Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1551/12.0TMPRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO DO REGIME DA REGULAÇÃO
CRITÉRIOS DO JULGAMENTO
IDENTIFICADOR COLOCADO EM VEÍCULO AUTOMÓVEL
VIOLAÇÃO DO DIREITO À RESERVA DA VIDA PRIVADA
PEDIDO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS E CAUTELARES
URGÊNCIA NA APRECIAÇÃO
QUALIFICAÇÃO DE REQUERIMENTO COMO INCIDENTE
Nº do Documento: RP201401281551/12.0TMPRT-D.P1
Data do Acordão: 01/28/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Apesar de a acção de alteração do regime da regulação das responsabilidade parentais ter a natureza de processo de jurisdição voluntária, onde os critérios de legalidade estrita não se impõem totalmente, o tribunal deve adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, mas sem abstrair em absoluto do direito positivo vigente, devendo nortear-se, em face da matéria em causa, pelo superior interesse do menor.
II - Não viola o direito à reserva da vida privada a informação acerca dos registos efectuados com base no identificador colocado num veículo automóvel, num determinado período, sobre as deslocações numa auto-estrada, para prova de factos alegados com vista à alteração daquele regime.
III - Sendo enxertado naquela acção um pedido de medidas provisórias e cautelares, deve o mesmo ser apreciado, com urgência e a devida fundamentação, antes da decisão final.
IV - A simplificação de procedimentos e uma menor vinculação à lei e a critérios de legalidade estrita não dispensam o tribunal de se pronunciar sobre as questões essenciais que relevam para a decisão da causa ou do incidente, nem o dispensam de fundamentar adequadamente a decisão, ainda que de forma mais sintética.
V - Não é susceptível de ser qualificado como incidente um requerimento, feito pelo progenitor de uma criança, a alertar para o tempo volvido e a necessidade de diligências para apreciação do pedido de medidas provisórias e cautelares que havia formulado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1551/12.0TMPRT-D.P1
Do 1.º Juízo, 2.ª Secção, de Família e Menores do Porto.
Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto - 2.ª Secção:

I. Relatório

Na acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais, instaurada em 28/9/2012, por B… contra C…, relativamente à filha de ambos, D…, todos nela melhor identificados, foi proferido, em 14/5/2013, um despacho cujo teor aqui se transcreve, na parte que importa para a economia do presente recurso:
“Por considerar necessário para a boa decisão da causa determino:
1. Que se proceda a uma avaliação global psicológica da menor, devendo ser abordada a forma como a menor tem encarado a separação dos pais e a forma como a menor vê cada um dos progenitores e respectivas famílias; a avaliação será realizada pelo Gabinete de Psicologia, E…, que indicará, no prazo de 5 dias, a psicóloga que realizará a avaliação e as sessões necessárias para o efeito;
2. Que os progenitores sejam avaliados psicológica e psiquiatricamente, designadamente, identificando eventuais sintomas obsessivo-compulsivos, depressivos, má gestão da ansiedade, baixa tolerância à frustração e ideação paranóide ou suicida; a avaliação dos progenitores será realizada pelo Instituto de Medicina Legal - Porto, devendo a secção oficiar esta entidade para que indique datas para a realização das sessões necessárias, com a antecedência razoável de forma a permitir a notificação legal dos intervenientes;
3. Que os progenitores e a menor sejam avaliados psicologicamente e de forma conjunta, com o objectivo de se esclarecerem as características da dinâmica familiar, no contexto da ruptura entre os progenitores; a avaliação será realizada pela Escola de Psicologia da Universidade …, devendo a secção oficiar esta entidade para que indique datas para a realização das sessões necessárias para o efeito, com a antecedência razoável de forma a permitir a notificação legal dos intervenientes.

Indefiro a diligência requerida a fl. 282, alínea E), uma vez que a mesma, tal como se encontra requerida e formulada, comprime de forma desnecessária e abusiva o direito da requerida à reserva da vida privada, existindo outros meios probatórios ao alcance do requerido para o mesmo efeito.

