Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MELO LIMA | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS CRIME PARTICULAR OFENSA A ORGANISMO SERVIÇO OU PESSOA COLETIVA DIFAMAÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP20120411142/09.7TAAMT.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/11/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - A aquiescência do arguido à alteração da qualificação jurídica (do crime de Difamação para o crime de Ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva), comunicada em audiência de julgamento, legitima o prosseguimento do processo para conhecimento da factualidade descrita sem prejuízo de o tribunal poder vir a declarar a insubsistência da pronúncia, por ilegitimidade do MºPº, caso resulte provada a prática do crime Difamação e não tenha havido, como não houve, acusação particular. II - No crime de Difamação [art. 180º, do CP], o elemento objetivo identifica-se com a formulação e/ou reprodução de um juízo ofensivo da honra e consideração; por seu lado, no crime de Ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva [art. 187º, do CP] exige-se a afirmação ou propalação de factos inverídicos, não bastando a formulação ou propalação de meros juízos de valor. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Processo 142.09.7TAAMT.P1 Relator: Melo Lima Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto A - Relatório 1. Pelo 1ºJuízo do Tribunal Judicial de Amarante, em Processo Comum, Tribunal Singular, B… foi pronunciado pela pática de um crime de difamação p. e p. no art. 180.º do CP. 2. O Município … deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/ demandado peticionando o pagamento da quantia de € 15.000,00. 3. No decurso da audiência de julgamento, foi comunicada ao arguido e ao MP a eventual alteração da qualificação jurídica dos factos imputados na pronuncia, sob a consideração de que os mesmos podiam integrar a pratica de um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, bem como a subsequente alteração substancial dos factos, não se tendo o arguido oposto à continuação do julgamento por novos factos, requerendo o prazo de 10 dias para defesa. 4 Realizado o julgamento, foi decidido: 4.1 Na parcial procedência da pronúncia, operada a alteração da qualificação jurídica do tipo imputado, condenar o arguido, pela prática em autoria material de um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo e serviço, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 12,00 € no valor global de 1.200,00€. 4.2 Na parcial procedência do pedido de indemnização civil formulado, condenar o demandado B…, no pagamento ao Município … da quantia de € 5.000,00€. 5 Inconformado, recorre o Arguido B…, logrando resumir a respectiva motivação com as seguintes 85 Conclusões: 5.1 Vem o presente recurso interposto da douta Sentença de fis. a fis. ..., proferido no âmbito do Processo Comum e perante Tribunal Singular n 142/09.7TAAMT, que correu seus termos junto do 1 Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, e que condenou o ora recorrente B…, “(...) pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo e serviço, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 12,00, o que perfaz o montante global de 1200,00 euros”. 5.2 Bem como da parte da decisão que condenou o Recorrente no pagamento, “por parcialmente provado o pedido de indemnização civil formulado pelo ofendido”, “da quantia de €5.000,00 ao Município ….” 5.3 Entende o recorrente, que a sentença proferida enferma do vício de nulidade insanável constante do art. 1 19. ai. b) do Cód. Proc. Penal, pelo que não deveria conduzir a qualquer condenação ao arguido. 5.4 Sem prescindir, também, pretende o recorrente o reexame da matéria de facto dada como provada e que sustentou a presente condenação, limitando o âmbito do seu recurso, nos termos do previsto no artigo 4O3, do Código de Processo Civil, à parte em que foi condenado pela prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo e serviço, na pessoa do ofendido Município de …. 5.5 Foi o ora recorrente pronunciado, nos presentes Autos, pela prática de um crime de difamação, conforme conta da decisão instrutória. 5.6 Em consequência de tal decisão de pronúncia, o arguido, ora recorrente, no início da audiência de discussão e julgamento, em requerimento apresentado suscitou e requereu a declaração de nulidade insanável ocorrida. 5.7 Na verdade, o arguido encontrava-se pronunciado pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelos arts. 18O., 182º e 183., n. 1 ai. a) todos do Cód. Penal. Tal crime de difamação reveste a qualidade de crime de natureza particular, pelo que, considerando o plasmado no art. 188, n. 1 do Cód. Penal depende de acusação particular. 5.8 Como no presente caso não ocorreu, nem existe essa acusação particular, tal configura uma excepção de ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, o que obsta ao conhecimento do mérito da causa, verificando-se, portanto, falta de promoção do processo e constitui nulidade insanável, de acordo com o art. 119., al. b) do Cód. Proc. Penal, de conhecimento oficioso enquanto a decisão final não transitar em julgado. 5.9 Erradamente, o Tribunal a quo indeferiu o requerimento apresentado, ordenando a continuação do julgamento. 5.10 Na verdade, depois de os autos terem sido remetidos para a fase de julgamento, o sr. juiz decidiu receber a pronúncia deduzida «pelos factos e incriminação nela constantes», cujo conteúdo deu por reproduzido. 5.11 Ora, a natureza particular do crime por que vinha pronunciado o arguido, impunha a existência de acusação particular deduzida por assistente, o que não existe nos presentes Autos. 5.12 Tal falta constitui requisito essencial e necessário à procedibilidade do processo penal, pelo que constitui nulidade insanável, e por conseguinte, obsta ao prosseguimento do processo e consequente apreciação do mérito da causa. 5.13 Tratando-se de nulidade insanável, a mesma deveria ser declarada oficiosamente em qualquer fase do procedimento, considerando o previsto nos arts. 119. al. b) e 338. n.º 1 do Cód. Proc. Penal. 5.14 Não podia o tribunal a quo, uma vez aceite a pronúncia nos exactos termos em que constava, fazer prosseguir o processo, uma vez verificada a falta de um requisito legal exigido, para o prosseguimento da acção. 5.15 Nos termos do art. l22., nº 1 do Cód. Proc. Penal “tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar”. 5.16 Nesse sentido, repondo a legalidade do processo, deverá este Venerando Tribunal ad quem, declarar verificada a nulidade insanável constante do art. 119. al. b) do Cód. Proc. Penal, com todas as consequências legais. 5.17 O arguido, ora recorrente, não se pode conformar com tal condenação, por várias ordens de razões: 5.17.1 O tribunal a quo não analisou correctamente toda a matéria de facto carreada para os autos, existindo, claramente, um erro notório na apreciação da prova; 5.17.2 Mesmo considerando parte dos factos dados como provados não se encontra verificado o preenchimento do tipo de ilícito por que foi o arguido condenado; 5.17.3 Mais a mais, a condenação verificada encerra em si uma violação clara do princípio da liberdade de expressão consagrado no art. 37º da CRP, interpretado no estrito respeito pelos arts. 16º e l8º do mesmo diploma. 5.18 Entende o recorrente que o meritíssimo tribunal a quo, não analisou correctamente a prova carreada para os autos, existindo, na opinião do ora recorrente, claramente, um erro na apreciação da prova, com as normais consequências no preenchimento do tipo legal de crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva imputada ao recorrente, na medida da pena, e no resultado do pedido de indemnização civil. Entendendo o recorrente que essa errada apreciação da prova se reflecte no facto de terem sido dados como provados os Pontos ns 9, 11, 13 e 14, quando deveriam ter sido eles considerados como não provados. 5.19 Igualmente, e relevante para a decisão da causa, entende o recorrente que o meritíssimo juiz a quo errou quando considerou como não provados os factos constantes da contestação com as Alíneas c), d), e), f), n) e p), quando deveriam ter sido considerados como provados. 5.20 Entende o recorrente que a avaliação de toda a prova produzida impunha uma decisão diversa da ocorrida na sentença ora em crise, manifestando, claramente, e pelo menos, um erro de raciocínio. 5.21 Na verdade, ao dar como provados os pontos supra referidos pretendeu, mal, o tribunal a quo, dar como preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime por que condenou o arguido. 5.22 Estipula o art. l87. do Cód. Penal que “quem, sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias”. 5.23Assim, a condenação do agente implica: 5.23.1 A afirmação ou propalação de factos inverídicos; 5.23.2 Que esses factos se mostrem capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança de pessoa colectiva, corporação, organismo ou serviço; 5.23.3 Que o agente da infracção não tenha fundamento para em boa-fé reputar como verdadeiros os factos inverídicos; 5.23.4 Que a pessoa colectiva, instituição, corporação, organismo ou serviço exerça autoridade pública. 5.24 Através da conduta do arguido não é possível concluir-se que se verificou a afirmação ou propalação de factos inverídicos. 5.25 Na realidade, nas suas extensas declarações (Cfr. declarações do arguido, reproduzidas em áudio, na audiência de julgamento de 7 de Abril de 2011, entre as 11.44.31 horas e as 1220.44 horas e na audiência de 1 de Junho de 2011 entre as 10:27:55 horas e as 10:34:57 horas) o arguido explica todos os contornos, todo o iter cronológico que decorreu com o processo de licenciamento que contesta, afirmando que “considera que houve erros”, expondo, do seu ponto de vista, ao pormenor, tudo quanto considera de ilegal desde “a distância entres as duas casas”, “a altura da casa”, “a existência de um terceiro piso a mais”, a “falta de colocação de aviso de pedido de licenciamento em curso”, o “uso e abuso do meu muro, cravando ci versas vigas... perfurando o meu muro”., e por isso, considerando-o ilegal. 5.26 Aliás, veja-se que a sentença proferida pelo Tribunal a quo deu como provado que “o arguido fez diligências junto à CM … sobre esse licenciamento e entendeu que o processo de licenciamento era ilegal” (cfr. ponto 22 dos factos provados). E também o ponto 23 dos factos provados “e disso mesmo fez menção à Câmara que procedeu ao embargo da obra”. 5.27 De facto, o arguido não afirma ou imputa factos inverídicos. Quanto muito o que o arguido fez foi formular um juízo de valor sobre o processo de licenciamento de obra vizinha à sua. 5.28 As expressões do arguido não se apresentam como uma reacção e observação geral ao comportamento ou conduta do Município ou seus agentes. Concretamente, e da própria leitura que se faz do panfleto em causa, o recorrente reage, manifesta-se única e simplesmente quanto ao processo de licenciamento da obra vizinha do seu prédio. 5.29 Da leitura de todo o panfleto, de forma dinâmica, contextualizada e integral (ao contrário da posição do tribunal a quo que descontextualiza e avalia parte do texto) ressalta apenas o juízo de valor que o arguido faz sobre o processo de licenciamento que o atingiu. 5.30 Ora, mesmo que possa estar errado, afirmar que determinado comportamento é ilegal, tal afirmação configura um juízo de valor, uma opinião. 5.31 De facto, ao expressar o seu descontentamento, ao criticar a actuação da Câmara Municipal … (“melhor as pessoas que têm o poder de decisão”), ao manifestar-se pela ilegalidade do processo de licenciamento de construção no lote de terreno contíguo ao seu não se está a afirmar ou propalar qualquer facto inverídico. 5.32 Tanto mais que, de forma consentânea com essa opinião, e dado como provado nos presentes Autos, se verifica que “o arguido, não concordando com a deliberação da Câmara Municipal …, tomada em reunião do executivo municipal realizada a 04/08/2008, e que aprovou uma alteração ao alvará de loteamento n. 17/86, intentou legitimamente a sua anulação em processo que corre os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel — processo n. 718(08.OBEPNF” (cfr. ponto 7. dos factos provados). 5.33 Ora, encontra-se demonstrado que o arguido considera o licenciamento ilegal e por isso reagiu judicialmente. 5.34 Também, mesmo na hipótese de o arguido não ter reagido judicialmente (o que não é o caso), mesmo se a decisão judicial a ser proferida fosse no sentido da legalidade do processo de licenciamento, entendemos que a opinião do arguido em insistir ou manifestar-se pela ilegalidade do processo não se configura com a verificação da “afirmação ou propalação de factos inverídicos”. 5.35 Ora, na verdade, entender que determinado comportamento ou conduta é ilegal configura uma opinião, um juízo de valor, absolutamente legítimo e permitido, pelo menos ao abrigo da liberdade de expressão, pelo que não pode entender-se preenchido o requisito do tipo de crime em causa, na parte que exige a “afirmação ou propalação de factos inverídicos”. 5.36 Exige, também, o tipo de ilícito em apreço que os factos se mostrem “capazes de ofender a crediblidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação”. 5.37 Da mesma forma, não descontextualizando a actuação do recorrente, não pode, igualmente, entender-se que as palavras em causa constituam objectivamente uma ofensa. 5.38 As expressões utilizadas pelo recorrente podem ter-se como socialmente admissíveis e muito menos se podem considerar ofensivas. São, na verdade, absolutamente inócuas do ponto de vista penal. 5.39 O que interessa, só o que interessa, é se um homem médio, se a comunidade em geral, e se a visão objectiva que o Direito incorpora consideram essas palavras como ofensivas ou não, isto é, como capazes de depreciar aos olhos dos outros uma determinada pessoa ou entidade. 5.40 A Testemunha C…, funcionária da Câmara, à questão colocada sobre o impacto das palavras do recorrente. 5.41 No registo das suas declarações, resulta claro que o impacto da actuação do arguido, foi recebido pela generalidade dos munícipes, aqueles que se dirijam à Câmara, como tendo sido uma forma de o arguido achar que assim “teria um tratamento mais favorável”, tendo a referida Testemunha, admitido que o reflexo das expressões do arguido foram assumidos pela comunidade “como uma forma de pressão” - cfr. declarações da testemunha, reproduzidas em áudio, na audiência de julgamento de 14/4/2011 — 10:44:55 a 11:07:29. 