Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5365/06.8TAVNG.P1
Nº Convencional: JTRP00042367
Relator: PINTO MONTEIRO
Descritores: ABERTURA DE INSTRUÇÃO
CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
Nº do Documento: RP200904015365/06.8TAVNG.P1
Data do Acordão: 04/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 364 - FLS. 2
Área Temática: .
Sumário: Pode ser requerida a abertura de instrução contra quem não foi constituído arguido no inquérito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: P.º n.º 5365/06.8TAVNG.P1 – 4

Acordam, em conferência, na 4.ª sec. (2.ª sec. criminal) do Tribunal da Relação do Porto:

Inconformado com o despacho do senhor juiz de instrução criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia que lhe rejeitou um requerimento de abertura de instrução com fundamento na inadmissibilidade legal da instrução, dele interpôs recurso o assistente B………, cuja motivação concluiu nos termos seguintes:
1 – A rejeição dum requerimento de abertura de instrução por falta de arguição prévia pelo assistente da omissão de constituição de arguido pelo MºPº durante o inquérito viola os n.ºs 5 e 6 do art. 58.º do C.P.P. que estipula os únicos efeitos legais da sua falta de constituição quando obrigatória.
2 – É inconstitucional o art. 287.º, n.º 3, do C.P.P., quando interpretado no sentido de poder ser rejeitado o requerimento de abertura de instrução por falta de arguição prévia de nulidade por ausência de constituição de arguido pelo M.º P.º, obrigado a tal no inquérito em que o denunciante dum crime não particular não foi notificado da falta de constituição de arguido e apenas se vem a constituir assistente para requerer a abertura de instrução contra um arquivamento, sendo assim violadas as normas dos n.ºs 5 e 7 do artigo 32.º da Constituição da República.
X X X
Na 1.ª instância respondeu o M.º P.º pronunciando-se pelo não provimento do recurso.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que, em princípio, não assiste razão ao recorrente quanto ao objecto do recurso, mas que há uma questão prévia que não foi tida em conta e que torna inútil o conhecimento do objecto do recurso e que consiste na verificação da nulidade insanável prevista na al. b) do art. 119.º do C. P. Penal (falta de promoção do processo por parte do M.º P.º).
Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do C. P. Penal, nenhuma resposta foi junta ao processo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
X X X
Questão prévia suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste tribunal
Dos autos, com interesse para a decisão desta questão, constam os seguintes elementos:
O assistente apresentou, no dia 3 de Novembro de 2006, no DIAP do Porto, perante uma senhora magistrada do M.º P.º, denúncia contra o seu pai, C………, e uma outra pessoa entretanto falecida, na qual lhes imputou a prática de factos que se podem traduzir no seguinte: em 1985 o denunciante reiniciou a sua actividade numa empresa em nome individual com o seu nome, destinada à reparação de veículos automóveis; entre 1986 e 2000 o seu pai foi seu empregado; em 2000 o seu pai reformou-se, continuando, porém, a trabalhar na empresa, mas sem remuneração; por razões pessoais, o assistente teve de ir trabalhar por contra d`outrem, ficando os seus pais encarregados da gestão comercial da empresa, embora tais atribuições nunca tenham sido formalizadas; entre os poderes do seu pai estava a possibilidade de movimentar uma conta bancária; em 2003 o assistente foi consultar a conta, verificando então que a quantia que nela estava depositada – cerca de €5.000,00 - era inferior à que, segundo os lucros que a empresa deveria proporcionar, lá se devia encontrar – no mínimo cerca de €25.000,00 -; questionou os pais sobre a situação, tendo-se os mesmos recusado a dar-lhe qualquer explicação; pediu contas ao contabilista, entretanto falecido, que era quem procedia à contabilidade da empresa, tendo-se o mesmo recusado a prestar contas e a entregar-lhe os documentos contabilísticos.
Consta da denúncia que o denunciante declarou desejar procedimento criminal contra o seu pai e contra o contabilista.
Na fase do inquérito foram ouvidos o recorrente e os seus pais, tendo o denunciado sido ouvido no dia 22 de Março de 2007. As audições foram ordenadas por despacho de um senhor magistrado do M.º Pº mas foram realizadas por uma senhora funcionária, constando do início do auto em que foi ouvido o denunciado que este devia responder com verdade às perguntas que lhe iam ser feitas, nos termos do art. 132.º, n.º 1, al. d), do C. P. Penal, e de que tinha a faculdade de se recusar a prestar depoimento, nos termos do art. 134.º do mesmo código, não tendo sido constituído arguido nem ouvido nessa qualidade.