Fls. 539 e 540.
A pretensão formulada pelo requerido afigura-se manifestamente anómala e destituída de fundamento.
O requerido não tem de formular 'pedidos de conclusão urgente' uma vez que, para além de lhe não assistir qualquer direito processual para o efeito, os autos são conclusos depois de terem decorrido todos os prazos do contraditório.
Por outro lado, a judiciosa recolha de prova e a necessária ponderação de todos os aspectos da questão, na óptica do superior interesse da menor, não pode estar, nem estará, dependente das visões e dos juízos de prognose do progenitor.
Indefere-se, pois, o requerido a fls. 539-540.
Custas do incidente pelo requerido, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC's.
Notifique”

Inconformado com estes segmentos de tal despacho, o requerido interpôs recurso de apelação e apresentou a respectiva alegação com as seguintes conclusões:
“1- Pedindo o progenitor a alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, no que toca à residência da criança, no sentido de a mesma passar a residir consigo, com fundamento, designadamente, na gratuitidade da deslocalização da menor para Viana do Castelo, à luz, entre o mais, da circunstância da progenitora guardiã continuar a exercer a sua actividade profissional na cidade do Porto, das suas rotinas e horários e, também, da sua (in)disponibilidade concreta para estar com a filha, alegando para tanto factos que, se provados, o evidenciam, não tendo ele outra forma de os provar, a realização da diligência probatória requerida na alínea E) das suas alegações afigura-se adequada, necessária e imprescindível para que o Tribunal possa decidir com segurança a factologia indicada e, face a ela, apreciar do ponto de vista do exercício responsável da parentalidade se a menor D… beneficia ou é prejudicada pela mudança de residência da Mãe, que esta decidiu para si, no exercício da sua liberdade individual, mas também para a filha, na desconsideração dela e dos seus interesses concretos, reduzindo os tempos que com ela passa em relação aos que passava quando vivia na cidade do Porto e reduzindo, outrossim, a quatro dias por mês os tempos que a criança passava com o Pai e com a família paterna, alterando-lhe os cuidadores primários e introduzindo um corte ou solução de continuidade nos seus contactos, referências e sociabilidade, para além de incumprir o regime em vigor.
2- Donde, ao ser indeferida a diligência probatória em causa, ficou o recorrente impossibilitado de fazer a demonstração dos factos por si alegados, e que são essenciais à boa decisão da causa, na perspectiva da defesa e promoção do interesse da criança.
3- Para além de não ser desnecessária, tal diligência probatória não comprime de forma abusiva o direito da recorrida à reserva da vida privada pois, para além de esta não se ter oposto à realização dessa diligência, ainda que o tivesse feito tal seria ilegítimo, atento o dever de cooperação a que está vinculada - art. 519 nº 1 do CPC- e à insignificância da restrição daquele direito perante o interesse, da criança, que se pretende proteger.
4- Sendo, como é, a diligência probatória requerida justificada e necessária sob o prisma do interesse concreto da menor, é ilegal a decisão que a indeferiu, face ao disposto nos artigos 1906.º, n.º 7, do Código Civil, 180.º, n.º 1 da OTM, 4.º, al. a) da LPCJP (ex vi artigo 147,º-A da OTM) e 519.º e 531.º do CPC.