5.42 De facto, pode, até, entender-se que as expressões do recorrente constituem críticas acintosas, indelicadas, mas, na verdade, não passam de críticas, que de maneira nenhuma atentam contra a credibilidade, prestígio ou confiança do organismo público em causa. 5.43 Percebe-se do conteúdo do panfleto em causa a manifestação do desagrado, a opinião, a crítica do arguido, convencido da ilegalidade do licenciamento em causa. 5.44 De facto, o recorrente, como cidadão, tem direito a expressar-se avaliando a actuação dos agentes políticos. E, de forma alguma, na sua conduta, o arguido extravasou esse seu direito. De forma alguma, a avaliação que o arguido tomou pública é capaz de ofender o bom nome da entidade pública Câmara Municipal …. 5.45 Da mesma forma, mal andou o tribunal a quo, uma vez que mesmo entendendo-se que as expressões do arguido pudessem objectivamente constituir ofensa, a verdade é que nunca essa ofensa seria para a entidade Câmara Municipal …, mas para as pessoas, individualmente consideradas, que tiveram intervenção no licenciamento em questão. 5.46 É o próprio arguido que delimita o alvo da sua crítica, das suas palavras, quando afirma “contestei, em tempo útil, a implementação de um edifício junto à minha partilha (0,50m), contestei a alteração da cota de soleira e outras coisas, mas a Câmara Municipal (melhor, as pessoas que têm o poder de decisão) persistiram em legalizar...” (sublinhado nosso). 5.47 Do comunicado do arguido ressalta claramente quem é o alvo das críticas, por parte do arguido. São as pessoas em concreto que tiveram intervenção no licenciamento em causa. Nomeadamente, e de forma clara, o arguido pronunciou-se criticamente quanto à postura do Sr. Presidente da Câmara …. 5.48 Pelo que a haver ofensa, o que não se vislumbra, essa ofensa seria nas pessoas individualmente consideradas e não na entidade Câmara Municipal. 5.49 A sentença proferida pelo tribunal a quo descontextualiza, avalia parcelarmente o comunicado do arguido. Na verdade, o comunicado do arguido tem de ser lido como um todo, inserido num determinado contexto. 5.50 Aliás, realça-se, a própria sentença proferida pelo tribunal a quo, na fundamentação apresentada, que se transcreveu supra, acaba por reforçar a posição do arguido. De facto, dá especial enfoque o Sr. Juiz a quo, à parte que o arguido se dirige ao “Sr. Presidente”. 5.51 Ora, considerando correctamente tal aspecto, quanto muito tal trecho serviria para fundamentar uma pretensa (não real) ofensa à pessoa do Sr. Presidente da Câmara …. Logo, nunca enquadrável, no tipo de legal de crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, conforme estipula o art. l87. do Cód. Penal. 5.52 Mais, e muito mal esteve o tribunal a quo, na verdade, mesmo apenas considerando a factualidade dada como provada e muito mais com aquela que ora se requer seja dada como provada, claramente se constata que o arguido tinha fundamento para em boa fé afirmar o que afirmou. 5.53 De qualquer forma, não descontextualizando o que foi a conduta do arguido, o que explica a conduta do arguido, ressalta que, na sua opinião, expressa por palavras, o processo de licenciamento em causa é ilegal. Por isso mesmo, agiu judicialmente, facto esse que consta como provado nos presentes Autos. 5.54 No caso dos Autos, o arguido está convencido da sua razão, está convicto da ilegalidade do licenciamento. Isso mesmo explica a reacção judicial que consta provada nos presentes Autos — pedido de anulação de licenciamento intentado no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (cfr. ponto 7. dos factos provados). 5.55 Defende o tribunal a quo que “o arguido recorreu aos meios judiciais que dispunha para o efeito, não havendo naquela data qualquer decisão judicial confirmatória da tese do arguido”. 5.56 Ora, perante esta observação é correcto poder afirmar-se que a decisão que vier a ser proferida pode dar razão ao que o arguido afirmou a propósito do licenciamento em causa. 5.57 Pelo que, claramente, além de não haver qualquer facto inverídico, demonstrável, resulta que existe possibilidade da verdade das afirmações do arguido. Pelo menos, resulta claro que o arguido agiu na convicção de que o que afirmava era verdadeiro. 5.58 Entende, por outro lado o recorrente, que não se encontra preenchido o elemento subjectivo do tipo de ilícito, ou seja não há dolo. 5.59 Na verdade, mal andou o tribunal a quo ao considerar como provado a seguinte matéria: “E ao actuar conforme descrito em 6) agiu livre, voluntária e conscientemente bem sabendo que com a sua conduta atingia a credibilidade, prestígio e a confiança devidos à Câmara Municipal …, enquanto organismo que exerce a autoridade pública, o que representou e logrou conseguir, bem sabendo que tais factos não correspondiam à verdade”. 5.60 De facto, o arguido nunca configurou, sequer como possível, a hipótese de tais expressões poderem ser interpretadas ou consideradas como ofensivas. O arguido não previu, em momento algum, como possível, nem aceitou, que aquelas suas afirmações pudessem atingir a credibilidade, prestígio ou confiança devidos à Câmara municipal …. E muito menos o quis. 5.61 De forma clara, credível e precisa, o arguido em resposta a todas as questões que lhe foram colocadas explicou detalhadamente todo o processo que conduziu à sua actuação. Explicou e descreveu o arguido todas as conversas, todas as diligências, todas as iniciativas que levou a cabo, focalizadas na discordância que tinha sobre o processo de licenciamento da obra do terreno contíguo ao seu. 5.62 Refira-se a este respeito, não havendo quaisquer outras declarações de testemunhas da parte do ofendido, que colocam em causa esta afirmação do arguido e da conversa havida com o fiscal da obra, não se vislumbra, e por isso ajuizou mal o tribunal a quo quando considerou como não provado as Alíneas d), e) e f) dos factos não provados da contestação. De facto além do arguido que falou com conhecimento directo, isenção e precisão, a testemunha D… confirma tal conversa e tais respostas do fiscal consultado pelo arguido 5.63 Ora, conjugadas as declarações do arguido com esta testemunha, sem qualquer outro dado de facto que pudesse contrariar o afirmado por ambos, deveria o Tribunal a quo considerar como provadas as alíneas d) e e), verificando-se claramente erro na apreciação da prova gravada. 5.64 Ajuizou mal o Tribunal a quo ao declarar como não provado a alínea n) da matéria não provada. Na verdade, pelo arguido foi comprovado o envio da carta dirigida ao Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal … (cfr. ponto 31 dos factos provados). Nas suas declarações o arguido afirmou que a mesma não obteve resposta. E a testemunha Dr. E…, destinatário da referida carta, nas suas declarações, afirma não se recordar da referida carta, assumindo como claramente possível a não resposta à mesma 5.65 Interessa sobremaneira ao caso a confirmação prestada pela Testemunha F…, protagonista dessa reunião e presente aquando da referida conversa. Confirmando as declarações prestadas pelo arguido, e por mais ninguém postas em causa, a Testemunha F… confirma que a Sra. Vereadora concluiu a conversa com o arguido com a expressão “aconteceu alguma coisa que o Sr. B… não gostou... que foi quer coisa do género que hoje em dia quem não consegue ter um galinheiro clandestino...”. Mais refere que a propósito da referida reunião e da expressão usada o Sr. B… “não ficou satisfeito” (Cfr. declarações da testemunha, reproduzidas em áudio, na audiência de julgamento de 2 de Maio de 2011, entre as 16.17.23 horas e as 16.34.00 horas). 5.66 Neste sentido, esteve mal o Tribunal a quo ao considerar como não provada a matéria constante da alínea p) dos factos não provados, devendo tal matéria ser considerada como provada. 5.67 De facto, as testemunhas apresentadas pelo arguido foram capazes de, com clareza e isenção, referir ao Tribunal toda a contextualização da conduta do arguido. 5.68 As testemunhas ouvidas pelo tribunal a quo, apresentadas pelo arguido, foram capazes de, com clareza, expor os motivos que levaram o arguido a actuar da forma como actuou — expressão de revolta e crítica. 5.69 Estas mesmas testemunhas nos seus depoimentos explicam os contornos da actuação do arguido e ajuízam da sua intenção: para a testemunha F… o arguido pretendeu “exprimir o descontentamento” (cfr. declarações da audiência de 02/05/2011 — 16:17:23 a 16:34:00 da gravação); a Testemunha G… “escutou as razões do Sr. B…”... constatou que o “munícipe não é ouvido nas suas preocupações”... confirma a “preocupação do Sr. B…” e confirma que o seu acto é a manifestação de “revolta” (cfr. declarações da audiência de 02/05/2011 — 16:34:01 a 17:09:31 da gravação); a Testemunha H… confirma a “indignação por parte do proprietário”, como um “desabafo”, com o intuito de “chamar a atenção... manifestar indignação” e como um “acto de desespero” 5.70 Donde resulta que, nos presentes Autos, apenas se constata que o arguido se limitou a tornar pública a sua revolta, a fazer crítica pura, objectiva sobre a postura, sobre o comportamento dos agentes da Câmara intervenientes no processo de licenciamento em causa. 5.71 A actuação do arguido não pode ser entendida senão como mera reacção ao processo de licenciamento em causa, que originou dúvidas e interrogações sem resposta dada ao arguido. 5.72 Ao arguido, e nem as testemunhas da ofendida conseguiram demonstrar o contrário, não lhe pode ser assacada a intenção de denegrir a credibilidade, a confiança da entidade pública em causa. 5.73 O arguido, de facto, convencido que estava e está da ilegalidade do licenciamento em causa, isso mesmo pretendeu manifestar, não admitindo, não configurando como possível que tal pudesse ser considerado ofensivo ou capaz de ofender. 5.74 Assim, desta feita, não resultando como provado a existência de dolo na actuação do arguido, impõe-se a sua absolvição, o que se requer a este venerando Tribunal ad quem. 6.75 Resulta, portanto, que da matéria constante dos presentes Autos, mormente da prova gravada em audiência de discussão e julgamento, realçada supra, esteve mal o Tribunal a quo, ao considerar provados os Pontos 9, 11, 13 e 14 da matéria provado, quando deveria ter considerado tal matéria como não provada. Da mesma forma, a matéria constante das Alíneas d), e), f), n) e p) deveria ter sido dada como provada, ao contrário da posição assumida pelo Tribunal a quo. 5.76 Estabelece o art. 37º n.º 1 da CRP que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pelas palavras, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”, não podendo o exercício desses direitos ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura (cfr. n. 2 do mesmo artigo). 5.77 De facto, o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Mal estava a nossa democracia e estado de direito se a mera crítica feita por qualquer pessoa desembocasse sempre em procedimento criminal e condenação. 5.78 A liberdade de expressão não é absoluta ou ilimitada, mas, estando em conflito com outros direitos, só deve ceder excepcionalmente. Precisamente quando a coberto dessa liberdade se sai do conflito, da dialéctica, da troca de ideias e de argumentos, da polémica, e se passa para o simples achincalho, para o rebaixamento gratuito. 5.79 As palavras do arguido, ora recorrente, não podem como é evidente, ser levadas à conta de achincalho ou rebaixamento gratuito. As suas palavras podem, eventualmente, o que não cremos serem, incómodas; não são, no entanto, ofensivas. 5.80 O arguido apenas se limitou a tomar pública a sua opinião, envolta em tristeza e frustração, a fazer crítica pura, objectiva sobre o desenvolvimento e incidentes do processo de licenciamento de obra vizinha ao seu prédio. 5.81 O ora recorrente, apenas, no exercício do direito (constitucional) à liberdade de expressão, fez um juízo de valor, tomou pública uma opinião pessoal que retirou de todo o licenciamento decorrido. Não se encontra na conduta do arguido o propósito de rebaixar ou humilhar o visado ou sequer alguma carga caluniosa nas expressões que usou. 5.82 De facto, devidamente provado nos presentes autos, o arguido agiu em consequência da frustração, falta de respostas e desconsideração a que foi sujeito no decurso do processo de licenciamento em causa. Ainda hoje, o ora recorrente mais do que dúvidas legítimas mantém a convicção da ilegalidade do licenciamento, aprovado pela ofendida. E foi isso mesmo, que em boa-fé, pretendeu manifestar ou denunciar. 5.83 As afirmações do recorrente não extrapolam o âmbito da crítica objectiva aceitável, nem sequer atingem ou afectam o prestígio e a credibilidade do Município. 5.84 Pelo que, mesmo considerando que a demonstrada conduta do recorrente preenche o tipo legal de crime previsto no artigo l87., n. 1 do Cód. Penal, o que não se vislumbra, a douta sentença recorrida não toma em devida conta o citado princípio da liberdade de expressão consagrado no art. 37º da CRP, interpretado no estrito respeito pelos arts. l6. e 18., do mesmo diploma. 5.85 Solicitando agora, ao Venerando Tribunal da Relação do Porto a reapreciação da prova produzida, como forma de alterando o rol da matéria de facto dada como provada, seja substituída a decisão do tribunal a quo por outra que seja consentânea com a absolvição do arguido pela prática do crime de ofensa a organismo serviço ou pessoa colectiva, na pessoa do demandante, com as devidas consequências ao nível da medida da pena e do pedido de indemnização civil. 6 Pugnando pela improcedência do recurso, respondeu o Ministério Público dizendo, em síntese: 6.1 É inquestionável” in casu” a legitimidade do Ministério Público, para o exercício da acção penal, inexistindo a nulidade invocada pelo recorrente. 6.2 Foi a matéria de fato correctamente analisada, não existindo o alegado erro notório na apreciação das provas. 6.3 A decisão recorrida fez, pois, uma correcta aplicação da lei e não violou qualquer das disposições legais invocadas pelo recorrente, designadamente as normas e princípio constitucional, a que o arguido se reporta. 6.4 Dúvidas não restam de que o arguido de modo livre, voluntário e consciente, agiu com o propósito conseguido de praticar o ilícito criminal, pelo qual veio a ser condenado. 