O recorrente foi notificado para apresentar testemunhas, na sequência do que juntou um requerimento ao processo em que indicou duas sociedades como testemunhas, alegadamente clientes da empresa, relativamente às quais não foi tomada qualquer decisão no processo.
Efectuadas as referidas audições do denunciante e dos seus pais, pelo Exmo. magistrado do M.º P.º, com data de 21/06/07, foi proferido despacho em que declarou findo o inquérito e, ao abrigo do disposto no art. 277.º, n.º 1, do C. P. Penal, determinou o seu arquivamento com o fundamento de que da denúncia não constam factos que possam integrar a prática de qualquer crime, ordenando o cumprimento do disposto no n.º 3 daquela disposição legal.
Notificado de tal despacho, requereu o recorrente, em 11 de Julho de 2007, a sua constituição como assistente e a abertura de instrução, na qual narrou, no essencial, os factos constantes da denúncia, que qualificou como constituindo a prática de um crime de abuso de confiança previsto e punível nos termos do art. 205.º, n.º 4, al. b), do Código Penal, e requereu a sua acareação com o denunciado e a inquirição dos legais representantes das duas referidas sociedades.
Pelo senhor juiz de instrução foi proferido o seguinte despacho, que se transcreve ipsis verbis:
Inconformado com o despacho de arquivamento proferido pelo MºPº a fls. 26, veio o assistente B………. a fls. 32 e 33, requerer a abertura da instrução, alegando a prática de factos pelo denunciado C………. que, em seu entender, integram um crime de abuso de confiança qualificado p. e p. pelo art. 205º nºs 1 e 4 b) do Cód. Penal.
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Cumpre decidir.
Dispõe o nº 1 b) do art. 287º do C.P.P. que “A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação do arquivamento, pelo assistente, (...) relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação".
Sobre os requisitos formais, para a admissibilidade legal do requerimento instrutório do assistente, nos crimes públicos e semi-públicos, face à decisão de abstenção de acusar do MºPº, rege o nº 2 do citado art. 287º dizendo:
“O requerimento não está sujeito a formalidades especiais (...), sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do nº 3 do art. 283º. (…)”.
Ou seja, nesse requerimento deverá o assistente formular uma acusação alternativa, na qual, deverá narrar “(...) os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e ainda a indicação das disposições legais aplicáveis “ – realce nosso.
Isto quer dizer que no requerimento instrutório, o assistente deverá narrar os factos integradores dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime que imputa ao arguido e indicar as disposições legais aplicáveis.
No caso concreto dos autos, o assistente requereu a instrução dentro do prazo legal; formulou acusação alternativa no requerimento instrutório de fls. 32 e 33, narrando os factos objectivos e subjectivos do facto típico que, em seu entender, integra a previsão do art. 205º nºs 1 e 4 b) do Cód. Penal; indicou a concreta norma incriminadora; o eventual crime em causa não depende de acusação particular; porém, requereu a abertura da instrução contra o apenas denunciado C………., o qual nunca foi constituído como arguido e no decurso do inquérito apenas foi inquirido na qualidade de testemunha.
A parte final do nº 2 do art. 287º do C.P.P. remete para o nº 3 do art. 283º, no qual se lê: “(...) a narração, (...), dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido (...)”.
Ou seja, para que a instrução a requerimento do assistente nos casos previstos no nº 1 b) do art. 287º do C.P.P., seja legalmente admissível, é necessário que «tenha corrido inquérito» contra pessoa determinada – art. 58º nº 1 a) do C.P.P. - «o arguido», indicado no requerimento instrutório do assistente.
O nosso processo penal é um processo de estrutura basicamente acusatória integrada pelo princípio da investigação judicial.
O art. 32º nº 5 da C.R.P. consagra como princípio fundamental enformador do processo penal, o princípio do acusatório, prescrevendo que “ o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de discussão e julgamento e os actos que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório “.
Estrutura acusatória significa, no plano material, a distinção entre instrução, acusação e julgamento; no plano subjectivo, significa diferenciação entre o juiz de instrução e juiz julgador e entre ambos e órgão acusador([1]).
No sistema acusatório, o arguido é um sujeito processual que tem intervenção em todas as fases do processo, garantindo-se-lhe o contraditório, ou seja, a possibilidade de o arguido questionar ou negar factos constantes da queixa e seu enquadramento jurídico.
