Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1706/05.3TJVNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOANA SALINAS
Descritores: DEVERES CONJUGAIS
DEVER DE ASSISTÊNCIA
FILHO MAIOR OU EMANCIPADO
Nº do Documento: RP201007141706/05.3TJVNF.P1
Data do Acordão: 07/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I – Na sociedade conjugal, há um dever de assistência entre cônjuges, o qual compreende a obrigação de prestar alimentos – apenas ao cônjuge – e a de contribuir para os encargos da vida familiar – respeitante também aos filhos, parentes ou empregados a cargo dos cônjuges – e que se mantém durante a separação de facto se esta não for imputável a qualquer dos cônjuges.
II – Não constituem “encargos normais da vida familiar” as despesas com o sustento de um filho de 27 anos de idade, já licenciado e a frequentar o Mestrado, o qual, se se considerar com direito a pensão do seu progenitor, deverá, ele próprio intentar a correspondente acção de alimentos (art. 1880º do CC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1706/05.3TJVNF.P1 - Apelação
Tribunal Recorrido: 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão
***

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO

B……….., intentou contra C………., acção declarativa com processo especial, na qual pede a condenação do réu a pagar à autora a quantia de 1.500,00 Euros, a título de alimentos definitivos, para fazer face a todas as despesas do respectivo agregado familiar.
Alega para tanto, e, em síntese, que desde o dia 23 de Novembro de 2004, o réu abandonou o lar conjugal para ir viver com outra mulher de nome D…….., estando casado com a autora desde 7 de Março de 1977, tendo a autora ficado a residir com o filho do casal, nascido a 8/12/1982; a autora encontra-se na situação de desempregada, auferindo um subsídio mensal de 846,00 Euros, sendo o filho estudante universitário, não contribuindo o réu para as despesas familiares.
A autora tem avultadas despesas em alimentação, vestuário, estudos e valorização profissional do filho, consulta médicas e medicamentos, pagamento do computador, de seguros, TV Cabo, gás, electricidade, água, condomínio, telefone, telemóvel, IMI, e ainda as despesas com o arranjo pessoal, higiene, lazer e transportes. O réu, por seu turno, é um Professor de Ensino Secundário, auferindo na Escola ……., de Vila do Conde um vencimento mensal líquido de 2033,99 Euros e na Escola ……, em Vale de S. Cosme, um salário líquido de 467,04 Euros, vivendo sem ninguém a seu cargo.
***
O réu apresentou contestação, impugnando a versão dos factos da petição inicial; alegando que não há direito a alimentos por parte da autora, porquanto, aquela não está afectada por qualquer doença ou incapacidade para o trabalho, sendo que revogou por sua iniciativa um contrato de trabalho, prescindindo da remuneração mensal de 1.126, 82 Euros, tendo recebido uma compensação global de 52.900,00 Euros, importância que depositou em seu nome no Banco ….., onde possuí várias contas com depósitos significativos em seu nome; já quanto ao filho maior, o mesmo não carece de alimentos, pois que não cuida da sua formação académica e profissional com êxito, uma vez que é repetente do 2º ano da licenciatura em informática de gestão, sendo apesar disso, brindado com presentes e com saldos na sua conta bancária pessoal; ainda que ele réu para fazer face aos gastos indispensáveis à sua sobrevivência pessoal e à sobrevivência da sua filha maior, desempregada, que consigo reside, no valor de 2.210,10 Euros, alguns dos quais com origem em dívidas constituídas pela autora, tem de acumular dois empregos, enquanto a autora voluntariamente desempregada, aguarda a situação de pré-reforma, quando está numa idade próxima do meio da ciclo da vida. Conclui pugnando pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
***
Na réplica a autora conclui como na petição inicial.
A final foi proferida sentença cujo conteúdo decisório é o seguinte:
“Nestes termos e face ao exposto, julgo improcedente a acção e, em consequência, absolvo o réu C……… do pedido formulado pela autora B………….
*
Custas pela Requerente - artº 446º, do Código de Processo Civil”.
***
Inconformada, autora interpôs este recurso de apelação pedindo que seja alterada a sentença, substituindo-se por outra que condene o recorrido ao pagamento à recorrente de uma prestação mensal de €600,00, para fazer face aos encargos da vida familiar, em resultado dos factos dados por provados na sentença.
