Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
40/10.1TAAMM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: ASSISTENTE
TAXA DE JUSTIÇA
DESISTÊNCIA DA QUEIXA
Nº do Documento: RP2011062940/10.1TAAMM.P1
Data do Acordão: 06/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A taxa de justiça aplicável no caso de o assistente fazer terminar o processo por desistência da queixa é a prevista para a dedução de acusação particular.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 40/10.1TAAMM.P1
4ª Secção
Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Moreira Ramos.

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
O Ministério Público, não se conformando com o despacho da M.ma Juíza do Tribunal Judicial de Armamar, proferido a 3/2/2011, no âmbito do inquérito n.º 40/10.1TAAMM, da Unidade de Apoio dos Serviços do Ministério Público de Armamar, que indeferiu a sua pretensão de condenação em taxa de justiça do assistente B…, por ter desistido da queixa relativamente a crime de natureza particular, dele veio interpor recurso extraindo da motivação as seguintes conclusões: (transcrição)
1. O assistente que fez terminar o processo por desistência deverá ser condenado em taxa de justiça, entre o valor correspondente a uma e três unidades de conta, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 515º n.º1 d), do Código de processo penal e 8º n.º 5 e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.
2. Foram violados os artigos 515º, n.º 1 d) do Código de Processo Penal e 8º n.º 5 e Tabela III do Regulamento das Custas processuais.
Termina pedindo a revogação e alteração do despacho recorrido.
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Não houve resposta.
Admitido o recurso por despacho de fls. 98, subiram os autos a este Tribunal da Relação onde o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso, seja por aplicação dos limites mais reduzidos que a Tabela III do RCP contempla, por falta de concreta previsão da hipótese em análise, seja ainda por intermédio do disposto no art. 8º n.º 1, desse diploma, uma vez que a desistência determina o desfecho do processo e é uma concreta actividade processual do assistente.
Dado cumprimento ao disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não foi oferecida resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
1. Consoante decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica,[1] as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso (art. 410º n.º 2, do mesmo Código).
Assim, no caso sub judicio a única questão que se coloca é a da possibilidade de tributação da desistência de queixa formulada pelo assistente e respectivos termos.
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2. A tramitação processual relevante
a) Com base em participação criminal de B…, apresentada a 16/6/2010, no posto da GNR de Armamar, contra C…, foi instaurado o inquérito supra referenciado, por factos qualificados pelo Ministério Público como susceptíveis de integrar o crime de injúria, previsto e punível pelo art. 181º, do Cód. Penal (fls. 2 a 5);
b) O ofendido constituiu advogado, requereu a constituição como assistente e informou nos autos que pretendia deduzir pedido cível (fls. 10/11);
c) Tendo pago a taxa de justiça devida (€ 102,00) foi admitido a intervir como assistente nos autos por despacho proferido a 7/10/2010 (fls. 12 e 19);
d) No âmbito das diligências de inquérito realizou-se acareação entre a arguida C… e o assistente B…, no decurso da qual este declarou desistir da queixa apresentada e aquela declarou nada ter a opor (fls. 70);
e) Por despacho datado de 26/1/2011, o Magistrado do Ministério Público titular do inquérito homologou a desistência da queixa e promoveu à Juíza com serviço de Instrução Criminal que condenasse o assistente em 1 UC de taxa de justiça, nos termos do disposto nos arts. 515º n.º 1 d), do Cód. Proc. Penal, e 8º n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais (fls. 71/72);
f) Foi então proferido o despacho recorrido, cujo teor é o seguinte: (transcrição)
“Fls. 72:
Vem o DMMP requerer, ao abrigo do disposto no artigo 515º n.º l, al. d) do CPP e artigo 8º n.º 5 do RCP, a condenação do assistente em l UC de taxa de justiça.
Cumpre apreciar e decidir.
De acordo com o disposto no artigo 515º n.º l do CPC "É devida taxa de justiça pelo assistente nos seguintes casos: (...) d) Se fizer terminar o processo por desistência ou abstenção injustificada de acusar."
Por sua vez, o artigo 8º do RCP dispõe que:
"1. A taxa de justiça devida pela constituição como assistente é auto liquidada no montante de l UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, para um valor entre l UC e 10 UC, tendo em consideração o desfecho do processo e a concreta actividade processual do assistente.
2. A taxa de justiça devida pela abertura de instrução requerida pelo assistente é auto liquidada no montante de l UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz para um valor entre l UC e 10 UC, tendo em consideração a utilidade prática da instrução na tramitação global do processo.
3. Para o denunciante que deva pagar custas, nos termos do disposto no artigo 520.° do Código de Processo Penal, é fixado pelo juiz um valor entre l UC e 5 UC.