Por isso no inquérito, entre os actos que são obrigatórios para o MºPº, conta-se o do interrogatório do arguido se em relação a ele houver suspeita fundada da prática de crime – art. 272º nº 1 do C.P.P. – excepto se não for possível notificá-lo - cfr. G. Marques da Silva in ob. cit., III, págs. 90 e 91 – exarando-se nos autos, neste caso, as diligências efectuadas para o efeito.
Dispõe o art. 272º nº 1 do C.P.P.:
“Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la”.
E o art. 58º nº 1 a) do C.P.P. estabelece:
“(...) é obrigatória a constituição de arguido logo que correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal”.
«Correr inquérito» contra determinada pessoa, tem um preciso significado: a existência de fortes indícios da prática do crime pelo imputado([2]), dos quais resulta, consequentemente, a realização do conjunto das diligências probatórias a que se refere o art. 262º nº 1 do C.P.P., dirigidas contra essa pessoa concreta, determinada, enquanto tenham por finalidade comprovar a imputação do crime a essa pessoa.
E estes «fortes indícios» resultam já da prova indiciária constante do inquérito.
E é por causa desta “imputação indiciária qualificada “([3]) que o art. 272º nº 1 do C.P.P. impõe ao titular da acção penal, ou por delegação deste, ao órgão de polícia criminal, a obrigação de interrogar essa pessoa na qualidade de «arguido» e, previamente a tal inquirição, fazer a comunicação prevista no nº 2 do art. 58º do C.P.P. com a entrega do documento referido no nº 4 da mesma disposição legal.
É o que resulta da conjugação do art. 58º nº 1 a) com o nº 1 do art. 59º do C.P.P..; isto quer dizer que a constituição de arguido por iniciativa do titular da acção penal ou se dá nos termos dos arts. 58º e 59º nº 1, ou simplesmente não se dá.
Se ocorrer a constituição de arguido, enumera o art. 61º nº 1 do C.P.P. (embora não exaustivamente), um conjunto de direitos de que o mesmo goza.
Entre eles, está o direito de tomar posição sobre os factos que lhe são imputados na queixa, requerendo a realização das diligências que se lhe afigurarem necessárias – art. 61º nº 1 g) do C.P.P. – alcançando-se tal desiderato, com o interrogatório do suspeito como arguido, visto ser nesse momento que se lhe dá conhecimento da existência do processo contra si instaurado.
Pese embora o princípio da igualdade de armas só vigore tendencialmente nas fases jurisdicionais do processo, o certo é que no inquérito o arguido vê protegidos os seus direitos fundamentais com a já referida obrigatoriedade da constituição de arguido, a obrigação de se lhe dar a conhecer os seus direitos e deveres, com os direitos de petição no que respeita à produção de prova e de contradição, de confessar e recorrer, entre outros.
Conforme decidiu o Ac. da R.P. de 12/6/2002, no proc. nº 362/02, “(...) Consequência da estrutura acusatória do processo penal - art. 32º nº 5 da C.R.P. – é o princípio da igualdade de oportunidades ou igualdade de armas. O processo deve estar estruturado em termos que permitam que a acusação e a defesa disponham de idênticas possibilidades para intervir no processo, para demonstrarem perante o tribunal a validade das suas alegações “.
Exemplo da consagração dessa igualdade entre a acusação e a defesa, é o estabelecido nos arts. 302º nº 4, 298º, 301º nº 1, 271º, 287º nº 5 e 297º nº 3 do C.P.P.
Ora, uma coisa é certa: não pode haver requerimento de abertura da instrução formulado contra quem não foi «arguido» num determinado inquérito, sendo elucidativo o Ac. da R.E. de 5 de Maio de 1998, publicado na C.J. Ano XXIII, Tomo III, pág. 281, que decidiu que “(...) A instrução porque não é um novo inquérito (ou um inquérito dirigido pelo juiz ), (...) pressupõe a existência de arguido(s) contra quem foi formulada uma acusação(...); ou pressupõe que contra determinado arguido(s) não foi deduzida acusação e consequentemente foram mandados arquivar os autos (...). Aliás, o debate instrutório só conduz a uma de duas decisões: despacho de pronúncia ou despacho de não pronúncia, o que mais uma vez aponta para a existência de arguido: se se tiverem recolhido indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário profere despacho de não pronúncia – art. 308º nº 1 do C.P.P.. (...) A determinação dos agentes dum crime bem como a investigação da existência do mesmo opera-se através do inquérito não cabendo no âmbito e finalidades da instrução, tanto mais que aquele pode ser reaberto quando surjam novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo MºPº no despacho de arquivamento”.
O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação – art. 262º nº 1 do C.P.P.