6.5 Os factos dados como provados em audiência de julgamento resultam da prova que naquele acto, foi validamente expressa e apreciada à luz dos critérios legais, designadamente segundo as regras de experiência comum e a livre convicção do julgador 6.6 A pena de multa imposta ao arguido resulta da forma equilibrada como foi valorada a especial gravidade dos factos praticados pelo recorrente, de forma a manter a credibilidade na pena de multa e a confiança nos tribunais e na justiça 6.7 Os fundamentos invocados pelo arguido não poderão proceder, devendo ser negado provimento ao recurso e, desta forma, ser, também, mantida, a douta sentença recorrida, sem embargo do suprimento da omissão constatada; já que 6.8 O único vício de que a douta sentença padece é o constatado na douta decisão de fis. 332 (V Decisão- 1), já que omite um dos requisitos exigidos, por não conter a disposição legal aplicável ao ilícito criminal por que o arguido foi condenado, ou seja, o art° 187°, nº1 do Código Penal, omissão essa que o venerando Tribunal da Relação, oficiosamente, suprirá (cfr. art° 380°, 1 al. a) e 2 do Código de Processo Penal). 7 Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer, pronunciando-se sucessivamente: 7.1 Questão prévia: a sentença, no dispositivo, é omissa quanto à indicação do preceito legal que tipifica o ilícito criminal por que acabou condenado o arguido, ou seja, o artigo 187°, n° 1, do C. Penal. Tal omissão configura nulidade da sentença susceptível de suprimento no âmbito do presente recurso (artigos 374°, n° 3, ai. a), e 379°, no 1, ai. a) e no 2, do C. P. Penal, o que se promove. 7.2 Do mérito do recurso 7.2.1 Da nulidade do procedimento 7.2.1.1 Entende o recorrente que o procedimento está ferido de nulidade insanável que invalida o despacho de pronúncia exarado a fis. 188/192, assim como todos os actos subsequentes dele dependentes e por ele afectados, tudo nos termos do disposto nos artigos 119°, ai. b), 122°, n° 1 e 338°, n° 1, do C. P. Penal, uma vez que o crime objecto do despacho de pronúncia — crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180°, 182° e 183°, n° 1, ai. a), do C. Penal — é de natureza particular e não foi deduzida acusação por assistente. 7.2.1.2 No caso em apreço, porém, acontece que, produzida a prova, o M.mo Juiz despoletou a questão de uma eventual alteração dos factos, susceptível de apontar a existência de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187°, n° 1, do C. Penal, imputável ao arguido, portanto, diferente do crime de crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180°, 182° e 183°, no 1, al. a), do C. Penal, por que fora pronunciado. 7.2.1.3 Ora, nem o arguido — presente na audiência, tal como o seu defensor — nem o Ministério Público se opuseram ao prosseguimento do julgamento com base nessa alteração, tendo o arguido usado até da faculdade de indicar prova complementar, que foi admitida. 7.2.1.4 Verificado que o aludido crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187°, do C. Penal, porque cometido contra a Câmara Municipal de …, assume natureza semi-pública [n° 1 al. b) do art° 188º nº1, não se coloca já a questão da eventual nulidade do procedimento por falta de acusação particular deduzida por assistente, de modo que não pode proceder a invocada nulidade insanável do procedimento ou da sentença. 7.2.2 Da impugnação da matéria de facto 7.2.2.1 Insurge-se o recorrente contra a decisão por o tribunal a quo ter julgado erradamente ao dar como provados os factos descritos sob os pontos 9, 11, 13 e 14 e como não provados os descritos sob as alíneas c), d), e), J), n) e p), dos respectivos elencos. 7.2.2.2 Relativamente aos factos dados como não provados, imporiam decisão diferente os seguintes elementos de prova: factos descritos na alínea d) — declarações do arguido e depoimento da testemunha D…, cunhado do arguido; factos descritos na alínea n) — declarações do arguido e depoimento do Presidente da Câmara Municipal …, E…; factos descritos na alínea p) — declarações do arguido e depoimento da testemunha F…. 7.2.2.3 Quanto ao conteúdo da alínea c), dos factos não provados, não descortinamos, nem nas conclusões nem no corpo da motivação, referência a qualquer elemento de prova susceptível de contrariar a decisão. 7.2.2.4 No que respeita aos factos descritos nas alíneas d), e), J), n) e p), escutados o essencial dos referidos depoimentos, sem as vantagens da imediação, não vislumbramos que os mesmos se revistam de força bastante para contrariar o decidido, em ordem a impor que aqueles factos sejam dados como provados. 7.2.2.5 O mais que revela o registo gravado dos referidos depoimentos é que as testemunhas D… e F… apoiaram o arguido nas diligências pelo mesmo desenvolvidas junto da Câmara Municipal …, designadamente junto do Fiscal e da Vereadora Dra. I…, manifestando ambos compreensão pela insatisfação e indignação que o arguido viria a expressar através do cartaz e dos panfletos, sendo nesse contexto que devem ser entendidas as referências feitas pelas testemunhas às afirmações que atribuem, seja ao Fiscal seja à Vereadora. 7.2.2.6 Relativamente à factualidade contida na alínea n), não pode, evidentemente, extrair-se da dúvida manifestada pela testemunha E… a certeza de que o mesmo não respondeu à carta. 7.2.2.7 Ademais, certo é que — mesmo que se pudessem dar como provados todos e cada um dos referidos pontos da matéria de facto não provada (alíneas c), d), e), f), n) e p)) — nunca se poderia ter por atingido o único objectivo visado pelo recorrente: considerar como não provados os factos como tal descritos sob os pontos 9, 11, 13 e 14, ou seja, dar por não verificado o elemento subjectivo da infracção por que foi condenado. 7.2.2.8 Como é sabido, a prova dos factos de natureza subjectiva resulta de inferências tiradas pelo julgador por via da conjugação dos factos objectivos provados com as regras da lógica, da experiência comum e da normalidade das coisas, precisamente o que sucede no caso concreto. 7.2.2.9 O recorrente convoca, também, a seu favor, os depoimentos das testemunhas C…, J… e K… (suas filhas), G… e H…. 7.2.2.10 Fá-lo, porém, com o claro e único objectivo de realçar a opinião que essas testemunhas expressaram acerca do carácter ofensivo ou não das afirmações propaladas pelo arguido, dadas como provadas e não impugnadas, opinião essa que não se sobrepõe nem sequer põe em dúvida a validade da convicção formada pelo tribunal. 7.2.2.11 No caso concreto, há que sublinhar que resulta do texto da sentença recorrida que o tribunal a quo fundou a convicção em que assenta o veredicto condenatório na apreciação crítica das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas prestados em audiência, bem como dos escritos de inquestionável e relevante, mesmo essencial, valor probatório, expondo o processo de formação da sua convicção, bem como as razões da atribuição de credibilidade aos meios de prova em que assenta a decisão, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova (artigo 127° CPP) e com estrita observância dos requisitos da sentença a que alude o artigo 374° CPP, pelo que, claramente, improcede a pretensão do recorrente. 7.2.2.12 O facto de o tribunal ter apreciado e valorado de determinada forma a prova produzida na audiência de julgamento, tal não redunda em erro notório na apreciação da prova em virtude da mera discordância pessoal da recorrente. 7.2.3 Da qualificação jurídica 7.2.3.1Relativamente ao preenchimento do elemento objectivo do tipo incriminador em causa, limitar-nos-emos, no essencial, a remeter para a fundamentação da sentença e para o teor do escrito divulgado pelo arguido, do mesmo destacando o seguinte excerto: “Gostaria de levar ao conhecimento de toda a gente, especialmente aqueles residentes em …, o que a nossa Câmara faz ao aprovar construções novas, contrariando as normas mais elementares da lei, contrariando as regras de construção, alvarás de loteamento, licenças de construção, etc, contribuindo para impedir as relações de boa vizinhança”. 7.2.3.2Dessa forma, como bem salienta o tribunal a quo, o arguido imputou à Câmara Municipal … a “aprovação de construções novas contrariando as normas mais elementares da lei, regras de construção e alvarás de loteamento”, com o que pôs em causa a credibilidade, o prestígio e a confiança daquele organismo, tocando precisamente numa das matérias mais sensíveis da actuação das Câmaras Municipais, como é o licenciamento de obras, a que anda associado um cortejo de reclamações e suspeições publicamente conhecidas. 7.2.3.3Não se contesta que a actuação do recorrente teve a sua génese no facto de ter visto construir a obra vizinha, em condições que considerou ilegais, nem se põe em dúvida que o mesmo tenha actuado convicto das razões legais que lhe assistiam quanto à impugnação judicial do licenciamento daquela obra, nem sequer se questiona a legitimidade da sua indignação. 7.2.3.4Porém, o recorrente não se limitou a manifestar a sua indignação pelo facto da construção daquela obra. O que revelam os factos é que, indignado que estava, o arguido imputou à Câmara Municipal uma actuação à margem da lei que, de todo, não logrou demonstrar. 7.2.3.5O recorrente alega que actuou ao abrigo do direito de liberdade de expressão e de crítica, constitucionalmente garantido, pelo que sempre estaria fora de questão a possibilidade de condenação pelo crime em causa, por estar excluída a ilicitude do seu acto (artigo 310 n° 2, ai. b), do C. Penal). 7.2.3.6Nas circunstâncias concretamente apuradas, a conduta do arguido integra a tipicidade objectiva e subjectiva do apontado ilícito penal, e, destarte, extravasa claramente o direito de livre expressão e crítica constitucionalmente consagrado. 8 Observada a notificação a que alude o artigo 417º/2 do CPP, colhidos os vistos, realizada a conferência, cumpre conhecer e decidir II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 1 Em sede de fundamentação de facto: 1.1 Foi a seguinte a factualidade dada por provada na sentença sob recurso: 1.1.1 B… é, juntamente com L…, dono e legitimo possuidor de um prédio urbano destinado a habitação, composto de cada de rés-do-chão e andar sito no …, freguesia …, concelho de …. 1.1.2 No dia 21 de Fevereiro de 2009, pelas 11h00m, o arguido colocou um cartaz com as dimensões aproximadas de 5,00 metros de altura, por 5,00 metros de largura na fachada da habitação que compõe o prédio supra identificado. 1.1.3 Tal cartaz, virado para a via pública, de forma a ser visível aos transeuntes que por ali passassem, continha os seguintes dizeres: “Estão a “Roubar” o meu direito à privacidade e à segurança!!” “Será CORRUPÇÃO!?”; “A justiça será feita pelos TRIBUNAIS!..., “Não podemos calar os “erros” da CM. …!!!. 1.1.4 O referido cartaz tinha ainda duas fotografias sobre o mesmo local, encimadas pelos dizeres “antes” e “depois”. 1.1.5 A fim de ser visível durante a noite, o arguido colocou, no dia 22 de Fevereiro, na parte de cima do cartaz um holofote, o qual esteve ligado durante a noite desse dia. 1.1.6 Na mesma ocasião de tempo e lugar, o arguido, por intermédio dos CTT de …, procedeu à distribuição e entrega a diversos moradores desta comarca, de panfletos nos quais se encontrava reproduzido o cartaz supra-referido, contendo no seu verso o seguinte texto: “Caros Munícipes de …; Mesmo sabendo que contra poderes instalados não conseguimos fazer com que a verdade venha “à tona”, enquanto cidadão contribuinte, com obrigações e direitos, não me calo!!! Gostaria de levar ao conhecimento de toda a gente, especialmente aqueles residentes em …, o que a nossa Câmara faz ao aprovar construções novas, contrariando as normas mais elementares da lei, contrariando as regras de construção, alvarás de loteamento, licenças de construção, etc, contribuindo para impedir as relações de boa vizinhança. Todos já ouviram falar de histórias com fiscais…Existem, com certeza, muitas histórias – todos já ouviram falar que com A não foi possível legalizar, mas com B “dá-se um jeito”…Enfim, só posso falar do meu caso porque o conheço. Contestei, em tempo útil, a implementação de um edifício junto à minha partilha (0,50m), contestei a alteração da cota de soleira e outras coisas, mas a Câmara Municipal (melhor, as pessoas que têm poder de decisão) persistirem em legalizar, com base em relatórios, depois de alertados e contestadas as diversas anomalias. De entre as diversas diligências escrevi uma carta ao Sr. Presidente a qual não obteve resposta! (Mas vou dar-vos conhecimento do seu conteúdo). Deixo a pergunta no ar, onde está o respeito do Sr. Presidente para com os seus munícipes, quando se diz em nome do diálogo, ignorando os direitos legítimos de munícipes, cumpridores, permitindo e patrocinando atropelos à lei? Resta-me esperar agora que se faça justiça. Não deixe de ver e divulgar!” 1.1.7 Com efeito, o arguido, não concordando com a deliberação da Câmara Municipal …, tomada em reunião do executivo municipal realizada a 04/08/2008, e que aprovou uma alteração ao alvará de loteamento n.º …/86, intentou, legitimamente, a sua anulação em processo que corre os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel – processo 718/08.0BEPNF. 1.1.8 Porém, o arguido, não obstante ter recorrido aos meios judiciais que tinha ao seu alcance, agiu de forma supra-descrita, de forma livre e voluntária. 1.1.9 Bem sabendo que, com essa conduta, levantava suspeitas e fazia juízos de valor ofensivos do bom-nome e credibilidade devidos à Câmara Municipal … (órgão executivo, constituído pelo presidente, Drº E… e pelos respectivos vereadores), sabendo que os respectivos juízos e suspeitas, para além de não corresponderem à verdade, eram ofensivos do bom-nome e credibilidade devida a um organismo público e elementos que o compõem, desde logo o seu Presidente. 1.1.10 Utilizou para o efeito meios que facilitaram a respectiva divulgação recorrendo aos panfletos que fez distribuir pelos munícipes, que do respectivo teor tiveram conhecimento. 1.1.11 E ao actuar conforme descrito em 6) agiu livre, voluntaria e conscientemente bem sabendo que com a sua conduta, atingia a credibilidade, prestigio, e a confiança devidos à Câmara Municipal …, enquanto organismo que exerce a autoridade publica, o que representou e logrou conseguir, bem sabendo que tais factos não correspondiam à verdade. 1.1.12 O arguido utilizou para o efeito meios que facilitaram a respectiva divulgação – recorrendo ao cartaz exposto na via pública e aos panfletos que fez distribuir pelos munícipes, que do respectivo teor tiveram conhecimento. 