São as seguintes, as suas conclusões:
…………
…………
…………
***
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1- Autora e Réu casaram entre si em 7 de Março de 1977, sem convenção antenupcial – Alínea A) dos Factos Assentes.
2- Desse casamento resultou, pelo menos, o filho E…….., nascido a 8/12/1982 – Alínea B) dos Factos Assentes.
3- Sucede que, no dia 23 de Novembro de 2004, o Réu abandonou o lar conjugal para, segundo afirmou, não mais voltar, pois iria viver com outra mulher de nome D…….. – Resposta ao Ponto 1º da B.I.
4- O agregado familiar da autora ficou, assim, actualmente composto por ela e por um filho que consigo convive, a saber: E…….., maior, na situação de estudante Universitário – Resposta ao ponto 3º da B.I.
5- A autora encontra-se em situação de desempregada, auferindo um subsídio mensal que, em Janeiro de 2004, se cifrava em 846, 00 Euros e que actualmente se cifra em 920,95 Euros – Resposta ao ponto 4º da B.I.
6- Não possuindo quaisquer outros rendimentos que não sejam este subsídio de desemprego – Resposta ao ponto 5º da B.I.
7 – O filho encontra-se no 2º ano do Mestrado, na área de informática e gestão – Resposta ao ponto 6º da B.I.
8 - Desde a data da separação de facto - Novembro de 2004 - até Fevereiro de 2005, o réu não contribuiu para as despesas familiares – Resposta ao ponto 7º da B.I.
9 - Apesar de, naquele período auferir o vencimento liquido de 2 033,99 Euros, como Professor do Ensino Secundário, na Escola …… de Vila do Conde e o vencimento liquido de 467, 04 Euros, na Escola ….., em Vale de S. Cosme – Resposta ao ponto 8º da B.I.
10 – Vivendo sem ninguém a seu cargo – Resposta ao ponto 9º da B.I.
11 – A autora despende com a alimentação, em média, 600, 00 Euros – Resposta ao ponto 10º da B.I.
12- Para vestir e calçar, mesmo que modestamente, necessita da quantia de 200, 00 Euros – Resposta ao ponto 11º da B.I.
13 – Nos estudos e valorização profissional do filho, despende em média a quantia de 290,00 Euros (deslocações, livros, propinas, seguro de saúde, etc.) – Resposta ao ponto 12º da B.I.
14- Com consultas médicas e medicamentos gasta 100, 00 Euros – Resposta ao ponto 13º da B.I.
15- Constituem dívidas do casal, que a autora tem vindo a suportar, as seguintes despesas:
a) reembolso do empréstimo ao Montepio Geral, contraído para aquisição da habitação que é a casa de morada de família – 200, 00 Euros;
b) reembolso do empréstimo ao …., contraído para aquisição do veículo automóvel marca BMW, modelo 320 d, matrícula ..-..-SA – 461, 24 Euros;
c) seguro do automóvel referido em b) – 94,84 Euros;
d) reembolso do empréstimo ao ….. para aquisição de computador, 57,70 Euros;
e) seguro de saúde da autora, no valor de 50, 00 Euros;
f) prémio de seguro multi-riscos habitação, no valor mensal de 13,82 Euros;
g) taxa de TV cabo, no valor de 55,44 Euros;
h) Energia eléctrica, 41,64 Euros;
i) Gás – 54,03 Euros;
j) Consumo de água: 22, 86 Euros;
l) Condomínio: 27,64 Euros;
m) Consumo médio de telefone /telemóvel: 20, 00 Euros;
n) Imposto municipal sobre imóveis: 12,50 Euros – Resposta ao ponto 14º da B.I.
16- A tudo há a acrescer as demais despesas normais que qualquer pessoa faz com o seu arranjo, higiene, lazer, transportes, etc., etc., em montante não inferior a 50,00 Euros mensais – Resposta ao ponto 15º da B.I.
17 – A autora é saudável e que não sofre de qualquer incapacidade para o trabalho – Resposta ao ponto 16º da B.I.
18 – A autora auferia a retribuição mensal de 1.126, 82 Euros – Resposta ao ponto 17º da B.I.