O nº 2 do mesmo artigo estatui que: “Ressalvadas as excepções previstas neste Código, a notícia de um crime dá sempre lugar à abertura de inquérito”.
A direcção do inquérito cabe ao MºPº - art. 263º do C.P.P. – que pratica os actos necessários à realização da finalidade a que se dirige: investigar a notícia do crime e quem foram os seus agentes em ordem à decisão sobre se deverá ou não promover-se a fase de julgamento – art. 267º do C.P.
O Ministério Público procede oficiosamente a quaisquer diligências que julgar indispensáveis à descoberta da verdade (art. 50º nº 2).
Terminada a investigação, o MºPº encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação – art. 276º nº 1.
Assim e se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o MºPº deduz acusação contra aquele – art. 283º nº 1 do mesmo diploma - segundo os cânones do nº 3 do art. 283º – cfr. art. 276º nº 1 do C.P.P.
A fase do inquérito é essencialmente inquisitória, dominada pelo MºPº a quem é atribuído o poder de esclarecimento oficioso do facto objecto da suspeita. O MºPº dispõe dos mais amplos poderes de investigação – art. 267º do C.P.P.
O inquérito pode terminar ou com a acusação ou com o arquivamento, podendo este ocorrer ou porque se não verificou que o arguido o tenha praticado a qualquer título ou porque é legalmente inadmissível o procedimento ou, ainda, porque não foi possível ao MºPº obter indícios suficientes de verificação de crime ou de quem foram os seus agentes – art. 277º nºs 1 e 2 do C.P.P.
Já a fase da instrução tem finalidade diferente([4]).
Conforme se afirmou no Ac. da R.P. de 23 de Janeiro de 2001 publicado na C.J. 2002, Tomo I, pág. 229 e 230 “A decisão de abstenção do Ministério Público de deduzir acusação, findo o inquérito dirigido contra pessoa(s) certa(s), é assim, um pressuposto do requerimento do assistente para a abertura de instrução. Caso contrário, como é obvio, ficaria frustrada a razão de ser desta fase processual, ou seja, a de comprovar judicialmente a decisão do MºPº de não acusar arguido(s) previamente determinado(s) por factos que, no decurso do inquérito foram objecto de investigação” – carregado e sublinhado nossos.
O S.T.J. no Acórdão de fixação de Jurisprudência nº 1/2006 publicado na I Série-A do D.R. de 2 de Janeiro de 2006 decidiu que “A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no art.120º nº 2 d) do Código de Processo Penal”.
Mas a referida Jurisprudência do S.T.J., a nosso ver, não contraria o que acima deixámos exposto.
Isto porque, no caso de o queixoso não concordar com a decisão do MºPº de abstenção de acusação, proferindo despacho de arquivamento relativamente aos factos denunciados, como sucede no caso destes autos, tem ao seu alcance para contrariar tal decisão, a reclamação hierárquica nos termos do art. 279º do C.P.P. ou a arguição da nulidade por insuficiência de inquérito nos termos do art. 120º nº 2 d) do C.P.P., que no caso destes autos também não foi invocada.
No caso destes autos o assistente deveria ter lançado mão de qualquer um destes dois apontados mecanismos para contrariar a decisão do MºPº de fls. 26, sendo que a arguição da nulidade por insuficiência de inquérito com fundamento na falta de interrogatório do denunciado como arguido, desde que em relação a ele haja suspeita fundada da prática de crime, sendo possível notificá-lo, não pode ser feita no requerimento para a abertura da instrução, mas até ao momento em que termina esse prazo, dado que a fase do inquérito não termina logo com a prolação do despacho que o encerra, seja ele de suspensão provisória do processo (art. 281º), de arquivamento ou de acusação, já que a este se seguem as comunicações previstas nos arts. 277º nº 3, 283º nº 5 e 284º do C.P.P.; ou seja, o inquérito só termina, no sentido cronológico, com o decurso do prazo após as notificações e o requerimento de abertura de instrução ou com a entrada do processo no tribunal do julgamento.
Conforme dispõe o art. 17º do C.P.P., que tem como epígrafe «Competência do juiz de instrução», “Compete ao juiz de instrução proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento, nos termos prescritos neste Código”.
Assim, durante o inquérito há funções jurisdicionais e quase jurisdicionais que são da competência do juiz e que vêm enumeradas nos arts. 268º e 269º do C.P.P. e em outras disposições dispersas do mesmo Código, tais como a admissão de assistente (art. 68º nº 3), a condenação nos termos do art. 116º nºs 1 e 2 e 273º nº 3, o arquivamento nos termos do art. 280º nº 1, a concordância para a suspensão provisória do processo nos termos do art. 281º nº 1 do C.P.P., entre outros.