1.1.13 O demandado sabia que com a sua conduta atingia a credibilidade, prestígio e a confiança devidos à Câmara Municipal …. 1.1.14 Com a sua conduta o demandado provocou ofensa à honra, ao prestígio, à consideração, à credibilidade e à confiança devidos à Câmara Municipal …, enquanto organismo que exerce autoridade pública e cujo objectivo é a prossecução do interesse público, na estrita obediência à Constituição e à lei ordinária. 1.1.15 O arguido, adquiriu uma habitação sita em …, situada numa zona calma e com uma vista privilegiada. 1.1.16 O lote de terreno em causa era vizinho de um outro lote que mantinha um desnível de mais de 7 metros para o lote do arguido. 1.1.17 Alguma construção que viesse a surgir nesse referido lote nunca, pensava o arguido, o privaria das vistas que tinha. 1.1.18 A consulta ao loteamento aprovado e existente isso levou a convicção do arguido. 1.1.19 Em 2007 o proprietário do lote vizinho do arguido iniciou a construção no seu lote. 1.1.20 O arguido, trabalhando e residindo em Vila Nova de Gaia, não conseguiu acompanhar o andamento das obras. 1.1.21 Quando passado meses da última visita à sua casa em …, se deparou com uma construção que reputou como elevado, junta ao muro de partilha, retirando, também as vistas ao prédio do arguido. 1.1.22 O arguido fez diligencias junto à CM de … sobre esse licenciamento e entendeu que o processo de licenciamento era ilegal. 1.1.23 E disso mesmo fez menção à Câmara que procedeu ao embargo da obra. 1.1.24 Foi, porém, permitido ao proprietário do lote vizinho apresentar aditamento para alteração do alvará de loteamento em causa, o que não foi do agrado do arguido. 1.1.25 E disso o arguido deu sempre conta aos serviços camarários. 1.1.26 O arguido opôs-se frontalmente à nova alteração ao loteamento, carreando para os autos de licenciamento toda a informação necessária. 1.1.27 Foram várias as comunicações que o arguido fez junto do processo de licenciamento. 1.1.28 Encontrando-se pessoalmente no edifício camarário, foram várias as tentativas por si feitas para falar pessoalmente com a Ex.ma Senhora Vereadora do Urbanismo e com o Ex.mo Senhor Presidente da Câmara, sempre negadas. 1.1.29 O arguido solicitou audiência com o Ex.mo Sr. Presidente por escrito, tendo a mesma sido aceite. 1.1.30 Porém, no próprio dia da audiência, o Ex.mo Senhor Presidente da Câmara … desmarcou a referida audiência, alegando compromissos pessoais, não mais dando conta da disponibilidade para receber o arguido. 1.131 O arguido endereçou carta pessoal dirigida ao Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal …, levantando interrogações, solicitando respostas. 1.132 O arguido tudo fez para falar pessoalmente com o Ex.mo Senhor Presidente da Câmara e com a Ex.ma Senhora Vereadora do Urbanismo. 1.1.33 O encontro com o Ex.mo Senhor Presidente da Camara nunca aconteceu. 1.134 Após o encontro Ex.ma Senhora Vereadora do Urbanismo, o arguido continuou com a Interrogações. 1.1.35 O arguido endereçou ainda uma carta ao Presidente da Assembleia Municipal e aos grupos parlamentares com assento na mesma. 1.2 Matéria de facto não provada: «a) Que numa conversa havida com o vizinho, que iria iniciar a construção no lote anexo ao seu, este mesmo garantiu que a sua obra não avançaria nunca a laje do pátio existente no prédio do arguido. b) Que realizada a consulta ao processo de licenciamento, por intermédio do seu advogado, o arguido ficou a saber da ilegalidade do processo de licenciamento. c) Que foi determinada a declaração de nulidade da licença de construção, por violação do alvará de loteamento aprovado. d) Nomeadamente, consultou o fiscal da Câmara responsável pela zona, e) Que esse fiscal, em conversa com o arguido, desde logo garantiu “que tudo estava legal”. f) Que não satisfeito, o arguido solicitou a esse mesmo fiscal que lhe facultasse a consulta ao processo de licenciamento. g) Que nunca o proprietário do lote vizinho exibiu o aviso de pedido licenciamento de em curso, conforme estipula o regime das edificações e urbanizações. h) Que o novo pedido de licenciamento apresentado pelo proprietário vizinho continuava a violar a propriedade do arguido, e foi apresentado com informações falsas. i) Que a maior delas e que o arguido sempre fez notar é que a obra em causa, em clara violação do PDM e do alvará de loteamento, apresentava construídos três pisos e não os dois que se faziam crer existir. j) Que era exactamente esse terceiro piso, ilegal e a mais. l) Que nada do que o arguido referiu foi atendido. m) Que foi permitido ao proprietário vizinho que beneficiasse duma ilegalidade cometida e que conseguisse tirar vantagem da construção abusiva de um piso a mais. n) Que a carta referida em 31) nunca foi respondida. o) Que o encontro com a Ex.ma Senhora Vereadora do Urbanismo, nunca aconteceu, e que o encontro com o Ex.mo Senhor Presidente da Câmara nunca aconteceu por recusa do próprio p) Que nesse encontro com a Ex.ma Senhora Veradora do Urbanismo o arguido conseguiu trocar algumas impressões com a vereadora, nada esclarecedoras, e concluídas pela Ex.ma Senhora Vereadora com a seguinte expressão: “eu respondo-lhe com uma pergunta, quem é que não tem galinheiros em casa” 1.1 Motivação da decisão de facto (por transcrição): «O Tribunal tendo sempre em conta os princípios e regras legais sobre os meios de prova admissíveis, modos da sua obtenção e valor probatório por lei atribuído, e designadamente o disposto no artigo 127º do C.P.P., segundo o qual – salvo quando a lei dispuser diferentemente a prova é apreciada à luz das regras da experiência (aferida pelo padrão comum e em função da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica) e a livre convicção da entidade competente (considerando que tais regras não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de se reconduzir, objectiva e fundadamente, às provas produzidas e examinadas em audiência, em ordem à descoberta da verdade material, prático-jurídica), sem perder de vista as exigências por vezes afirmadas pelo Tribunal Constitucional sobre a matéria. A convicção do tribunal fundou-se assim: Quanto à matéria de facto provada constante na acusação. Quanto aos factos relatados supra em 1) a 7) a convicção do tribunal, resultou desde logo, das declarações do arguido, prestadas em audiência de julgamento, que confirmou, sem qualquer sombra de dúvidas tais factos, relatando que efectivamente no dia, hora e local constantes na pronúncia, afixou o cartaz na fachada de sua casa, com as características e dizeres nele constantes, bem como os iluminou com o dito holofote. Mais confirmou, que via correio, na mesma altura, distribui os panfletos por todas as freguesias de … com os dizeres relatados na pronúncia. Teve também o tribunal em consideração as fotografias e demais documentos juntos aos autos nomeadamente print do panfleto distribuído analisado em julgamento. Quanto aos mesmos factos a convicção do tribunal fundou-se ainda, no depoimento de todas testemunhas inquiridas em julgamento que tiveram acesso, directo ou indirecto ao” print” e ao cartaz e que os confirmaram. Assente que está a colocação dos ditos cartazes e panfletos, resta agora o tribunal pronunciar-se quanto ao dolo. Como sabemos o dolo é elemento do foro íntimo, subjectivo que não e susceptível de apreensão directa, antes se infere da verificação de factos objectivos que o revelem. No caso do dos autos, e como flui da factualidade dada como provada o arguido queixou-se de um acto que reputava ilegal, dirigiu-se ao Município, chegou a fala com a vereadora do urbanismo, a obra do vizinho foi embargada e ainda, intentou acção no tribunal administrativo de Penafiel que se encontra a correr termos, reagindo e impugnando o licenciamento da obra do vizinho. Ou seja, apesar de, se calhar, nem tudo ter corrido como o arguido desejava, o certo é que este reagiu, teve feed back, foi ouvido e a decisão sobre o dito licenciamento vai ser proferida nas instâncias adequadas – os tribunais. Como o próprio arguido referiu nas declarações que prestou, não tinha efectivamente conhecimento de directo ou indirecto, das irregularidades que no panfleto imputou, nem tão pouco que as mesmas era verdadeiras, nem tinha qualquer razão objectiva de as reportar como verdadeiras, apesar da sua revolta e desilusão, com a devassa da sua casa. Por tudo isto obviamente, deu o tribunal como não provada a versão trazida a audiência de julgamento pelo arguido que a sua intenção não foi afectar o prestigio ou credibilidade da câmara de …, mas era apenas, um “grito de revolta” o “direito à indignação” do “ultimo reduto para chamar à atenção sobre uma situação em que ninguém o ouvia”, tendo ainda dado como provado, face à conjugação critica de toda a prova produzida em audiência de julgamento, que o arguido efectivamente em boa fé não podia ignorar a falsidade das imputações, e que produziu e difundiu os ditos panfletos, da forma que o fez, mesmo admitindo que ofendia a credibilidade, o prestigio e a confiança do município de …. Há que considerar aqui também o depoimento da testemunha J…, filha do arguido, que embora tenha dito ao tribunal que a actuação do seu pai, maxime com a distribuição dos ditos panfletos, foi um grito de revolta, por a obra ao lado ter mais pisos do que o arguido achava ser permitido, por ver a sua privacidade devassava quando estava na piscina, por não ter sido recebido pelo senhor Presidente da CM de …, (o que achava ser uma desconsideração), confirmou que o arguido sabia o que fazia, o que escrevia, tendo sido quer o placar quer os panfletos que distribuiu redigidos pelo arguido, e o texto de sua autoria. A filha do arguido, K…, nas declarações que prestou, referiu que, sabia de toda a actuação de seu pai, e explicou aduzindo que “surgiu uma casa, vizinha que em nosso entender violava a nossa privacidade porque tinha mais um piso (sublinhado nosso), o meu pai quis esclarecer a situação, sentiu-se revoltado por não ter explicações por parte da CM de … e por isso reagiu com o cartaz e panfletos”. Nada mais aduziu, pondo o toque na “intenção” do arguido não denegrir, expressar-se contra uma situação que subjectivamente entendia, o lesava. Quanto à ofensa sentida pelo Município vejamos, As testemunhas C…, (funcionaria administrativa da CM de …), e M…, (este fiscal), afirmaram que na qualidade de funcionários do Município, nomeadamente dos sectores mais atacados pelo arguido – urbanismo e fiscalização de obras, se sentiram muito ofendidos com os ditos panfletos. Já as testemunhas apresentadas pelos arguido, F…, G1…, e H…, (os dois primeiros a data membros da Assembleia Municipal, e o ultimo, candidato, na data à CM de …), todos adversários políticos do hoje e então Presidente da Câmara, afirmaram que os dizeres não eram ofensivos, e que não se sentiriam, caso pertencessem ao Município, afectados pelos mesmos. Todavia, há que referir que a lei não tutela a ofensa à credibilidade de forma subjectiva, mas sim fá-lo de forma objectiva ou seja perspectivando-a, segundo o padrão do homem médio. Ora, aferindo por este padrão, não temos duvidas que os dizeres ostentados no cartaz e panfleto, eram claramente ofensivos para o Município de …, para alem do meio usado facultar a divulgação e potenciar a ofensa à credibilidade do Município de … Quanto aos factos demais factos provados constantes da contestação para alem do todo supra exposto, diga-se também que a versão aqui trazida pelo arguido, plasmada na factualidade dada como provada, para alem de ter sido exposta nas suas declarações, veio a ser confirmada quer pelas testemunhas de acusação – O Sr. Presidente da Câmara confirmou os agendamentos das reuniões, as realizadas, e com quem, o embargo da obra do vizinho do arguido, o recurso ao tribunal por banda do arguido, bem como a reunião havida com a então vereadora do urbanismo. Confirmaram ainda as testemunhas F…, G1…, e H…, acima referidas, que o arguido se queixou do dito licenciamento, nomeadamente escreveu uma carta aos grupos parlamentares com assento na Assembleia Municipal, que inclusivamente se inteiraram junto do arguido do que se estaria a passar com a dita obra. Quanto aos demais factos constantes da contestação e dados como não provados, a convicção do tribunal resultou da contradição com os dados como provados, para cujas considerações nos remetemos supra, e ainda da ausência total de prova que apontasse nesse sentido, pois não foi objecto dos depoimentos prestados, nem mereceu qualquer suporte documental. Valorou ainda o tribunal o teor do CRC do arguido junto aos autos, no que tange à ausência de antecedentes criminais, e as suas declarações quanto à sua situação pessoal e económica.» ************************* II – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO1. Delimitação objectiva do recurso. Na decorrência das conclusões do recurso e resposta ao recurso, são questões a conhecer: a. Questão prévia: correcção da sentença/nulidade da sentença? b. Exceptio da ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal – por ausência de acusação particular - e verificação da nulidade insanável prevista no art. 119º al. b) do Cód. Proc. Penal; c. Impugnação da matéria de facto (“erro de raciocínio”) d. Verificação dos elementos objetivo-subjetivos do tipo-do-ilícito. 