19 – Recebeu como compensação global pela revogação do contrato de trabalho a quantia de 52.900,00 Euros, que em 02-01-2004 depositou em seu nome no Banco …… – Resposta ao ponto 18º da B.I.
20- Nesse mesmo Banco – ….. – possui mais ainda um depósito a prazo no valor de 20.160, 00 Euros, na conta nº 60038000….. – Resposta ao ponto 19º da B.I.
21 – Outro de 5000,00 Euros, na conta nº 60038000…. – Resposta ao ponto 20º da B.I.
22- Outro de 5000, 00 Euros, na conta nº 60038000…. – Resposta ao ponto 21º da B.I.
23- E, mais outro, de 5 039, 00 Euros, na sua conta nº 80038000…. – Resposta ao ponto 22º da B.I.
24- A autora, nesse mesmo Banco, é titular da conta de depósitos à ordem nº 038/200021812, a qual revela no seu histórico sempre um saldo positivo – Resposta ao ponto 23º da B.I.
25- Assim como é titular da conta de depósitos à ordem nº 038/20000…, que no período que media entre 20/11/2004 e 31/12/2004, revela constantes movimentos de débito e crédito e um saldo médio mensal superior a 1.500,00 Euros – Resposta ao ponto 24º da B.I.
26 – O E…….. já repetiu mais do que uma vez, encontrando-se ainda a frequentar o 2º ano do Mestrado, apesar de estar quase a completar 27 anos – Resposta ao ponto 25º da B.I.
27 – O E…….. dispõe de um telemóvel – Resposta ao ponto 26º da B.I.
28- No período compreendido entre 31/12/2004 e 09/02/2005, a conta do E……. apresentava saldo positivo – Resposta ao ponto 28º da B.I.
29- A autora subscreveu no ….. um Plano Poupança Reforma e Solidez no valor de 6.674,07 Euros – Resposta ao ponto 29º da B.I.
30- A autora beneficia de assistência na doença e velhice através do sistema de segurança social – Resposta ao ponto 30º da B.I.
31- Durante algum tempo, o réu teve necessidade de acumular dois empregos, para fazer face aos gastos necessários à sua sobrevivência pessoal e profissional e aos alimentos e outras despesas da sua filha maior, no período, não apurado, em que esta consigo viveu – Resposta ao ponto 31º da B.I.
32 – Em Fevereiro de 2005, o réu tinha as seguintes despesas:
a) seguro de saúde, pelo próprio, ainda esposa e filho, 78,28 Euros;
b) cartão de crédito ….. – 104,20 Euros;
c) renda, água, luz, gás, garagem, 487,50 Euros;
d) mensalidade pela frequência do instituto Piaget, Vila Nova de Gaia, de um curso de Pós-graduação em tecnologias da informação e da comunicação, 225,00 Euros;
e) cartão de consumo crediplus, 75,69 Euros;
f) cartão de crédito American Express, 15,00 Euros;
g) cartão de consumo Cetelem ( Carrefur) 198,75 Euros;
h) cartão de consumo Santander, 208,91 Euros;
i) amortização de dívida ao BES, 10%, 55,92 Euros;
j) cartão de crédito Amex Blue, 11,24 Euros – Resposta ao ponto 32º da B.I.
33- O réu tem ainda as seguintes despesas:
a) saúde, 70,00 Euros;
b) alimentação, 300,00 Euros;
c) telefone, 30,00 Euros;
d) livros e material didáctico indispensável, 50,00 Euros;
e) despesas gerais domésticas, 100,00 Euros – Resposta ao ponto 34º da B.I.
34- Para desempenhar a sua actividade profissional, o réu percorre diariamente em veículo automóvel o percurso entre a sua casa (actualmente em Matosinhos) e a escola onde exerce funções, em Vila do Conde – Resposta ao ponto 35º da B.I.
35 - Quando frequentou as aulas no Instituto Piaget, em Vila Nova de Gaia, também tinha de percorrer diariamente em veículo automóvel os quilómetros correspondentes ao percurso compreendido entre a sua casa de então (Braga) e Vila Nova de Gaia – Resposta ao ponto 36º da B.I.
