Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
101/12.2T2AMD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: TELEFONE
PORTABILIDADE
REQUISITOS DA PORTABILIDADE
OPERADOR QUE PRESTA SERVIÇO
ALTERAÇÃO DO OPERADOR
CESSAÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP20131118101/12.2T2AMD.P1
Data do Acordão: 11/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: L 5/2004 DE 10/02
L 10/2013 DE 28/01
L 43/2013 DE 03/06
REGULAMENTO DA PORTABILIDADE Nº 58/2005 DE 18/08
Sumário: I - A Funcionalidade portabilidade do número, prevista no art. 54° da Lei das Comunicações Electrónicas - Lei 5/2004 de 10 de Fevereiro - ( DR 34, I série-A, 10 de Fevereiro de 2004), alterada pelo Decreto-Lei n.° 176/2007, de 8 de Maio, pela Lei n.° 35/2008, de 28 de Julho, pelo Decreto-Lei n.° 123/2009, de 21 de Maio, pelo Decreto-Lei n.° 258/2009, de 25 de Setembro, pela Lei n.° 46/2011, de 24 de Junho, e pela Lei n.° 51/2011, de 13 de Setembro, que a republicou, e pela Lei n.° 10/2013, de 28 de Janeiro e Lei 42/2013 de 03 de Julho, garante que o assinante possa manter o mesmo número de telefone independentemente do operador que presta o serviço ou alterações contratuais introduzidas no contrato, recaindo sobre o portador doador o ónus de promover a portabilidade.
II - Constituem requisitos para requerer a portabilidade do número, face ao regime previsto no Regulamento da Portabilidade n.° 58/2005, de 18 de Agosto (DR n° 158, II série de 18.08.2005), sucessivamente alterado, republicado e renumerado pelo Regulamento n.° 87/2009, de 18 de Fevereiro (DR n.º 34, II série de 18.02.2009), pelo Regulamento n.° 302/2009, de 16 de Julho (DR n° 136. II série de 16.07.2009), e Regulamento 114/2012 de 01 de Março (DR n.º 52, II série de 13.03.2012): - ser assinante, que nos termos do art. 3º/ e) da Lei das Comunicações Electrónicas e para efeitos de aplicação do regime previsto na citada lei, é a pessoa singular ou colectiva que é parte num contrato com um prestador de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público para o fornecimento desses serviços; e- a cessação do contrato existente entre o assinante que pretende a portabilidade e uma determinada empresa e a celebração de um novo contrato com outra empresa para onde o número ou números em causa são portados.
III - A cessação do contrato celebrado entre o operador e terceiro, com fundamento na falta de pagamento das contrapartidas mensais acordadas, com desactivação dos números associados à conta, sem que se mostre formulado qualquer pedido de portabilidade, não confere ao utilizador do número, que não é o assinante, o direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Prest Serv-Telm-101-12.2T2AMD.P1-1146-13TRP
Trib Jud Maia-3ºJCv
Proc.101/12.2T2AMD
Proc. 1146/13 -TRP
Recorrente: B...
Recorrido: C…, SA
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Ana Paula Carvalho
Rita Romeira
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente acção que segue a forma de processo sumário em que figuram como:
- AUTOR: B…, casado, residente na Rua …, nº .., .º Direito, …, ….-… Amadora e com domicílio profissional na Rua …, nº ., .º Direito, ….-… …; e
- RÉ: C…, SA, com sede no … – …, ….-… Maia
pede o Autor a condenação da Ré no pagamento dos danos materiais e morais reclamados.
Alega para o efeito e em síntese que desde Junho de 2000 era titular do número de telemóvel ……… que utilizava sobretudo para fins profissionais na actividade de construção e trabalhos em perfis não estruturais e instalações sem qualificação específica. Desempenhava esta actividade em firma individual mas em colaboração estrita e permanente com outra congénere, a sociedade comercial por quotas denominada “D…, Ld.ª”, NIPC: ………, com sede na Rua … nº ., .º D, em ….-… …, onde a sua mulher (E…) é sócia e gerente e a sogra (F…) é sócia.
Mais refere, que em Outubro de 2008 esta empresa, D…, Ldª, celebrou com a operadora de telecomunicações G… (actualmente pertença da R. por ter sido incorporada a esta em fusão ocorrida a 02/11/2007) em campanha de “G1….” sob proposta de subscrição de serviço telefónico móvel para pessoas colectivas e empresários em nome individual, um contrato de prestação de serviços de telecomunicações com atribuição de 2 módulos e 2 cartões, no qual foi atribuído o novo número ………. de telemóvel.
Tal campanha previa que entre dois números de telemóveis da mesma rede e da mesma empresa pudessem comunicar sem custo adicional até ao limite de 350 minutos, por isso foi aí incluído o número de telemóvel do A. (………) como sendo o segundo número atribuído a essa facturação e utilização e adicionado ao contrato.
Alega, ainda, que foi a sua mulher, E…, quem subscreveu tal contrato por ser a sócia e gerente da predita empresa (D…, Ldª), mas embora o A. não tenha participado pessoal e directamente na negociação com a R. em tal contrato, assentiu a decisão da mulher de modo a que o seu número de telemóvel pudesse ficar aí firmado como sendo o “Contacto Alternativo” desta sócia e gerente pois o A. é quem na prática a ajuda a tomar decisões no laborar desta empresa.
Por motivo de falta de pagamento de factura a R. intentou contra a “D…, Ld.ª” uma injunção que correu os seus termos pelo 2º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Maia sob o nº: 242496/09.1YIPRT de processo em acção especial para cumprimento obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância.
Na sequência da instauração dessa acção, desde então, o A. ficou impedido de usar o seu número de telemóvel (………) pese embora tenha dado conta à R. das suas reclamações que foram remetidas por cartas registadas com AR, onde formalizou o pedido de portabilidade desse número fundamentado no facto de ser ele o titular de tal número antes da contratação efectuada e ainda por não ser responsável pelo incumprimento verificado.
Mais refere que a Ré ignorou as reclamações com vista a reaver o seu número de telemóvel o qual sempre servira para o exercício da sua actividade profissional e que o Autor apresentou por escrito e pessoalmente, junto dos respectivos balcões. Tal número de telemóvel foi sempre utilizado sobretudo profissionalmente pelo A. desde cerca de uma década antes, e desde então ficou impedido de contactar e ser contactado pelos seus clientes, fornecedores, amigos e familiares, o que motivou ter perdido algumas oportunidades de negócio, de dar continuidade de algumas obras que tinha em curso, para além dos incómodos pessoais e familiares causados.
Alega, ainda, que perante a extinção do contrato, com fundamento na falta de pagamento, estava a Ré obrigada a garantir a portabilidade dos números adstritos a tal serviço de telefone como dispõem os art.ºs 27.º i), 33º, 34.º nº 1 c) e 54.º da Lei 5/2004 de 10/02, o que não aconteceu. A R. não permitiu nem concedeu a portabilidade do número que foi associado ao serviço de telecomunicações contratado que foi suspenso e extinto por falta de pagamento de factura, apesar das sucessivas reclamações empreendidas pelo Autor no sentido de pretender reaver um número que desde longa data era seu, tudo em violação do que é disposto no nº 5 do art.º 46 da predita Lei.
Considera o Autor que lhe assiste o direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos na medida em que ficou sem poder contactar ou ser contactado pelos seus clientes, fornecedores, amigos, familiares e outros, e ainda ficou sem acesso aos contactos registados no cartão sim adstrito ao número que não mais pode utilizar, o que lhe causou prejuízos materiais estimados em cerca de vinte mil Euros.
Alega, ainda, que sofreu danos não materiais, com todas as atribulações sofridas com esta situação que o deixou ansioso, nervoso e perturbado e disso teve reflexo na sua vida pessoal, familiar e profissional, estimando-se simbolicamente pelo valor de cinco mil Euros o valor de indemnização.
Suscita, ainda, a nulidade de uma das cláusulas contidas no contrato, por não respeitar o regime das Clausulas Contratuais Gerais, solicitando a apresentação do processo com vista ao Ministério Público para os efeitos de instaurar a competente acção inibitória.
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Citada a Ré contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Por excepção, suscita a incompetência territorial do tribunal, por considerar competente o tribunal onde a Ré tem a sua sede.
Impugna os factos alegados pela Autor, apesar de admitir que foi celebrado o contrato, a que se alude na petição, ainda que com contornos distintos dos alegados, no concerne à portabilidade do número de telemóvel em causa.
Refere, ainda, que o regime previsto no Regulamento 58/2005 de 18/08, Regulamento de Portabilidade e sucessivos Regulamentos que o alteraram, aplica-se apenas para os casos em que os utilizadores de redes fixas e móveis pretendem mudar de operador. O regime previsto para a portabilidade pressupõe a mudança de operador. No caso concreto, o Autor já era cliente da Ré e por isso, não se operou a alegada transferência do número do Autor de outro operador.
Impugna a matéria dos danos e conclui que não assiste o direito à indemnização peticionada.
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O Autor veio apresentar resposta, pugnando pela improcedência da excepção invocada.
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Os autos foram com vista ao Ministério Público, que nada requereu, por entender que não se verifica a alegada desproporcionalidade na cláusula penal incluída no contrato.
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Proferiu-se despacho que julgou procedente a excepção de incompetência territorial e determinou a remessa do processo para o Tribunal Judicial da Maia, por ser o competente.
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Elaborou-se o despacho saneador e dispensou-se a selecção da matéria de facto.
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Realizou-se o julgamento, com gravação da prova.
O despacho que contém as respostas à matéria de facto consta de fls. 116 a 122.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:

“Atento o exposto, decide-se julgar a presente acção totalmente improcedente e, em conformidade, absolver a Ré dos pedidos contra si formulados.
Custas pelo Autor, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia”.
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O Autor veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:
1 – Por sentença de fls… veio o Tribunal “a quo” considerar totalmente improcedente a acção e por isso absolveu a Ré dos pedidos,
2 – Não se conforma o Autor/recorrente com a decisão proferida que julgou improcedente o pedido formulado para indemnização dos danos resultantes da privação de uso do seu numero de telemóvel.