E é no âmbito desses actos jurisdicionais que se inclui a decisão sobre a arguição da nulidade do inquérito por insuficiência nos termos do art. 120º nº 2 d) do C.P.P. com fundamento na falta do interrogatório do arguido quando for possível notificá-lo([5]) se em relação a ele houver suspeita fundada da prática de crime.
No caso destes autos, tal nulidade não foi invocada pelo assistente, não foi por ele apresentada reclamação hierárquica nos termos do art. 279º do C.P.P. e a instrução também não pode ser requerida contra pessoa contra a qual não correu inquérito, contra quem não foi constituído como arguido num determinado inquérito.
Assim, por tudo quanto ficou exposto, este Tribunal decide nos termos do nº 3 do art. 287º do C.P.P., rejeitar o requerimento para a abertura da instrução apresentado pelo assistente a fls. 32 e 33, por ser, no caso presente, legalmente inadmissível a instrução.
Custas pelo assistente, fixando-se em 3 Ucs a taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido a fls. 134 a 139 – cfr. art. 83º nº 2 do C.C.J..
Notifique.
Texto processado por computador e revisto pela signatária. Os versos estão em branco – art. 94º nº 2 do C.P.P.
X X X
Antes de passarmos a analisar a questão da nulidade suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto importa referir que a denúncia, as diligências efectuadas na sequência da mesma, o despacho de arquivamento do M.º P.º e a entrada do requerimento de abertura de instrução no tribunal tiveram lugar em data anterior à da entrada em vigor das alterações ao Código de Processo Penal que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, entradas em vigor no dia 15 de Setembro do mesmo ano (o despacho recorrido foi proferido em data posterior), que algumas das disposições legais aplicáveis ao caso sub judice sofreram alterações e que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º daquele código, a lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior, pelo que é à luz das normas em vigor à data da realização dos actos processuais referidos que esta questão tem de ser decidida.
Dispõe o art. 207.º, al. a), do Código Penal, sob a epígrafe “Acusação particular”, que no caso do n.º 1 do artigo 203.º e do n.º 1 do artigo 205.º, o procedimento criminal depende de acusação particular se o agente for (…) ascendente (…) da vítima (…). Um dos denunciados e o único que agora releva, uma vez que o outro entretanto faleceu, é ascendente do denunciante. Face ao teor da denúncia, na altura em que a mesma foi feita não era possível saber-se se estava em causa ou não um crime de natureza particular, pelo que não era exigível ao M.º P.º que informasse o denunciante da necessidade de se constituir assistente, nos termos da parte final do n.º 4 do art. 246.º do C. P. Penal. Acresce que, entretanto, no requerimento de abertura de instrução, o denunciante imputou ao denunciado a prática de um crime de abuso de confiança p.p. pelo n.º 4, al. b), do artigo 205.º do Código Penal, não abrangido, portanto, pela previsão da alínea a) do artigo 207.º. Assim sendo, ao contrário do alegado pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, não se verifica a nulidade insanável da falta de promoção do processo pelo M.º P.º no que diz respeito ao não cumprimento da parte final do n.º 4 do artigo 246.º.
Ocorreu uma nulidade, mas dependente de arguição e que já se encontra sanada por não ter sido arguida tempestivamente, como a seguir vamos referir.
Estabelece o n.º 1, al. a), do artigo 58.º do C. P. Penal, na redacção anterior à das referidas alterações, que, sem prejuízo do disposto no artigo anterior, é obrigatória a constituição de arguido logo que, correndo inquérito contra pessoa determinada, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal. Por sua vez o n.º 1 do artigo 272.º do mesmo código dispõe que, correndo inquérito contra pessoa determinada, é obrigatório interrogá-la como arguido, cessando a obrigatoriedade quando não for possível a notificação. No caso, correu inquérito contra o denunciado, logo, contra pessoa determinada, pelo que, nos termos daquelas duas disposições legais, devia ter sido constituído arguido e ouvido nessa qualidade. Como decorre dos elementos constantes dos autos, acima enunciados, tal não aconteceu. Ora, o STJ, no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2006, publicado na 1.ª Série-A do Diário da República de 2 de Janeiro de 2006, fixou jurisprudência no sentido de que “A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º n.º 2 d) do Código de Processo Penal”.