2 Conhecendo 2.1 Questão prévia: correcção da sentença/nulidade da sentença? No articulado da Resposta, o Exmo. Procurador–Adjunto dá conta de que a parte decisória da sentença sob recurso omite a disposição legal aplicável, sugerindo a respetiva correcção com apelo às normas ínsitas no artigo 380º nºs 1 al. a) e 2 do CPP. Sob o mesmo propósito, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto sugere igual correcção divergindo, porém, na fundamentação uma vez que apela ao disposto no artigo 379º nºs 1 al. a e 2 do CPP, dando por verificada a nulidade de sentença decorrente da inobservância do disposto na alínea a) do nº3 do artigo 374º do mesmo diploma legal. Conforme transcrito em I, 1.4 - «Na parcial procedência da pronúncia, operada a alteração da qualificação jurídica do tipo imputado, (delibera-se) condenar o arguido, pela prática em autoria material de um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo e serviço, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 12,00 € no valor global de 1.200,00€.» - é manifesta a omissão da disposição legal aplicável. Como óbvio é, igualmente, tratar-se de um mero lapsus calami – e não de uma nulidade de sentença – a corrigir nos termos conjugados dos nºs 1 al. a) e 2 do CPP. Destarte, procede-se à devida correcção, de modo que, na parte decisória, onde se lê «Pelo exposto, decide-se: 1.Julgar a pronuncia parcialmente procedente por parcialmente provada, operada a alteração da qualificação jurídica do tipo imputado ao arguido, e consequentemente condeno o arguido B… pela pratica em autoria material de um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo e serviço, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 12,00 o que perfaz o montante global de 1200,00 euros.» passará a ler-se «Pelo exposto, decide-se: 1.Julgar a pronuncia parcialmente procedente por parcialmente provada, operada a alteração da qualificação jurídica do tipo imputado ao arguido, e consequentemente condeno o arguido B… pela pratica em autoria material de um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo e serviço, pº e pº pelo artigo 187º nº1 do Código Penal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 12,00 o que perfaz o montante global de 1200,00 euros.» 2.2 Exceptio da ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal e verificação da nulidade insanável prevista no art. 119º al. b) do Cód. Proc. Penal O argumento exposto pelo Recorrente vem lapidarmente traduzido nas conclusões acima transcritas em I, 5.8 e 5.9: o arguido encontrava-se pronunciado pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelos arts. 180º, 182º e 183., n. 1 al. a) todos do Cód. Penal, um crime que reveste a qualidade de crime de natureza particular logo, dependente de acusação particular (188º/1 CPP); tal acusação particular, todavia, não ocorreu, razão por que carece o MºPº de legitimidade para o exercício da acção penal, o que obsta ao conhecimento do mérito da causa, verificando-se, portanto, falta de promoção do processo que constitui nulidade insanável, de acordo com o art. 119., al. b) do Cód. Proc. Penal, de conhecimento oficioso enquanto a decisão final não transitar em julgado. Quid iuris? No conhecimento da questão assim suscitada julga-se necessário o delineamento fáctico-processual que lhe subjaz, passível de ser transportado para este debate visto o conhecimento amplo que compete a este Tribunal de recurso [428º, 431º CPP] i. E…, Presidente da câmara Municipal de …, em representação do Município, apresentou queixa-crime contra B… e mulher, L…, na consideração de que estes vinham, com as condutas descritas na queixa apresentada, a “atingir a honra e consideração dos Vereadores e do Presidente da Câmara Municipal que aprovaram aquela deliberação” (dizer, “que aprovou uma alteração ao alvará de loteamento nº ../86”) bem assim a “afetar a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos à própria Câmara Municipal …, enquanto organismo que exerce a autoridade pública”.[I Vol. Fls. 2 a 5] ii. Findo o Inquérito, o MºPº deduziu acusação contra o ora Recorrente nos seguintes termos: «B… é, juntamente com L…, aqui indicada como testemunha, dono e legítimo possuidor de um prédio urbano destinado a habitação, composto de casa de rés-do-chão e andar sito no …, freguesia de …, concelho de …. No dia 21 de Fevereiro de 2009, pelas 11 h 00m, o arguido colocou um cartaz com as dimensões aproximadas de 5,00 metros de altura por 5,00 metros de largura na fachada da habitação que compõe o prédio supra identificado, propriedade dos denunciados. Tal cartaz, virado para a via pública, de forma a ser visível aos transeuntes que por ali passassem, continha os seguintes dizeres: “Estão a “ROUBAR o meu direito à privacidade e à segurança!!”, “Será CORRUPÇÃO?!?”, “A justiça será feita pelos TRIBUNAIS!, “Não podemos calar os “erros” da CM de …!!!” O referido cartaz tinha ainda duas fotografias sobre o mesmo local, encimadas pelos dizeres: “antes” e “depois”. A fim de ser visível durante a noite, o arguido colocou, no dia 22 de Fevereiro, na parte de cima do cartaz um holofote, o qual esteve ligado durante a noite desse dia. Na mesma ocasião de tempo e lugar, o arguido, por intermédio dos CTT de …, procedeu à distribuição e entrega a diversos moradores desta comarca, de panfletos nos quais se encontrava reproduzido o cartaz supra-referido, contendo no seu verso o seguinte texto: “Caros Munícipes de…., Mesmo sabendo que contra poderes instalados não conseguimos fazer com que a verdade venha “à tona “, enquanto cidadão contribuinte, com obrigações e direitos, não me calo!!! Gostaria de levar ao conhecimento de toda a gente, especialmente aqueles residentes em …, o que a nossa Câmara faz ao aprovar construções novas, contrariando as normas mais elementares da lei, contrariando as regras de construção, alvarás de loteamento, licenças de construção, etc, contribuindo para impedir as relações de boa vizinhança. Todos já ouviram falar de histórias com fiscais... Existem, com certeza, muitas histórias — todos já ouviram falar que com A não foi possível legalizar, mas com B “dá-se um jeito “... Enfim, só posso falar do meu caso porque o conheço. Contestei, em tempo útil, a implementação de um edflcio junto à minha partilha (0,50m), contestei a alteração da cota de soleira e outras coisas, mas a Câmara Municipal (melhor, as pessoas que têm o poder de decisão) persistiram em legalizar, com base em relatórios, depois de alertados e contestadas as diversas anomalias. De entre as diversas diligências escrevi uma carta ao Sr. Presidente a qual não obteve resposta! (Mas vou dar-vos conhecimento do seu conteúdo.). Deixo a pergunta no ar- onde está o respeito do Sr. Presidente para com os seus munícipes, quando se diz em nome do diálogo, ignorando os direitos legítimos de munícipes cumpridores, permitindo e patrocinando atropelos à lei? Resta-me esperar agora que se faça justiça. Não deixe de ver e divulgar!” Com efeito, o arguido, não concordando com a deliberação da Câmara Municipal …, tomada em reunião do executivo municipal realizada a 04/08/2008, e que aprovou uma alteração ao alvará de loteamento n° ../86, intentou, legitimamente, a sua anulação em processo que corre os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel — processo 718/08.OBEPNF.Tal acção foi contestada pelo Município de …, não tendo, até à data em que o arguido agiu da forma descrita, sido objecto de decisão final. Porém, o arguido, não obstante ter recorrido aos meios judiciais que tinha ao seu alcance, agiu da forma supra-descrita, de forma livre e voluntária, bem sabendo que, com essa conduta, por se tratar de um facto inverídico e utilizando meios que facilitaram a sua divulgação — recorrendo ao cartaz exposto na via pública e aos panfletos que fez distribuir pelos munícipes -, atingia a honra e consideração devidas aos elementos que compunham o Município … bem como a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos à própria Câmara Municipal …, enquanto organismo que exerce a autoridade pública, o que representou e logrou conseguir. Cometeu assim, em autoria material, sob a forma consumada e em concurso: ● Um crime de injúria, p. e pelo artigo 181° do Código Penal, agravada nos termos do disposto nos artigos 183° n.° 1, al. a) e 184° do Código Penal, do mesmo diploma legal, por referência ao disposto no artigo 132º, 11º 2, al. 1) do mesmo diploma legal. ● Um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187°, n.° 1 do Código Penal, agravado nos termos do disposto no artigo 183°, n.° 1, ai. a) do mesmo diploma legal. iii. Na sequência do Requerimento de Abertura de Instrução deduzido pelo ora Recorrente, veio a realizar-se, em 11-11-2010, o Debate Instrutório, no qual, como da Acta reza, «Finda a produção de prova, nos termos do disposto no art° 302°, n° 4, do C.P. Penal, o(a) Mmo(a) Juiz de Direito concedeu de novo a palavra ao(à) Digno(a) e aos ilustres mandatários presentes, para estes, querendo, formularem em síntese as suas conclusões sobre a suficiência ou insuficiência dos indícios recolhidos e sobre questões de direito de que dependa o sentido da decisão instrutória.» iv Em 18-11-2010, data designada para a LEITURA DA DECISÃO INSTRUTÓRIA, na ausência do arguido e seu advogado, mas na presença Defensor Oficioso nomeado para o acto, o Exmo. JIC começou por proferir o seguinte despacho: «Para o efeito do n.°1 e 5 do artigo 303.° do CPP, o tribunal comunica a seguinte alteração jurídica: Face ao teor do texto do respectivo cartaz e panfletos, constata-se que o arguido não se dirige directamente aos visados, C.M. de … e elementos que a compõe, mas sim a terceiros, os munícipes. Por sua vez, o arguido não imputa factos inverídicos, pelo menos demonstráveis nos autos, o que faz é levantar suspeitas e formular Juízos sobre o que terá estado na origem da alegada violação dos seus direitos de propriedade e segurança, colocando a sua versão à consideração dos Munícipes, por intermédio de interrogações e afirmações, de que tal poderia estar relacionado com actos de “corrupção”, nomeadamente quando se expressa “estão a “roubar” o meu direito à privacidade e à segurança!. .será CORRUPÇÃO?!? Neste sentido, o arguido não concretiza factos concretos de corrupção, mas lança a ideia, levanta suspeitas e faz um juízo de valor que tal pode ter sucedido. Ao fazê-lo, mesmo que na hipótese da interrogação, lança suspeitas e faz juízos de valor que são ofensivos do bom- nome e crédito devido a um organismo público e respectivos elementos que o compõem esse órgão colegial, ou seja, o Presidente da Câmara Municipal e Vereadores. A ser assim, estamos perante a alegada prática de um crime de difamação, p.° e p., pelo artigos 180.°, 182.° e 183.°, n.°1, alínea a), todos do Código Penal e não de injúria e ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p.° e p.°, respectivamente pelos artigos 181º e 187.°, ambos do CP, tanto mais que o arguido dirige-se a terceiros, os Munícipes. Notifique.» v. Este despacho, como consta na respetiva Ata, «foi logo e na forma legal notificado a todos os presentes, os quais declararam ficar cientes, nada tendo sido requerido pelo defensor nomeado» vi. De seguida o Mm° Juiz procedeu à leitura da decisão instrutória que se segue (na parte pertinente): «Declaro encerrada a instrução A Digna Procuradora-Adjunta, findo o inquérito, deduziu acusação pública contra o arguido B… imputando-lhe a prática de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.°, n.°1, 183.°, n.°1, alínea a) e 184.°, com referência ao artigo 132.°, n.°2, alínea 1), todos do Código Penal, bem como um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p.° e p.°, pelo artigo 187.°, n.°1, do Código Penal, agravado nos termos do disposto no artigo 183.°, n.°1, alínea a), do mesmo diploma legal, tudo conforme resulta de fis. 89 a 93 dos autos Inconformado, o arguido requereu a abertura da instrução alegando, em síntese, que as expressões constantes do cartaz e panfleto são meras interrogações e expressões do desgosto que sentiu em virtude do processo de licenciamento de uma habitação sita no lote contíguo ao seu, e que nunca tiveram a intenção de ofender quem quer que fosse, nem tão pouco denegrir a imagem da respectiva Câmara Municipal — cfr. fis. 111 e ss. Declarada aberta a instrução, procedeu-se ao interrogatório do arguido e realizou-se o respectivo debate instrutório, cumprindo-se os respectivos formalismos legais, tal como resulta da respectiva acta. Cumpre pois, proferir decisão instrutória, em conformidade com o disposto no n° 1 do artigo 307° do Código Penal. A instrução que tem carácter facultativo, visa, in casu, a comprovação jurisdicional dos pressupostos jurídico factuais da acusação, e, assim, da decisão processual do Ministério Público de deduzir acusação — artigo 286°, n° 1 do Código de Processo Penal. Constitui, portanto, uma fase preparatória e instrumental em relação ao julgamento. [……………………………………………………………………………………..] Em suma, há que fazer um juízo de prognose, apreciando criticamente as provas existentes nos autos, sempre com pleno respeito pelo princípio da presunção de inocência. Contudo, além de avaliar da existência de indícios suficientes, o Juiz de Instrução deve também aferir da verificação dos pressupostos de punibilidade no caso concreto, sendo que, como bem refere o Professor Germano Marques da Silva (in Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2000, pág. 170) «os mesmos fundamentos que determinam o arquivamento do inquérito, nos termos do art. 277.°, serão também causa de decisão instrutória de não pronúncia.» A factualidade imputada ao arguido e indiciariamente assente é a plasmada na respectiva acusação pública, dado se encontrar assente na prova documental junto aos autos (fotografias do cartaz e panfletos distribuídos) e cuja autoria e distribuição foi confirmada pelo arguido. Embora se saiba que o arguido alega que nunca foi sua intenção imputar qualquer facto ou fazer juízo de valor sobre o presidente da Câmara Municipal … ou o respectivo Município, mas sim relatar o seu descontentamento por aquilo que considerou uma errada actuação da C.M. de … no processo de licenciamento de construção no lote de terreno contíguo ao seu, tanto mais que impugnou a respectiva decisão judicialmente, a decisão em apreço é essencialmente jurídica. Nestes termos, antes de mais, impõe-se saber se as expressões e respectivo contexto configuram a prática dos ilícitos que são imputados ao arguido. Impondo-se, portanto, uma breve incursão ao enquadramento jurídico dos crimes em causa. Dispõe o artigo 181º do CP que “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias. Trata-se de um crime contra a honra, podendo qualquer pessoa, pelo facto de o ser, ser injuriada ou difamada. O tipo de ilícito de injúria é doloso, em qualquer das suas modalidades (artigo 14° do Código Penal). Não sendo de exigir o animus injuriandi, isto é: não é exigível que se indaguem os fins ou os motivos individuais do agente, basta que o agente saiba que está a atribuir um facto ou a formular um juízo de valor que irá ofender o bom-nome e consideração alheios e que o queria fazer. O tipo de ilícito injúria preenche-se com a atribuição a alguém de facto ou de conduta, ainda que não criminosos, que encerrem em si uma reprovação ético-social, isto é: que sejam ofensivos da reputação do visado. Na linguagem da lei, injúria ou difamação compreende comportamentos lesivos da honra e consideração de alguém. Honra é a essência da personalidade humana, referindo-se propriamente, à probidade, à rectidão, à lealdade, ao carácter; constitui o elenco de valores éticos que cada um possui. Diz, assim, respeito ao património pessoal e interno de cada um — o próprio eu. Consideração é o património do bom-nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros. É o merecimento que cada indivíduo tem do meio social, a reputação, a boa fama, a estima, que é o mesmo que dizer, a forma como a sociedade vê o cidadão — a opinião pública. A honra, objectivamente, é a opinião dos outros sobre o nosso mérito, subjectivamente, o nosso receio perante essa opinião. Os elementos objectivos do tipo de ilícito são a imputação de um facto ofensivo, a formulação de juízo de desvalor. O arguido foi acusado também da prática do crime de «ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço» previsto e punido pelo artigo 187°, n° 1, com a agravação prevista no art. 183°, n.