5- Acresce que, ao insistir, através de requerimento apresentado em 02 de Maio de 2013, que os autos fossem conclusos com urgência para serem decididas as questões que estavam e estão por decidir, designadamente a alteração do regime provisório por si requerida em 8 de Abril do mesmo ano, e que fosse designada data para a audiência de julgamento/sob pena de ser impossível decidir a causa em tempo útil, pedindo que para tanto os autos fossem conclusos com urgência, fê-lo o recorrente, ao contrário do que foi decidido no despacho sub judice, não só no exercício de um dever de cooperação com o Tribunal - art. 266 nº 1 do CPC - e de um direito constitucional de acesso à justiça, que consagra aos cidadãos o direito de obter decisões em prazo razoável – art. 20 da CRP -, mas também na expressão dos seus legítimos direitos constitucionais e legais como Pai que é (art. 1885 n.º l e 1906 nº 1 do CC e 36, nºs 3, 5 e 6 da CRP.
6- O assim requerido pelo recorrente justificou-se - e justifica-se - atenta a circunstância de, por força de decisão provisória proferida num incidente de incumprimento, após a recorrida ter anunciado que ia deslocalizar a criança para Viana do Castelo, ter aquele ficado, desde então e decorridos que estão nove meses, restringido nos seus convívios com a sua filha, limitados a dois fins de semana por mês e, mais ainda, estar também obrigado a deslocar-se a Viana do Castelo à casa dos avós maternos, que é onde vive a sua filha, para levar e buscar a criança, fazendo, em cada fim de semana, quatro deslocações, pois não tem família, nem amigos, nessa localidade que lhe permita passar tempo de qualidade com a D… e possibilitar-lhe o convívio com familiares e amigos, também dela.
7- Pelo que a decisão que indeferiu tal requerimento e condenou o recorrente em custas do incidente é ilegal e deverá ser revogada, por violar, entre o mais, o disposto nos arts. 157 da OTM, 517,156,160,166 e 266, nº 1, do CPC, 1885, nº 1 e 1906º, nº 1, do CC, e 20 e 36, nºs3, 5 e 6 da CRP.
8- Por último, no despacho sub judice o Tribunal ordenou a realização de três perícias psicológicas que, para além de não serem necessárias para julgar os factos alegados pelo recorrente e pela recorrida, quer anteriores, quer posteriores à deslocalização da menor para Viana do Castelo, e, a partir deles, fixar um novo regime de regulação das responsabilidades parentais - pois a fundamentar o pedido de alteração daquele regime está apenas aquela deslocalização da residência da criança e não quaisquer questões psicológicas, atinentes a esta ou aos pais - terão, na medida em que dilatarão por tempo indeterminado a realização da audiência de julgamento, o efeito de consolidar a situação de facto instalada na vida da D… e cuja perniciosidade para a defesa do seu superior interesse faz parte do thema decidendum.
9- Daí que, tendo em atenção a situação de facto que está em causa, o interesse concreto da menor não recomendava a realização de perícias, violando o decidido a discricionariedade vinculada a que o Tribunal está adstrito - artigos 1906.º, n.º 7, do Código Civil, 180.º, n.º 1 da OTM, 4.º, al. a) da LPCJP (ex vi artigo 147.º-A da OTM).
10- Mas mesmo que assim não seja, certo é que o recorrente opôs-se à realização de tais perícias e, por conseguinte, as mesmas apenas poderiam ter sido ordenadas pelo Tribunal caso tal recusa fosse considerada, de modo fundamentado, ilegítima, pois decisivamente que tais avaliações significam intromissão na reserva da sua vida privada e da sua filha, ainda para mais dado o carácter vasto e pormenorizado que atinge, tendo em atenção o objecto fixado, designadamente a psiquiátrica para despistar patologias e a dupla avaliação ordenada relativamente à criança, violando por isso sempre o despacho recorrido o disposto no art. 519, nº 3, do CPC.
Termos em que, concedendo provimento ao recurso, farão V.ªs Ex.ªs inteira Justiça.”

Não foram apresentadas contra-alegações no prazo legal.