No caso, a não constituição do denunciado como arguido e a sua não audição nessa qualidade constitui a nulidade prevista na al. d) do n.º 2 do art. 120.º do C. P. Penal. Trata-se, porém, de uma nulidade dependente de arguição e que devia ter sido arguida no prazo de 5 dias a contar da notificação ao requerente do despacho de arquivamento do M.º P.º. Não o foi. Em vez disso o recorrente requereu a abertura de instrução. Tal nulidade tem, portanto, de se considerar sanada.
Nesta parte, nada há a apontar ao despacho recorrido. Já assim não acontece quando nele se decidiu que a instrução não pode ser requerida contra pessoa que não tenha sido constituída arguida no processo.
Vejamos.
Dispõe o artigo 57.º, n.º 1, do C. P. Penal, que assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal.
Refere Maia Gonçalves no Código de Processo Penal Anotado, 9.ª edição, pág. 185, em anotação ao artigo 58.º, a propósito da constituição de arguido, o seguinte:
“A qualidade de arguido assume-se mediante a comunicação a que alude o n.º 2 deste artigo 58.º, isto como regra geral, pois que esta comunicação só é feita relativamente aos casos especificados no mesmo artigo 58.º e no art. 59.º (no tocante a este último artigo por exigência do seu n.º 2). Tratando-se de constituição através de alguma das formas especificadas no art. 57.º, a qualidade de arguido assume-se por mero efeito da acusação ou do requerimento para abertura de instrução; (…)”.
Também Leal-Henriques e Simas Santos, no Código de Processo Penal Anotado, 1.º volume, 2.ª edição, pág. 304, em anotação ao artigo 57.º, perfilham o mesmo entendimento, referindo, a propósito desta questão, o seguinte:
“O artigo que ora nos ocupa fornece duas situações em que o posicionamento do suspeito perante o crime ou crimes em averiguação no processo justifica seriamente a imputação da qualidade de arguido.
Assim, passa a ser arguido, se ainda o não for:
- todo aquele contra quem for deduzida acusação;
- todo aquele contra quem for requerida instrução.”
E mais (pág. 305): “A constituição da qualidade de arguido, nas situações referenciadas no artigo, não carece de declaração, resultando automaticamente da acusação ou do requerimento para abertura de instrução.”
Na medida em que referem que passa a ser arguido, se ainda o não for, a pessoa contra quem for deduzida a acusação ou requerida a instrução, significa que entendem que a dedução de acusação e o requerimento de abertura de instrução podem ser dirigidos contra o agente de um crime que não tenha sido constituído arguido.
No mesmo sentido, Ac. RP de 11 de Maio de 1994, ano XIX, tomo III, pág. 245, assim sumariado: O arguido não ouvido, nem constituído nessa qualidade durante o inquérito, adquire a “qualidade de arguido” após a notificação, ainda que edital, da dedução de acusação, pelo que lhe deve ser fixada uma medida de coacção, no despacho que recebe a acusação e designa dia para julgamento.
Caso se perfilhasse o entendimento adoptado na decisão recorrida, então nunca poderia ser deduzida acusação ou requerida a abertura de instrução contra o agente de um crime que, por qualquer razão, nomeadamente devido a ausência em parte incerta, não pudesse ser ouvido na fase do inquérito e aí constituído arguido. Isto apesar de o processo conter todos os elementos necessários à dedução da acusação ou do requerimento de abertura de instrução. Ora, não é assim que as coisas se processam. Na verdade, o n.º 1 do art. 283.º do C. P. Penal, ao dispor que se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias, deduz acusação contra aquele, não restringe a dedução de acusação apenas contra os agentes de crimes que tenham sido ouvidos e constituídos arguidos na fase do inquérito. Se se verificar esta situação, os agentes do crime passam a ter a qualidade de arguidos com a dedução da acusação, se esta tiver existido, ou então do requerimento de abertura de instrução, nos termos do art. 57.º, n.º 1, do C. P. Penal.
Daí que, a nosso ver, apesar de não ter arguido a nulidade acima referida (ou de ter reclamado hierarquicamente do despacho de arquivamento, alternativa que o recorrente tinha ao seu dispor, prevista no n.º 2 do artigo 278.º do C. P. Penal), o recorrente podia requerer a abertura de instrução contra o denunciado, apesar de este não ter sido constituído arguido, não sendo tal facto razão para o indeferimento do requerimento de abertura de instrução.
E se era assim na vigência das normas processuais aplicáveis antes das referidas alterações ao Código de Processo Penal, face ao teor das mesmas, por maioria de razão também assim é agora, como vamos passar a demonstrar.