3 - Mal andou o Tribunal “a quo” ao assim decidir e nos termos e com os fundamentos em que o fez,
4 – Nomeadamente em considerar que entre Autor/recorrente e Ré/recorrida existia uma relação comercial consubstanciada num contrato de prestação de serviços.
5 – Em considerar que o Autor/recorrente entrou em incumprimento no âmbito dessa relação comercial/vinculo contratual
6 - O presente recurso versa não só sobre matéria de direito, mas também sobre impugnação da decisão proferida no que tange à interpretação e subsunção jurídica que da matéria considerada provada foi feita, sendo que o recorrente desde já identifica como julgada, interpretada erradamente, e com relevância para a boa decisão da causa, toda a matéria de facto provada elencada na douta sentença com os nº 1 a 14,
7 – bem com a matéria de facto julgada não provada, qual seja:
- Que o Autor sofreu prejuízos materiais estimados em cerca de vinte mil euros
-Que igualmente sofreu danos não materiais, com todas as atribulações sofridas com esta situação que o deixou ansioso, nervoso e perturbado e disso teve reflexo na sua vida pessoal, familiar e profissional,
8 – A factualidade considerada como provada só por si conduziria a uma decisão diversa da proferida, se fosse correctamente interpretada
9 – Todos os factos que na douta sentença são elencados como provados, toda a prova produzida, documental e testemunhal, conduzem, necessariamente, a uma alteração da decisão de direito, no sentido de ser a recorrente condenada no pedido.
10 – Reitera-se, perante a actual factualidade dada como provada a decisão proferida tem que ser indubitavelmente outra, diversa e oposta da proferida.
11 - Foi dado como provado pelo tribunal “a quo” que entre o Autor/recorrente e a Ré/recorrida existia um contrato de prestação de serviços
12 – Mal andou o tribunal ao assim decidir, antes demais porque tal não resulta dos factos considerados provados!
13 – A prova testemunhal (gravada) produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, nomeadamente o depoimento da testemunha I…,
14 – Depoimento gravado, com inicio às Inicio do depoimento 16.01.06h e términus às 16.49.31h do dia 16 de Abril de 2013,
15 – Cuja transcrição parcial, e no que releva para o presente recurso se fez,
16 – Bem como os documentos juntos aos autos, nomeadamente pelo A.,
17 – Imponham uma conclusão diferente, defendendo-se que a matéria de facto provada conduz indubitavelmente a uma decisão de facto e de direito diversa da proferida, devendo a final proceder a acção e a Ré condenada no pedido.
18 – Não existe qualquer contrato de prestação de serviços ou qualquer relação comercial entre o recorrente e a recorrida,
19 – Afirma peremptoriamente que, o numero de telemóvel do Autor activo desde 1998 com uma conta afecta, a conta numero ………. em seu nome,
20 – Foi associado à conta numero ………. “activada” com a subscrição do contrato com a empresa D…, Lda.,
21 – Sem qualquer intervenção neste contrato por parte do Autor,
22 – Sendo que nessa sequência a sua conta inicial foi desactivada e o seu numero de telemóvel passou a fazer parte daquele outro contrato,
23 – Pese embora tais afirmações, e confirmações de que o numero de telemóvel do Autor foi associado aquela nova conta em nome da empresa D…, Lda.,
24 – sem o seu necessário consentimento, já que a matéria provada elencada na sentença sob nº 12, não encontra suporte na prova produzida e por isso está mal julgada devendo ser dada por não provada,
25 - O tribunal, mal, entendeu e com o que fundamentou a sua decisão,
26 – Que existia um contrato de prestação de serviços que o Autor não cumpriu, nomeadamente, não pagou atempadamente os serviços que contratou???
27 – E assim, resposta diferente teriam que ter aquelas questões a decidir,
28 – pois, salvo o devido respeito, o depoimento da testemunha e os documentos, provam tudo, menos que o Autor contratou serviços à Ré que não pagou.
29 – Não se podendo tal concluir dos factos levados aos autos e da prova que aos mesmos respeita,
30 – E o que foi considerado facto provado, leva necessariamente a outra conclusão diferente da plasmada na douta sentença ora em crise,
31 – Com a sua consequente revogação
32 – Com decisão oposta à proferida.
33 – e o mesmo vale para os factos que o tribunal “a quo” deu como não provados,
34- Que o Autor sofreu prejuízos materiais estimados em cerca de vinte mil euros
35 - Que igualmente sofreu danos não materiais, com todas as atribulações sofridas com esta situação que o deixou ansioso, nervoso e perturbado e disso teve reflexo na sua vida pessoal, familiar e profissional,
36 – Note-se que a causa de pedir é a privação de uso do número de telemóvel
37 – privação que o tribunal deu como provada (ponto 7 da matéria provada)
38 – A privação do uso de um bem, constitui só por si, um dano patrimonial na medida em que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente,
39 – traduzido na exclusão de uma das faculdades de que ao proprietário é licito gozar: a de uso e fruição da coisa – artº 1305º CC
40 – o acto de terceiro que torne materialmente indisponíveis as utilidades que é possível retirar desse bem deve ser encarado como um dano, que enquanto tal deve ser objecto de reparação adequada (artº 483º CC)
41 – o que consubstancia o pedido do Autor,
42 – Que o tribunal sequer relevou como devia, porquanto inexplicavelmente retira dos factos provados que entre Recorrente e Recorrida existe um contrato que aquele incumpriu!!!
43 – Matéria provada que, reitera-se, só por si conduz indubitavelmente a decisão oposta.
44 – Nomeadamente levará à concluir que da parte do recorrente não existiu qualquer incumprimento que justificasse a privação de uso por este do seu numero de telemóvel.
45 – E então temos a necessária apreciação do pedido formulado pelo Recorrente, desvirtuado pela conclusão do tribunal “ a quo” quanto à existência e prova da relação comercial entre as partes
46 – E temos então
47 – que a doutrina e a jurisprudência tem pugnado pela valoração autónoma do dano de privação do uso, segundo a qual, a violação do direito de propriedade, acompanhado da privação do uso, como acontece in caso,
48 – constitui por si só um facto ilícito, que confere ao lesado o direito à respectiva indemnização.
49 – nos presentes autos verificam-se todos os pressupostos da obrigação de indemnizar elencados no artº 483º cc
50 – estamos indiscutivelmente perante um facto ilícito e culposo (associação individa do numero de telemóvel do autor ao contrato subscrito pela empresa D…, Lda) do qual resulta um dano (atenta a natureza autonoma do dano de privação do uso) intercedendo inegavelmente entre aquele e este um nexo de causalidade.
51 – E o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado bem como os bens que o lesado deixou de obter em consequência da lesão
52 – Pelo que haverá que ressarcir o A. dos danos que a indisponibilidade do número de telemóvel lhe causou
53 – o que poderá vir a ser fixado por recurso às regras da equidade.
54 – A sentença, fruto da errada interpretação dos factos que deu como provados,
55 – Não considerou provada a existência de dano para o Autor,
56 – Prova que decorre, por si só daquela factualidade provada,
57 – E ao decidir como decidiu violou a douta sentença o disposto nos artº 483º, 563º, 566º e sgs, artº 805º nº 2 b), e artº 1305º do CC, bem como o disposto nos artº 661º nº 2 e artº.712º do CPC.
58 – Pelo que, no que concerne à apreciação, decisão e aplicação do direito a matéria de facto provada (bem assim como nos pressupostos invocados), o tribunal “a quo” incorre em manifesto erro na sua interpretação e no seu julgamento artº 659º nº 2 CPC.
59 – Face à prova produzida outra devia ter sido a decisão,
60 – Ao julgar como julgou, considerando a existência de um contrato de prestação de serviços entre Autor e Ré violou a douta sentença e fez má aplicação do disposto nos artº. 342º nº 1 e artº. 1154º ambos do CC, assim bem como ao decidir como decidiu julgou incorrectamente a factualidade provada, bem como os factos não provados.
61 – resta impugnar o facto provado elencado sob nº 11, porquanto não é o mesmo um facto mas sim uma conclusão e que por esse motivo não pode ser levado à matéria provada, nem como isso considerado.
Termina a apelante por pedir a revogação da sentença e a sua substituição por outra que interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes à factualidade provada com o que se concluirá pela condenação da Ré /recorrida a indemnizar o Autor dos danos que lhe causou.
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A Ré veio apresentar contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
1. O recurso deve improceder e a douta sentença ser confirmada.
2. A causa de pedir na presente acção de indemnização consiste em o Autor ter ficado impedido de usar o número de telemóvel ………. que utilizava em resultado do barramento e posterior suspensão (em Fevereiro de 2009) e desactivação (em Abril de 2009) pela Ré da prestação do serviço móvel terrestre prestado à sociedade D…, Lda por falta de pagamento, por esta, das facturas emitidas pela prestação desse serviço (factos provados 7, 13 e 14), sendo que o referido número de telemóvel, inicialmente activo como pré-pago com a conta ………. em nome do Autor, passou em 2008, após subscrição, pela sociedade D…, Lda da Proposta de Subscrição junta aos autos com a petição inicial sob documento nº 3 estar associado à conta ………. em nome desta.
3. Os factos constantes do ponto 4 da matéria de facto dada como provada foram alegados pelo próprio Autor no artigo 4º da sua petição inicial, pelo que afigura-se à Ré um contras senso a pretensão do Autor em vê-lo dado como não provado.
4. O Tribunal recorrido apreciou devidamente a prova produzida ao considerar provados os factos constantes dos nºs 10 e 12 da matéria de facto provada.
5. Com efeito, do depoimento da testemunha I… (ficheiro 20130416160105_290397_64747 do CD e acima transcrito nessa parte) e da Proposta de Subscrição da sociedade D…, Lda, (documento nº 3 da petição inicial) é possível extrair claramente que o número ……… constava da Proposta de Subscrição como contacto do decisor e, para além disso, como um dos números a activar, bem como que a proposta de subscrição do serviço se encontrava devidamente assinada.