4. É devida taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas no âmbito de processos contra-ordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, sendo a taxa autoliquidada nos 10 dias subsequentes ao recebimento da impugnação pelo tribunal, no montante de l UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, nos termos da tabela III, que faz parte integrante do presente Regulamento, tendo em consideração a gravidade do ilícito.
5. Nos restantes casos, a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III."
Como salienta o Sr. Conselheiro Salvador da Costa in Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado, Almedina, pág. 197, "reporta-se expressamente este artigo à taxa de justiça devida pela constituição de assistente, pela abertura de instrução requerida pelo assistente, pela impugnação de decisões proferidas pelas autoridades administrativas nos processos de contra-ordenações e nos demais casos em que seja devida taxa de justiça, incluindo a que deve ser paga pelo denunciante. Envolve, sem a conveniente autonomização, a responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça relativamente às espécies processuais criminais e afins e ao modo do seu pagamento." - sublinhado nosso.
Considera o DMMP que a taxa de justiça devida pela desistência do assistente encontra suporte no citado n.º 5 do artigo 8º do RCP, o qual remete para a tabela III.
Ora, do teor da tabela III decorre que:
TABELA III
(a que se refere o artigo 8º n.ºs 4 e 5 do Regulamento)
Acto processual Taxa de Justiça - UC)
Acusação Particular 1 a 3
Requerimento de abertura de instrução pelo arguido 1 a 3
Recurso do despacho de não pronúncia 1 a 5
Contestação/oposição:
Processo comum 2 a 6
Processos especiais ½ a 3
Condenação em 1ª instância sem contestação ou oposição:
Processo comum 2 a 6
Processos especiais ½ a 2
Recurso para o Tribunal da Relação 3 a 6
Recurso para o Tribunal da Relação (artigo 430º do CPP) 4 a 8
Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça 5 a 10
Reclamações e pedidos de rectificação 1 a 3
Recursos de fixação de jurisprudência (artigos 437º e 446º do CPP) 1 a 5
Recurso de revisão 1 a 5
Impugnação judicial em processo contra-ordenacional 1 a 5
Da análise da referida tabela constatamos que a mesma não contempla as situações de desistência de queixa do assistente, contrariamente ao que acontece no artigo 85º n.º 3, al. e) do Código das Custas Judiciais.
A este respeito o Sr. Conselheiro Salvador da Costa in ob. cit, pág. 205 refere que "A lei não prevê especificadamente, na referida tabela, além do mais, a fixação de taxa de justiça devida pelo assistente no caso do arguido ser absolvido ou não ser pronunciado por todos os por alguns crimes constantes da acusação que haja deduzido, se decair total ou parcialmente, em recurso que houver interposto ou em que tenha feito oposição ou se fizer terminar o processo por desistência ou abstenção injustificada de acusar, a que se reportam as alíneas a), b) e d) do artigo 515º do Código Processo Penal. Parece-nos que, por via da adaptação normativa no primeiro e último casos deve ser aplicada a taxa de justiça relativa à acusação particular, ou seja, entre o valor correspondente a uma e três unidades de conta (...)."
Ora, salvo o devido respeito pela mui douta anotação do Sr. Conselheiro Salvador da Costa não conseguimos vislumbrar qualquer semelhança/analogia/identidade entre a dedução de uma acusação particular e a desistência de uma queixa (aquela determina, para além do mais, a análise de pressupostos processuais, a ponderação de factos/indícios e uma actividade processual e procedimental mais exaustiva do que esta última), que permita a sugerida adaptação normativa.
Pese embora considerarmos que o legislador não quis isentar de custas o assistente que desiste da queixa (porquanto, se assim fosse, teria revogado a al. d) do artigo 515º n.º l do CPP à semelhança de outros preceitos), temos que inexiste critério legal, nomeadamente no RCP, que permita a fixação do valor correspondente à(s) unidade(s) de conta pelo qual o mesmo há-de ser tributado.
Em face do exposto, indefere-se a pretensão do DMMP.”
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3. Apreciando
Visando a uniformização procedimental e de critérios do sistema de tributação dos actos processuais, o Regulamento das Custas Processuais, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/09, e já objecto de várias alterações, apresenta como pilares fundamentais os pressupostos de simplificação, racionalização e modernização que determinaram o completo abandono dos fundamentos da condenação em custas que vigoravam no domínio do Código das Custas Judiciais.
No entanto, a invocada simplificação acabou por determinar algumas incongruências e lacunas que dificultam a sua compreensão e correcta aplicação.
O caso dos autos é precisamente um deles.
Com efeito, o legislador, optando por manter a alínea d) do n.º 1, do art. 515º, do Cód. Proc. Penal, a qual estatui que é devida taxa de justiça pelo assistente se fizer terminar o processo por desistência ou abstenção injustificada de acusar, acabou por não referir expressamente tal hipótese no Regulamento das Custas Processuais.