O artigo 58.º do Código de Processo Penal actualmente em vigor estabelece no seu n.º 1, als. a) e d), que, sem prejuízo do disposto no artigo anterior, é obrigatória a constituição de arguido logo que: a) correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal; d) for levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for comunicado, salvo se a notícia for manifestamente infundada. Significa isto que, ao contrário do que acontecia antes das alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, a constituição de arguido na fase do inquérito sofreu algumas restrições, só ocorrendo agora se verificados determinados pressupostos que na redacção daquele artigo antes das referidas alterações não eram exigíveis. Assim, no caso da al. a) é agora necessário que haja suspeita fundada da prática de crime, o que significa que se não houver suspeita fundada da prática de crime não há lugar à constituição de arguido; no caso da al. d) não há lugar à constituição de arguido se a notícia for manifestamente infundada, o que significa que se a notícia do crime, na perspectiva de quem dirige o inquérito, for manifestamente infundada, também não há lugar à constituição de arguido.
Em apoio deste entendimento, refere-se no Código de Processo Penal Anotado de Vinício Ribeiro, pág. 95, em anotação ao artigo 57.º, que “Apertaram-se as hipóteses de constituição de arguido, a qual agora supõe fundada suspeita da prática de um crime [alínea a) do n.º 1] ou que a notícia não seja manifestamente infundada [alínea d) do n.º 1], com o que se pretendeu evitar a banalização da constituição de arguido. Isto porque, citando Rui Pereira em O Domínio do Inquérito pelo Ministério Público, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, pág. 125, a propósito da constituição de arguido, “é irrealista considerar, em geral, que tal qualidade é vantajosa no plano jurídico-processual. Com efeito, para além de ser condição de aplicação de medidas restritivas ou privativas de direitos de natureza cautelar, o estatuto de arguido envolve, em regra, um efeito estigmatizante que não pode ser ignorado.”
As consequências da não constituição de arguido ou a violação das suas formalidades, nos termos do art. 58.º do C. P. Penal, em qualquer das suas versões, consistem em as declarações prestadas pela pessoa visada não poderem ser utilizadas contra ela. Isto sem embargo da prática de uma nulidade nos termos do Acórdão de fixação de jurisprudência do STJ acima citado.
Pelo que até agora foi dito, conclui-se que o requerimento de abertura de instrução não podia ser rejeitado com base no segundo fundamento constante do despacho recorrido, com o que fica prejudicado o conhecimento da questão da inconstitucionalidade também suscitada pelo recorrente. Tal não significa, porém, que o requerimento de abertura de instrução deva ser deferido. Tem de ser rejeitado, mas por razões diferentes das constantes do despacho recorrido.
Vejamos.
É do seguinte teor o requerimento de abertura de instrução, de que se excluem os meios de prova indicados, por a sua reprodução não interessar a esta decisão.
1 – Razões de discordância com o arquivamento
- O denunciante/assistente constituiu a partir de 1985 uma empresa individual de tornearia e mecânica na qual tinha como trabalhador/empregado o arguido.
- Dado o parentesco próximo, o assistente confiou o giro dessa empresa ao arguido, na convicção de que o seu dinheiro seria gerido da melhor maneira.
- Até Setembro de 2003, o assistente trabalhava noutra empresa como empregado de escritório, deixando até essa data por isso o movimento da sua empresa ao arguido.
- Em Outubro de 2003, o assistente despediu-se com a intenção de assumir a direcção operacional da sua empresa confiada ao arguido, o qual até esse momento recebia encomendas e todos os pagamentos dos clientes sem dar daí quaisquer partes ao assistente que sempre confiou na restituição depois de pedidas as contas ao arguido.
- Logo que comunicou ao arguido o assumir da gestão efectiva da sua empresa, o assistente, em Outubro de 2003, deparou-se com a não apresentação de quaisquer contas pelos dinheiros recebidos pelo arguido durante quase 20 anos e muito menos lhe foi restituída qualquer importância, vendo-se o assistente privado do capital da empresa, dos seus lucros acumulados e do acesso ao interior das instalações por causa do arguido.
- Esta situação típica configura um crime contra o património do arguido, não sendo de manter o despacho de arquivamento que reputa a situação cometida pelo arguido como não ilícita criminalmente.
A denúncia foi também dirigida contra o contabilista da empresa que deu cumplicidade aos actos do arguido, porém o Dig.º Procurador informou verbalmente o assistente do seu falecimento o que faria extinguir o procedimento criminal contra si.
Meios de prova (…).
FACTOS ACUSADOS
O assistente acusa o arguido C………., melhor id. nos autos, por se ter apropriado de todo o valor gerado pela empresa individual do assistente desde a sua constituição em 1985 até ao fim de Setembro de 2003, excedendo tal valor apropriado as duzentas unidades de conta.