6. Ainda do depoimento da mesma testemunha (ficheiro 20130416160105_290397_64747 do CD e acima transcrito nessa parte) resulta que na altura apenas era necessária carta de cedência de titularidade no caso de pré-pagos com roaming contratual e, por conseguinte, no caso dos autos, da desnecessidade de tal carta de cedência.
7. A factualidade constante do ponto 11 da matéria de facto dada como provada não é matéria conclusiva como defende o Autor, antes se tratando de matéria relevante para a boa decisão da causa, não havendo qualquer justificação para vir invocar, em sede de recurso, que a Ré adicionou indevidamente e sem qualquer autorização ou consentimento explícito ou tácito do Autor o seu número ao plano subscrito pela empresa D…, Lda.
8. É isso mesmo que decorre do depoimento da testemunha I… (ficheiro 20130416160105_290397_64747 do CD e acima transcrito nessa parte) e, ainda, da sentença proferida no processo 242496/09yiprt que foi intentado pela Ré contra a D… da qual consta «Apesar de ter referido que o seu número pessoal – ……… – foi incluído no contrato contra a sua vontade, não logrou o convencer o tribunal da veracidade das suas declarações, quer pelo contrato expresso do contrato celebrado, quer pela circunstância de não ser crível que não tenha reparado que não lhe estava a ser cobrado qualquer valor a título pessoal e que sem carregar o telemóvel tinha disponibilidade permanente para fazer chamadas telefónicas.» e que teve por base o próprio depoimento do próprio Autor.
9. Bem sabendo assim o Autor que o nº ……… passou a estar associado à conta de cliente nº ………. em nome da sociedade D…, Lda.
10. O Tribunal recorrido apreciou devidamente a prova testemunhal produzida ao responder negativamente a matéria articulada referente à verificação de danos (patrimoniais e morais) sofridos pelo Autor.
11. Com efeito, dos depoimentos - todos acima parcialmente transcritos - das testemunhas J… (ficheiro 20130416144409_290397_64747 do CD), K… (ficheiro 20130416150009_290397_64747 do CD), L… (ficheiro 20130416151524_290397_64747 do CD) e M… (ficheiro 20130416154755_290397_64747 do CD), não é possível extrair dos mesmos qualquer ganho concreto que o Autor tivesse visto frustrado e que não lhe permitisse aumentar o seu património, sendo possível retirar dos mesmos a existência de uma ligação muito estreita entre o Autor e a sociedade D…, como ainda que, para além do telemóvel, os contactos eram efectuados por telefone fixo da empresa, que os orçamentos eram apresentados pela D…, Lda e que nunca se concretizaram as obras.
12. Foi não pagamento pela referida sociedade D…, Lda dos serviços prestados pela Ré que motivou a sua suspensão e desativação por esta, direito que lhe tinha ao abrigo do artº.52º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Electrónicas) que determina que assiste aos prestadores de serviços de comunicações electrónicas, em caso de não pagamento de facturas, o direito à suspensão e extinção do serviço, e posterior desativação.
13. Assim sendo, a conduta da Ré foi lícita, faltando desta forma um dos pressupostos da responsabilidade civil (a ilicitude do facto), seja contratual ou extracontratual, não podendo, por isso, desde logo, jamais proceder a pretensão indemnizatória do Autor.
14. Ademais, o Autor não logrou provar quaisquer prejuízos, pelo que, por falta deste pressuposto da responsabilidade civil, não poderia, de igual modo, proceder a pretensão indemnizatória do Autor.
15. Sobre o entendimento do Autor de que o Tribunal devia ter relegado para execução de sentença, refere-se que uma coisa é não se ter provado o "quantum” do prejuízo e outra não se provar o próprio prejuízo, que foi o que aconteceu nos presentes autos, sendo que é somente na primeira hipótese que o artigo 661º, n. 2, do Código de Processo Civil permite relegar para a execução da sentença a liquidação do montante da indemnização.
16. Já quanto ao recurso à equidade, também defendido pelo Autor, o artº 566º, nº 3, do Código Civil pressupõe, por um lado, que os danos foram alegados e se encontram provados e, por outro, terem-se esgotado todos os meios susceptíveis de se determinar o seu valor exacto (STJ, 14.12.1991, in AJ, 15º/16º-29), o que também não é o caso dos autos.
Conclui no sentido de se manter a sentença, julgando-se improcedente o recurso.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 685º- A CPC e actual art. 639º da Lei 41/2013 de 26/06.
As questões a decidir:
- do regime jurídico aplicável ao recurso;
- reapreciação da decisão da matéria de facto, quanto aos concretos pontos 4, 10 e 12 dos factos provados e os factos não provados, concernentes aos danos;
- eliminação do ponto 11 dos factos provados, por conter matéria conclusiva;
- do mérito da causa.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1 - O A. desde Junho de 2000 era titular do número de telemóvel ……… que utilizava sobretudo para fins profissionais na actividade de construção e trabalhos em perfis não estruturais e instalações sem qualificação específica (art. 1º da petição inicial).
2 - Actividade desempenhada em firma individual mas em colaboração estrita e permanente com outra congénere, a sociedade comercial por quotas denominada “D…, Ld.ª”, NIPC: ………, com sede na Rua … nº ., .º D, em ….-… …, onde a sua mulher (E…) é sócia e gerente e a sogra (F…) é sócia ( art. 2º da petição inicial ).
3 - Acontece que, em Outubro de 2008 esta empresa (D… Ldª) celebrou com a operadora de telecomunicações G… (actualmente pertença da R. por ter sido incorporada a esta em fusão ocorrida a 02/11/2007) em campanha de “G1…” sob proposta de subscrição de serviço telefónico móvel para pessoas colectivas e empresários em nome individual, um contrato de prestação de serviços de telecomunicações com atribuição de 2 módulos e 2 cartões, no qual foi atribuído o novo número ……… de telemóvel (art. 3º da petição inicial).
4 - E, em tal campanha previa que entre dois números de telemóveis da mesma rede e da mesma empresa pudessem comunicar sem custo adicional até ao limite de 350 minutos, por isso foi aí incluído o número de telemóvel do A. (………) como sendo o segundo número atribuído a essa facturação e utilização e adicionado ao contrato (art. 4º da petição inicial).
5 - Foi sua esposa (E…) quem subscreveu tal contrato por ser a sócia e gerente da predita empresa (D…, Ldª), mas embora o A. não tenha participado pessoal e directamente na negociação com a R. em tal contrato, assentiu na decisão da mulher de modo a que o seu número de telemóvel pudesse ficar aí firmado como sendo o “Contacto Alternativo” desta sócia e gerente pois o A. é quem na prática a ajuda a tomar decisões no laborar desta empresa (art. 5º da petição inicial).
6 - Por motivo de falta de pagamento de factura veio a R. intentar contra a “D…, Ld.ª” uma injunção que correu os seus termos pelo 2º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Maia sob o nº: 242496/09.1YIPRT de processo em acção especial para cumprimento obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância (art. 6º da petição inicial).
7 - E, por conta disso ficou desde então o A. impedido de usar o seu número de telemóvel (………) pese embora tenha dado conta à R. das suas reclamações que foram remetidas por cartas registadas com AR (art. 7º da petição inicial).
8 - O nº ……… esteve activo como pré pago desde 22/11/1998 até 2008, com os tarifários …, …, … e …, com a conta ………., em nome do Autor (art. 7º da contestação).
9 - A subscrição da Proposta referida em 3º para activação de um plano tarifário … originou a conta ………., em nome da D…, Lda, tendo a Ré a título de “subsidiação” entregue à sociedade cliente um Nokia …, com um custo de apenas 10€ e um Nokia …., com um custo de apenas 9.99€ (art. 11º da contestação)
10 - o número ……… estava na Proposta de Subscrição como contacto do decisor e, para além disso, como um dos números a activar, proposta essa que se mostrava devidamente assinada (art. 12º da contestação).
11 - Caso o Autor não tivesse conhecimento da alteração da sua numeração para a conta da sociedade, sempre teria dado conta que, ao efectuar as chamadas, não era taxado como pré pago, nem tinha de efectuar carregamentos (art. 13º da contestação).
12 - Na altura, apenas era necessária carta de cedência de titularidade no caso de pré-pagos com roaming contratual (art. 14º da contestação).
13 - A sociedade cliente da Ré apenas liquidou a primeira factura (….) emitida pela Ré, tendo o serviço ficado suspenso por falta do pagamento das facturas, em Fevereiro de 2009 e sido desactivo, pelo mesmo motivo, em Abril de 2009 (art. 16º da contestação).
14 - Porque o nº ……… estava associado à conta de cliente nº ………., o mesmo ficou suspenso e desactivo (art. 17º da contestação).
15 - O Autor foi contactado no dia 30/06/2009, dispondo a Ré do seguinte registo: “Contactei para o nº ……… falei com o Sr. B…, expliquei que o contrato foi feito para os seguintes nºs de TLM. ……… e ……… a taxação … 1º minuto 0.250€, Após 1º minuto 0.250€, nºs móveis da empresa 0.00€, Outras redes 0.250€ e Rede fixa 0.03€, 350 minutos mensais. Em relação à lei que saiu para a taxação ao segundo o cliente tem que pedir à operadora para que seja feita a alteração para taxação ao segundo, o contrato assinado incluí uma fidelização de 24 meses em relação às facturas são devidas porque têm utilização do serviço e estão correctamente taxadas, informei que vamos avançar com o processo.” (art. 19º da contestação).
16 - A Ré nunca recebeu de outro operador um pedido de portabilidade (port-out) para proceder à transferência do nº ……… (em causa nos autos) para esse outro operador, verificando-se o mesmo quanto ao nº ……… (art. 24º da contestação).
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3. O direito
- Do regime jurídico aplicável ao recurso -
Em 01.01.2013 entrou em vigor o novo Código de Processo Civil, publicado pela Lei 41/2013 de 26/06.
Nas normas transitórias contidas no citado diploma, prevê-se no art. 5º/1, que o Código de Processo Civil é imediatamente aplicável ás acções declarativas pendentes.