36- Actualmente, para efectivar as descritas deslocações gasta em combustível cerca de 100,00 Euros – Resposta ao ponto 37º da B.I.
37 – A revogação do contrato de trabalho ocorreu por iniciativa e vontade da autora, com o conhecimento do réu – Resposta ao ponto 38º da B.I.
38 – O réu motivou a autora a subscrever a revogação do contrato de trabalho, argumentando com a vantagem fiscal que isso acarretaria – Resposta ao ponto 39º da B.I.
39 - Grande parte da indemnização recebida foi gasta em despesas com o casal – Resposta ao ponto 40º da B.I.
40- O valor da indemnização foi gasto, do seguinte modo:
a) Para benefícios fiscais do casal, realização de PPR em Dezembro de 2003, no montante de 3000, 00 Euros;
b) acerto de contas bancárias que se encontravam com saldo negativo, 2.500,00 Euros;
c) com um acidente de automóvel do Réu foram gastos 1.500, 00 Euros, acrescidos de 450,00 Euros para o aluguer da viatura de substituição;
d) para a aquisição do veículo Fiat Uno oferecido pelo casal à filha, em Fevereiro de 2004, foram gastos 1.500,00 Euros;
e) na aquisição de uma Roullote, em Maio de 2004, dispendeu o casal 5.200,00 Euros;
f) Com a compra da viatura BMW foram gastos 7 500, 00 Euros, relativos à diferença entre o preço daquela (27.500,00Euros) e o montante do empréstimo entretanto contraído (20.000,00 Euros);
g) 20.000,00 Euros foram dados de penhor, pelo casal, ao BBVA como garantia do empréstimo referido na alínea anterior, pelo que a autora está impedida de recorrer a tal valor;
h) Em Junho de 2004, foi igualmente necessário disponibilizar 2.500,00 Euros, para regularização da conta no …. – Resposta ao ponto 41º da B.I.
41 – O casal deu de penhor 20.000,00 Euros ao ….. – Resposta ao ponto 42º da B.I.
42- O Renault Clio, é propriedade de F…….. que o empresta, de vez em vez, ao E………. – Resposta ao ponto 43º da B.I.
43- A filha do réu, actualmente já não vive com o réu – Resposta ao ponto 45º da B.I.
44- Actualmente, o réu já não suporta a despesa de 225,00 Euros, pois que já terminou o curso no Instituto Piaget – Resposta ao ponto 46º da B.I.
45- Quando deixou a casa, o réu levou consigo um computador – Resposta ao ponto 47º da B.I.
46- Quando o réu deixou a casa, a autora já se encontrava desempregada há mais de um ano – Resposta ao ponto 48º da B.I.
***
III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 690.º e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
Consideradas as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela apelante/autora, a questão a decidir emerge centrada na verificação do dever de assistência por banda do réu, e na fixação do montante desse dever, a considerar-se que se verifica.
***
Elencada a questão a decidir, consideramos que importa, em primeiro lugar, proceder à definição do quadro jurídico em que se integram os factos apurados.
Estamos no domínio da aplicação do Código Civil anterior à reforma implementada pela Lei n.º 61/2008 de 31 de Outubro.
O objecto da acção é o dever de assistência entre cônjuges, uma vez que apelante e apelado, são, ainda casados, e não o mero dever de prestação de alimentos.
Temos assim como normativos essenciais os prescritos nos artºs 1672º, 1675º, 1676º e 2015º, todos do Código Civil.
Destes preceitos resulta que na sociedade conjugal há um dever de assistência entre cônjuges, o qual compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, e que se mantém durante a separação de facto se esta não for imputável a qualquer dos cônjuges.
Sendo a separação imputável a um dos cônjuges, ou a ambos, o dever de assistência só incumbe, em princípio, ao único ou principal culpado, podendo o tribunal, excepcionalmente e por motivos de equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado.
O dever de contribuir para os encargos da vida familiar incumbe a ambos os cônjuges, de harmonia com as possibilidades de cada um, e pode ser cumprido, por qualquer deles, pela afectação dos seus recursos àqueles encargos e pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos.
Por sua vez, a obrigação alimentar mantém-se enquanto se mantiver a sociedade conjugal.