Admitido o recurso interposto como apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo, e remetidos os autos a esta Relação, foram aqui mantidos a forma de subida e o efeito que àquele foi atribuído, bem como foi dado cumprimento ao disposto no art.º 707.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões do recorrente (cfr. art.ºs 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, ambos do CPC, este na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, aqui aplicável, visto que a propositura da acção é posterior a 1/1/2008 e o despacho impugnado anterior a 1/9/2013, o mesmo sucedendo com as alegações que dão início à instância recursiva, e porque com o recurso se visa reapreciar a matéria nele apreciada e decidida – cfr. art.º 12.º deste diploma e art.ºs 7.º, n.º 1, e 8.º da Lei n.º 41/2013, de 26/6, pelo que não tem aqui aplicação o NCPC[1]), importando conhecer as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art.º 660.º, n.º 2 do mesmo Código), e tendo presente que nele se apreciam questões e não razões, as questões a dirimir consistem em saber se:
1. Deve ser deferido o requerimento formulado sob a alínea E) pelo requerido, ora apelante, a fls. 282, para notificação da F…, a fim de juntar aos autos os elementos ali referidos;
2. Não devia ter sido indeferido o requerimento de fls. 539 e 540 a pedir a realização de diligências e prolação de decisão com carácter urgente;
3. Não se justifica a realização das três perícias psicológicas ordenadas.

II. Fundamentação

1. De facto

No despacho recorrido não foram dados, expressamente, como provados quaisquer factos.
Porém, dado que foi junta certidão de todo o processado (ao arrepio do que havia sido requerido no fim das conclusões das alegações e do disposto no art.º 691.º-B, n.º 1 do CPC, assim malbaratando mão de obra e material que acabou por constituir cinco volumes, mas contribuindo para o esclarecimento deste longo imbróglio!), importa suprir aqui aquela falta, dando como provado o seguinte:
A) Na acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais, a requerente, B…, pretende que seja alterado o regime de visitas do requerido, C…, relativamente à filha de ambos, D…, anteriormente acordado e homologado.
B) Nas alegações que apresentou, em 8/4/2013, o requerido invocou, para além do mais, incumprimento da requerente e requereu, também ele, alteração do regime fixado, mas no sentido de a menor ficar a residir consigo, sendo fixado um regime de visitas à mãe e um montante de alimentos para a mesma menor, bem como requereu a fixação de uma alteração do regime em vigor, a título provisório e cautelar.
C) Nessas alegações/requerimento, alegou, designadamente, que:
“75 - Agora como anteriormente iniciando o trabalho por volta das 9h00 e terminando entre as 18h00 e as 19h00, diariamente.

