarmos que ficou provado que o local de trabalho da A. seria no estabelecimento de restaurante da R., sito na Rua …, n.º .., no Porto, no entanto, à data da contratação da A. e dos demais trabalhadores, R. tinha o estabelecimento temporariamente encerrado e que o encerramento temporário do estabelecimento foi determinado pela execução de obras de remodelação profundas que a R. decidiu efectuar no mesmo, as quais já se encontravam em curso na data da admissão da A. e de outros trabalhadores e ainda não estavam totalmente concluídas na data em que a A. deixou de prestar trabalho para a R.
Com o estabelecimento onde se desenvolveria a actividade da trabalhadora encerrado não se vislumbra como era possível a Ré ter aferido das qualidades e aptidões daquela para o desempenho das suas funções correspondentes à categoria profissional de cozinheira de 2ª.
E não se argumente, como a Recorrente o faz, que pelo facto de a trabalhadora no dia 14 de Fevereiro ter estado dentro da cozinha da Ré desde as 8h30 da manhã até ás 4h30, ininterruptamente, que lhe deu a oportunidade de aferir das aptidões daquela. É que, conforme ficou provado, as tarefas que nesse dia e nesse local a Autora prestou nada tiveram a ver com as funções correspondentes à sua categoria profissional. E mesmo que assim não fosse, não se vislumbra dos factos que a Recorrente tivesse, nessa ocasião pontual (um só dia), tido a possibilidade dessa aferição.

Vejamos agora se a Recorrente agiu abusivamente ao denunciar o contrato de trabalho no período experimental.
Sobre a questão do instituo do abuso de direito vamos deixar aqui exarados o que se refere no Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 1986, Processo nº 1344-4ª Secção, in BMJ 358, pág. 473 e ss. Aí se diz que “o instituto do abuso do direito há muito que é estudado na doutrina estrangeira, tendo assento em alguns sistemas legislativos europeus.
Entre nós vê-se o afloramento deste instituto em Coelho da Rocha, Instituições, edição de 1852, vol. II, pág. 320, onde ensinava, a propósito do direito de propriedade, que o proprietário podia fazer do seu direito o uso que entendesse, «ainda mesmo quando o desse uso resulte prejuízo a terceiro, uma vez que não seja feito por acinte e emulação sem interesse algum próprio».
Anteriormente ao actual Código Civil o Prof. Domingues de Andrade quer nas suas lições magistrais, quer em artigos na Revista de Legislação e de Jurisprudência 473 BMJ 358 (1986) (anos 87º, pág. 307, e 88°, pág. 356) entendia que o abuso do direito era eficaz e invocável no nosso ordenamento jurídico e escrevia em Teoria Geral das Obrigações, 1958, pág. 63:
«Grosso modo, existirá um tal abuso quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, todavia no caso concreto ele aparece exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, entendida segundo o critério social reinante. Então aquele princípio autorizará a pessoa prejudicada a reagir contra o titular do direito abusivamente exercido, obtendo que ele seja tratado como se de todo em todo lhe faltasse o mesmo direito ou, pelo menos, fazendo-o condenar a uma indemnização por facto ilícito extracontratual».

Quer dizer, em face de situações muito gritantes, clamorosamente gritantes, em resultado de um comportamento aparentemente legal, sente-se a necessidade de providências, mediante as quais se possa resolver essas situações com justiça.
Isto é, havendo contradição entre o estatuído na lei e os imperativos da consciência jurídica, há que afastar ou corrigir os preceitos legislativos «da maneira mais adequada àquilo que o próprio legislador, procedendo com conhecimento de causa e com razoabilidade, teria, nesses casos, determinado».
Como reconhece o Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, pág. 60, no domínio do velho Código de 1867 «era entre nós orientação corrente a admissibilidade da doutrina do abuso do direito».
O Prof. Vaz Serra no Boletim do Ministério da Justiça, nº 85, pág. 253, escreveu:
«Pode dizer-se, de um modo geral, que há abuso do direito quando o direito legítimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa de sentimento jurídico socialmente dominante; e a consequência é a do titular do direito ser tratada como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseada em facto ilícito extracontratual».

E a págs. 257 acrescenta:
«Os direitos podem ser concedidos pela lei apenas em vista de certos fins e, então, se são exercidos para fins diferentes desses, não pode dizer-se que se trata de verdadeiro exercício de um direito, mas de falta de direito».