O art. 7º/1 prevê um regime especial no tocante aos recursos em relação ás acções declarativas instauradas em data anterior a 01.01.2008.
A lei não estabeleceu um regime transitório para os recursos nos processos instaurados em data posterior a 01.01.2008, nos quais as decisões foram proferidas em data anterior à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil.
Conjugando o disposto no art. 12º/1 CC, com as citadas normas do regime transitório, somos levados a concluir que em processos instaurados em data posterior a 01.01.2008 com decisões proferidas em data anterior à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, não se aplica o novo regime processual às condições de admissibilidade do recurso e respectivos fundamentos.
Aplicando o regime previsto no art. 12º do CC ao processo civil resulta que na área do direito processual, a nova lei se aplica às acções futuras e também aos actos futuros praticados nas acções pendentes.
Como refere Antunes Varela: “[a] ideia, complementar desta, de que a nova lei não regula os factos pretéritos ( para não atingir efeitos já produzidos por este ), traduzir-se-á, no âmbito do direito processual, em que a validade e regularidade dos actos processuais anteriores continuarão a aferir-se pela lei antiga, na vigência da qual foram praticados”[1].
A nova lei aplica-se imediatamente aos actos que houverem de praticar-se a partir do momento em que ela entra em vigor, pelo que os actos praticados ao abrigo da lei antiga devem ser apreciados em conformidade com esta lei[2].
Em particular, no que concerne ás normas reguladoras dos recursos, Antunes Varela distinguia as normas que “fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades da preparação, instrução e julgamento do recurso”, defendendo a aplicação imediata da lei nova sempre que não estejam em causa normas que “interferem na relação substantiva”[3].
A presente acção foi instaurada em 2012.
A sentença foi proferida em 23.05.2013.
Em 27 de Junho de 2013 foi interposto recurso da sentença.
Proferida a sentença e interposto recurso em data anterior a 01.09.2013, a nova lei apenas se aplicará ao puro formalismo processual, pois quanto ás condições de admissibilidade e fundamentos do recurso, nomeadamente quanto aos fundamentos e critérios de reapreciação da prova, ressalva-se os efeitos produzidos pela anterior lei, na medida em que pode contender com a relação substantiva, pelo que, na apreciação das questões objecto do recurso deve aplicar-se o regime em vigor na data em que foi proferida a sentença, que no caso consiste no regime previsto no DL 303/2007 de 24/08.
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- Reapreciação da decisão da matéria de facto, quanto aos concretos pontos 4, 10 e 12 dos factos provados e os factos não provados, concernentes aos danos -
Nas conclusões de recurso sob os pontos 24, 33 a 35 suscita a apelante a reapreciação da decisão da matéria de facto, quanto à matéria do art. 14º da contestação (ponto 12 dos factos provados) e art. 12º e 13º da petição (matéria de facto não provada). Na motivação do recurso, insurge-se, ainda, contra a decisão do art. 4º da petição (ponto 4 dos factos provados) e art. 12º da contestação (ponto 10 dos factos provados).
Nos termos do art. 712º/1 a) CPC a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
Se do processo constarem todos os elementos de prova, que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 685º-B, a decisão com base neles proferida.
O art. 685º-B CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2. No caso referido na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do nº2 do art. 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
3. Na hipótese prevista no número anterior, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
(…)
O art. 522º-C/2 CPC (na redacção do DL 303/2007 de 24/08) determina:
Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, devem ser assinalados na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos.
No caso concreto, dispensou-se a selecção da matéria de facto e realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante indicou os pontos de facto impugnados, - art. 14º da contestação (ponto 12 dos factos provados) e art. 12º e 13º da petição (matéria de facto não provada) - bem como, os depoimentos das testemunhas em que fundamenta a sua oposição, ainda que por remissão para a motivação de recurso.
Na motivação do recurso, insurge-se, ainda, contra a decisão do art. 4º da petição (ponto 4 dos factos provados) e art. 12º da contestação (ponto 10 dos factos provados).
A lei concede ao relator, nos termos do art. 685º-A CPC, a faculdade de suscitar o aperfeiçoamento das conclusões de recurso, quando as mesmas se mostrem deficientes, obscuras ou complexas.
A falta de indicação nas conclusões de recurso dos concretos pontos de factos impugnados e dos meios de prova em que se funda a impugnação, justificaria o aperfeiçoamento das conclusões de recurso, o que no caso concreto se revelaria um acto inútil.
No que respeita aos factos impugnados não assiste ao apelante legitimidade para interpor recurso de tal matéria, na medida em que não se trata de uma decisão desfavorável à sua pretensão, sendo este um dos pressupostos para interpor recurso da decisão, como resulta do art. 680º/1 CPC.
Com efeito, o ponto 4 dos factos provados corresponde ao art. 4º da petição, matéria alegada pelo apelante e aceite pela apelada (art. 10º da contestação), pelo que se considera provada porque admitida por acordo nos articulados (art. 490º/2 CPC).
Quanto ao ponto 10 dos factos provados, que corresponde ao art. 12º da contestação, resulta da matéria assente nos autos e que resulta provada sob os pontos 3, 4, e 5, que o apelante na petição admite que aceitou e concordou que o número atribuído ao seu telemóvel – ……… – passasse a ficar associado ao contrato celebrado entre a sociedade D…, Lda e a G…, admitindo também que a cessação deste contrato, impediu que continuasse a fazer uso deste número de telemóvel. Aliás, esta constitui a questão nuclear da acção relacionada com a “ portabilidade do número”, já que o apelante na petição não questiona que o mesmo esteve associado ao referido contrato.
Desta forma, mostra-se inútil reapreciar a matéria do ponto 10, quando a sua prova não se mostra relevante para analisar a questão nuclear da acção e na qual o Autor funda a sua pretensão de indemnização.
Considera-se, ainda, que não se justifica o aperfeiçoamento das conclusões para efeitos de indicação dos fundamentos da impugnação, quanto à demais matéria objecto de impugnação, porque nas conclusões a apelante remete para a motivação e na motivação a recorrente já analisa de forma detalhada os meios de prova em que funda a oposição, transcrevendo as passagens relevantes dos depoimentos das testemunhas.
Acresce que tal circunstância não veio impedir a apelada de se pronunciar sobre os fundamentos da reapreciação da prova.
Conclui-se, assim, nos termos do art. 712º/1 CPC e do art. 685º-B do mesmo diploma, na redacção do DL 303/2007 de 24/08, por rejeitar a reapreciação da decisão da matéria de facto, quanto aos art. 4º da petição e art. 12º da contestação, limitando a reapreciação, por se verificarem os pressupostos de ordem formal, quanto à decisão do art. 14º da contestação (ponto 12 dos factos provados) e art. 12º e 13º da petição (matéria de facto não provada),
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A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere Abrantes Geraldes, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto: “ deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo com o preceituado no art. 653º/2, especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[4]”.
Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação, nos termos do art. 712º/2 CPC:
“reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.”
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso directo à gravação oportunamente efectuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade susceptíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[5].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 655º CPC.
Como bem ensinou Alberto dos Reis: “… prova (…) livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei[6] “
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art. 653º CPC).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[7].
Contudo, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o pro­cesso exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, actos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador[8].
Atenta a posição expressa na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[9].
Justifica-se, assim, proceder a uma análise critica das provas com audição dos registos gravados.
Ponderando estes aspectos cumpre reapreciar a prova – testemunhal, documental -, face aos argumentos apresentados pela apelante, tendo presente o despacho que se pronunciou sobre as respostas à matéria de facto.
Procedeu-se à audição do CD que contém a prova gravada e analisados os depoimentos prestados, bem como, os documentos juntos aos autos conclui-se que a decisão sobre a matéria de facto, quanto aos concretos pontos objecto de impugnação, não merece censura pelos motivos que a seguir se expõem.
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A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre os factos que a seguir se enunciam, com a decisão que se transcreve:
- Art. 12º Petição: “Motivo porque, tem o Autor direito a ser indemnizado nos termos da lei geral, tal como previsto no art. 46ºg) da mesma Lei; art. 3ºf) da Lei 24/96 de 31/07 e art. 15º da Lei 5772008 de 26/03; na medida em que ficou sem poder contactar ou ser contactado pelos seus clientes, fornecedores, amigos, familiares e outros, e ainda ficou sem acesso aos contactos registados no cartão sim adstrito ao número que não mais pode utilizar, o que lhe causou prejuízos materiais estimados em carca de vinte mil Euros como melhor se provará a final”.
Resposta: Não provado.
- Art. 13º Petição: “Igualmente sofreu danos não materiais, com todas as atribulações sofridas com esta situação que o deixou ansioso, nervoso e perturbado e disso teve reflexo na sua vida pessoal, familiar e profissional, estimando-se simbolicamente pelo valor de cinco mil Euros o valor de indemnização por tais danos, como idem se provará”
Resposta: Não provado.
- Art. 14º Contestação: “ E que na altura, apenas era necessário carta de cedência de titularidade no caso de pré-pagos com roaming contratual”.
- Resposta: Na altura, apenas era necessário carta de cedência de titularidade no caso de pré-pagos com roaming contratual.
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O juiz do tribunal “a quo” fundamentou a decisão nos seguintes termos:
“O juízo sobre a valoração da prova tem vários níveis.
Num primeiro aspecto tem em conta a credibilidade da prova e depende substancialmente da imediação, onde intervêm elementos não racionais explicáveis.
Num segundo nível, inerente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir de factos probatórios e, agora, já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão “ regras da experiência”.
Dir-se-á, ainda, que a credibilidade que o julgador atribuiu ao depoimento de cada testemunha assenta no contacto directo que estabelece dialecticamente com as testemunhas em que, para além da razão da ciência e da expressão verbalizada, traduzida nas respostas dadas a cada pergunta, intervêm um conjunto de outros elementos físicos e psicológicos inerentes à postura mantida em audiência por cada testemunha ao longo do seu depoimento e que no seu conjunto integram o que se designa por “linguagem silenciosa do comportamento”.