77 - Pelo contrário, ao passar a residir em Viana de Castelo e continuar a trabalhar no Porto, a progenitora tem agora de percorrer diariamente cerca de 190 km, despendendo, pelo menos, uma hora em cada uma das viagens que faz entre as duas cidades.
78 - Sendo assim, a progenitora pouco ou nenhum tempo tem para estar com a D…, que, contrariamente ao que antes sucedia, vê somente à noite, quando chega a casa, nunca antes da hora de jantar e, muitas vezes, nem isso, tanto mais que a D… espontaneamente verbaliza que “a mamã quase nunca janta comigo".
79 - Pelo que, como é bom de ver, os cuidados e acompanhamento da D… estão agora, mais do que nunca, confiados em exclusivo aos avós maternos.
80 - Com efeito, quando a progenitora sai de casa de manhã a D… ainda não acordou.
81 - Sendo assim, são diariamente os avós maternos quem acordam a D…, tratam dela de manhã e a levam ao infantário, onde voltam a recolhê-la às 16.00h, ficando seguidamente a criança entregue aos cuidados deles.
82 - Por conseguinte, a D… não está com a Mãe antes da hora do jantar e, por vezes, segundo a própria criança, apenas à hora de deitar, pois a requerente nem sempre janta em casa.
83 - Queixando-se a menina que quase não vê a Mãe durante a semana.”
D) E, na parte final, escreveu: “Requer a notificação da F…, S.A., com sede na …, …, ….-… …, para com vista à prova do alegado em 75, 77, 78, 79, 80, 81, 82 e 83 supra, juntar aos autos as facturas e/ou registos reportados ao período compreendido entre Setembro de 2012 e Abril de 2013, relativas ao identificador colocado no veículo com a matrícula ..-LR-.., com a discriminação das horas locais de passagem da viatura nesse período.”
E) No requerimento de fls. 539 e 540, apresentado em 2/5/2013, o requerido, “com pedido de conclusão urgente”, alegou e requereu:
“1- Na sequência do ocorrido na Conferência de progenitores, iniciada em 25/02/2013 e terminada em 11/03/2013, o requerido na alegação que apresentou em 08/04/2013 pediu, ao abrigo do disposto no art. 157.º da OTM, a fixação de medidas provisórias e cautelares – arts. 196º a 205º.
2- Sucede que, volvido praticamente um mês, constata-se, por consulta electrónica dos autos, salvo erro ou omissão, que não foi ainda dada vista à Exma. Senhora procuradora, conforme expressamente se requereu, e se crê necessário, a fim de V.Exa. decidir a pretensão do requerido, que urge.
3- Assim, tendo sido cumprido o contraditório em relação à requerente – notificada na pessoa do seu ilustre Mandatário – vem Requerer a V.Exa. seja dada vista ao MP, a fim de que a Exma. Sra. Procuradora possa promover o que melhor entender sobre o pedido de medidas provisórias efectuado, proferindo-se depois decisão com a urgência que a mesma reclama.
4- Mais Requer a V.Exa. se digne ordenar que se oficie à Segurança Social para que elabore com urgência os relatórios sociais – ordenados no dia 11/02/3/2013 – fixando-se um prazo curto para o efeito, de forma a poder ser designada data para a audiência de julgamento, porquanto tendo a criança sido deslocalizada pela mãe em Setembro de 2012 é, data vénia, necessário e urgente apurar das condições em que tal se verifica e do mais que impõe a alteração do regime, no mais curto espaço de tempo, dado que uma das soluções plausíveis a considerar é a da menor passar a residir na cidade do Porto, com reflexos na vida da criança que ingressará na escolaridade obrigatória no próximo mês de Setembro.”
G) Os relatórios sociais foram realizados em 5/6/2013 e 21/6/2013, mostrando-se juntos aos autos de fls. 664 a 670 e 709 a 716.
H) As perícias ordenadas nos n.ºs 1, 2 e 3 também já foram efectuadas, encontrando-se os respectivos relatórios juntos de fls. 693 a 698, 748 a 761, 775 a 777, 780 a 782, 798 a 800 v.º e 804 a 806 v.º, datados de 10/7/2013, 26/7/2013 e 27/9/2013 e 18/10/2013.