Sendo a questão da manutenção da condenação incontroversa e expressamente aceite pela M.ma Juiz a quo, é óbvio que estamos perante lacuna que urge integrar, sendo inadmissível a situação de non liquet adoptada no controvertido despacho.
Pois bem.
O Código Processo Penal, estatuindo algumas orientações específicas relativamente à fixação e isenção de tributação nos seus arts. 513º a 523º, estabeleceu, nessa matéria e no art. 524º, a aplicação subsidiária do Regulamento das Custas Processuais, sendo certo que, como já adiantamos, nenhum desses diplomas resolve expressamente a questão em análise, ou seja a do montante da tributação.
Ora, de harmonia com o disposto no art. 4º, do Cód. Proc. Penal, “Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas de processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal”. Sendo consabido que a taxa de justiça constitui a contrapartida pela prestação de serviços de justiça, correspondendo ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente, nos termos do disposto no art. 6º do RCP, em sede processual penal foi expressamente contemplada nos seguintes casos:
- Constituição como assistente [art. 8º n.º 1];
- Abertura de instrução [art. 8º n.º 2];
- Denunciante que denuncie de má fé ou com negligência grave [art. 8º n.º 3].
Nos outros casos, ficou estabelecido que a taxa de justiça seria objecto de pagamento a final, mediante fixação pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites previsto na Tabela III, conforme decorre do n.º 5, do citado normativo legal.[2]
Ora, os limites abstractos, mínimo e máximo, dessa tabela fixam-se, respectivamente, em ½ UC e 10 UC, pelo que poderiam considerar-se directamente aplicáveis à situação em apreço, funcionando a complexidade da causa como critério para a determinação concreta do montante devido em cada processo.
Cremos, porém, que a aferição desses montantes pode ser balizada mais especificamente.
É que, a referida Tabela III apenas alude a duas situações de tributação de actos da exclusiva competência do assistente em processo ainda não classificado: a dedução de acusação particular (1 a 3 UC) e o recurso do despacho de não pronúncia (1 a 5 UC). E desses, apenas o primeiro ocorre durante a fase de inquérito, sendo ainda o que configura o limite máximo menos elevado.
Assim sendo, bem se compreende o entendimento sufragado pelo Ex.mo Sr. Conselheiro Salvador da Costa, in “Regulamento das Custas Processuais”, Anotado e Comentado, 2ª Ed. 2009, pág. 215, no sentido de, por via de adaptação normativa, dever ser a taxa de justiça contemplada para a dedução de acusação particular a aplicável aos casos de desistência de queixa por parte do assistente, visto que esta pode ocorrer em qualquer fase do processo, designadamente em inquérito como na hipótese em apreço, e até à publicação da sentença em 1ª instância – v. art. 116º n.º 2, do Cód. Penal.
Crê-se que tal solução se mostra mais adequada ao valor intrínseco do acto e da previsão legal que impõe a tributação (relembrando as palavras do Prof. Costa Andrade "toda a interpretação começa e acaba nas palavras”),[3] do que a aplicação indistinta dos valores tabelados ou a doutamente sugerida, em alternativa, pelo Digníssimo PGA junto deste Tribunal da Relação, de aplicação do n.º 1 do art. 8º.
Com efeito, na primeira hipótese, afigura-se-nos excessivamente elevado o valor admissível de 10 UC, para acto que tem subjacente a composição de interesses e de almejada resolução de conflitos sem necessidade de julgamento, e, na segunda hipótese, há que atentar que a correcção da taxa de justiça devida pela constituição como assistente não é a regra nem é obrigatória, estando dependente da vontade do juiz (“podendo ser corrigida”) balizada pelo desfecho do processo e concreta actividade processual do assistente.
Deste modo, a considerar-se aplicável a citada previsão legal, teria que admitir-se a possibilidade de recusa de fixação de qualquer complemento da taxa de justiça já autoliquidada, com base no entendimento que a simplicidade do processo e a concreta actividade do assistente não o admitiria, assim se frustrando a vontade do legislador expressa no art. 515º n.º 1 d), do Cód. Proc. Penal.
Consequentemente, não pode subsistir a decisão recorrida devendo ser substituída por outra que condene o assistente em taxa de justiça pela desistência de queixa formulada nos autos tal como pretendido pelo Ministério Público.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação, conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e condenando o assistente B…, pela desistência formulada nos autos, em 1 (uma) UC de taxa de justiça, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 515º n.º 1 d), do Cód. Proc. Penal, 8º n.º 5 e Tabela III, do Regulamento da Custas Processuais.
Sem tributação.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]
Porto, 29 de Junho de 2011
Maria Deolinda Gaudêncio Gomes Dionísio
António José Moreira Ramos
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[1] Cf., entre outros, Ac. STJ, de 19/6/1996, BMJ n.º 458, pág.98.
[2] O n.º 4 reporta-se ao processo contra-ordenacional.
[3] Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 134º, n.º 72.