° 1, al. a) todos do Código Penal. É o seguinte o teor do artigo 187.° do Código Penal: “Ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva 1 - Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias. 2- É correspondentemente aplicável o disposto: a) No artigo 183.°; e b) Nos n.°s 1 e 2 do artigo 186.°.” Com a revisão do Código Penal operada pela Lei n.° 5 9/2007, de 4 de Setembro, ficou claro que o preceito não respeita apenas a organismos ou serviços que exerçam autoridade pública, podendo ser sujeito passivo do crime nele previsto qualquer pessoa colectiva, instituição ou corporação, ainda que não exerça autoridade pública. A «ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço» prevista no artigo 1 87.° do Código Penal é uma incriminação distinta da «difamação» e da «injúria» (artigos 180.° e 181º do Código Penal), não podendo ambas ser confundidas — vide o Acórdão da Relação de Lisboa de 2007.10.10, processo n.° 7319/2007-3, in www.dgsi.pl. O bem jurídico aqui protegido não é a “honra”, mas, antes, um bem jurídico heterogéneo que engloba a tutela da credibilidade, prestígio e confiança e cujo núcleo essencial se prende com a ideia de “bom nome” (neste sentido, vide José Francisco de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo 1, Coimbra, 1999, pp. 677). Embora as pessoas colectivas também sejam titulares de “honra” e possam ser vítimas de crimes de difamação (como constitui agora entendimento pacífico — vide Maia Gonçalves, in Código Penal Português Anotado e Comentado, 15. edição, 2005, p. 636 e Faria Costa, in ob. cit., pp. 675-676), no artigo 187.° tutelam-se as ofensas à “credibilidade, prestígio e confiança” da pessoa colectiva, valores que, em bom rigor, não se incluem no bem jurídico protegido pela difamação e pela injúria, mas, antes no “bom nome” da entidade abstracta. Na palavra de Faria Costa, o bom nome é “não só esteio para aquelas realidades, mas, de igual maneira, a linha compósita daqueles três valores. Con flui por isso no bom nome, não só a qualidade de ser o elemento agregador que a dispersão da credibilidade, prestígio e confiança exigem, mas também o facto de ser, de certa maneira, o resultado daqueles elementos que se têm vindo a anunciar. O bom nome assume-se, assim, como uma realidade dual. De um lado, suporte indesmentível para que a credibilidade, prestígio e confiança possam existir. De outra banda, resultado dessas mesmas e precisas realidades ético-socialmente relevantes (in RLJ, ano 134.°, n.°s 3926 e 3927, p. 144). Processado por computador Autonomizado o bem jurídico protegido pelo artigo 187.° do Codigo Penal, relativamente ao bem jurídico tutelado nos artigos 1 80.° e 181.0 do mesmo diploma, cabe verificar se iii casu, estão preenchidos os elementos típicos do crime «ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço» que a acusação imputa ao arguido. O tipo objectivo deste crime preenche-se com a afirmação ou divulgação de “factos inverídicos”, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança, não abarcando a imputação de “juízos de valor” ofensivos, como sucede nos crimes de difamação e injúria. Tendo presente o que se acabou de referir quanto aos ilícitos em causa, desde logo se constata que no presente caso não estamos perante um crime de injúria, porquanto o arguido directamente não imputa qualquer facto ao Presidente da Câmara Municipal ou ao respectivo Município, dado que o teor do respectivo cartaz e texto reproduzido nos citados panfletos se dirigem a terceiras pessoas (munícipes) e não directamente aos alegados visados. Veja-se, a título de exemplo, que o texto do citado panfleto se inicia com a referência” Caros Munícipes”, dando a entender que o seu teor é dirigido aos mesmos. O mesmo se diga em relação ao cartaz, pois ao se fazer a referência “não podemos calar os “erros” da CM de …, mais uma vez se dá a entender que se dirige aos Munícipes da Câmara Municipal e não propriamente aos visados, sendo que o destinatário claro é a CM de … e por inerência às pessoas que compõem tal organismo. Por outro lado, se atentarmos ao teor do texto do respectivo cartaz e panfletos, constatamos que não há a imputação de quaisquer “factos inverídicos”, pelo menos demonstrável com a prova recolhida nos autos, mas sim a imputação de “suspeitas” “juízos de valor” alegadamente ofensivos do bom nome da Câmara Municipal de …, na medida que da conjugação de tudo o que é dito, o arguido cria a suspeição de que os seus direitos (à privacidade e à segurança) estão a ser colocados em causa por questões que podem estar relacionados com a corrupção, dando como exemplo, em abstracto, suspeitas em relação a fiscais. Em suma, colocando-nos na posição de um homem médio, ao ler o texto do cartaz e dos respectivos panfletos, inevitavelmente ficamos com a ideia que o arguido lança a ideia, sob forma de suspeita e juízos de valor, que questões relacionadas com “corrupção”, mas que não as concretiza, podem estar na base da tomada de decisões por parte da Câmara Municipal que, em seu entender, o prejudicaram no seu direito de propriedade e segurança. Caso concretizasse os factos, e fossem estes considerados inverídicos, estaríamos perante o crime, p.° e p.°, pelo artigo 187.° do CP. O arguido, contudo, ao invés formula juízos de valor sobre o que terá estado na origem da alegada violação dos seus direitos, colocando à consideração dos Munícipes, por intermédio de interrogações e afirmações, que tal se poderá dever à existência de actos de “corrupção”, nomeadamente quando se expressa “estão a “roubar” o meu direito à privacidade e à segurança!..será CORRUPÇÃO?!? Neste sentido, o arguido não concretiza factos concretos de corrupção, mas lança a ideia, levante suspeitas e faz um juízo de valor que tal pode ter sucedido. Ao fazê-lo, mesmo que na hipótese da interrogação, lança suspeitas e faz juízos de valor que são ofensivos do bom-nome e crédito devido a um organismo público e elementos que o compõe, Presidente da Câmara Municipal e Vereadores. E, ao ser assim, o arguido praticou um crime de difamação, p.° e p., pelo artigo 180.° do CP, por referência ao Município …, órgão composto pelo Dr. E…, como presidente e respectivos vereadores. Nestes termos, impõe-se a pronúncia do arguido pela prática de um crime de difamação, p.e p.°, pelo artigo 180.°, 182.° e 183.°, n.°1, alínea a), todos do Código Penal, tanto mais que as questões legais que possa ter contra a respectiva C. Municipal … não são causas justificativas do comportamento adoptado. O ilícito não exige o animus dfamandi, isto é: não é exigível que se indaguem os fins ou os motivos individuais do agente, basta que o agente saiba que está a atribuir um facto ou a formular um juízo de valor que irá ofender o bom-nome e consideração alheios e que o queria fazer. V—Decisão Em face do supra exposto, e atento ao estatuído no artigo 308.° do Código Penal, decide-se pela pronúncia do arguido: B…, ….; Porquanto indiciam os autos que: B… é, juntamente com L…, aqui indicada como testemunha, dono e legitimo possuidor de um prédio urbano destinado a habitação, composto de cada de rés-do-chão e andar sito no …, freguesia de …, concelho de …. No dia 21 de Fevereiro de 2009, pelas 11h00m, o arguido colocou um cartaz com as dimensões aproximadas de 5,00 metros de altura, por 5,00 metros de largura na fachada da habitação que compõe o prédio supra identificado, propriedade do arguido e sua mulher. Tal cartaz, virado para a via pública, de forma a ser visível aos transeuntes que por ali passassem, continha os seguintes dizeres: “Estão a “Roubar” o meu direito à privacidade e à segurança!!“ “Será CORRUPÇÃO!?”; “A justiça será feita pelos TRIBUNAIS! “Não podemos calar os “erros” da CM. De …!!!. O referido cartaz tinha ainda duas fotografias sobre o mesmo local, encimadas pelos dizeres “antes” e “depois”. A fim de ser visível durante a noite, o arguido colocou, no dia 22 de Fevereiro, na parte de cima do cartaz um holofote, o qual esteve ligado durante a noite desse dia. Na mesma ocasião de tempo e lugar, o arguido, por intermédio dos CTT de …, procedeu à distribuição e entrega a diversos moradores desta comarca, de panfletos nos quais se encontrava reproduzido o cartaz supra-referido, contendo no seu verso o seguinte texto: “Caros Munícipes de …; Mesmo sabendo que contra poderes instalados não conseguimos fazer com que a verdade venha “à tona”, enquanto cidadão contribuinte, com obrigações e direitos, não me calo!!! Gostaria de levar ao conhecimento de toda a gente, especialmente aqueles residentes em …, o que a nossa Câmara faz ao aprovar construções novas, contrariando as normas mais elementares da lei, contrariando as regras de construção, alvarás de loteamento, licenças de construção, etc, contribuindo para impedir as relações de boa vizinhança. Todos já ouviram falar de histórias com fiscais. Existem, com certeza, muitas histórias — todos já ouviram falar que com A não foi possível legalizar, mas com B “dá-se um jeito”... Enfim, só posso falar do meu caso porque o conheço. Contestei, em tempo útil, a implementação de um edificio junto à minha partilha (0,50m), contestei a alteração da cota de soleira e outras coisas, mas a Câmara Municipal (melhor, as pessoas que têm poder de decisão) persistirem em legalizar, com base em relatórios, depois de alertados e contestadas as diversas anomalias. De entre as diversas diligências escrevi uma carta ao Sr. Presidente a qual não obteve resposta! (Mas vou dar-vos conhecimento do seu conteúdo) Deixo a pergunta no ar, onde está o respeito do Sr. Presidente para com os seus munícipes, quando se diz em nome do diálogo, ignorando os direitos legítimos de munícipes, cumpridores, permitindo e patrocinando atropelos à lei? Resta-me esperar agora que se faça justiça. Não deixe de ver e divulgar!” Com efeito, o arguido, não concordando com a deliberação da Câmara Municipal …, tomada em reunião do executivo municipal realizada a 04/08/2008, e que aprovou uma alteração ao alvará de loteamento n.° ../86, intentou, legitimamente, a sua anulação em processo que corre os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel — processo 71 8/08.OBEPNF. Porém, o arguido, não obstante ter recorrido aos meios judiciais que tinha ao seu alcance, agiu de forma supra-descrita, de forma livre e voluntária, bem sabendo que, com essa conduta, levantava suspeitas e fazia juízos de valor ofensivos do bom-nome e credibilidade devidos à Câmara Municipal … (órgão executivo, constituído pelo presidente, Dr° E… e pelos respectivos vereadores), sabendo que os respectivos juízos e suspeitas, para além de não corresponderem à verdade, eram ofensivos do bom-nome e credibilidade devida a um organismo público e elementos que o compõem, desde logo o seu Presidente. Utilizou para o efeito meios que facilitaram a respectiva divulgação — recorrendo ao cartaz exposto na via pública e aos panfletos que fez distribuir pelos munícipes, que do respectivo teor tiveram conhecimento. Em face do exposto, incorreu o arguido na prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de difamação, p.° e p.°, pelos artigos 180.°, 182.°, 183.°, n.°1, alínea a), todos do CP». vii Desta decisão “todos os presentes foram devidamente notificados”, não constando da acta qualquer pedido de esclarecimento, arguição de nulidade ou irregularidade. viii Distribuído o processo, o Exmo. Juiz, seu titular, proferiu despacho a designar dia para julgamento “pelos factos e disposições legais constantes da pronúncia de fls.179» [Fls.216] ix Iniciado o julgamento o ora Recorrente formulou o seguinte requerimento: «Vem o arguido pronunciado pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelos artº 180, 182 e 183, nº 1 al. a) todos do Código Penal. Tal crime de difamação reveste carácter particular e de acordo com o art2 181, n2 1, depende de acusação particular. Neste sentido, estabelece o artº 5O, nº 1 do CPP que “quando o procedimento criminal depende de acusação particular do ofendido ou de outra pessoa é necessário que essa pessoa se queixe, se constitua assistente e deduza acusação particular.” Este preceito constitui uma restrição à legitimidade do processo atribuído ao Mº Pº. Nos crimes particulares o exercício da acção penal necessariamente dependente de queixa e acusação particular. Na verdade, sendo o procedimento dependente de acusação particular, deve o assistente ser notificado para querendo deduzir acusação particular. Ora, como no caso não ocorreu, não existe a constituição como assistente nem acusação particular, tal configura uma excepção de ilegitimidade do Mº Pº para o exercício da acção penal, o que obsta ao conhecimento do mérito da causa, verificando-se falta de promoção do processo e constitui nulidade insanável de acordo com o artº 119, al. b) do CPP, de conhecimento oficioso enquanto a decisão final não transita em julgado. (………) Neste sentido e reiterando-se as consequências da nulidade ocorrida impõe-se anulação do processado a partir do despacho “incluído” em que o M9 P2 formulou acusação, a fim de que retomando-se a legalidade do processado o Mº Pº profira despacho ordenando o cumprimento do disposto no artº 285, nº 1 do CPP. Face ao exposto deverá V. Exa. declarar a nulidade insanável ocorrida, com todas as consequências e implicações legais.” x Sobre este requerimento pronunciaram-se, respetivamente: a) O MºPº: “Subscrevo o requerimento da defesa com excepção na parte em que imputa ao Mº Pº a ilegitimidade para o procedimento, sendo certo que o arguido veio a julgamento por despacho de pronúncia da autoria do Juiz de Instrução Criminal e não do Mº Pº. b) A Ilustre Mandatária do demandante: “Nada a opor ao requerimento da defesa, não obstante ter entendimento diferente o qual se funda na conjugação dos artºs. 