Partindo de tais premissas, dir-se-á que no caso dos autos a convicção do tribunal ao dar as respostas que antecedem fundou-se na análise crítica e conjugada dos depoimentos de parte prestados com os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento e ainda om os documentos juntos aos autos, análise essa feita à luz das regras da experiência comum e norteada pelo princípio da livre apreciação da prova (artigo 396 do Código Civil).
Particularizando, dir-se-á que:
- No que concerne à prova documental o tribunal atendeu, em panicular,
- ao documento n21 junto com a petição inicial ( para prova do ponto 1 dos factos provados);
- ao documento n22 junto com a petição inicial ( para prova do ponto 2 dos factos provados);
- ao documento n23 junto com a petição inicial ( para prova do ponto 32 dos factos provados);
- ao documento n24 junto com a petição inicial (para prova do ponto 42 dos factos provados);
- ao documento n24 junto com a petição inicial (para prova do ponto 6 dos factos provados);
- ao documento n25 a 7 junto com a petição inicial ( para prova do ponto 72 dos factos provados);
Atendeu-se ainda ao teor do processo solicitado ao 2 Juízo (Aecopec 242496/O9yiprt) o qual foi consultado em audiência pelas Ilustres Mandatárias das partes e permitiu dar como provado o ponto 62 dos factos provados.
- Quanto à prova testemunhal dir-se-á que todas as testemunhas indicadas pelo Autor (J…, amigo há mais de 30 anos, K… que tem negócios com o Autor há cerca de 8/9 anos, L…, que conhece o Autor há 15 anos e M…, que tem negócios com o Autor e o conhece há 8/9 anos), foram coincidentes em afirmar que contactavam o Autor através de telemóvel (um nº da rede ..), sendo que era esse o contacto que tinham quer para assuntos profissionais quer para assuntos pessoais e que a certa altura (que não souberam precisar com exactidão), tentaram contactar o Autor por razões profissionais , designadamente para lhe falarem sobre eventuais trabalhos a que o mesmo se podia candidatar e que não conseguiram estabelecer qualquer contacto.
Também confirmaram que algum tempo depois o Autor lhes disse que tinha ocorrido um problema com a G… e que tinha deixado de ter telefone; quanto a pormenores sobre o contrato celebrado com a G… e os problemas verificados que motivaram o corte das comunicações nenhuma testemunha soube referir nada.
Da mesma forma e quanto aos efectivos prejuízos sofridos pelo Autor com a impossibilidade de contactos telefónicos, também nenhuma testemunha logrou precisar o que quer que fosse, sendo certo que resultou claro que o Autor não deixou de efectuar nenhum trabalho em concreto, mas deixou apenas de poder apresentar propostas e orçamentos que poderiam ser ou não aceites.
Finalmente o tribunal valorou positivamente o depoimento da testemunha I…, assistente de contencioso desde 2000 e que presta serviços à G… através de uma empresa, o qual se mostrou exaustivo, coerente e objectivo, explicando, através dos documentos juntos aos autos, todo o historial da relação havida entre o Autor e a Ré.
É de destacar que esta testemunha confirmou que o número do Autor era efectivamente um pré-pago (regime que vigorou entre 22.11.1998 e 19.10.2008) e que partir de Outubro de 2008 passou a estar associado a outra conta que não a conta original do Autor e deixou de ser pré-pago para estar sujeito ao tarifário; referiu ainda que o pré-pago obrigava a carregamentos de 60 em 60 dias, pelo que o Autor sempre deveria ter estranhado que partir de Outubro de 2008 e até à suspensão dos serviços por falta de pagamento (que ocorreu em 27.02.2009), continuou a fazer chamadas sem ter que efectuar qualquer carregamento.
A testemunha confirmou ainda que a Ré não recebeu qualquer pedido de portabilidade, o qual sempre teria que ser feito pela entidade para a qual seria portado o número e nunca directamente pelo Autor”.
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O apelante considera, face aos excertos dos depoimentos das testemunhas I…, J…, K… e M… que transcreve na motivação de recurso, que se verifica erro na apreciação da prova, que justifica a alteração da decisão.
Sugere a alteração da decisão, julgando-se não provado o art. 12º da contestação e provados os art. 12º e 13º da petição.
A apelada considera que a decisão da matéria de facto não merece censura.
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Analisando.
A matéria de facto objecto de impugnação reporta-se à questão de saber se a integração de um número de telemóvel, já atribuído, num contrato subordinado ao Plano Tarifário “…” estava sujeito a qualquer formalidade e se por efeito da cessação do contrato e desactivação do número atribuído ao telemóvel do apelante, o apelante sofreu os prejuízos que alega.
A respeito da matéria do art. 12º da contestação, apenas a testemunha I…, assistente de contencioso a prestar serviços para a G…, revelou ter conhecimento dos factos.
A questão consiste em apurar os procedimentos que a apelada cumpria, quando se tratava de associar um número pré-pago ao novo contrato, utilizando a testemunha a expressão “cedência de titularidade”.
Referiu a testemunha que na data em que foi celebrado o contrato em referência nos autos, a G… exigia o preenchimento da proposta, a apresentação de uma carta de cedência de titularidade e a certidão de registo comercial, para confirmar que a pessoa que celebrava o contrato dispunha de poderes para o fazer.
A testemunha referiu, ainda, que nem sempre era exigida a carta de cedência de titularidade e que no caso concreto, não tinha em seu poder qualquer documento subscrito pelo apelante com essa declaração, desconhecendo se o Autor o subscreveu.
Esclareceu, ainda, que a partir do momento que tem uma proposta assinada, por quem dispõe de poderes para o acto, face aos elementos que constam da certidão do registo comercial e se nessa proposta consta a declaração no sentido do número ser inserido na conta associada ao novo contrato, esse número passa a ficar incluído na nova conta.
A mandatária da apelada requereu a junção e foi deferido, de um formulário de carta de cedência, utilizado pela G…, que consta dos autos a fls. 102, 102 verso.
A testemunha esclareceu, ainda, face ao teor do requerimento formulado pela mandatária que não tinha conhecimento que era obrigatório apresentar a carta de cedência quando estavam em causa um contrato pré-pago, com roaming contratual.
Esclareceu, por fim, que no caso dos autos, a pessoa que celebrou o contrato, que se assume como “decisor”, indicou como número de contacto, que ficaria integrado no contrato, o número associado à conta pré-pago titulada pelo apelante e a partir daí a outra conta ficou sem efeito, porque o número em causa passou a estar associado à nova conta. No sistema passou a ficar activado na nova conta.
A testemunha depôs com objectividade e atenta a natureza das funções que exerce revelou ter conhecimento dos factos, o que reforça a sua credibilidade e do seu depoimento resulta que era prática da G… em relação a certo tipo de contratos – pré-pago com roamnig contratual – exigir uma declaração de cedência e por isso, a decisão de julgar provada a matéria do art. 12º da contestação não merece censura.
Acresce referir que não está em causa apurar, porque tal matéria não foi alegada pela apelada, se o apelante subscreveu uma declaração de cedência, mas tão só e apenas em que consistiam os procedimentos da operadora G….
Desta forma, a prova testemunhal mostra-se válida para obter a prova dos factos, por não se tratar de factos sujeitos a prova documental (art. 364º CC), já que não se trata de fazer a prova de uma declaração negocial sujeita a prova documental.
No que respeita à matéria dos art. 12º e 13º da petição, danos sofridos pelo apelante, o depoimento das testemunhas J…, K… e M… não permite obter qualquer conclusão sobre a efectiva verificação de prejuízos.
Não se questiona que a transcrição dos excertos dos depoimentos das testemunhas correspondem aos depoimentos prestados. Contudo, tais excertos fora do contexto global do depoimento não permitem apreender o sentido da mensagem que a testemunha transmitiu e por isso, não podem fundar a alteração da decisão da matéria de facto.
As testemunhas indicadas revelaram conhecer o apelante pelo facto de manterem relações profissionais entre si, exercendo as respectivas actividades na área da construção civil.
Resulta do depoimento das testemunhas que numa certa altura, o Autor deixou de estar contactável e que apenas dispunham de uma contacto: o número de telemóvel iniciado em .. e com últimos algarismo “…”.
Quando reatado o contacto, através de um outro número de telefone, as testemunhas ficaram a saber através do apelante que existiam problemas entre o apelante e a G…, mas nenhuma das testemunhas revelou ter conhecimento de pormenores sobre o sucedido e assim, o afirmaram repetidas vezes.
A testemunha J… referiu que ficou impedido de contactar o apelante durante cerca de oito dias e nesse período surgiu a possibilidade do apelante apresentar dois orçamentos, o que acabou por não acontecer, porque havia prazos para cumprir. A testemunha referiu, ainda, que o apelante poderia ter a possibilidade de celebrar o negócio, porque a testemunha se propunha auxilia-lo no método de execução da obra. Contudo, afirmou com grande determinação que não tinha qualquer poder de decisão, nomeadamente de influenciar o dono da obra e por isso, nada garantia a aceitação dos orçamentos.
A testemunha K…, referiu, por sua vez, que durante 4-5 meses não conseguiu contactar o Autor e por isso, não executou qualquer obra, mas não conseguiu concretizar se existiam contratos pendentes e obras projectadas. Referiu, ainda, que nessa altura o apelante se ausentou para Angola, pelo que a testemunha chegou a colocar a hipótese do Autor se ter “deslocalizado”. Referiu que o Autor também esteve doente. Esclareceu, ainda, que o Autor agia profissionalmente através da D…, mas a testemunha não tinha os contactos da sociedade, mas apenas do Autor.
A testemunha M… referiu, por sua vez, que entre 2008-2009 o apelante ausentou-se para Angola e a testemunha tentou contactá-lo, sem êxito. A testemunha referiu que chegou a indicar a outros clientes, o número de contacto do Autor e soube que essas pessoas tentaram contactar o apelante, mas não conseguiram. Referiu que tratava-se de obras significativas que envolviam trabalhos na construção de barragens e o apelante perdeu esses negócios. A testemunha esclareceu, ainda, que tentou contactar o apelante para o apelante apresentar orçamentos, mas sem ter a certeza se os negócios se chegariam a concretizar. A testemunha referiu, ainda, que o apelante se sentia desagradado a respeito da situação que tinha sido criada pela G….