2. De direito

A estes factos importa aplicar o direito, tendo em vista a resolução das supramencionadas questões.
Porém, como intróito, afigura-se-nos útil tecer algumas considerações sobre a acção em que foi proferido o despacho posto em crise neste recurso.
Trata-se de uma acção de alteração do regime das responsabilidades parentais prevista no art.º 182.º da OTM.
Este artigo dispõe assim no seu n.º 1:
“Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer dos progenitores ou o curador podem requerer ao tribunal que no momento for territorialmente competente nova regulação do poder paternal”.
Tal acção, por força do art.º 150.º da OTM, tem a natureza de processo de jurisdição voluntária, genericamente regulamentado nos art.ºs 1409.º a 1411.º do CPC.
Segundo o art.º 1410.º deste Código, “nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”.
Só que, e não obstante estarmos perante um processo de jurisdição voluntária, onde os critérios de legalidade estrita não se impõem totalmente, o tribunal deve adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, mas sem abstrair em absoluto do direito positivo vigente, devendo nortear-se, em face da matéria em causa, pelo superior interesse do menor.
É o que resulta, desde logo, do disposto no art.º 147.º-A da OTM, que manda aplicar aos processos tutelares cíveis os princípios orientadores da intervenção previstos na lei de protecção de crianças e jovens em perigo[2], com as devidas adaptações, e no art.º 4.º desta lei, que prevê, dentre aqueles princípios, na alínea a), o do “interesse superior da criança e do jovem”.
O art.º 3.º da Convenção sobre os Direitos da Criança também manda que qualquer decisão judicial relativa a crianças deva ter primacialmente em conta o seu superior interesse.
Trata-se de conceito jurídico indeterminado que, apesar de “não ser definível, é dotado de uma especial expressividade”, é “uma «noção mágica», de força apelativa e tendência humanizante”; não sendo susceptível de uma definição em abstracto que valha para todos os casos, o conceito de “interesse do menor” adquire eficácia (e sentido) quando referido ao interesse da criança (cfr. Maria Clara Sottomayor, Regulação Do Exercício do Poder Paternal Nos Casos de Divórcio, 4.ª edição revista, aumentada e actualizada, págs. 33 e 34).
Também é sabido que qualquer conteúdo das responsabilidades parentais não pode ser alterado de forma arbitrária e caprichosa.
É que não se trata de um conjunto de faculdades de conteúdo egoístico e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas de um conjunto de responsabilidades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com o direito, consubstanciadas no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral (cfr. Armando Leandro, Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões da prática judiciária. Separata do Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto, pág. 119).
Este objectivo não será, certamente, alcançado com guerras e litígios entre os seus progenitores, tanto mais que a lei quer, hoje mais do que antes, que os pais se mantenham solidários e responsáveis pelo destino dos filhos que não podem ser vítimas inocentes dos seus comportamentos menos correctos, os quais têm sempre repercussão no desenvolvimento dos laços de afectividade e parentalidade.
É o que resulta, desde logo, do art.º 1906.º, n.º 7, do Código Civil ao dispor:
“O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.”
Feitas estas considerações prévias, vejamos cada uma das questões suscitadas no recurso.

2.1. O requerido na dita acção, ora apelante, nas alegações que ali apresentou, invocou incumprimento do regime que havia sido acordado e homologado e requereu, também ele, alteração do mesmo, alegando determinados factos, designadamente os constantes dos números 75 e 77 a 83, acima transcritos, na alínea C) da fundamentação de facto.
E, para os comprovar, na parte referente às deslocações de Viana do Castelo para o Porto e vice-versa, bem como as horas a que elas ocorreram, requereu a notificação da F… nos termos e para os efeitos mencionados na alínea D) da fundamentação de facto, requerimento esse que acabou por ser indeferido pelo despacho sob recurso.
Nele não é invocado qualquer fundamento jurídico, tendo-se afirmado que “comprime de forma desnecessária e abusiva o direito da requerida à reserva da vida privada”.
Com o devido respeito por tal entendimento, afigura-se-nos que a mera junção de facturas ou registos relativos ao identificador indicado, com a discriminação das horas e locais de passagem da viatura onde o mesmo está colocado no período compreendido entre Setembro de 2012 e Abril de 2013 não coloca em causa o direito à reserva da vida privada da requerida, muito menos de forma desnecessária e abusiva. Desnecessária não é, porque, como resulta dos referidos factos, a informação pretendida é útil, relevante e necessária à prova dos mesmos factos. Abusiva também não é, com certeza, já que se revela pertinente e justificada, atento o fim visado - prova dos factos alegados e a descoberta da verdade.
De resto, o dever de cooperação, previsto no art.º 519.º, n.º 1 do CPC, impõe que “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados”.
E o art.º 147.º-B da OTM, depois de no n.º 1 estabelecer o poder/dever de o juiz, para fundamentar a decisão, solicitar informações e a realização de inquérito com as finalidades previstas na lei, no n.º 2 preceitua que “as entidades públicas e privadas têm o dever de colaborar com o tribunal, prestando as informações de que disponham e que lhes forem solicitadas.”
Acresce que o Sr. Juiz afirmou que existiam “outros meios probatórios ao alcance do requerido para o mesmo efeito”, sem dizer quais, sendo que devia tê-lo dito ou obter, ele próprio, oficiosamente, esses meios nos termos do n.º 2 do citado art.º 1409.º, que lhe manda investigar livremente os factos, coligir as provas e recolher as informações convenientes.
Por conseguinte, não podia ter sido indeferido, como foi, o requerimento formulado sob a alínea E) de fls. 282, pelo que não pode subsistir, nessa parte, tal despacho, havendo que deferir aquele requerimento e solicitar a pretendida informação.