Trata-se, para este Mestre, de um caso de falta de direito, uma vez que «quem abusa do seu direito utiliza-o fora das condições em que a lei o permite, e o efeito deve ser, portanto, em princípio, o que resultaria do exercício de um direito só aparente, isto é, de falta de direito» (ob. cit., pág. 265).

O Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4.1 edição, pág. 464, ensina:
«O exercício do direito em termos reprovados pela lei, ou seja, respeitando a estrutura formal do direito mas violando a sua afectação substancial, é considerado como ilegítimo».

É claro que o abuso do direito pressupõe a existência de um direito, mas o seu titular excede-o no exercício dos seus poderes.
Finalmente o Dr. Coutinho de Abreu no seu estudo Do Abuso de Direito, a págs. 43, define-o da seguinte forma:
«Há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem».

Mas como se há-de apurar, em concreto, a existência do abuso do direito?
Duas são as correntes principais que pretendem resolver a questão:
- Para uma, que se costuma denominar subjectiva, haverá abuso do direito quando ele é utilizado com o propósito exclusivo de prejudicar outrem – quando se pratica um acto emulativo, como referia Coelho da Rocha;
- Para outra -de carácter objectivo – o abuso de direito manifesta-se na oposição à função social do direito, excedendo-se anormalmente o seu uso.

Hoje o artigo 334° do Código Civil vigente dispõe:

«É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».

Criticando alguns esta redacção, estão os autores de acordo em que o preceito adoptou ou consagrou legislativamente a corrente objectiva.
Assim o declaram expressamente os comentadores Profs. Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, em nota ao mesmo: «a concepção adoptada do abuso de direito é a objectiva; pois segundo eles:
«Não é necessária a consciência de se atingir, com o seu exercício, a boa fé, os bons costumes ou o fim social ou económico do direito conferido: basta que os atinja».

Por isso Vaz Serra escreve, ob. cit., pág. 298:
«A lei não podendo prever todas as possíveis aplicações dos direitos que reconhece, tem vantagem em excluir a legitimidade dos actos que constituem abuso de direito e em remeter, quanto à apreciação sobre se há abuso para as concepções dominantes na comunidade social».”

Ora, sendo assim, e tendo o período experimental, a finalidade que as partes mutuamente se conheçam a fim de poderem decidir conscientemente se lhes convêm ou não vincularem-se definitivamente a um contrato, não existem dúvidas que a Recorrente tinha o direito de denunciar ou fazer cessar unilateralmente o contrato de trabalho celebrado com a Autora no período experimental, mas, no caso presente, excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé e sobretudo pelo fim social e económico do contrato de trabalho.
Isto porque, a Autora ao ter celebrado o contrato com a Recorrente, tinha a legítima expectativa de que no período experimental, em que ela exerceria a sua actividade para a qual foi contratada – cozinheira de 2ª –, ela apreciasse a sua capacidade profissional. Não nos podemos esquecer também dos fins de carácter eminentemente social e económico que presidem ao contrato de trabalho, dadas, além do mais, as cautelas de que a lei o rodeia. E no caso essa expectativa está mais do que vincada, pois, conforme se deu como provado, na perspectiva do contrato de trabalho que iria iniciar com a Ré, a Autora, procedeu ao arrendamento de uma casa próxima do estabelecimento, tendo procedido à entrega da sua casa anterior.
É inconcebível que a Recorrente sem ter havido efectivamente experiência, pudesse ter usado da faculdade que a lei confere para o caso de a experiência não satisfazer.
Tendo agido, como agiu, teve um comportamento que só aparentemente era o exercício de um direito, pelo que exerceu esse direito de maneira a constituir clamorosa ofensa de sentimento jurídico socialmente dominante. E tanto assim é, ou seja que a Recorrente ao denunciar o contrato da Autora durante o período experimental, não teve por base a insatisfação com o desempenho profissional da Autora ou com as suas faltas de qualidades ou aptidões profissionais, resulta da circunstância de a mesma, para além da Autora ter despedido igualmente a outra cozinheira, o empregado de mesa, que igualmente haviam sido contratados em 02 de Fevereiro de 2009, com igual fundamento: denúncia no período experimental, tendo ficado a partir de então sem qualquer trabalhador ao seu serviço. Mais se provou, que no dia 01 de Abril de 2009, a Recorrente colocou na montra do estabelecimento informação a publicitar o negócio de transmissão do negócio, de cessão de quotas ou trespasse, como sendo uma “oportunidade única” “sem nenhum encargo ou passivo”.