As testemunhas apresentaram depoimentos vagos sobre a matéria, acabando por não se perceber se a falta de contacto resultou da situação de doença do apelante, do facto de se ter ausentado para Angola, ou apenas porque não conseguiam estabelecer contacto telefónico com o apelante. Por outro lado, as testemunhas não conseguiram situar o período temporal em que se regista este impedimento, sendo certo que atribuíram diferentes dilações – 8 dias, 4 a 6 meses, 2008-2009 -, o que torna ainda mais indefinida a causa do impedimento.
Acresce que nenhuma testemunha conseguiu indicar em concreto os projectos ou propostas contratuais que estariam a ser negociadas e cujas negociações se frustraram por falta de contacto do apelante. Apenas a testemunha J… adiantou que tinha duas propostas para apresentar ao apelante, mas também referiu que apenas esteve impedido de o fazer durante oito dias, sendo que uma proposta envolvia uma obra numa barragem. De todo o modo, nada se referiu a respeito do interesse do apelante nessa proposta, que apesar de se afigurar aliciante para a testemunha, não significa que o fosse para o apelante e por outro lado, não se esclareceu porque motivo depois de estar contactável não podia apresentar a proposta (o prazo tinha terminado, o orçamento era simples, podendo ser executado em oito dias…).
Ponderando o exposto, somos levados a concluir que do depoimento das testemunhas não resulta que o apelante sofreu prejuízos, nomeadamente, os prejuízos que alega – danos materiais no montante de € 20.000,00 (vinte mil euro), que a situação criada deixou o apelante ansioso, nervoso e perturbado, com reflexo na sua vida pessoal, familiar e profissional.
Desta forma, mantém-se a decisão da matéria de facto.
Improcedem, assim, as conclusões de recurso sob os pontos 24 e 33 a 35.
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- Eliminação do ponto 11 dos factos provados, por conter matéria conclusiva -
Nas conclusões de recurso sob o ponto 61, considera a apelante que a matéria que consta sob o ponto 11, por não ser um facto, mas mera conclusão, deve ser eliminada da enunciação dos factos provados.
Determina o art. 713º/2 CPC que na elaboração do acórdão deve observar-se, na parte aplicável, o preceituado nos art. 659º a 665º CPC.
O art. 659º/3 CPC dispõe que: “Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame critico das provas de que lhe cumpre conhecer”.
Contudo, o art. 646º/4 CPC, prevê: “Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes.”
Como refere Lebre de Freitas: “o tribunal colectivo exorbita da sua competência (atribuída para a livre apreciação da prova dos factos da causa) quando se pronuncie sobre questões de direito ou sobre factos que só possam ser provados por documento ou estejam plenamente provados por documento, admissão ou confissão.
Compete, efectivamente, ao juiz singular determinar, interpretar e aplicar a norma jurídica (art. 659º/2) e pronunciar-se sobre a prova dos factos admitidos, confessados ou documentalmente provados (art. 659º/3)”[10].
Ás conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, ou seja, “ os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo com as regras da experiência“[11].
Antunes Varela considera que deve ser dado o mesmo tratamento “ás respostas do colectivo, que, incidindo embora sobre questões de facto, constituam em si mesmas verdadeiras proposições de direito”[12].
Em qualquer das circunstâncias apontadas, confirmando-se que, em concreto, determinada expressão tem natureza conclusiva ou é de qualificar como pura matéria de direito, deve considerar-se não escrita, nos termos do art. 646º/4, sem necessidade de anulação do julgamento.
Sob o ponto 11 dos factos provados consignou-se: “[c]aso o Autor não tivesse conhecimento da alteração da sua numeração para a conta da sociedade, sempre teria dado conta que, ao efectuar as chamadas, não era taxado como pré pago, nem tinha de efectuar carregamentos (art. 13º da contestação)”.
A matéria enunciada no ponto 11, dos factos provados integra matéria de facto, pois reporta-se à forma de carregamento e consequente operacionalidade do número de telemóvel atribuído ao telemóvel, propriedade do apelante.
Desta forma, nada obsta à sua apreciação e por isso, não se justifica julgar não escrito o ponto 11, nos termos do art. 646º/4 CPC.
Improcedem, nesta parte as conclusões sob o ponto 61.
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- Do mérito da causa –
Na apreciação da última questão, cumpre ter presente os seguintes factos provados:
1 - O A. desde Junho de 2000 era titular do número de telemóvel ……… que utilizava sobretudo para fins profissionais na actividade de construção e trabalhos em perfis não estruturais e instalações sem qualificação específica (art. 1º da petição inicial).
2 - Actividade desempenhada em firma individual mas em colaboração estrita e permanente com outra congénere, a sociedade comercial por quotas denominada “D…, Ld.ª”, NIPC: ………, com sede na Rua … nº ., .º D, em ….-… …, onde a sua mulher (E…) é sócia e gerente e a sogra (F…) é sócia ( art. 2º da petição inicial ).
3 - Acontece que, em Outubro de 2008 esta empresa (D… Ldª) celebrou com a operadora de telecomunicações G… (actualmente pertença da R. por ter sido incorporada a esta em fusão ocorrida a 02/11/2007) em campanha de “G1…” sob proposta de subscrição de serviço telefónico móvel para pessoas colectivas e empresários em nome individual, um contrato de prestação de serviços de telecomunicações com atribuição de 2 módulos e 2 cartões, no qual foi atribuído o novo número ……… de telemóvel (art. 3º da petição inicial).
4 - E, em tal campanha previa que entre dois números de telemóveis da mesma rede e da mesma empresa pudessem comunicar sem custo adicional até ao limite de 350 minutos, por isso foi aí incluído o número de telemóvel do A. (………) como sendo o segundo número atribuído a essa facturação e utilização e adicionado ao contrato (art. 4º da petição inicial).
5 - Foi sua esposa (E…) quem subscreveu tal contrato por ser a sócia e gerente da predita empresa (D…, Ldª), mas embora o A. não tenha participado pessoal e directamente na negociação com a R. em tal contrato, assentiu na decisão da mulher de modo a que o seu número de telemóvel pudesse ficar aí firmado como sendo o “Contacto Alternativo” desta sócia e gerente pois o A. é quem na prática a ajuda a tomar decisões no laborar desta empresa (art. 5º da petição inicial).
6 - Por motivo de falta de pagamento de factura veio a R. intentar contra a “D…, Ld.ª” uma injunção que correu os seus termos pelo 2º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Maia sob o nº: 242496/09.1YIPRT de processo em acção especial para cumprimento obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância (art. 6º da petição inicial).
7 - E, por conta disso ficou desde então o A. impedido de usar o seu número de telemóvel (………) pese embora tenha dado conta à R. das suas reclamações que foram remetidas por cartas registadas com AR (art. 7º da petição inicial).
8 - O nº ……… esteve activo como pré pago desde 22/11/1998 até 2008, com os tarifários …, …, … e …, com a conta ………., em nome do Autor (art. 7º da contestação).
9 - A subscrição da Proposta referida em 3º para activação de um plano tarifário … originou a conta ………., em nome da D…, Lda, tendo a Ré a título de “subsidiação” entregue à sociedade cliente um Nokia …, com um custo de apenas 10€ e um Nokia …., com um custo de apenas 9.99€ (art. 11º da contestação)
10 - o número ……… estava na Proposta de Subscrição como contacto do decisor e, para além disso, como um dos números a activar, proposta essa que se mostrava devidamente assinada (art. 12º da contestação).
11 - Caso o Autor não tivesse conhecimento da alteração da sua numeração para a conta da sociedade, sempre teria dado conta que, ao efectuar as chamadas, não era taxado como pré pago, nem tinha de efectuar carregamentos (art. 13º da contestação).
12 - Na altura, apenas era necessária carta de cedência de titularidade no caso de pré-pagos com roaming contratual (art. 14º da contestação).
13 - A sociedade cliente da Ré apenas liquidou a primeira factura (….) emitida pela Ré, tendo o serviço ficado suspenso por falta do pagamento das facturas, em Fevereiro de 2009 e sido desactivo, pelo mesmo motivo, em Abril de 2009 (art. 16º da contestação).
14 - Porque o nº ……… estava associado à conta de cliente nº ………., o mesmo ficou suspenso e desactivo (art. 17º da contestação).
15 - O Autor foi contactado no dia 30/06/2009, dispondo a Ré do seguinte registo: “Contactei para o nº ……… falei com o Sr. B…, expliquei que o contrato foi feito para os seguintes nºs de TLM. ……… e ……… a taxação ... 1º minuto 0.250€, Após 1º minuto 0.250€, nºs móveis da empresa 0.00€, Outras redes 0.250€ e Rede fixa 0.03€, 350 minutos mensais. Em relação à lei que saiu para a taxação ao segundo o cliente tem que pedir à operadora para que seja feita a alteração para taxação ao segundo, o contrato assinado incluí uma fidelização de 24 meses em relação às facturas são devidas porque têm utilização do serviço e estão correctamente taxadas, informei que vamos avançar com o processo.” (art. 19º da contestação).
16 - A Ré nunca recebeu de outro operador um pedido de portabilidade (port-out) para proceder à transferência do nº ……… (em causa nos autos) para esse outro operador, verificando-se o mesmo quanto ao nº ……… (art. 24º da contestação).
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Nas restantes conclusões de recurso o apelante insurge-se contra a sentença, porque considerou que o incumprimento do contrato era imputável ao apelante e por isso, se justificava a desactivação do número de telemóvel atribuído.
Situando a questão no contexto da matéria alegada nos articulados, verifica-se que o apelante visa através da presente acção obter a indemnização dos prejuízos sofridos em virtude de estar privado da utilização do número de telemóvel ………, porque a operadora G… não procedeu à portabilidade do número, conforme requerido (art. 7º, 8º, 10º, 11º da petição).
Resulta dos factos provados que o apelante celebrou um contrato com a operadora G…, mediante o qual a partir de Junho de 2000 passou a ser titular do número de telemóvel ……… que utilizava sobretudo para fins profissionais na actividade de construção e trabalhos em perfis não estruturais e instalações sem qualificação específica (ponto 1 dos factos provados).