Tal empresa do assistente havia sido entregue ao arguido para que a gerisse em nome e por conta do assistente enquanto o mesmo assistente se mantivesse num outro emprego que acabou por deixar em Outubro de 2003 para assumir a direcção efectiva da sua empresa, o que lhe foi recusado pelo arguido que até à data não permite a entrada do assistente nas instalações da empresa, não lhe presta contas (e) muito menos lhe restitui qualquer importância monetária, sabendo que tal empresa não lhe pertence o que não o impede de se apropriar da mesma contra a vontade do assistente, praticando consciente e voluntariamente o crime previsto na alínea b) do n.º 4 do artigo 205.º do Código Penal.
X X X
Comete o crime de abuso de confiança quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade – n.º 1 do artigo 205.º do Código Penal.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias no Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pág. 94 e seguintes, em anotação ao artigo 205.º, o abuso de confiança é, segundo a sua essência típica, apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio. O objecto da acção é, por isso, como no furto, uma coisa móvel alheia.
Coisa, para efeitos penais e, nomeadamente, para os fins aqui em vista, é toda a substância corpórea, material, susceptível de apreensão (isto sem querermos entrar na questão de saber se a energia eléctrica é ou não equiparável a coisa móvel para efeitos da prática de crimes contra o património).
Segundo os factos constantes do requerimento de abertura de instrução, o recorrente entregou ao arguido a gestão da sua empresa, que este agora se recusa a devolver. Uma empresa não é uma coisa móvel, uma coisa susceptível de apreensão.
É verdade que o recorrente invoca também que o arguido não lhe entrega qualquer importância monetária, mas também é verdade que não alega que, ao confiar a gestão da empresa ao arguido, lhe entregou qualquer importância em dinheiro que este agora devesse devolver-lhe e que se recuse a fazê-lo. A importância monetária que reivindica diz respeito a eventuais lucros resultantes da actividade da empresa durante o tempo em que a gestão desta esteve entregue ao arguido. Bem vistas as coisas, do que o recorrente se queixa é de o seu pai não lhe entregar a empresa e de não lhe prestar contas.
Os factos imputados ao arguido no requerimento de abertura de instrução não integram, pois, os elementos constitutivos da prática, pelo arguido, de um crime de abuso de confiança ou de qualquer outro ilícito de natureza penal. Trata-se de uma questão cível a decidir em sede própria que não a criminal, que o teor da denúncia já fazia adivinhar e que levou o M.º P.º a proferir despacho de arquivamento do processo com tal fundamento.
Dispõe o n.º 3 do artigo 287.º do C. P. Penal que o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
No caso não se verificam os dois primeiros fundamentos de rejeição do requerimento de abertura de instrução, mas verifica-se o terceiro. Com efeito, não preenchendo os factos imputados ao arguido a prática do crime de abuso de confiança ou de qualquer outro, a realização da instrução constituiria um acto inútil, já que, finda a mesma, a decisão teria de ser necessariamente a de não pronúncia do arguido. Isto porque o juiz de instrução não podia pronunciar o denunciado por factos não descritos no requerimento de abertura de instrução, uma vez que isso acarretaria a nulidade da decisão instrutória – art. 309.º, n.º 1, do C. P. Penal. O artigo 137.º do C. P. Civil, aqui aplicável por força do art. 4.º do C. P. Penal, proíbe a realização de actos inúteis no processo.
Não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução.
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Deste modo, embora com base em fundamentos diferentes dos do despacho recorrido, nega-se provimento ao recurso.
Condena-se o recorrente na taxa de justiça que se fixa em 6 (seis) UC.
X X X

Porto, 2009/04/01
David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira

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[1] Ac. da R.L. de 25/6/2002 in C.J. Ano XXVII, Tomo III, pág. 146.
[2] Vide, José Lobo Moutinho in “ Arguido e Imputado no Processo Penal Português “, pág. 104.
[3] José Lobo Moutinho in ob. cit. pág. 97.
[4] Vide ainda Ac. da Rel. do Porto de 12/6/02 no Proc. nº 362/02.
[5] Neste sentido decidiram os Acs. da R.E. de 2 de Julho de 1996 publicado na C.J. Ano XXI, Tomo IV, pág. 296, da R.P. de 30 de Maio de 2001 publicado na C.J. Ano XXVI, Tomo III, pág. 241 e da R.L. de 25 de Junho de 2002, publicado na C.J. Ano XXVII, Tomo III, pág. 143.