Estamos, assim, em face de um caso de abuso de direito por parte da ré, tal como o configura o artigo 334° do Código Civil.

A questão que agora se nos coloca está relacionada com as consequências jurídicas deste comportamento abusivo.
Existem duas teses sobre o problema. Uma que defende que caso a denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental tenha sido abusiva a consequência jurídica daí adveniente é a obrigação de indemnizar em termos gerais[14], outra, que reconduz a situação a um despedimento ilícito com todas as consequências laborais daí decorrentes[15].
Por nós, sempre com devido respeito por opinião diversa, preponderamos a seguir a segunda das teses, pois, tendo-se fundando a cessação laboral durante o período experimental em motivos alheios ao desempenho, aptidões e qualidades para as quais o trabalhador foi contratado, estamos perante uma conduta ilícita que deve ter a sua cobertura no âmbito da aplicação das regras específicas aplicáveis ao despedimento ilícito.

Assim, perante tudo o que se acabou de referir, concluímos como a sentença recorrida, a denúncia efectuada pela Recorrente corresponde a um despedimento ilícito (artigo 381º, alínea c) do CT).
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Por todas estas razões julgamos improcedente a apelação e confirmamos a sentença recorrida.
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As custas do recurso ficam a cargo da Recorrente (artigo 446º do CPC).
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III. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e em consequência confirmar a decisão recorrida.
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Condenam a Recorrente no pagamento das custas (artigo 446º do CPC).
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Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 713º, nº 7 do CPC.
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(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).
Porto, 05 de Março de 2012
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva
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[1] Cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688; e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 371/2008, consultável no respectivo sítio, bem como Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/10/2001 e 10/04/2008, respectivamente n.º 01A2507 e 08B877, in www.dgsi.pt e Acórdão da Relação do Porto de de 15/12/2005, processo n.º 0535648, in www.dgsi.pt.
[2] Essenciais para a dirimência da lide e não de mera argumentação aduzida pelas partes em defesa das teses por si expendidas, não devendo, todavia, confundir-se com qualquer erro de julgamento dirigido ao mérito ou fundo da causa
[3] v., por todos, Ac. da Secção Social desta Relação de 20-2-2006, in www.dgsi.pt, proc. nº 0515705 e jurisprudência ali citada e Acórdão do STJ 27/05/2010; processo 467/06.3TTCBR.C1.S1, in www.dgsi.pt.
[4] Acórdão desta Relação de 17/01/2005, processo 0412672, www.dgsi.pt.
[5] Também apelidado de tempo de «prova» existe para que as partes possam determinar – no quadro de uma relação jus -laboral já vivida – se a projecção que fizeram quanto à conveniência da contratação se adequa às condições efectivas em que se processa a prestação de trabalho.
[6] Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 632/2008, de 23/12/2008, in DR I, Nº 6, de 09/01/2009.
[7] Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª edição, pág. 189.
[8] Do Período Experimental do Contrato de Trabalho, Almedinafgfty n , pág. 160.
[9] Obr. citada pág. 166/167.
[10] Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª Edição, pág. 194.
[11] Como Tatiana Guerra de Almeida, in obra. Citada, pág. 166, lhe chama.
[12] Nesse sentido Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 15ª edição, pág. 347/348.
[13] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª Edição, pág. 189.
[14] Nesse sentido podemos ver Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, pág. 202 e Acórdão do STJ de 25 de Junho de 1986, Processo nº 1344-4ª Secção, in BMJ 358, pág. 478/479.
[15] Nesse sentido Júlio Vieira Gomes, Do uso e abuso do Período Experimental, Revista de Direito e de Estudos Sociais, 2000, ano XLI, págs. 268 e ss e Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, obra cit., pág. 194, nota 369..
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SUMÁRIO – a que alude o artigo 713º, nº 7 do CPC
I – A arguição da nulidade da sentença em matéria laboral deve lugar no requerimento de interposição do recurso da forma imposta pelo artigo 77º, nº 1, do CPT – expressa e separadamente.
II – Se durante o período experimental de um contrato de trabalho não foi dada ao trabalhador a possibilidade de demonstrar as suas qualidades ou aptidões para o desempenho das funções para as quais foi contratado ou não tiver tido a oportunidade de efectuar a sua prestação, a cessação da relação laboral, por parte do empregador, no período experimental, constituí uma denúncia abusiva.
III – Tal denúncia, como acto ilegítimo e abusivo que é, corresponde a um despedimento ilícito.

António José da Ascensão Ramos