180, 184, 132, nº 2 aI.l) do Código Penal, por referência ao artº 113, de que resulta o entendimento de que estamos perante um crime não de natureza particular mas sim de natureza semi-pública. Pelo que tendo sido apresentada a competente queixa, estão assim reunidas as condições de legitimidade para o competente procedimento criminal pelo Mº pº e consequentemente pelo juiz de Instrução Criminal.” xi Proferiu, então, a Exma. Juiz o seguinte despacho: «Face ao ora requerido pelo arguido há que fazer antes de mais uma resenha dos factos: Nos autos a fls. 2 pelo Município de … foi apresentada queixa-crime contra o aqui arguido. Após as diligências de investigação a Digna Magistrada do Mº Pº proferiu acusação na qual imputou ao arguido a prática de um crime de injúria agravada p. e p. pelos artºs. l8l, 183, nº 1 ai. a) e l84 do CP, por referência ao disposto no artº l32, nº2 ai. 1) e ainda um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artº 187, n2 1 e 183, nº 1 ai. a) do mesmo Código. Ora, face às disposições constantes quanto a estes crimes do C. P. os mesmos têm natureza semi-pública daí, face à queixa apresentada a legitimidade inquestionável do Mº Pº para prosseguir com a acção penal. Sucede que na sequência do requerimento para a abertura da instrução foi proferido pelo Juiz de Instrução Criminal a decisão instrutória constante dos autos, concluindo-se aí, e pronunciando-se o arguido pela prática em autoria material e sob a forma consumada de um crime de difamação p. p. pelos artºs 18O, 183 e 183, nº 1 ai. a), todos do CP. Este crime tem natureza particular, sendo certo que não há nos autos assistente constituído nem acusação particular apresentada. Todavia, não pode proceder a requerida nulidade aventada pelo arguido. Como flui de todo o exposto, a acusação pública não é nula porquanto os crimes aí imputados ao arguido são de natureza semi-pública. Mesmo que o fosse, tal nulidade teria de ser apreciada em sede de instrução. E certo que o crime imputado ao arguido na pronúncia tem natureza particular, todavia a forma correcta de reagir contra a pronúncia proferida nos autos seria o recurso desse despacho para o Tribunal da Relação o que não sucedeu no caso dos autos. Como é sabido quando o Tribunal do julgamento recebe a pronuncia está impedido de conhecer nulidades da decisão instrutória uma vez que não há qualquer hierarquia entre os dois Tribunais, ficando esgotado o poder jurisdicional caso não haja recurso dessa decisão. Por isso, está o Tribunal impedido de neste caso conhecer uma eventual nulidade praticada em sede de instrução. Entendemos ainda que o Tribunal não fica vinculado à qualificação jurídica dos factos, pese embora fique vinculado à factualidade ínsita na pronúncia do arguido. Quer isto dizer que devem os autos prosseguir com a audiência de julgamento, a fim de se apurar a final qual a qualificação dos factos, e, caso se entenda que a mesma integra a prática de um crime particular em sede de sentença decidir em conformidade com a falta de procedibilidade do processo penal. Notifique» Foram os presentes devidamente notificados. xii Entretanto, no decurso da audiência, na sessão de 2 de Maio de 2011, a Exma. Juiz proferiu o seguinte despacho: «Inquiridas todas as testemunhas arroladas e convolada a factualidade constante do despacho de pronúncia, assemelhasse-me que os factos imputados ao arguido são susceptíveis de, em abstrato, integrar, ou poder integrar, a prática de um crime previsto no 187 do CP - ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, tal, integrar, uma alteração na qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia pelo que ao abrigo do disposto no art.º 358, nº 1 e nº 3, do CPP, se comunica tal alteração do MP e ao arguido» Reza em Ata, a propósito do mesmo, que “Concedida a palavra ao MP e ao Ilustre Mandatário do arguido, os mesmos declararam nada ter a requerer” xiii Chegado o dia designado para a leitura da sentença, a Exma Juiz proferiu nova comunicação: «Na sequência da alteração comunicada na última sessão da audiência de julgamento, constata-se que foram apurados ainda factos que não constam da acusação e são eles: E ao actuar conforme descrito em supra, agiu o arguido livre, voluntária e conscientemente bem sabendo que com a sua conduta, atingia a credibilidade, prestigio, e a confiança devidos à Câmara Município/ de …, enquanto organismo que exerce a autoridade pública, o que representou e logrou conseguir, bem sabendo que tais factos não correspondiam à verdade. Ora, na verdade este facto constitui uma alteração substancial dos factos descritos na pronúncia, o que se comunica ao arguido e ao Mº Pº para os fins do disposto no arº 359º/2, do CPP.» xiv Consta da Acta que «Dada a palavra ao Ilustre Mandatário do arguido pelo mesmo foi dito que não se opõe mas requer o prazo de 10 dias para apresentar defesa. Dada a palavra ao Digno Magistrado do Mº Pº pelo mesmo foi dito nada ter a opor. Pela Mm Juiz foi proferido o seguinte: DESPACHO «Concedo ao arguido o prazo de 10 dias para apresentação da sua defesa.» xv E a verdade é que o ora Recorrente apresentaria, subsequentemente, requereu: «…. no uso do direito de defesa consagrado no art. 359., n. 3 Cód. Proc. Penal: - sejam novamente tomadas declarações ao arguido; - seja admitida a inquirição de nova testemunha que se indica: K…, casada, residente na Rua …, …, R/C Dto. ….-… Vila Nova de Gaia; - seja admitida a junção aos presentes Autos dos docs. que se anexam, como prova da iniciativa por parte do arguido de alertar a Câmara Municipal … acerca do andamento da obra vizinha; em especial, no que respeita à certidão passada pela Câmara Municipal …, onde ressalta no ponto g.4) e g. 5) a tentativa de licenciamento posterior de três pisos, ilegalmente construídos.» A partir do quadro fáctico que fica desenhado, retomemos a questão suscitada pelo Recorrente, reconduzível à apontada nulidade insanável prevista no artº 119º al. b) do CPP. Ainda numa prévia nota de apreciação àquele mesmo quadro fáctico, dê-se conta de como o arguido se vê sucessivamente confrontado com diferentes qualificações juspenais: se, pela acusação, respondia pela prática, em concurso real de infrações, de um crime de injúria pºpº pelas disposições conjugadas dos artigos 181º, 183º nº1 al.a), 184º e 132º nº2 al. l), todos do Código Penal e de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187° n.° 1, agravado nos termos do disposto no artigo 183°, n.° 1, ai. a), um e outro daquele mesmo diploma legal, já na pronúncia passava a responder pela prática de um crime de difamação, p.° e p.°, pelos artigos 180.°, 182.°, 183.°, n.°1, alínea a), igualmente do CP e, chegado a audiência, voltava a responder pela prática de um crime previsto no 187 do CP - ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva. Este vai-e-volta/volta-e-vem, não nos parece, seguramente, da melhor conformidade com o princípio do processo devido! De todo o modo, a questão que ora importa decidir é quanto à verificação ou não de uma nulidade insanável. Adiantando: não se subscreve o entendimento do Recorrente. Não lhe falta pingo de razão quando refere que foi pronunciado por crime de natureza particular quando era certo que no processo nem havia assistente constituído, muito menos existia acusação particular. Neste conspecto, recorrente, MºPº numa e outra instâncias, parecem estar de acordo. Verdade é que, a partir de uma acusação deduzida pelo MºPº, para a qual o Recorrente não suscita qualquer questão de legitimidade de procedimento criminal, o Juiz de Instrução Criminal, conquanto mantendo na essencialidade os factos descritos na acusação, decidiu qualificá-los jurídico-penalmente de modo diferente. Incorretamente, por isso, entende-se, se poderá falar na nulidade insanável a que se reporta o artigo 119º al. b) da lei penal adjetiva. A nulidade aqui prevista consubstancia-se na “Falta de promoção do processo pelo MºPº, nos termos do artigo 48º, bem como (n)a sua ausência a atos relativamente aos quais a lei exigir a respetiva comparência” Ora, in casu, visto a acusação deduzida, não se pode falar em “falta de promoção do processo”. O MºPº promoveu o processo. O JIC é que entendeu que o crime decorrente da factualidade traçada no libelo não cabia nos crimes imputados, mas num outro, coincidentemente de natureza particular, natureza em que, seguramente por lapso, não atentou. [1] Aqui chegados, a questão coloca-se em saber como enquadrar o erro cometido. Ainda que mal comparado, uma acusação como uma pronúncia por crime particular sem acusação particular, faz lembrar a hipótese em processo cível (que todos acharão inverosímil) da pendência de uma acção sem petição inicial! Colocámo-nos a questão de um eventual vício de inexistência. Não parece ser de acolher. A figura da inexistência, se bem se ajuíza, deve ser reservada aos casos de gravidade superior àqueles que se encontram previstos na lei como causa de nulidade: “No caso da inexistência jurídica, nem sequer se pode falar em imperfeição da fattispecie. A anomalia é tão grande que o acto nem sequer é comparável com o seu esquema normativo, não alcançando aquele mínimo imprescindível para poder ser reconhecido como tal e ter vida jurídica” [2] Invocam-se, a título de exemplos: “Uma sentença ou uma acusação proferidas à mesa de café, não escritas, nem inseridas num processo” [3] a “usurpação das funções do juiz ou do MP” ou “a condenação de pessoa que não foi acusada nem pronunciada” [4] No caso, repete-se, foi deduzida acusação pelo MºPº. Como, de igual passo, no exercício de função que lhe compete, o JIC proferiu despacho de pronúncia. Só de modo impróprio, se poderia falar, pois, do vício nunca superável – pois que nem o trânsito em julgado lhe serviria de remédio – da inexistência jurídica. Mas, como igualmente se deixa referido, também não procede a invocada nulidade da falta de procedimento. Já que este foi observado pelo MºPº. A solução da questão não pode deixar de ser relacionada já com a dinâmica inerente a um processo, já com a subsistência ou insubsistência da legitimidade do MºPº para o procedimento criminal. Ali, toma-se em linha de conta que “a atividade em que se concretiza o exercício da função jurisdicional, chama-se processo, dado que há nela uma ordenação de operações em sequência, que constituem um verdadeiro processo no sentido etimológico (de procedere, caminhar, avançar rumo a determinada meta); ou um procedimento, como conjunto de atos a que preside uma linha lógica em vista de determinado escopo ou resultado. O resultado é, na fase declaratória, a decisão a proferir, em suma, a tutela a conceder” [5] Diz-se, a propósito, que “um processo viciado ainda pode conduzir a uma sentença justa”! [6] Ora, o quadro fáctico que se deixou desenhado dá conta, exatamente, de uma autêntica dinâmica processual: a uma queixa-crime, segue-se uma acusação; à acusação pública, o requerimento de abertura de instrução e a decisão de pronúncia, com alteração, aqui, da qualificação jurídico-penal indicada naquela; já em sede de julgamento, decide-se o prosseguimento do processo sem que, todavia, a Exma. Juiz deixe de ressalvar “… que o Tribunal não fica vinculado à qualificação jurídica dos factos, pese embora fique vinculado à factualidade ínsita na pronúncia do arguido. Quer isto dizer que devem os autos prosseguir com a audiência de julgamento, a fim de se apurar a final qual a qualificação dos factos, e, caso se entenda que a mesma integra a prática de um crime particular em sede de sentença decidir em conformidade com a falta de procedibilidade do processo penal”; ainda, em dinâmica processual e ainda em sede de julgamento, segue-se a alteração substancial dos factos e a alteração da qualificação jurídico-penal. Nesta sucessiva atividade processual, assume particular relevância, se bem se ajuíza, a posição tomada pela Exma. Juiz quando do requerimento deduzido pelo ora Recorrente no início da audiência. Decisão correta, entende-se. Na justa medida - até por questão de aproveitamento e economia -, em que importava que o processo seguisse a dinâmica que viesse a consentir a prolação de uma decisão de meritis (“a tutela a conceder) ou, subsistindo a falha no pressuposto processual da legitimidade do MºPº, a decisão de instância. Dê-se conta que aquela alteração do objeto do processo é consentida pela própria lei penal adjetiva. Dizer, o aplicado (na audiência de julgamento) artigo 359º relativiza, de algum modo, o princípio da vinculação temática quando permite que o Tribunal tome em conta - observados determinados pressupostos - uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia. Aqui chegados, não pode deixar de assumir significado – significado que o Exmo. Procurador-Geral Adjunto também considera juridicamente relevante - a atitude tomada pelo Recorrente em sede de julgamento. Quando lhe foi comunicada a alteração dos factos bem podia o Recorrente ter recusado, então, dar o seu assentimento a tal alteração. Não o fez, todavia. Antes, conformou-se e usou até do prazo de 10 dias para proceder à indicação de novos elementos de prova. Esta aquiescência – salvaguardado o respeito p.m.o. - legitimou o prosseguimento do processo agora de acordo com a nova qualificação jurídico-penal e com referência à factualidade quer decorrente da pronúncia, quer da alteração produzida em sede de julgamento. Nesta conformidade, em face do assentimento do arguido, o Tribunal ficou legitimado a conhecer de meritis quanto ao crime enunciado na nova qualificação jurídico-penal emprestada em audiência, como, de todo o modo, não lhe ficou vedado decidir quanto à insubsistência da pronúncia por ilegitimidade do MºPº, vindo a resultar da prova a prática de um crime de natureza particular. Segue-se no que a este último particular diz respeito o ensinamento de FIGUEIREDO DIAS, quando perante a questão de saber “se na denúncia e na acusação particular deparamos com exigências do direito penal substantivo ou antes com verdadeiros pressupostos processuais”, considerou que “A circunstância de tais requisitos, pela estritíssima e necessária relação que possuem com os diversos tipos de crime, encontrarem