Da análise destes preceitos podemos desde já afirmar que o caso em apreço não pode ser abordado numa perspectiva de mera obrigação de prestação de alimentos, mas antes de obrigação de contribuir para as despesas da vida do casal, que se mantém enquanto não decretada a respectiva dissolução.
Pois que entre os deveres recíprocos dos cônjuges, como efeito do casamento e na vigência da sociedade conjugal, inclui-se o dever de assistência, o qual compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar – artºs 1672º e 1675, do Código Civil.
A prestação de alimentos refere-se, neste caso, apenas aos cônjuges, enquanto os encargos da vida familiar se estendem também aos filhos, parentes ou empregados a cargo dos cônjuges.
A prestação de alimentos entre os cônjuges, vivendo estes em conjunto, é absorvida (com a reciprocidade e a globalidade da sua imposição no seio da comunhão de vida matrimonial) nos encargos da vida familiar e só adquire autonomia, em regra, no caso dos cônjuges se encontrarem separados, seja de direito seja apenas de facto.
Com efeito, no caso de separação de pessoas e bens, judicial ou administrativa e de simples separação de facto, não existe “vida familiar” e não tem sentido falar na obrigação de contribuir para os respectivos encargos.
Nesse caso, em que a prestação alimentícia fica a descoberto, a obrigação passa concretamente a recair apenas sobre um dos cônjuges (visando o sustento do outro) e a revestir a forma de uma renda periódica pecuniária, pagável antecipadamente.
O artigo 1675º reporta-se, então, aos casos em que a separação de facto é duradoura e devida a facto imputável a um dos cônjuges ou a ambos.
Foi sempre discutido se devia ter direito a alimentos apenas o cônjuge inocente, ou também qualquer dos dois culpados, ou ainda o culpado exclusivo.
O artigo 1675º distingue duas hipóteses:
a) Se a separação for imputável igualmente aos dois cônjuges ou não for imputável a qualquer deles, mantém-se a obrigação recíproca de prestação de alimentos – artº 1675º n.º 2.
b) Se a separação é exclusivamente imputável a um dos cônjuges ou mais imputável a este do que àquele, só a esse cônjuge, em princípio, incumbe a prestação de alimentos.
No caso dos autos não se apuraram factos que nos permitam concluir pela culpa de qualquer dos cônjuges para a situação de separação de facto em que efectivamente vivem. Apenas se provou que no dia 23 de Novembro de 2004, o réu abandonou o lar conjugal para, segundo afirmou, não mais voltar, pois iria viver com outra mulher de nome D……….
Se foi ou não viver com outra mulher não se sabe, as razões porque abandonou o lugar conjugal são desconhecidas.
Não havendo culpa de nenhum dos cônjuges, estão ambos obrigados ao dever de assistência, ou seja, à obrigação de prestar alimentos e à obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar.
No que respeita à obrigação de alimentos, obedece ao regime previsto no artº 2016º do Código Civil, pelo que, qualquer deles pode ser obrigado a prestar alimentos ao outro, dependendo tal da medida das necessidades e possibilidades de um e outro.
A obrigação de alimentos entre os cônjuges está sujeita ao princípio geral do artigo 2004º, segundo o qual o montante de alimentos depende das necessidades de quem os pede e das possibilidades de quem os presta.
A dúvida consiste em saber como se determinam aquelas “necessidades”, ou seja, se o credor de alimentos apenas tem direito ao que for necessário para o seus «sustento, habitação e vestuário», nos termos do artigo 2003º, ou se ele tem direito, na medida das possibilidades do devedor, ao necessário para assegurar o mesmo padrão de vida, o mesmo nível económico e social que era o seu antes da separação.
“A prestação de alimentos devida ao cônjuge não tem o mesmo objecto que a obrigação alimentar comum. Não se mede pelas estritas necessidades vitais (alimentação, vestuário, calçado, alojamento) do credor, visando, pelo contrário, assegurar ao necessitado – as necessidades recreativas, as obrigações sociais – a que ele faz jus como cônjuge do devedor”.
Explicitando, “o padrão de vida que serve de ponto de referência à prestação alimentícia entre os cônjuges é o correspondente à sua condição económica e social na da separação e não o condizente com o padrão de vida a que o cônjuge devedor, mediante promoção ou ascensão social, se tenha guindado posteriormente”. – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Junho de 2003, proferido no processo nº 4058/2004-6, e publicado em ITIJ – Bases Jurídico-Documentais, www.dgsi.pt/jtrl
Nesta orientação que perfilhamos, não deixamos de considerar que a prestação de alimentos devida ao cônjuge terá de adaptar-se às reais possibilidades do devedor em vista das efectivas necessidades do credor.
Aplicando estes princípios ao caso em análise consideramos, perante o rendimento mensal da apelante, os rendimentos proporcionados pelos depósitos bancários, a sua aptidão física e o seu bom estado de saúde para angariar mais rendimentos, designadamente arranjando novo emprego, que a apelante não tem qualquer necessidade de alimentos do apelado.
Tanto mais que existe um dever geral de procurar angariar proventos com o seu trabalho resultante do disposto no nº 3 do artº 2016º do Código Civil que estabelece que na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, no caso concreto nenhum porque são adultos, os seus rendimentos e proventos e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.
Ora, como se demonstrou, a apelante está desempregada, voluntariamente, aufere o subsídio mensal de €920,95, é titular de várias contas bancárias, com saldos de €20.160,00, €5.000,00, €5.000,00 e 5.039,00, e de mais duas contas que apresentam saldos positivos, e subscreveu um Plano Poupança Reforma e Solidez no valor de €6.674,07, beneficiando de assistência na doença e velhice através do sistema de segurança social, para além dos seguros de saúde que acima se mencionam nos pontos 15º e) e 32º a), sendo que este último é pago pelo apelado.
Não estão apuradas as suas necessidades de alimentação porque no cômputo de gastos de €600,00/mensais em alimentação está incluída a alimentação do seu filho de 27 anos de idade, licenciado, mestrando, que, como abaixo explicamos, não pode ser considerado nesta sede dos alimentos; mas, seguramente que as despesas alimentares da apelante não serão superiores a metade daquele valor, e ainda assim elevadas se tivermos presente que 2/3 das famílias portuguesas vivem com rendimentos mensais globais de €825,00 (divulgação do INE).
Ainda, no que respeita, às necessidades da autora, provou-se ainda que a autora gasta cerca de €200,00 para vestir e calçar, €100,00 com consultas médicas e medicamentos e €50,00, com o seu arranjo, higiene, lazer e transportes, tudo no valor global de €650,00.
Dito de outro modo, resulta da factualidade provada que a autora obtém os rendimentos necessários para a satisfação das suas necessidades, e que até tem sobras na ordem dos €300,00 mensais, acrescidas dos rendimentos dos depósitos e PPR supra mencionados. E que, querendo obter mais rendimentos tem condições de ir trabalhar. Não precisa pois de alimentos.
***
Quanto aos encargos da vida familiar, como resulta da factualidade apurada, são suportados por apelante e apelado, embora em medidas diferentes, com prejuízo para a primeira, segundo invocação desta.
Vejamos se assim é.
Recordamos que nesta sede, ainda é com referência a alimentos que se fixa uma prestação mensal, que visa custear as normais despesas da família, visto que ainda se mantém a sociedade conjugal, embora já não, de facto. Mas a medida desses encargos não são já as necessidades do alimentando e as capacidades do obrigado, mas o nível de vida que a família vinha auferindo enquanto residia em conjunto. Claro, considerando sempre a capacidade económica dos envolvidos.
A medida do “nível de vida à data da separação” é, em boa verdade, mítica, porque sustentar uma casa é SEMPRE mais económico do que sustentar duas; e não havendo culpados, não podemos impor a qualquer dos cônjuges o injustificado sacrifício de não prover às suas necessidades ou de o(a) obrigar a cortes draconianos injustificados.
Importa antes de mais esclarecer que não configuramos como encargos normais da vida familiar as despesas com o sustento de um filho de 27 anos de idade, já licenciado e a frequentar o mestrado. O objectivo louvável de obter as melhores e maiores habilitações académicas não é uma obrigação parental nem familiar; depende da boa vontade e da generosidade dos pais, o manter-se, em exclusivo, o estatuto de estudante. Acontece, como resulta do facto de o apelado ter saído de casa e nada se ter demonstrado quanto a estar a apoiar o filho que, não pretende ele manter essa generosidade.
Ora, como o filho tem já aptidão para trabalhar e auferir rendimentos próprios para se sustentar, não podemos obrigar o apelado à generosidade.
E na eventualidade de o filho se considerar com direito a pensão do seu pai, será ele que terá que intentar a correspondente acção de alimentos.
No caso dos autos, e quanto aos demais encargos, quer a apelante quer o apelado suportam muitas despesas que são comuns do casal, designadamente as que respeitam aos vários créditos que contraíram, incluindo com débitos em cartões de crédito.
Temos assim a apelante a pagar como encargo normal da vida familiar o total médio de €1.042,00, com as seguintes despesas:
a) reembolso do empréstimo ao Montepio Geral, contraído para aquisição da habitação que é a casa de morada de família – 200,00 Euros;
b) reembolso do empréstimo ao BBVA, contraído para aquisição do veículo automóvel marca BMW, modelo 320 d, matrícula ..-..-SA – 461,24 Euros;
c) seguro do automóvel referido em b) – 94,84 Euros;
d) reembolso do empréstimo ao BBVA para aquisição de computador, 57,70 Euros;
e) seguro de saúde da autora, no valor de 50,00 Euros;
f) prémio de seguro multi-riscos habitação, no valor mensal de 13,82 Euros;
g) taxa de TV cabo, no valor de 55,44 Euros;
h) Energia eléctrica, 41,64 Euros; :2 (apelante e filho)
i) Gás – 54,03 Euros; :2 (apelante e filho)
j) Consumo de água: 22,86 Euros; :2 (apelante e filho)
l) Condomínio: 27,64 Euros;
m) Consumo médio de telefone /telemóvel: 20,00 Euros; :2 (apelante e filho)
n) Imposto municipal sobre imóveis: 12,50 Euros
E temos o apelado a pagar como encargo normal da vida familiar o total médio de €1.415,00, com as seguintes despesas:
a) seguro de saúde, pelo próprio, ainda esposa e filho, 78,28 Euros;
b) cartão de crédito Cetibank – 104,20 Euros;
c) renda, água, luz, gás, garagem, 487,50 Euros;
e) cartão de consumo crediplus, 75,69 Euros;
f) cartão de crédito American Express, 15,00 Euros;
g) cartão de consumo Cetelem (Carrefur) 198,75 Euros;
h) cartão de consumo Santander, 208,91 Euros;
i) amortização de dívida ao BES, 10%, 55,92 Euros;
j) cartão de crédito Amex Blue, 11,24 Euros;
k) telefone, 30,00 Euros;
l) livros e material didáctico indispensável, 50,00 Euros;
m) despesas gerais domésticas, 100,00 Euros;
n) combustível cerca de 100,00 Euros.
Contrariamente ao alegado pela apelante, a contribuição do apelado para as despesas da vida familiar são em maior medida do que as que ela própria suporta; porém, auferindo o apelado o montante líquido de €2.033,99, sobra-lhe, necessariamente, mais em cada mês do que à apelante, justificando-se que o apelado contribua para as despesas que aquela suporta.
E para esse efeito reputamos de adequada a comparticipação mensal de €250,00.
***
IV - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente este recurso de apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que vai substituída com a seguinte decisão:

1º - Julga-se parcialmente procedente esta acção, e, em consequência, condena-se o réu C………. a pagar à autora B………., a quantia mensal de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), para fazer face às despesas do agregado familiar, enquanto não for dissolvido o casamento entre eles.
2º - Declara-se de imediato cessada a obrigação de prestar alimentos fixada ao réu, sem direito a restituição do que já tenha prestado, a título de alimentos provisórios.
3º - Custas por apelante e apelado, na proporção do vencimento.
***
Porto, 14 de Julho de 2010 (acórdão elaborado em computador, deixando em branco as folhas no verso, e revisto pela 1ª signatária - artigo 138º nº 5, do C.P.C.)
Joana Salinas Calado do Carmo Vaz
Pedro André Maciel Lima da Costa
Maria Catarina Ramalho Gonçalves