O número ……… esteve activo como pré pago desde 22/11/1998 até 2008, com os tarifários …, …, … e …, com a conta ………., em nome do Autor (ponto 8 dos factos provados).
Apurou-se, ainda, que o apelante cedeu a sua posição contratual à sociedade D…, Lda, quando esta, em 2008, celebrou um contrato com a operadora G… subordinado ao regime “Tarifário …” (ponto 3, 4, 5 dos factos provados).
Com efeito, provou-se que foi a mulher do apelante, E…, quem subscreveu tal contrato por ser a sócia e gerente da sociedade D…, Ldª, e embora o apelante não tenha participado pessoal e directamente na negociação com a R. em tal contrato, assentiu na decisão da mulher de modo a que o seu número de telemóvel pudesse ficar aí firmado como sendo o “Contacto Alternativo” desta sócia e gerente pois o A. é quem na prática a ajuda a tomar decisões no laborar desta empresa (ponto 5 dos factos provados).
Conforme decorre do art. 424º CC, o apelante ao ceder a sua posição no contrato transmitiu para a sociedade D…, representada pela mulher do apelante, a sua posição no contrato e desta forma, como consequência dessa transmissão, o Autor deixou de poder aceder à conta ………., em nome do Autor.
Também por efeito da transmissão, o número associado à citada conta, passou a estar incluído no novo contrato celebrado entre a D… e a G…, ficando associado a uma nova conta, a conta ………., em nome da D…, Lda, (ponto 9 dos factos provados).
Tal transmissão mereceu o acordo da operadora G…, que assim passou a associar à nova conta, o número ………, sendo certo que tal circunstância não se discute na presente acção.
Ficaram associados à nova conta dois números de telemóveis, um dos quais o ……….
Com efeito, como defende o apelante, resulta dos factos provados que foi a sociedade D… Ldª, quem celebrou com a operadora de telecomunicações G… (actualmente pertença da R. por ter sido incorporada a esta em fusão ocorrida a 02/11/2007) em campanha de “G1…”, sob proposta de subscrição de serviço telefónico móvel para pessoas colectivas e empresários em nome individual, um contrato de prestação de serviços de telecomunicações com atribuição de 2 módulos e 2 cartões, no qual foi atribuído apenas um novo número, o número ……… de telemóvel (ponto 3 dos factos provados).
Tal campanha previa que entre dois números de telemóveis da mesma rede e da mesma empresa pudessem comunicar sem custo adicional até ao limite de 350 minutos, por isso foi aí incluído o número de telemóvel do apelante - ……… - como sendo o segundo número atribuído a essa facturação e utilização e adicionado ao contrato ( ponto 4 dos factos provados ).
A questão que é suscitada nestes autos, resulta da cessação deste contrato, como decorre dos factos provados, sob o ponto 6 e 7, na medida em que por motivo de falta de pagamento de factura veio a G… intentar contra a “D…, Ld.ª” uma injunção que correu os seus termos pelo 2º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Maia sob o nº: 242496/09.1YIPRT de processo em acção especial para cumprimento obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância e por conta disso ficou desde então o A. impedido de usar o seu número de telemóvel - ……….
Considera o apelante que lhe assistia o direito a continuar a usar tal número de telemóvel, apesar da cessação do contrato, porque requereu a portabilidade de tal número, o que não lhe foi concedido.
Trata-se, assim, de aferir, em sede de responsabilidade contratual, se a apelada violou as obrigações que decorrem da celebração do contrato de acesso à rede telefónica pública.
Com efeito, decorre do art. 52º/1 da Lei das Comunicações Electrónicas - Lei 5/2004 de 10 de Fevereiro - (DR 34, I série-A, 10de Fevereiro de 2004), alterada pelo Decreto -Lei n.º 176/2007, de 8 de Maio, pela Lei n.º 35/2008, de 28 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, pelo Decreto –Lei n.º 258/2009, de 25 de Setembro, pela Lei n.º 46/2011, de 24 de Junho, e pela Lei n.º 51/2011, de 13 de Setembro, que a republicou, e pela Lei n.º 10/2013, de 28 de Janeiro e Lei 42/2013 de 03 de Julho ) que as empresas que prestam serviços telefónicos acessíveis ao público apenas podem suspender a prestação do serviço, em caso de não pagamento das facturas, seguindo-se a extinção do serviço, caso o assinante não proceda ao pagamento voluntário no prazo concedido.
Por sua vez determina o art. 54º/1 da citada lei, sob a epígrafe “ Portabilidade dos números”:
1 — Sem prejuízo de outras formas de portabilidade que venham a ser determinadas, é garantido a todos os assinantes de serviços telefónicos acessíveis ao público que o solicitem o direito de manter o seu número ou números, no âmbito do mesmo serviço, independentemente da empresa que o oferece, no caso de números geográficos, num determinado local, e no caso dos restantes números, em todo o território nacional. (…)”
A funcionalidade portabilidade dos números garante aos assinantes de serviços telefónicos acessíveis ao público que o solicitem o direito de manter o seu número ou números, no âmbito do mesmo serviço, independentemente da empresa que o oferece, no caso de números geográficos, num determinado local, e no caso dos restantes números, em todo o território nacional.
Trata-se de obrigações acessórias que resultam, ainda, da celebração do contrato.
Esta funcionalidade está sujeita a regras de execução definidas no Regulamento n.º 58/2005, de 18 de Agosto (DR nº 158, II série de 18.08.2005), sucessivamente alterado, republicado e renumerado pelo Regulamento n.º 87/2009, de 18 de Fevereiro (DR n º 34, II série de 18.02.2009), pelo Regulamento n.º 302/2009, de 16 de Julho (DR nº 136, II série de 16.07.2009), e Regulamento 114/2012 de 01 de Março (DR nº 52, II série de 13.03.2012), onde se estabelecem os princípios e regras aplicáveis à portabilidade nas redes telefónicas públicas, sendo vinculativo para todas as empresas com obrigações de portabilidade.
Atendendo à data em que ocorreram os factos – primeiro semestre de 2009 – aplica-se o Regulamento nº 58/2005 de 18 de Agosto, na redacção do Regulamento 87/2009 de 18/02 (art. 12º CC).
Para efeitos de aplicação do citado Regulamento considera-se “portabilidade” a funcionalidade que permite aos assinantes de serviços telefónicos acessíveis ao público que o solicitem manter o seu número ou números, no âmbito do mesmo serviço, independentemente da empresa que o oferece, no caso de números geográficos, num determinado local, e no caso dos restantes números, em todo o território nacional (portabilidade de operador)” (art. 2º /1 r)).
A portabilidade implica a cessação do contrato existente entre o assinante que pretende a portabilidade e uma determinada empresa e a celebração de um novo contrato com outra empresa para onde o número ou números em causa são portados, como decorre do art. 10º/1 do Regulamento.
A denúncia contratual, devidamente identificada como sendo para efeitos de portabilidade é dirigida ao Portador Doador e entregue pelo assinante ao Portador Receptor, devendo este verificar o documento de denúncia, em particular a conformidade da respectiva assinatura com a do documento de identificação apresentado (Cartão de Cidadão, Bilhete de Identidade, Título de Residência ou Passaporte). Tratando-se de pessoa colectiva, deve igualmente ser apresentado ao PR documento que comprove a capacidade do signatário para assinar a denúncia em representação da pessoa colectiva (art. 10º/2 do Regulamento).
Nos serviços pré-pagos, a denúncia é concretizada com o pedido de portabilidade a apresentar ao Portador Receptor, nos termos do artigo 12º do Regulamento, através de documento assinado pelo assinante, devendo o Portador Receptor enviar os pedidos ao Portador Doador, nos termos referidos no nº3.
De acordo com o art. 10º/8 do citado Regulamento: “[o] disposto no presente artigo é aplicável aos casos em que haja mera alteração do contrato celebrado com o PD, quando este contrato inclua outros números para além do número ou números a portar”.
Como decorre do art. 12º do Regulamento, que consagra as formalidades do pedido de portabilidade, a mudança de empresa por um assinante, para a contratação do mesmo serviço, não implica a portabilidade do número, salvo nos casos em que o assinante o indique expressamente.
Daqui decorre que juntamente com a denúncia, a que se refere o artigo 10º, o assinante que pretenda a portabilidade do número deve solicitá-la ao Portador Receptor através de pedido próprio para o efeito, incluído no mesmo documento ou em documento autónomo, apresentando a sua identificação, ainda que se trate de assinante não identificado de serviços pré-pagos.
O art. 13º prevê as hipóteses em que o Portador Doador pode recusar o pedido de portabilidade, sendo certo que conforme se previa nos nº 7 e 8 do preceito, “[s]em prejuízo do disposto no nº 5 do artigo 46º da Lei das Comunicações Electrónicas, o incumprimento de obrigações contratuais assumidas pelos assinantes para com o portador doador não constitui causa de perda do direito à portabilidade e não podem ser recusados pedidos electrónicos de portabilidade relativos a números cujo contrato se encontre suspenso”.
Verifica-se, assim, que a funcionalidade portabilidade do número, garante que o assinante possa manter o mesmo número de telefone independentemente do operador que presta o serviço ou alterações contratuais introduzidas no contrato, recaindo sobre o portador doador o ónus de promover a portabilidade.
Retomando o caso dos autos, verifica-se que a sociedade D…, Lda, cliente da Ré, apenas liquidou a primeira factura (….) emitida pela Ré, tendo o serviço ficado suspenso por falta do pagamento das facturas, em Fevereiro de 2009 e sido desactivo, pelo mesmo motivo, em Abril de 2009 (ponto 13 dos factos provados).
Apurou-se, ainda, que pelo facto do nº ……… estar associado à conta de cliente nº ………., o mesmo ficou suspenso e desactivado (ponto 14 dos factos provados).