2.2. No mesmo incumprimento enxertado na acção de alteração, mais concretamente nas alegações que deduziu em 8/4/2013, o requerido requereu a alteração do regime em vigor, a título provisório e cautelar, e, por requerimento de 2/5/2013, invocando atraso e urgência nas medidas provisórias e cautelares que requerera, pediu que os autos fossem com vista ao MP e que fosse proferida decisão sobre tais medidas, bem como requereu que fossem solicitados relatórios sociais, os quais acabaram por ser feitos em 5 e 21 de Junho de 2013 e juntos aos autos.
Não obstante o tempo decorrido, não se mostra que tivesse sido apreciado o pedido deduzido sobre as medidas provisórias e cautelares, tendo, antes, sido indeferido o requerimento que reclamava sobre o atraso da respectiva decisão, por meio do despacho impugnado, onde também foi condenado o requerido em duas UCs de taxa de justiça pelo incidente que assim foi configurado.
Todavia, sem qualquer razão.
Sob a epígrafe “decisões provisórias e cautelares”, o art.º 157.º da OTM dispõe:
“1 - Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, o tribunal pode decidir, a título provisório, relativamente a matérias que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efectiva da decisão.
2 - Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo.
3 - Para o efeito do disposto no presente artigo, o tribunal procederá às averiguações sumárias que tenha por convenientes.”
Este artigo permite que, em sede de regulação ou de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, se resolvam de forma imediata, ainda que provisória, questões urgentes cujo conhecimento seja conveniente ou aconselhável que ocorra antes do final da causa.
Foi isso mesmo que o requerido requereu, invocando, expressamente, este normativo.
Só que, em vez de apreciar tal pedido, no prazo legal, como lho impõe a lei e a Constituição, designadamente os art.ºs 156.º e 160.º do CPC e 202.º da CRP, o Sr. Juiz optou por indeferir o requerimento que o alertava para o tempo volvido e a necessidade das diligências necessárias à prolação da respectiva decisão.
Como se isso não bastasse, condenou o requerido nas custas do incidente que configurou na apresentação daquele requerimento, com a taxa de justiça de 2 UCs, quando nenhum incidente é possível configurar, pois não está previsto na lei como tal e não foi praticado qualquer acto anómalo ou supérfluo, susceptível de assim ser qualificado (art.ºs 446.º, n.º 1 e 448.º, n.º 2, ambos do CPC).
Além de não se mostrar desnecessário para a declaração ou defesa do direito que requerera, fê-lo no exercício de direitos mais abrangentes, onde aquele se inclui, designadamente do acesso ao direito e do direito e dever de educação e manutenção da filha, constitucionalmente consagrados (cfr. art.ºs 20.º, n.º 1 e 36.º, n.º 5, ambos da CRP), e no âmbito do exercício das suas responsabilidades de pai, a exercer, pelo menos no que respeita às questões de particular importância, em comum por ambos os progenitores (art.ºs 1885.º, n.º 1 e 1906.º, n.º 1, ambos do Código Civil).
Atenta a natureza de jurisdição voluntária do processo e face ao carácter urgente das medidas provisórias requeridas, bem como o supremo interesse da criança, impõe-se celeridade na sua tramitação e decisão, sem que se dispense a fundamentação desta, de facto e de direito, nos termos exigidos pelos art.ºs 205.º, n.º 1, da CRP, e 158.° e 659.°, n.°s 2 e 3, do CPC.
A simplificação de procedimentos e uma menor vinculação à lei e a critérios de legalidade estrita não dispensam o tribunal de se pronunciar sobre as questões essenciais que relevam para a decisão da causa ou do incidente, nem o dispensam de fundamentar adequadamente a decisão, ainda que de forma mais sintética.