assento no Código Penal - ….. – não deve obstar a que se veja neles autênticos pressupostos processuais (….).” “Nesta medida estamos perante limitações (nos crimes semi-públicos, em que a denúncia não substitui a acusação pública, mas tem necessariamente de a preceder) e mesmo perante autênticas excepções (nos crimes particulares em sentido estrito) ao princípio da promoção oficiosa do processo penal.” [7] Destarte, a dedução da acusação particular – tal como a queixa – consubstancia um verdadeiro pressuposto processual. Pressuposto processual que é dizer também, condição de procedimento. [Artigo 50º/1 CPP “…é necessário que essas pessoas …deduzam acusação particular”] Pressuposto, todavia, cujo “conteúdo contende com o próprio direito substantivo, na medida em que a sua teleologia e as intenções politico-criminais que lhe presidem têm ainda a ver com condições de efectivação de punição, que nesta mesma encontram o seu fundamento e a sua razão de ser”. “O conteúdo de tal pressuposto é politico-criminalmente cunhado a partir da teoria da consequência jurídica do crime” Não se olvide que é em atenção ao significado criminal relativamente pequeno do crime – em particular quando ligado a uma alta medida de disponibilidade do bem jurídico respectivo – que o legislador exige que o procedimento criminal só tenha lugar se tal corresponder ao interesse e à vontade do ofendido, ora apresentando queixa, no caso de crime semi-público, ora deduzindo acusação, no caso de crime particular. Neste sentido, somos tentados a dizer com Taipa de Carvalho: “Há que não esquecer que o próprio legislador se serve, por vezes, destas figuras como técnica (….) de descriminalização de facto”. “Fazendo depender o processo penal por certo crime de apresentação da queixa ou da acusação particular, o legislador sabe – e é isso que, muitas vezes, pretende – que, em muitos casos, tal vai equivaler a uma não penalização do agente, pois as estatísticas lhe indicam que muitos crimes, cujo procedimento depende de queixa, não chegam a ser julgados precisamente pela não apresentação da queixa” [8] Nesta conformidade, o conteúdo do pressuposto-criminal-queixa quanto do pressuposto-criminal-acusação-particular contendem com o próprio direito substantivo na medida em que a sua teleologia e as intenções politico-criminais que lhes presidem têm ainda a ver com condições de efectivação da punição: sendo condição (positiva) do procedimento criminal, condicionam a responsabilidade penal. O exposto leva-nos a concluir - repetindo, embora - no sentido da correcção da decisão judicial de relegação para final, (pós-produção de prova), quer quanto à (falta de) legitimidade do Mº Pº para procedimento (o que é dizer, com referência à eventual prática do crime de natureza particular por que pronunciado o arguido), quer quanto á decisão de mérito relativamente à eventual prática do crime segundo a qualificação jurídico-penal introduzida em audiência de julgamento. Entretanto, uma vez que o Tribunal recorrido veio a decidir neste segundo sentido, aquela questão da ilegitimidade ficou prejudicada. 2.3 Impugnação da matéria de facto / Verificação dos elementos objetivo-subjetivos do tipo do ilícito Recorre o arguido da decisão proferida no 1º Juízo Criminal do tribunal Judicial de Amarante que o condenou em pena de multa como autor material de um crime de ofensa a pessoa coletiva, organismo e serviço pº pº pelo artigo 187º do Código Penal. Impugna a decisão de facto – invocando, além do mais, erro notório na apreciação da prova – e contesta, do mesmo passo, a decisão ao nível da subsunção fáctico-juspenal por considerar não verificados os elementos objetivo-subjetivos do tipo do ilícito por que foi condenado. Independentemente da questão de facto suscitada [9], cabe, como se entende, inteira razão ao recorrente na questão de direito, mesmo à luz da consideração exclusiva da factualidade acolhida no acervo fáctico definido na instância recorrida. O que se explica em breves palavras. Não estão em causa nem o teor do cartaz nem a colocação desta na fachada da habitação (“virado para a via pública, de forma a ser visível os transeuntes”) [Supra II, 1.1.2 a 1.1.5], como, de igual modo, não estão em causa nem o teor dos panfletos nem a sua distribuição, via CTT, por diversos moradores da comarca [Supra II, 1.1.6] O punctum prurens tem a ver com o item 1.1.9 dos factos provados. Diz-se aqui: «Bem sabendo que, com essa conduta, levantava suspeitas e fazia juízos de valor ofensivos do bom-nome e credibilidade devidos à Câmara Municipal … (órgão executivo, constituído pelo presidente, Drº E… e pelos respectivos vereadores), sabendo que os respectivos juízos e suspeitas, para além de não corresponderem à verdade, eram ofensivos do bom-nome e credibilidade devida a um organismo público e elementos que o compõem, desde logo o seu Presidente» Em concreto, qual a conduta ou o dito do arguido que fundamentava o elemento objetivo do tipo incriminador? O Exmo. Procurador Geral Adjunto, tal como a sentença sob recurso, identificam-no com o seguinte excerto: «Gostaria de levar ao conhecimento de toda a gente, especialmente aqueles residentes em …, o que a nossa Câmara faz ao aprovar construções novas, contrariando as normas mais elementares da lei, contrariando as regras de construção, alvarás de loteamento, licenças de construção, etc, contribuindo para impedir as relações de boa vizinhança” Ora, é o próprio tribunal recorrido que ao traduzir na ordem fáctica o elemento subjetivo, diz que o arguido bem sabia que, com a sua conduta, “levantava suspeitas e fazia juízos de valor ofensivos do bom nome e credibilidade devidos à Câmara” e que os respetivos juízos e suspeitas eram ofensivos do bom-nome e credibilidade …” Diz o artigo 187º/1 do Código Penal: «Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias” O tipo do ilícito exige, pois e desde logo, que o agente afirme ou propale “factos”; depois, exige que estes sejam “factos inverídicos”; exige, ainda, que, ao fazê-lo, o faça “sem fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros” e que os mesmos tenham capacidade bastante para ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação. Bem diferentemente, quanto ao elemento objetivo do tipo-do-ilícito-difamação, a lei penal substantiva identifica-o com a imputação a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, de um facto, ou a formulação sobre ela de um juízo ofensivo da sua honra ou consideração, ou ainda a reprodução de uma tal imputação ou juízo. Do que ressuma a manifesta diferença quanto ao elemento objetivo entre um e outro tipo do ilícito: se na difamação ele pode identificar-se com a formulação e/ou reprodução de um juízo ofensivo da honra e consideração, já na ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, exige-se a afirmação ou propalação de factos inverídicos, não bastando a formulação ou propalação de meros juízos de valor. Desta diferença deu boa conta o Exmo. JIC quando, de forma assertiva, ponderou: «Por outro lado, se atentarmos ao teor do texto do respectivo cartaz e panfletos, constatamos que não há a imputação de quaisquer “factos inverídicos”, pelo menos demonstrável com a prova recolhida nos autos, mas sim a imputação de “suspeitas” “juízos de valor” alegadamente ofensivos do bom nome da Câmara Municipal …, na medida que da conjugação de tudo o que é dito, o arguido cria a suspeição de que os seus direitos (à privacidade e à segurança) estão a ser colocados em causa por questões que podem estar relacionados com a corrupção, dando como exemplo, em abstracto, suspeitas em relação a fiscais. Em suma, colocando-nos na posição de um homem médio, ao ler o texto do cartaz e dos respectivos panfletos, inevitavelmente ficamos com a ideia que o arguido lança a ideia, sob forma de suspeita e juízos de valor, que questões relacionadas com “corrupção”, mas que não as concretiza, podem estar na base da tomada de decisões por parte da Câmara Municipal que, em seu entender, o prejudicaram no seu direito de propriedade e segurança. Caso concretizasse os factos, e fossem estes considerados inverídicos, estaríamos perante o crime, p.° e p.°, pelo artigo 187.° do CP.» No ensinamento de Alberto Reis, factos são “ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior”. [10] Manifestamente, in casu, o arguido não imputou factos – fossem eles verídicos, fossem eles inverídicos – antes, como se diz no próprio acervo assumido pelo tribunal, “levantou suspeitas, fez juízos de valor” Admitamos, à sobreposse, num esforço de adaptação que o texto em causa, diferentemente dos juízos de valor reconhecidos na decisão recorrida, comporta antes juízos de facto, podendo e/ou devendo estes ser tomados como factos. Exigia-se, então, para a comprovação da prática do crime que o arguido não tivesse fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros. Ora, mesmo sob esta perspetiva, entende-se, a razão não deixa de assistir ao recorrente quando aponta “um erro de raciocínio”, ou “um erro notório na apreciação da prova”, no que concerne à consciência da “inveracidade”. Na verdade, o tribunal teve por adquirido [Supra II, 1.1.15 a 1.1.35]: ● Que o arguido, por via da “consulta ao loteamento aprovado e existente”, ficou convicto de que alguma construção que viesse a surgir no lote de terreno vizinho, que mantinha um desnível de mais de 7 metros para o seu, nunca o privaria da vista privilegiada que tinha. ● Quando deparou com uma construção que reputou como elevada, junto ao muro de partilha, retirando-lhe as vistas, o arguido, no entendimento de que o processo de licenciamento era ilegal, “fez diligências junto à Câmara Municipal … sobre tal licenciamento. ● “Disso mesmo fez menção à Câmara que procedeu ao embargo da obra”. ● Foi, porém, permitido ao proprietário do lote vizinho apresentar aditamento para alteração do alvará de loteamento em causa, o que não foi do agrado do arguido. ● Disso o arguido deu sempre conta aos serviços camarários. ● Não concordando com a deliberação da Câmara Municipal …, tomada em reunião do executivo municipal realizada a 04/08/2008, e que aprovou uma alteração ao alvará de loteamento n.º ../86, intentou, legitimamente, a sua anulação em processo que corre os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel – processo 718/08.0BEPNF. ● Opôs-se frontalmente à nova alteração ao loteamento, carreando para os autos de licenciamento toda a informação necessária. ● Foram várias as comunicações que o arguido fez junto do processo de licenciamento. ● Encontrando-se pessoalmente no edifício camarário, foram várias as tentativas por si feitas para falar pessoalmente com a Sra. Vereadora do Urbanismo e com o Sr. Presidente da Câmara, sempre negadas. ● Solicitou audiência com o Sr. Presidente por escrito, tendo a mesma sido aceite. ● No próprio dia da audiência, o Sr. Presidente da Câmara … desmarcou a referida audiência, alegando compromissos pessoais, não mais dando conta da disponibilidade para receber o arguido. ● Endereçou carta pessoal dirigida ao Sr. Presidente da Câmara Municipal …, levantando interrogações, solicitando respostas. ● Tudo fez para falar pessoalmente com o Sr. Presidente da Câmara e com a Sra Vereadora do Urbanismo. ● O encontro com o Sr. Presidente da Camara nunca aconteceu. ● Após o encontro com a Sra. Vereadora do Urbanismo, o arguido continuou com a Interrogações. ● Endereçou ainda uma carta ao Presidente da Assembleia Municipal e aos grupos parlamentares com assento na mesma. Lido este rosário, em face destas demonstradas convicções fundamentadas – máxime, quando instaura acção em Tribunal, seguramente na convicção de que o direito lhe assiste -, das ausências de explicações (v.g. para o desembargo), das manifestas recusas ao diálogo (marcação de audiência e desmarcação (intemporal) por “alegados compromissos pessoais”) – no apelo às regras da experiência comum como se poderá concluir que o Recorrente não tinha fundamento para em boa fé reputar verdadeiros os factos (rectius, juízos de facto) imputados?! Nesta conformidade, resultando óbvia a conclusão de que não resultou provada a propalação de factos, nem, de todo o modo, resultou provado que o arguido não tivesse fundamento para, em boa-fé, reputar verdadeiras as afirmações que produziu, impõe-se a declaração de improcedência da pronúncia quanto à prática pelo Recorrente de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva pº pº pelo artº 187º do Código Penal. III. DECISÃO Termos em que, na procedência do recurso interposto, se revoga a decisão recorrida, assim se absolvendo o Recorrente da prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, pºpº pelo artº 187º do Código Penal, e, em consequência, do pedido de indemnização cível contra ele deduzido. Visto o decaimento, custas do pedido cível, na instância recorrida, da responsabilidade do Requerente. Porto, 11 de Abril de 201 Joaquim Maria Melo de Sousa Lima Francisco Marcolino de Jesus _______________________ [1] Não é de acolher a justificação deduzida pela Exma. Mandatária do demandante quando apelou à conjugação dos artigos 180, 184, 132, nº 2 al. l) do Código Penal, por referência ao artº 113, para concluir quer no sentido da verificação de um crime não de natureza particular mas sim de natureza semi-pública, quer da correção da qualificação decorrente da pronúncia. (Supra item x) No pressuposto correto de que a queixa-crime tinha sido apresentada por E…, Presidente da câmara Municipal …, em representação do Município (Supra item i) o Ex.mo JIC concluiu que “o arguido praticou um crime de difamação, p.° e p., pelo artigo 180.° do CP, por referência ao Município …”.(Supra, item vi) [2] Neste sentido: CORREIA, João Conde – CONTRIBUTO PARA A ANÁLISE DA INEXISTÊNCIA E DAS NULIDADES PROCESSUAIS PENAIS, in Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, STVUDIA IVRIDICA, Pág.121 [3] Ibidem, 114 [4] Ac.STJ de 24.6.1992 in CJ XVII, 3, 49 [5] ANSELMO DE CASTRO, ARTUR – Dto. Proc. Civil, Declaratório I, Almedina, Coimbra 1984, pag.27 [6] CORREIA, João Conde, b. cit. 117 [7] DIREITO PROCESSUAL PENAL, Vol. I, Coimbra Editora 1974, §4, I, 3 a) [8] Sucessão de Leis Penais, Coimbra 1990, pag. 244, Nota 455 [9] Relativamente à qual se subscrevem pela sua inteira justeza e pertinência as considerações tecidas pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto acima descritas em I, 7.2.2.3 a 7.2.2.6 [10] CPC Anotado, III, 206 a 212 |