O Autor foi contactado no dia 30/06/2009, dispondo a Ré do seguinte registo: “Contactei para o nº ……… falei com o Sr. B…, expliquei que o contrato foi feito para os seguintes nºs de TLM. ……… e ……… a taxação … 1º minuto 0.250€, Após 1º minuto 0.250€, nºs móveis da empresa 0.00€, Outras redes 0.250€ e Rede fixa 0.03€, 350 minutos mensais. Em relação à lei que saiu para a taxação ao segundo o cliente tem que pedir à operadora para que seja feita a alteração para taxação ao segundo, o contrato assinado incluí uma fidelização de 24 meses em relação às facturas são devidas porque têm utilização do serviço e estão correctamente taxadas, informei que vamos avançar com o processo” (ponto 15 dos factos provados).
Por fim, resulta provado, que a Ré nunca recebeu de outro operador um pedido de portabilidade (port-out) para proceder à transferência do nº ……… (em causa nos autos) para esse outro operador, verificando-se o mesmo quanto ao nº ……… (ponto 16 dos factos provados).
Neste contexto, podemos concluir que apesar da cedência da posição contratual e da celebração do novo contrato entre a sociedade D… e a operadora G…, o apelante manteve o acesso ao mesmo número de telemóvel - nº ……… - e por efeito da cessação deste contrato, com fundamento na falta de pagamento das facturas ficou tal número desactivado.
Conforme resulta do Regulamento de Portabilidade, o incumprimento do contrato pelo assinante não constitui fundamento de recusa da portabilidade, o que significa que apesar do assinante não proceder ao pagamento das facturas, a operadora ou prestador doador, neste caso a apelada, não podia recusar a portabilidade do número.
Contudo, o apelante não logrou provar, como era seu ónus, na medida em que constitui um facto constitutivo do seu direito (art. 342º/1 CC), que durante a vigência dos contratos - o contrato em nome do apelante e o contrato em nome da sociedade D…, Lda, - o apelante tenha formulado um pedido de portabilidade do número para outro operador de telecomunicações, motivo pelo qual não estava a apelada, na qualidade de portador doador, obrigada a promover a portabilidade do número.
Por outro lado, resulta dos termos do Regulamento da Portabilidade, que esta funcionalidade pressupõe a denúncia do contrato pelo assinante e a celebração de um novo contrato com outra empresa para onde o número ou números em causa são portados, ou ainda, a alteração dos termos do contrato. Mas tal procedimento só pode ser desencadeado pelo assinante.
Nos termos do art. 3º/ e) da Lei das Comunicações Electrónicas, “assinante”, para efeitos de aplicação do regime previsto na citada lei, é a pessoa singular ou colectiva que é parte num contrato com um prestador de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público para o fornecimento desses serviços”.
No caso, em concreto, o apelante não figurava como assinante, pois o contrato em causa foi celebrado com a sociedade D…, Lda, motivo pelo qual não lhe assistia a faculdade de formular tal pedido. Aliás, como resulta da conclusão sob o nº 18, o apelante não se considera parte no contrato. Contudo, o número em causa está associado a esta conta e contrato, no qual figura como assinante “D…, Lda”, sendo certo que o apelante não figura como sócio-gerente desta sociedade, nem invoca tal qualidade nesta acção.
Refira-se, ainda, que face ao registo telefónico que consta dos factos provados, o apelante suscitava junto a apelada questão diferente daquela que agora coloca e apenas relacionada com o custo das chamadas.
Conclui-se, assim, que o apelante não logrou provar que lhe assistia o direito de requerer a portabilidade do número, para além de não ter logrado provar que formulou tal pedido, motivo pelo qual, não pode ser imputada à apelada o incumprimento de qualquer dever contratual.
Em sede de recurso, contudo, o apelante entra em consideração com um conjunto de factos e fundamentos que não foram oportunamente alegados na petição, pois alega, sob os pontos 24 e 50 das conclusões de recurso, que sem o consentimento do apelante, a apelada procedeu à associação do número ……… a uma nova conta e invoca, ainda, nas conclusões de recurso sob os pontos 36 a 41, 44, 47 a propriedade do número de telemóvel e a privação do seu uso.
No que concerne ao “direito de utilização de números”, resulta do regime previsto nos art. 33º a 35º da Lei das Comunicações Electrónicas, que tal direito apenas é atribuído ás empresas que exploram este tipo de actividade através de pedido dirigido à Autoridade Reguladora Nacional.
Ao assinante apenas assiste a faculdade de requerer a portabilidade do número, desde que associado à celebração de um contrato com um operador (art. 54º da citada lei).
A respeito da falta de consentimento para a associação do número de telemóvel a uma nova conta, para além de tal argumento entrar em contradição com a matéria alegada pelo apelante na petição, e provada sob os pontos 3, 4 e 5 dos factos provados, constitui nova matéria de facto, que não foi considerada na decisão recorrida.
O recurso, como refere Professor Castro Mendes, consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer[13].
Os recursos destinam-se em regra a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, apenas se exceptuando: o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 668º, nº 1, alínea d), do CPC); a existência de questão de conhecimento oficioso; a alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 272º do CPC); e a mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada.
O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida. O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância[14].
A respeito da alegação de factos novos refere expressamente o ilustre professor: “[a] invocação de factos novos parece só ser possível até ao encerramento da discussão em primeira instância (art. 506º/1, 663º/1 CPC)”[15].
Na jurisprudência entre outros sobre esta questão, podem ler-se: os Ac. STJ 07.07.2009, Ac. STJ 20.05.2009, Ac. STJ 28.05.2009, Ac. STJ 11.11.2003 (todos em http://www.dgsi.pt), merecendo-nos particular relevo o Ac. STJ 28.05.2009 onde se refere:
“E, do específico ponto de vista da instância recursiva, tem-se por certo que, como é jurisprudência uniforme, sendo os recursos meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados), ou seja, visando os recursos apenas a modificação das decisões relativas a questões apreciadas pelo tribunal recorrido (confirmando-as, revogando-as ou anulando-as) e não criar decisões sobre matéria nova, salvo em sede de matéria indisponível, a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respectiva apreciação pelo Tribunal ad quem (art. 676º CPC).”
Ponderando o exposto a respeito do objecto do recurso, verifica-se que os factos que o apelante vem introduzir nas conclusões do recurso não podem ser considerados, pois constituem factos novos, já que em sede de petição não foram alegados, nem resultam da discussão da causa e por isso, não constam da enunciação dos factos provados.
Se os novos factos resultaram da discussão da causa, recaía sobre as partes ao abrigo do art. 264º/3 CPC, suscitar junto do tribunal “a quo”, a sua consideração em sede de decisão, o que também não ocorreu.
Conclui-se, assim, nos termos do art. 676º CPC que nenhuma relevância merece, nesta sede, os factos novos que o apelante vem alegar e bem assim, os novos fundamentos de sustentação da sua pretensão, com a invocação da falta de consentimento do apelante para a inclusão do número nº ……… no contrato celebrado entre a sociedade D… e a G…, pois os mesmos não foram considerados na decisão objecto de recurso e ao tribunal de recurso apenas cumpre reapreciar as matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal “a quo”, ficando, por isso, vedado a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada). Tal como o juiz da 1ª instância, em sede de recurso, o tribunal “ad quem” está limitado pelo pedido e seus fundamentos e pela defesa tal como configurados na acção, motivo pelo qual está impedido de conhecer do objecto do recurso nesta parte (art. 661º CPC e art. 684º CPC).
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Não logrando o apelante provar que lhe assiste o direito, fica prejudicado o pedido de indemnização. Acresce que não se provaram os danos que o apelante invoca, já que a impugnação da decisão da matéria de facto improcedeu e o apelante só impugna a decisão proferida no pressuposto da alteração da decisão da matéria de facto, motivo pelo qual não cumpre proceder à respectiva reapreciação.
Improcedem, desta forma, as conclusões de recurso.
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Nos termos do art. 446º CPC e actual art. 527º CPC as custas são suportadas pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e ainda que com diferentes fundamentos, confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo do apelante, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Honorários a atribuir ao patrono, após baixa do processo, em 1ª instância.
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Porto, 18 de Novembro de 2013
(processei e revi – art. 138º/5 CPC, actual art. 131º/5 CPC (redacção Lei 41/2013 de 26/06))
Ana Paula Amorim
Ana Paula Carvalho
Rita Romeira
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[1] ANTUNES VARELA, J.M.BEZERRA, SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Actualizada de acordo com o DL 242/85, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pag.49.
[2] ALBERTO DOS REIS Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 81, pag. 202 apud ANTUNES VARELA, J.M.BEZERRA, SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Actualizada de acordo com o DL 242/85, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1985, nota de rodapé (1), pag. 54.
[3] ANTUNES VARELA, J.M.BEZERRA, SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, ob. cit., pag. 55.
[4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, Janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada, pag.270.
[5] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, ob. cit., pag.272.
[6] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol IV, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Lim, 1987, pag. 569. [7] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 – publicado no endereço electrónico http://www. dgsi.pt.
[8] Ac. STJ 28.05.2009 - Proc. 115/1997.5.1 – publicado no endereço electrónico http www. dgsi.pt.
[9] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil – Novo Regime, Coimbra, Almedina, Setembro 2008, 2ª ed. revista e actualizada pag. 299 e Ac. STJ 20.09.2007 CJSTJ, XV, III, 58, Ac STJ 28.02.2008 CJSTJXVI, I, 126, Ac. STJ 03.11.2009 – Proc. 3931/03.2TVPRT.S1; Ac. STJ 01.07.2010 – Proc. 4740/04.7 TBVFX-A.L1.S1 (ambos em www.dgsi.pt).
[10] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 677.
[11] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pag. 637.
[12] ANTUNES VARELA, J.M.BEZERRA, SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, ob. cit., pag. 648.
[13] JOÃO DE CASTRO MENDES Direito Processual Civil – Recursos, ed. AAFDL, 1980, pag. 5.
[14] JOÃO DE CASTRO MENDES Direito Processual Civil – Recursos, pag. 24-25 e ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil , vol V, pag. 382, 383.
[15] JOÃO DE CASTRO CASTRO MENDES Direito Processual Civil – Recursos, pag. 25-26.