Não faz, assim, sentido o indeferimento do requerimento em causa, muito menos a condenação do requerido em custas do incidente, pelo que se impõe a revogação do despacho, na parte posta em crise, subsistindo apenas os relatórios sociais que foram, entretanto, solicitados e obtidos, apesar do indeferimento daquele requerimento.

2.3. O apelante insurge-se, ainda, contra o mesmo despacho na parte em que ordenou as perícias psicológicas e psiquiátricas nele referenciadas sob os n.ºs 1, 2 e 3, as quais foram, entretanto solicitadas e realizadas, encontrando-se os correspondentes relatórios juntos aos autos, constituindo as suas fls. 693 a 698, 748 a 761, 775 a 777, 780 a 782, 798 a 800 v.º e 804 a 806 v.º, como consta da alínea H) da fundamentação de facto.
Tais perícias terão relevância na apreciação e decisão oportuna do objecto da acção.
Para além disso e como já se referiu, a natureza deste processo permite a investigação oficiosa dos factos, cabendo ao tribunal “adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”, em face dos interesses a regular no caso concreto (art.º 1410.º do CPC).
Portanto, nesta parte, não assiste razão ao apelante, pelo que improcede esta sua pretensão, sem haver necessidade de tecer mais considerações.

Sumariando nos termos do n.º 7 do art.º 713.º do CPC, em jeito de síntese conclusiva:
I. Apesar de a acção de alteração do regime da regulação das responsabilidade parentais ter a natureza de processo de jurisdição voluntária, onde os critérios de legalidade estrita não se impõem totalmente, o tribunal deve adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, mas sem abstrair em absoluto do direito positivo vigente, devendo nortear-se, em face da matéria em causa, pelo superior interesse do menor.
II. Não viola o direito à reserva da vida privada a informação acerca dos registos efectuados com base no identificador colocado num veículo automóvel, num determinado período, sobre as deslocações numa auto-estrada, para prova de factos alegados com vista à alteração daquele regime.
III. Sendo enxertado naquela acção um pedido de medidas provisórias e cautelares, deve o mesmo ser apreciado, com urgência e a devida fundamentação, antes da decisão final.
IV. A simplificação de procedimentos e uma menor vinculação à lei e a critérios de legalidade estrita não dispensam o tribunal de se pronunciar sobre as questões essenciais que relevam para a decisão da causa ou do incidente, nem o dispensam de fundamentar adequadamente a decisão, ainda que de forma mais sintética.
V. Não é susceptível de ser qualificado como incidente um requerimento, feito pelo progenitor de uma criança, a alertar para o tempo volvido e a necessidade de diligências para apreciação do pedido de medidas provisórias e cautelares que havia formulado.

III. Decisão

Por tudo o exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e decide-se:
1. Revogar o despacho impugnado nos termos supra referidos em 2.1.e 2.2. e, em consequência, mandar:
a) solicitar a informação requerida sob a alínea E) do requerimento de fls. 282;
b) apreciar o requerimento sobre as medida provisórias e cautelares, deduzido nas alegações apresentadas em 8/4/2013, salvo se já tiver sido, entretanto, apreciado.
2. Confirmar o despacho recorrido na parte restante, ou seja, quanto à solicitação dos relatórios sociais e às perícias nele referenciadas sob os n.ºs 1, 2 e 3.
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Custas pelo apelante e pela apelada na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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Porto, 28 de Janeiro de 2014
Fernando Samões
Vieira e Cunha
Maria Eiró
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[1] Neste sentido, Conselheiro Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 15.
[2] Anexa à Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro.