Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
858/12.0TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RP20130704858/12.0TJPRT.P1
Data do Acordão: 07/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A excepção de não cumprimento do contrato tem como pressuposto a correspectividade das prestações a que as partes estão vinculadas.
II - No contrato de arrendamento existe correspectividade entre a prestação do senhorio de proporcionar ao inquilino o gozo da coisa locada e a prestação do inquilino de pagar o valor da renda.
III - Para que o inquilino possa deixar de pagar a renda com base na excepção de não cumprimento do contrato pelo senhorio, tem de alegar e provar que ficou privado do gozo do locado e que existe um nexo de causalidade entre a privação desse gozo e a falta de pagamento da renda.
IV - Não existe privação do gozo da coisa locada se o inquilino continua a utilizá-la para sua habitação permanente, ainda que sem condições de habitabilidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 858/12.0TJPRT.P1 – Apelação 2ª
Juízos Cíveis do Porto
Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: Desembargador Aristides de Almeida
2º Adjunto: Desembargador José Amaral
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
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As A.A. B… e C… residentes na Rua … n.º …, Vila Nova da Telha intentaram a presente acção declarativa contra D…, divorciado, residente na …, n.º .., Casa .. …, no Porto pedindo que, na procedência da acção, fosse declarado resolvido o contrato de arrendamento relativo à casa n.º .. dita na … n.º .. e o réu condenado a entregar o arrendado livre de pessoas e bens e, ainda, no pagamento das rendas vencidas e vincendas até efetivo despejo.
Referem ser as atuais proprietárias do prédio urbano destinado a habitação “constituído por 5 corpos, 1º corpo r/ch e andar e águas furtadas” sito na … n.º .. no Porto, sendo que por contrato escrito de arrendamento, de 23 de Outubro de 1983, o anterior proprietário (pai das A.A.) deu de arrendamento a casa n.º .. a E… (mãe do R.), com início em 1 de Novembro de 1983 e termo em 31 de Outubro de 1984, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos de um ano enquanto por qualquer das partes não fosse denunciado, com antecipação legal, pela renda anual então de 72.000$00, paga em duodécimos de 6.000$00, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeitar e em casa do senhorio ou do seu representante.
Entretanto, por falecimento da arrendatária, ocorrido em Julho de 2002, o arrendamento transmitiu-se ao R, sendo actualmente o valor da renda mensal de € 66.70.
Acontece que aquele deixou de pagar as rendas referentes aos meses de Novembro de 2011 e subsequentes, vencidas, respectivamente, no dia 1 de Outubro de 2011 e igual dia dos meses subsequentes, encontrando-se em débito, na data da p.i., o valor de € 533,60.
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Contestou o réu aceitando todos os factos alegados na p.i. mas invocando, como fundamento para o não pagamento das rendas, o facto de as autoras terem mandado cortar a luz da habitação, em 2003, apesar do R. pagar pontualmente o valor das facturas respectivas, deixando o R. a viver sem luz até ao presente.
Além disso, em 2005 as A.A. levaram a cabo obras na habitação que se localiza em cima da habitação do R., as quais danificaram gravemente a habitação arrendada, passando o R. a ter, desde essa altura, infiltrações na sua habitação.
Acresce que na altura em que as obras se realizaram escorria água pelas paredes, água essa que danificou diversos bens do R. nomeadamente móveis e vestuário.
Acontece que as A.A. nunca resolveram o problema, apesar do R. lhes ter solicitado que resolvessem a situação, efectuando as obras necessárias para o efeito, pelo que ainda hoje a água escorre amiúde pelas paredes de habitação do R.
Por isso há 7 anos que o R. (sobre)vive num “buraco” escuro e húmido, sem as mínimas condições de salubridade, o que é do conhecimento das A.A., uma vez que o R. está desempregado, é beneficiário do RSI no valor mensal de € 189,52, pelo que não tem capacidade económica para pagar as obras necessárias para tornar a sua casa habitável.
Também não tem onde morar, não podendo sequer socorrer-se de familiares que lhe dêem abrigo.
Uma vez que não conseguiu que as A.A. fizessem na sua habitação as obras necessárias a dotar o local de condições mínimas de habitabilidade o R. não teve outra alternativa senão a de deixar de pagar a renda.
Pede, assim, que a excepção invocada – de não cumprimento do contrato – seja julgada procedente, absolvendo-se o R. do pedido.
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Na resposta referem as autoras que a luz da habitação foi cortada porque o réu não procedeu ao seu pagamento, e acrescentam que as obras do interior do arrendado, indispensáveis à conservação e limpeza do prédio, de acordo com o que ficou estipulado no contrato (cláusula 8ª), ficaram a cargo do inquilino.
Negam que o réu alguma vez lhes tenha solicitado a realização de obras ou que conhecessem sequer o estado – degradado – em que a habitação se encontra – apenas por falta de higiene e conservação do locado.
Aliás, nunca o R. invocou qualquer fundamento para a falta de pagamento das rendas, tendo simplesmente deixado de as pagar, sendo o pagamento de muitas delas feito directamente pela Segurança Social, que, entretanto, também deixou de o fazer.
Pedem que as excepções sejam julgadas improcedentes.
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Foi proferida decisão que julgou a acção procedente e em consequência declarou resolvido o contrato de arrendamento em vigor entre as autoras e o réu e em consequência condenou o réu a entregá-lo às autoras livre de pessoas e bens; no pagamento das rendas no montante de € 1.133,90 (mil cento e trinta e três euros e noventa cêntimos) (rendas vencidas e relativas aos meses de Novembro de 2011 a Março de 2013); e ainda no montante mensal de € 66,70 (sessenta e seis euros e setenta cêntimos) este devido a partir de Abril até efetivo despejo.
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Não se conformando com a decisão proferida, veio o Réu dela interpor recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença que declarou resolvido o contrato de arrendamento em vigor entre o Recorrente e as Recorridas e o Recorrente condenado a entregar o locado que toma por habitação, livre de pessoas e bens e no pagamento das rendas vencidas e vincendas até entrega efectiva.
2. Entende o Recorrente que deveria ter sido dado como provado que:
• “…crê-se que em 2005, as AA. Levaram a cabo obras na habitação que se localiza em cima da habitação do R., obras essas que danificaram gravemente a habitação do A., uma vez que, a partir desse momento, o R. passou a ter infiltrações constantes na sua habitação” (sic, artigos 5.º e 6.º da contestação).
• “Pese embora o R. ter solicitado, desde que se verificaram as infiltrações (ou seja, desde a realização de obras no andar de cima), por inúmeras vezes, às AA., que resolvessem a sua situação, efectuando as obras necessárias para o efeito, a verdade é que, até à presente data, nenhuma solução foi apresentada ao aqui R.” (sic, artigo 10.º da contestação).
• “Há cerca de 7 anos que o R. (sobre)vive num “buraco” escuro e húmido, sem as mínimas condições de salubridade e habitabilidade.” (sic, artigo 11.º da contestação)
3. O depoimento das testemunhas F… e G… impunha que se desse como provado o nexo de causalidade entre as obras efectuadas no andar de cima e as infiltrações causadas no locado, que o tornaram inabitável; Na verdade,
4. Afirmou a testemunha G…, aos 2:17 minutos, que “Sei que depois fui lá mais duas ou três vezes depois da mãe ter falecido e a casa… estava tudo em ordem e depois, passado dois ou três anos fui lá outra vez e estava a casa tudo a cair, tudo inundado” e, aos 2:43 minutos, que “os gavetões não abriam, estava tudo cheio de água... ele disse-me que foi uma infiltração de água da parte de cima, do primeiro andar.”
5. A testemunha F… referiu, aos 02:21 minutos, respondendo à questão se notou grandes alterações na casa desde o ano de 2003, que “notei grandes alterações. Não sei precisar o ano, mas por volta dessa altura, sobretudo depois de terem sido feitas obras no andar de cima, na habitação de cima do Sr. D…, que provocaram gravíssimas infiltrações de água e portanto a água escorria pelas paredes abaixo. Pronto, ficou cheia de humidade e em condições muito más (…)” e, aos 08:50 minutos, que a casa do Recorrente “…é um buraco, cheio de humidades e de fungos, escuro! Não dá para limpar, não dá para coisa nenhuma, até porque as gavetas da cómoda onde está a roupa incharam com a água já nem se conseguem abrir e portanto aquilo está em condições sub-humanas, nem para um animal.”
6. Inquirida a testemunha se não tinha dúvidas que as infiltrações resultaram das obras, esta declarou, de forma peremptória: “Nenhumas! Via-se, o tecto ficou abalroado, via-se que a água vinha de cima, portanto tinha que ser directamente provocado pelas obras feitas no andar de cima”, esclarecendo, aos 04:10 minutos, que “…danificou tudo! Mobiliário, ficou com toda a roupa dele completamente ensopada…”
7. Aos 3:07 minutos, em resposta à questão sobre a propriedade da habitação situada no piso acima da habitação do Recorrente, declarou: “penso que é dos mesmos senhorios, mas havia constantes mudanças de inquilinos”. E, aos 03:29 minutos, referiu: “…sei que foram efectuadas obras. Presumo que tenham sido através do senhorio”.
8. Face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, deveria igualmente ter sido dado como provado que o Recorrente solicitou às Recorridas a realização de obras que devolvessem ao locado condições de habitabilidade, ao que estas não acederam.
9. Na verdade, a testemunha F…, não teve a mínima dúvida em afirmar que “…o Sr. D… avisou os senhorios para irem ver o estado em que aquilo estava e eles realmente foram lá mas disseram que não tinham nada a ver com isso, (…) foram lá ver a casa! Mas demitiram-se de qualquer responsabilidade, disseram que a responsabilidade era dele.” (04.30 minutos); Questionada se não tinha dúvidas que o Sr. D… se tenha dirigido aos senhorios a expor esta situação e a exigir obras, respondeu “Sim, não tenho!”
10. Por fim, devia ter sido dado como provado que o locado não reúne, face à falta de realização de obras por parte das Recorrentes, condições de habitabilidade.
11. A testemunha F…, descreve o locado como “… um buraco, cheio de humidades e de fungos, escuro! Não dá para limpar, não dá para coisa nenhuma, até porque as gavetas da cómoda onde está a roupa incharam com a água já nem se conseguem abrir e portanto aquilo está em condições sub-humanas, nem para um animal.” (08:50 minutos).
12. Também as fotografias juntas com a petição inicial são elucidativas do que se vem de referir.
13. Por tudo o que se vem de expor e de acordo com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, facilmente se pode verificar que as Recorridas incumpriram o seu dever contratual de assegurar o gozo do locado para os fins a que se destina (habitação) nos termos do artigo 1031.º b) do C. Civil.
14. Nos termos do artigo 1032.º do mesmo Código, considera-se o contrato não cumprido quando a coisa locada apresentar vício que não permita realizar o fim a que se destina;
15. No caso sub judice, o incumprimento que se vem de referir consubstancia-se na factualidade de a casa do Recorrido não apresentar quaisquer condições de habitabilidade por causa imputável às senhorias, que se recusaram a realizar as obras solicitadas pelo Recorrente e que lhes competiam.
16. O arrendatário, aqui Recorrente, podia, como fez, suspender o pagamento da renda, por força do instituto da excepção do não cumprimento.
17. Por tudo o que se vem de referir, entende o Recorrente que a decisão objecto do presente recurso, viola, entre outras, as normas insertas nos artigos 428.º, 1031.º b) e 1032.º, alínea b), todas do Código Civil.
Pede, em conclusão, que seja julgada procedente, por provada, a excepção do não cumprimento, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se, em consequência, o Recorrente, do pedido formulado.
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Pelos A.A./RecorridAs foram apresentadas Contra-Alegações, nas quais pugnam pela manutenção da decisão recorrida.
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Cumpre decidir, sendo certo que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente, acima transcritas, no qual se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso.
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Nessa linha de orientação, as questões a decidir, suscitadas pelo recorrente no recurso de Apelação são:
- A de saber se foi bem decidida, na 1ª Instância, a Matéria de Facto;
- Se com a matéria de facto alterada deve ser considerada procedente a excepção do incumprimento do contrato, invocada pelo R. na sua contestação.
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Foram dados como provados na 1ª Instância os seguintes factos:
A) As Autoras são proprietárias do prédio urbano destinado a habitação “constituído por 5 corpos, 1º corpo r/ch e andar e águas furtadas” sito na … n.º .. da freguesia de …, do concelho do Porto.
B) Por documento escrito datado de 23 de Outubro de 1983 e junto aos autos em fotocópia a fls. 7 e 8, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, H…, anterior proprietário, declarou dar de arrendamento a E…, parte do prédio acima identificado, correspondente à casa n.º 10, com quatro divisões.
C) Este assim documentado arrendamento foi efectuado pelo prazo de um ano, tendo o seu início em 01 Novembro de 1983 e termo em 21 de Outubro de 1984, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos de um ano enquanto que por qualquer das partes não haja despedida com antecipação legal, pela renda anual então de 72.000$00 – 359,13 €, paga em duodécimos de 6.000$00 – 29,93 € no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeitar e em casa do senhorio ou do seu representante.
D) Entretanto por falecimento daquela arrendatária ocorrido em Julho de 2002 transmitiu-se o arrendamento para o réu.
E) Sendo atualmente o valor da renda mensal de €66,70.
F) O local arrendado destina-se exclusivamente à habitação.
G) A habitação não possui luz desde 2003, com o esclarecimento que as autoras procederam ao cancelamento do contrato de fornecimento porquanto o mesmo se encontrava em nome do pai daquelas e os consumos não eram pagos pelo réu.
H) O réu não pagou as rendas referentes aos meses de Novembro de 2011 vencida a 1 de Outubro de 2011 nem dos meses subsequentes.
I) A realização de obras na habitação que se localiza em cima da do réu danificou o teto da habitação do réu.
J) E na altura em que as obras se realizaram escorria água pelas paredes o que provocou estragos em móveis e vestuário do réu.
L) O réu recebe rendimento de inserção social em montante não concretamente apurado.
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Da Impugnação da Matéria de Facto:
Entende o Recorrente que deveriam ainda ter sido dado como provados, os seguintes factos, já alegados em sede de contestação:
a) “…crê-se que em 2005, as AA. Levaram a cabo obras na habitação que se localiza em cima da habitação do R., obras essas que danificaram gravemente a habitação do A., uma vez que, a partir desse momento, o R. passou a ter infiltrações constantes na sua habitação” (artigos 5.º e 6.º da contestação).
b) “ Pese embora o R. ter solicitado, desde que se verificaram as infiltrações (ou seja, desde a realização de obras no andar de cima), por inúmeras vezes, às AA., que resolvessem a sua situação, efectuando as obras necessárias para o efeito, a verdade é que, até à presente data, nenhuma solução foi apresentada ao aqui R.” (artigo 10.º da contestação).
c) “Há cerca de 7 anos que o R. (sobre)vive num “buraco” escuro e húmido, sem as mínimas condições de salubridade e habitabilidade.” (artigo 11.º da contestação).
Diz que o depoimento das testemunhas G… e F… confirmam o supra alegado.
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É de referir, desde logo, que assiste ao recorrente o direito de impugnar a matéria de facto, já que a prova testemunhal foi registada, tendo sido dado cumprimento pelo R. ao disposto no art.º 685º-B, nº 1, als a) e b) do C.P.C., encontrando-se também nos autos todos os documentos a apreciar, pelo que está este tribunal em condições de reapreciar a prova produzida na 1ª Instância (artº 712º nº1, alínea a) do CPC).
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Mas não assiste razão ao recorrente na sua pretensão.
Quanto ao facto por ele alegado nos artºs 5º e 6º da contestação, deu o tribunal como provado que “A realização de obras na habitação que se localiza em cima da do réu danificou o teto da habitação do réu” – I).
“E na altura em que as obras se realizaram escorria água pelas paredes o que provocou estragos em móveis e vestuário do réu” - J).
E deu como não provado “que após a realização das obras pelas autoras na fração acima, o réu passasse a ter infiltrações com água a escorrer pelas paredes”.
Pretendia o R. ver dado como provado ainda que as obras ocorrerem (“crê-se”) em 2005; que foram levadas a cabo pelas A.A.; e que essas obras danificaram, além do tecto da habitação, toda a habitação do R., uma vez que a partir desse momento, o R. passou a ter infiltrações constantes na sua habitação.
Sobre esta matéria considerou o tribunal (conforme despacho proferido sobre a matéria de facto) que “a resposta aos factos constantes das alínea I), J) e L), resultaram do depoimento das testemunhas do R. G… e F…, amigos e ex esposa do réu, respetivamente, e que referiram ter visitado a casa do réu aquando da realização das obras que foram efetuadas no andar situado no piso imediatamente superior ao arrendado ao réu desconhecendo, no entanto, quem as terá realizado. Concretizando, referiu-se a primeira testemunha à existência de infiltrações de água e aos danos que as mesmas provocaram, depoimento que foi corroborado pela ex esposa do réu com quem este continua a manter boas relações”.
Auditados todos os depoimentos das testemunhas prestados em audiência, com particular atenção ao depoimento das testemunhas G… e F…, também não encontramos neles fundamento para dar como provado o ano em que as obras foram realizadas; se foram realizadas pelas A.A. ou pelos inquilinos que foram ocupando a casa situada por cima do local arrendado (que se desconhece também pertencer às A.A.) e que as infiltrações tenham continuado a existir depois das obras concluídas.
E o mesmo se passa com o facto alegado pelo R. no artº 10.º da contestação “Pese embora o R. ter solicitado, desde que se verificaram as infiltrações (ou seja, desde a realização de obras no andar de cima), por inúmeras vezes, às AA., que resolvessem a sua situação, efectuando as obras necessárias para o efeito, a verdade é que, até à presente data, nenhuma solução foi apresentada ao aqui R.”
A testemunha G…, amigo do R. há 30 anos, disse que conheceu o local arrendado ainda no tempo em que a mãe do R. era viva, a qual terá falecido há cerca de 10 anos. Diz que foi lá mais duas ou três vezes depois da mãe do R. ter falecido e que estava tudo em ordem. Depois, passados dois ou três anos foi lá novamente e estava tudo a cair, tudo inundado. Que os gavetões da cómoda não abriam, que estava tudo cheio de água.
Questionado sobre as obras que terão sido feitas por cima da casa do R. disse não saber nada de obras nem sequer a quem pertence a casa do andar por cima da do R. Que o R. lhe disse que foi uma infiltração de água da parte de cima, do primeiro andar.
Questionado sobre se o R. pediu à senhoria obras, disse que acha que sim mas que não foi por escrito. Que foi o que o R. lhe disse, há 5 ou 6 anos. Que nessa altura também já não tinha luz (no tempo da mãe tinha). Acha que era porque não pagava.
Sobre a situação económica do R. disse que sabe que ele está desempregado, a auferir RSI. Que tem ideia que era a Segurança Social quem pagava a renda.
A testemunha F…, ex-esposa do R., há 30 anos, mas de quem diz continuar a ser amiga, disse que notou grandes alterações na casa depois de terem sido feitas obras no andar de cima da habitação do R., que provocaram gravíssimas infiltrações de água e portanto a água escorria pelas paredes abaixo. Que ficou cheia de humidade e em condições muito más.
Referiu-se a testemunha à casa do Recorrente como sendo um buraco, cheio de humidades e de fungos, escuro! “Não dá para limpar, não dá para coisa nenhuma, até porque as gavetas da cómoda onde está a roupa incharam com a água já nem se conseguem abrir e portanto aquilo está em condições sub-humanas, nem para um animal.”
Sobre a propriedade da habitação situada no piso acima da habitação do apelante declarou: “penso que é dos mesmos senhorios, mas havia constantes mudanças de inquilinos” “…sei que foram efectuadas obras. Presumo que tenham sido através do senhorio”.
Disse que as infiltrações resultaram das obras, que se via o tecto abalroado, via-se que a água vinha de cima, portanto tinha que ser directamente provocado pelas obras feitas no andar de cima, que “…danificou tudo! Mobiliário, ficou com toda a roupa dele completamente ensopada…”
Questionada se continua a haver água a escorrer pelas paredes, disse que neste momento não sabe se há água lá dentro. O que há é manchas de fungos.
Sobre a solicitação de obras feita pelo R. às A.A., a testemunha disse que o R. avisou os senhorios para irem ver o estado em que aquilo estava e eles realmente foram lá mas disseram que não tinham nada a ver com isso, (…) foram lá ver a casa! Mas demitiram-se de qualquer responsabilidade, disseram que a responsabilidade era dele.”
Questionada se não tinha dúvidas que o Sr. D… se tenha dirigido aos senhorios a expor esta situação e a exigir obras, respondeu “Sim, não tenho!”
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Ora, dos depoimentos acabados de analisar não se pode concluir com segurança, nem a data em que as obras foram realizadas (sendo a própria afirmação feita pelo R. muito vaga – “crê-se”) nem que elas foram realizadas pelas A.A., desconhecendo-se mesmo se o prédio situado por cima do local arrendado lhes pertence. E também não é seguro afirmar-se que continuem a existir infiltrações de água mesmo depois das obras realizadas – ou se a situação existente é decorrente do escorrimento de água pelas paredes, na altura em que as obras se realizaram.
Do depoimento das testemunhas resulta apenas o que ficou provado nos autos (cujo depoimento serviu, aliás, para o tribunal dar como provados os factos mencionados) de que “A realização de obras na habitação que se localiza em cima da do réu danificou o teto da habitação do réu” – I) “E na altura em que as obras se realizaram escorria água pelas paredes o que provocou estragos em móveis e vestuário do réu” - J).
Perante a prova produzida (não só a mencionada como a restante – o depoimento das testemunhas das A.A.) nos pode acrescentar-se aos factos descritos os pretendidos pelo recorrente.
E quanto ao facto vertido no artº 10º da contestação, de que R., desde que se verificaram as infiltrações (ou seja, desde a realização de obras no andar de cima), solicitou às A.A., por inúmeras vezes, que resolvessem a sua situação, efectuando as obras necessárias para o efeito e que até à presente data nenhuma solução foi apresentada ao R., também não foi feita prova cabal, em nosso entender dessa realidade.
As testemunhas das A.A. I…, marido de uma das A.A. e cunhada da outra e J…, filha da A. C…, (cujos depoimentos se nos afiguraram verdadeiros e isentos, apesar de serem familiares das A.A., assim como ao tribunal recorrido) afirmaram ao tribunal que as A.A. nunca foram contactadas pelo R. para lhes resolver qualquer problema de infiltrações, dizendo desconhecer sequer a situação do local arrendado, até o R. ter deixado de pagar as rendas.
A própria testemunha G…, amigo do R. há 30 anos quando questionado sobre se o R. pediu à senhoria obras, disse que acha que sim mas que não foi por escrito; que foi o que o R. lhe disse, há 5 ou 6 anos.
A única testemunha que afirmou, peremptoriamente, ao tribunal que o R. avisou os senhorios para irem ver o estado em que aquilo estava e eles realmente foram lá mas disseram que não tinham nada a ver com isso, que se demitiram-se de qualquer responsabilidade dizendo que a responsabilidade era dele, não foi convincente.
Não concretizou a testemunha (o que também não lhe foi perguntado) quando isso aconteceu; se estava presente ou se lhe foi dito pelo R.; se foi feita uma comunicação escrita ou verbal… Enfim, faltou razão de ciência ao depoimento da testemunha para que o tribunal pudesse convencer-se dos factos por ela afirmados. Dizer que um facto aconteceu, simplesmente, sem explicar porque aconteceu é dizer muito pouco para formar a convicção de quem decide.
Aliás, denota-se em todo o depoimento prestado pela testemunha F…, pouco rigor nas afirmações que faz, falta de isenção, alguma animosidade, e também algumas contradições (ao afirmar, por exemplo que o R. sempre pagou as contas da luz direitinho, antes de as A.A. a terem mandado cortar, e ao mesmo tempo afirmar que ele vive sem luz desde 2003 por falta de condições económicas…)
Referiu também ao tribunal que o R. se vai lavar fora de casa, que come uma sopa por caridade e onde lhe dão comida, mas sobre a falta de pagamento das rendas, disse que desconhecia que fosse a Segurança Social a pagar-lhe a renda até Novembro de 2011.
Ou seja, não nos mereceu qualquer credibilidade o depoimento da testemunha em questão.
Como decorre do despacho recorrido, que subscrevemos, “Relativamente à alegada denúncia da situação provocada pelas obras junto das senhorias e da alegada exigência de obras, o conhecimento que as testemunhas – G… e F… - revelaram resultava apenas de referências do réu, o que conjugado com os depoimentos das testemunhas, I… e J… – depoimentos esses que se nos afiguraram credíveis e isentos apesar das especiais relações com as autoras – e que negaram peremptoriamente qualquer tomada de posição por parte do réu, não permitiram concluir pela sua verificação.
Acresce que, particularmente do depoimento da testemunha F…, foi possível concluir que o falta de pagamento das rendas teria outras motivações - morte da mãe e incapacidade do réu - que não o estado degradado em que o arrendado se encontra, isto sem prejuízo das fotografias junto aos autos documentarem o que resultará também de falta de limpeza do mesmo.
Outrossim ficou a convicção ao Tribunal de que o pagamento das rendas devidas foi efetuado atempadamente, no tempo em que a mãe do réu era viva e após o óbito desta enquanto a segurança social procedeu ao seu pagamento, pelo que cessado este pagamento directo o réu não conseguiu cumprir com a obrigação de pagar a renda”.
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Sobre o facto alegado no artº 11º da contestação – “Há cerca de 7 anos que o R. (sobre)vive num “buraco” escuro e húmido, sem as mínimas condições de salubridade e habitabilidade.”, o mesmo, por se tratar de facto conclusivo (equiparado pela doutrina e pela jurisprudência a questão de direito) não podia ser incluído na matéria de facto (artº 646º nº4 do CPC).
Com tem sido defendido, a instrução terá por objecto apenas factos (art.º 513.º do Código de Processo Civil) e, de acordo com o disposto no art.º 646.º n.º 4 do Código de Processo Civil, no julgamento da matéria de facto ter-se-ão por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito, solução aplicável, por analogia, às respostas que incidam sobre conclusões de facto, ou melhor, que constituam conclusões de facto, (cfr., v.g., Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 637 a 639), maxime quando tais conclusões têm a virtualidade de por si resolverem questões de direito a que se dirigem (neste sentido, cfr. Conselheiro Abel Simões Freire, “Matéria de Facto – Matéria de Direito”, CJ, acórdãos do STJ, ano XI, tomo III, pág. 5 e ss. e Ac. STJ, 10.12.2008, www.dgsi.pt).
Conclui-se do exposto que não merece censura a decisão proferida sobre a matéria de facto, a qual deverá ser mantida, nos precisos termos em que foi decidida.
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Mantendo-se inalterada a matéria de facto, é de manter também, em nosso entender, a decisão de mérito proferida.
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A presente acção foi instaurada em 11/05/2012, altura em que se encontrava já em vigor o NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27/02 (cfr. art. 65º, n.º 2 deste diploma legal, onde se estatui que as disposições previstas no mesmo, à excepção do regime legal enunciado nos seus artigos 63º e 64º - irrelevantes para o objecto do presente litígio -, entram em vigor 120 dias após a sua publicação – logo, em 27/06/2006) pelo que, em função do disposto no seu art. 26º, a pretensão de tutela judiciária deduzida nos autos pelas Autoras se encontra submetida ao regime legal enunciado no NRAU.
Feito este enquadramento legal, de acordo com a matéria de facto provada, temos que por documento escrito datado de 23 de Outubro de 1983, H…, anterior proprietário, declarou dar de arrendamento a E… parte do prédio acima identificado, correspondente à casa n.º 10, com quatro divisões.
Este assim documentado arrendamento foi efectuado pelo prazo de um ano, tendo o seu início em 01 Novembro de 1983 e termo em 21 de Outubro de 1984, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos de um ano enquanto não fosse denunciado por qualquer das partes com antecipação legal, pela renda anual então de 72.000$00 – 359,13 €, paga em duodécimos de 6.000$00 – 29,93 € no primeiro dia útil do mês anterior aquele a que respeitar e em casa do senhorio ou do seu representante.
Entretanto, por falecimento daquela arrendatária, ocorrido em Julho de 2002 transmitiu-se o arrendamento para o réu, sendo atualmente o valor da renda mensal de €66,70.
Estamos perante um contrato de arrendamento urbano, que é o contrato pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um imóvel, no todo ou em parte, mediante retribuição, tendo o arrendamento urbano como fim a habitação.
O contrato de arrendamento é configurável como um contrato bilateral ou sinalagmático, uma vez que dele decorre, entre outras obrigações acessórias, a obrigação para o senhorio de entregar e assegurar ao arrendatário o gozo temporário da coisa arrendada para os fins a que se destina (cfr. art. 1031º do Código Civil), mediante a obrigação deste de lhe pagar a renda (art. 1038º, al. a) do mesmo Código).
A obrigação de pagar a renda configura a principal obrigação do arrendatário, a qual deve ser paga no tempo e no lugar próprio, ou seja, no tempo e no lugar convencionados entre senhorio e arrendatário, sendo que na falta de convenção contratual, o art. 1039º do Código Civil estatui supletivamente que a renda deve ser efectuada no último dia de vigência do contrato ou do período a que respeita e no domicílio do locatário.
Se o arrendatário não pagar a renda no dia que para tanto foi convencionado (ou na falta de convenção, no último dia de vigência do contrato ou do período a que respeita), aquele constitui-se em mora, fazendo-a, porém, cessar se proceder ao pagamento da renda no prazo de oito dias a contar da constituição em mora (art. 1041º, n.º 2 do Cód. Civil).
Decorrido o prazo de oito dias sobre a constituição da mora, o senhorio tem direito a exigir do arrendatário, além da renda em falta, uma indemnização igual a 50% do que for devido – cfr. art. 1041º do Cód. Civil.
Na vigência do RAU, o art. 64º, n.º 1 elencava, de forma taxativa, os fundamentos de resolução do contrato de arrendamento por parte do senhorio, contando-se, entre eles, o não pagamento da renda no tempo e no lugar próprios e a não efectuação de depósito liberatório (cfr. al. a), do n.º 1 do art. 64º do RAU).
Com a entrada em vigor do NRAU, as causas de resolução do contrato de arrendamento deixaram de estar taxativamente enunciadas na lei, tendo o legislador optado por consagrar no n.º 1 do art. 1083º do Código Civil um fundamento genérico de resolução do contrato que assenta no conceito indeterminado de “justa causa”, entendida esta como “o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequência, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”, aplicável a ambos os contraentes, ou seja, quer ao senhorio, quer ao arrendatário.
Nas alíneas dos n.ºs 2 e 3 do referido art. 1083º, o legislador exemplificou situações em que se verifica incumprimento por parte do arrendatário que, pela sua gravidade e consequências, torna inexigível ao senhorio a manutenção da relação contratual.
No que tange ao não pagamento de rendas, o n.º 3 do art. 1083º estatui ser “inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento de renda, encargos ou despesas”.
Assim, ao contrário do regime jurídico estatuído no RAU, em que não se fixava qualquer número mínimo de rendas em dívida para que ao senhorio ficasse conferido o direito potestativo a resolver o contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento de rendas, bastando-se a Lei com o não pagamento pelo arrendatário de uma única renda, com a entrada em vigor do NRAU, a mora no pagamento da renda só passou a assumir relevância como fundamento da resolução do contrato quando exceda os três meses de rendas em dívida – cfr. Abílio Neto, in “ Código Civil Anotado”, 16ª ed., pá. 963.
Mantém-se, no entanto, no domínio de vigência do NRAU, o direito que vigorava na vigência do regime anterior, de, instaurada acção de despejo pelo senhorio com fundamento no não pagamento de rendas, o arrendatário poder operar a caducidade do direito potestativo daquele a obter a resolução do contrato de arrendamento com esse fundamento, pagando ou depositando, até ao termo do prazo de contestação da acção de despejo, as rendas em dívida, acrescidas de 50% do respectivo valor, a título de indemnização e, bem assim, o valor das rendas que se venceram desde a propositura da acção de despejo até ao termo do prazo de contestação.
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Fazendo aplicação dos preceitos mencionados ao caso dos autos, vemos que as A.A. peticionaram a resolução do contrato de arrendamento celebrado com o Réu, com fundamento no não pagamento por parte daquele da renda referente ao mês de Novembro de 2011, vencida a 1 de Outubro de 2011, e dos meses subsequentes (até à data da propositura da acção – 11.5.2012 - e até ao momento), estando em dívida as rendas referentes a todos esses meses.
Decorre assim do exposto estarem preenchidos os pressupostos legais que conferem às A.A. o direito a obter a resolução do contrato de arrendamento em análise com fundamento no não pagamento de rendas.
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Da excepção do incumprimento do contrato:
Invocava o R. na contestação a excepção do incumprimento do contrato, quanto á falta de pagamento das rendas, com o incumprimento, por parte das A.A., do contrato, traduzido na não concessão ao R. do gozo do local arrendado.
O artº 1031° do CC especifica duas obrigações do locador, a saber: a da entrega da coisa locada ao inquilino (al.a); e a de lhe assegurar o gozo do imóvel para os fins a que a coisa de destina (al.b).
Quanto ao arrendatário, assume especial realce a obrigação de pagar a renda (art. 1038° al. a CC).
Impõe-se apreciar se tais deveres do senhorio e do inquilino estão ligados por um nexo de correspectividade, para posteriormente curar de analisar se o incumprimento temporário de algum deles gera a possibilidade de invocar a excepção de não cumprimento do contrato, pela outra parte.
A doutrina e a jurisprudência admitem que na locação (e, portanto, no arrendamento em especial) existe correspectividade entre as obrigações do senhorio de entregar ao locatário a coisa locada e de lhe assegurar o respectivo gozo e a obrigação de pagamento de renda por parte deste (ver, entre outros, Vaz Serra, “Excepção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus)”, BMJ, nº 67,1957, pp. 22 e 23, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª edição pg. 400, Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção pecuniária Compulsória”, 4ª ed. p. 332, nota 599, e José João Abrantes, “A Excepção de Não Cumprimento do contrato no Direito Civil Português, Conceito e fundamento, Coimbra, 1986, pag. 43. Na jurisprudência, Ac. RP de 11.12.2003 (ww.dgsi.pt), citados por Gravato Morais em “Falta de pagamento da renda no arrendamento urbano”, Almedina, pag. 204 e ss.).
A excepção de não cumprimento do contrato em termos gerais traduz-se na possibilidade de, no âmbito de um contrato bilateral, um dos contraentes recusar a sua prestação, enquanto a outra parte não realizar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo (art. 428.° CC).
Assim, se não é entregue a coisa objecto do negócio, o outro contraente pode, invocando aquele meio de defesa, deixar de cumprir a sua contraprestação até que a outra parte o faça (exceptio non adimpleti contractus). Também no caso de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso é comummente aceite pela doutrina o recurso a este instrumento (exceptio non rite adimpleti contractus) (Ver, quanto à admissibilidade da excepção de cumprimento parcial e da excepção de cumprimento defeituoso, entre outros, Menezes Cordeiro “Violação positiva do contrato. Cumprimento imperfeito e garantia de bom funcionamento da coisa vendida; âmbito da excepção do Contrato não cumprido”, ROA, 1981, pag. 147 ss.).
Entende-se que se não se concedesse tal possibilidade a uma das partes quebrar-se-ia o equilíbrio contratual que subjaz às relações sinalagmáticas. Trata-se, portanto, de um meio de compelir à execução do contrato, sendo certo que sem recurso a tal figura poderiam produzir-se resultados contraditórios com o princípio da equivalência das prestações, expressão dos contratos bilaterais.
Ora, à luz das regras enunciadas, como refere Gravato Morais (“Falta de pagamento da renda no arrendamento urbano”, Almedina, pag. 204 e ss.) há que responder a certas questões para apurar, em concreto, se é viável o emprego da excepção:
Por um lado, se houve privação total ou parcial do gozo do imóvel, pois só nestes casos se pode suscitar a invocação da excepção de não cumprimento pelo arrendatário (Se existirem, por hipótese, pequenas infiltrações de água no locado que não impeçam o gozo do locado, não pode haver lugar à suspensão - sequer parcial - do pagamento da renda. Ao invés, se essas deteriorações não permitem ao arrendatário gozar, total e plenamente do prédio, a conclusão é a inversa).
Por outro lado, se tal privação é imputável ao senhorio ou ao arrendatário (pois sendo o acto imputável ao inquilino, dúvidas não haverá que o senhorio não corre o risco de suspensão do pagamento da renda), sendo que só naquele caso é que se suscita a invocação do meio de defesa em causa.
Acresce que há igualmente que considerar a específica situação que está na base da invocação da exceptio (v.g., se está em causa um vício da coisa, a falta da licença de utilização do imóvel) para avaliar adequadamente a sua fundamentação.
Repare-se que a falta de pagamento só pode ser total se o prédio não realiza cabalmente o fim a que é destinado, carecendo o mesmo das qualidades asseguradas no inicio do contrato; em todos os outros casos, a falta de pagamento da renda apenas poderá ser parcial (artº 1040° do CC).
Muito pertinente é o que refere Menezes leitão (Direito das Obrigações, Vol II, 7ª edição, Almedina, pag. 269) sobre o instituto em apreço: “Tem-se entendido que, para a excepção de não cumprimento do contrato poder ser invocada sem que haja contrariedade à boa fé, exige-se uma tripla relação entre o não cumprimento do outro contraente e a recusa de cumprir por parte de quem invoca a excepção, em termos de sucessão, causalidade e proporcionalidade entre uma e outra.
A relação de sucessão pressupõe que quem invoca a excepção não tenha sido o primeiro a cair em incumprimento, uma vez que a recusa em cumprir deve ser posterior e não anterior ao incumprimento da outra parte;
A relação de causalidade pressupõe que a invocação da excepção vise exclusivamente compelir a outra parte à realização da sua prestação, sendo essa invocação ilegítima quando seja determinada por outros fins;
Finalmente, a relação de proporcionalidade pressupõe que a invocação da excepção seja proporcional ao incumprimento que a legitima, não sendo admitido o recurso à excepção sempre que esse incumprimento for de escassa importância (José João Abrantes, a excepção, pag. 124 e ss e Ac RP de 10.3.2008, CJ 33 (2008), p. 173-176)”.
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Reportando-nos ao caso dos autos, constatamos que se é admissível, em sede geral, a invocação pelo inquilino da excepção do incumprimento do contrato, com base na privação do gozo do local arrendado, no caso dos autos tal situação não se verificou.
Provou-se efectivamente que a habitação arrendada não possui luz desde 2003, mas tal facto não pode ser imputado às A.A., enquanto senhorias, uma vez que ficou provado que elas procederam ao cancelamento do contrato de fornecimento de energia eléctrica, porquanto o mesmo se encontrava em nome do seu pai e os consumos não eram pagos pelo réu.
Estamos perante uma das situações acima elencadas, em que a privação do gozo do local arrendado (a ocorrer) é imputado ao próprio inquilino que não pagou as facturas da luz (e não restabeleceu o fornecimento da energia eléctrica, celebrando novo contrato com a empresa fornecedora de energia).
E provou-se também que ocorreram obras na habitação que se localiza por cima da do réu, que lhe danificou o teto da habitação, sendo que na altura em que as obras se realizaram escorria água pelas paredes da casa, o que provocou estragos em móveis e vestuário do réu.
Antes de mais há que referir que não ficou provado que as obras e os estragos que elas provocaram na casa arrendada tenham impedido o R. de continuar a gozar o locado.
Como se decidiu no Ac. desta Relação, de 25.11.2004 e no da RL, de 31.1.2008 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), “enquanto o locador mantiver ou não impedir o gozo da coisa objecto da locação na disponibilidade do locatário, ou seja, enquanto este a puder usufruiu, não lhe assistirá o direito de excepcionar o não cumprimento da obrigação de pagamento da correspondente renda”.
Ora, o que resulta dos autos é que o R. habita o local arrendado, onde pernoita diariamente e onde tem os seus pertences, desde a morte da mãe, em Julho de 2002.
Ou seja, mesmo que se trate de um local, objectivamente, sem condições de habitabilidade (sem luz eléctrica desde 2003), subjectivamente ele tem servido para o R. como sua habitação permanente, que o tem vindo a usar, normalmente, desde a morte da mãe, fazendo dele a sua habitação, em termos de se poder concluir que na perspectiva do R., nunca sofreu da privação do gozo do local arrendado.
Quanto às obras que danificaram o local arrendado, não ficou provado que as mesmas tenham sido levadas a cabo pelas senhorias, nem sequer que o prédio onde elas foram efectuadas seja pertença daquelas. Ora, como se deixou dito acima, sendo sobre aquelas que recaía a obrigação de proporcionar ao R. o gozo do local arrendado, como prestação correspectiva da obrigação daquele de lhe pagar a renda, não se pode afirmar que as A.A. deixaram de cumprir a sua prestação, impedindo o R. de usufruir da habitação arrendada.
Aliás, desconhece-se sequer qualquer iniciativa do R. no sentido de demandar civilmente o responsável – as A.A. ou terceiros – pelos prejuízos causados nos seus pertences (móveis e vestuário).
Além disso, tais obras ter-se-iam realizado, segundo o R., em 2005 – assim como a alegada privação do gozo do imóvel - e a falta de pagamento das rendas ocorreu apenas em Novembro de 2011.
Falta aqui a aludida relação de causalidade, a que alude Menezes Leitão, entre uma situação e outra: a falta de pagamento das rendas tinha de ser invocada pelo R. como causa da inabitabilidade da casa arrendada.
Mas não ficou provado também, não obstante ter sido alegado pelo R., que as A.A. tenham sido informadas pelo R. dos danos que foram causados em sua casa, que a tornava inabitável (embora parcialmente, dado que o R. nunca deixou de ali pernoitar).
Ora, tratando-se de uma excepção invocada pelo R., a ele caberia provar essa relação de causalidade – entre a alegada privação do gozo do imóvel e a falta de pagamento das rendas - e não o fez (art.ºs 487º e 489º, n.º 1, ambos do CPC e 342º, n.º 2 do Código Civil).
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A resolução do contrato de arrendamento consubstancia uma forma de cessação deste contrato (art. 1079º do Cód. Civil) e torna imediatamente exigível a desocupação do arrendado e a sua entrega ao arrendatário (art. 1081º, n.º 1 do Cód. Civil), pelo que se impunha, como se decidiu na sentença recorrida, julgar procedente a pretensão das Autoras em ver declarada a resolução do contrato de arrendamento em análise, com fundamento na falta de pagamento de rendas, bem como a de obter a condenação do Réu a despejar, de imediato, o arrendado, bem como a pagar-lhe as rendas vencidas de Novembro de 2011 até restituição do locado.
Conclui-se, assim, do exposto, que a decisão proferida, à luz da matéria de facto provada, não poderia ser outra senão a que foi proferida.
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Sumário do Acórdão (artº 713º nº 7 do CPC):
I – A excepção do não cumprimento do contrato tem como pressuposto a correspectividade das prestações a que as partes se acham vinculadas.
II – No caso do contrato de arrendamento há correspectividade entre a prestação do inquilino de pagar o valor da renda e a prestação do senhorio de proporcionar ao inquilino o gozo da coisa locada.
III – Para que o inquilino possa deixar de pagar a renda, com base na excepção do incumprimento do contrato por parte do senhorio, tem de alegar e provar que ficou privado do gozo do locado, o que não acontece se continua a utilizá-lo normalmente.
IV- Tem de verificar-se também, para poder operar a excepção do incumprimento do contrato, uma relação de causalidade entre a falta de pagamento da renda e a privação do gozo da coisa locada, o que não aconteceu no caso dos autos.
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Decisão:
Pelo exposto, Julga-se improcedente a apelação, confirmando-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) pelo recorrente.

Porto, 4.7.2013.
Aristides Manuel da silva Rodrigues de Almeida
José Fernando Cardoso Amaral
Maria Amália Pereira dos Santos Rocha