Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2436/04.9TBVCD-C.P1
Nº Convencional: JTRP00043651
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
CRÉDITO
IRC
CONTRATO DE SUPRIMENTO
Nº do Documento: RP201003022436/04.9TBVCD-C.P1
Data do Acordão: 03/02/2010
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 356 - FLS 14.
Área Temática: .
Sumário: O crédito proveniente de IRC só goza de privilégio creditório desde que o imposto respectivo diga respeito aos três anos anteriores à data da penhora ou acto equivalente, não tendo qualquer relevo a data em que se procedeu à sua liquidação e consequente inscrição para cobrança.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2436/04.9 TBVCD-C.P1
Tribunal Judicial de Vila do Conde – .º Juízo Cível
Apelação
Recorrente: Ministério Público
Recorrido: “B………., Ldª”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Canelas Brás e Pinto dos Santos

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa nº 2436/04.9 TBVCD, que C………. e D………. moveram contra "B………, Lda", na qual foram penhorados, em 10.5.2007, os imóveis discriminados a fls. 46 dos autos principais, apresentaram-se a reclamar os seus créditos:
a) o Min. Público, em representação da Fazenda Nacional - crédito de €66.108,53 -, proveniente de dívidas de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, bem como de Imposto sobre Imóveis e respectivos juros;
b) a Segurança Social - crédito de €61.400,81 -, referente a contribuições em falta e juros respectivos.
Cumprido o disposto no art. 866, n° 2 do Cód. de Processo Civil, não foram apresentadas quaisquer impugnações.
De seguida, proferiu-se sentença, na qual, tendo em atenção o disposto no art. 868, º 4 do Cód. do Proc. Civil, foi rejeitada a reclamação de créditos deduzida pelo Min. Público no que toca ao IRC de 2001 (€8.740,70 e respectivos juros), de 2002 (€8.073,60 e respectivos juros) e de 2003 (€8.075,33 e respectivos juros), uma vez que, face à data em que foi efectuada a penhora nos autos principais – 10.5.2007 -, estas dívidas não respeitam ao triénio imediatamente anterior ao ano da penhora.
Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o Min. Público, em representação do Estado – Fazenda Nacional, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1 – A designação de imposto relativo ao “IRC relativo aos três últimos anos” afere-se pelo crédito de imposto concretamente liquidado e inscrito para cobrança nesse referido período, ou seja, o crédito correspondente a imposto de tal natureza que tenha sido concretamente consolidado e exigível ao titular dos rendimentos e titular dos bens sobre os quais incide o privilégio creditório em apreço.
2 – Verificada a penhora de bens imóveis ao devedor de impostos cuja liquidação tenha ocorrido nos anos de 2005, 2006 e 2007, sendo este último o ano da penhora, tais créditos, ainda que relativos a rendimentos auferidos em datas anteriores, beneficiam do privilégio creditório estatuído pelo art.108 do CIRC.
3 – O ano da inscrição para cobrança é aquele em que são praticados os actos tributários para determinação do crédito, incluindo o da liquidação, isto é aquele em que os impostos foram incluídos nas relações de cobrança voluntária, até à respectiva cessação, independentemente do período a que respeitem.
4 – A reclamação de créditos, maxime tributários, tem por pressuposto a sua liquidez, determinação e exigibilidade, pelo que os créditos relativos ao IRC dos anos de 2001, 2002 e 2003, porquanto apenas liquidados no ano de 2005, data limite do respectivo pagamento voluntário, beneficiam do privilégio creditório reconhecido pelo art. 108 do CIRC, e como tal devendo ser reconhecidos e graduados.
5 – A sentença em crise violou os arts. 108 do CIRC, os arts. 306, 733, 735, 748, estes do Cód. Civil, 45 da Lei Geral Tributária e 157 do Cód. do Proc. Civil.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Aos presentes autos, face à data da sua entrada em juízo, é ainda aplicável o regime de recursos anterior ao Dec. Lei nº 303/07, de 24.8.
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O objecto dos recursos encontra-se balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso – arts. 684 nº 3 e 690 nº 1 do Cód. do Proc. Civil -, sendo ainda de referir que neles se apreciam questões e não razões, que não visam criar decisões sobre matéria nova e que o seu âmbito é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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A questão a decidir é a seguinte:
Para apurar se um crédito proveniente de IRC goza de privilégio creditório, o que releva, face ao preceituado no art. 108 do Cód. do IRC, é o ano a que respeita o imposto ou é o ano em que o mesmo foi inscrito para cobrança?
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A factualidade a ter em atenção é a que consta do precedente do relatório, para o qual se remete.
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Passemos então à apreciação jurídica.
O art. 108 do Cód. do IRC[1] estatui que «para pagamento do IRC relativo aos três últimos anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente.»
Daqui resulta que o privilégio creditório de que a Fazenda Pública beneficia por créditos de IRC se reporta ao período de três anos imediatamente anterior àquele em que foi efectuada a penhora ou outro acto equivalente.
Nenhuma referência se faz neste preceito à liquidação do imposto ou à sua inscrição para cobrança.
Por esse motivo, relevante para que o crédito de IRC goze de privilégio creditório, não é o ano em que se procedeu à liquidação e consequente inscrição do imposto para cobrança, como pretende o recorrente, mas sim o ano a que o imposto concerne, como se entendeu na decisão recorrida.
Em abono desta posição, plenamente apoiada na letra da lei, referir-se-à o Ac. do STJ de 31.10.2000[2], onde se escreveu o seguinte:
“O legislador na determinação do período de tempo que é abrangido por privilégio creditório que garanta o pagamento de dívidas fiscais, usa, por vezes, como factor determinante, a data de inscrição para cobrança da respectiva obrigação fiscal. É o que acontece com o privilégio mobiliário geral e o privilégio imobiliário previstos, respectivamente, nos arts. 736, nº 1 e 744, nº 1, ambos do Cód. Civil. Ora, se o legislador quisesse que a determinação dos três últimos anos referidos naquele art. 104 do CIRS[3] fosse balizada pela inscrição em cobrança de IRS, após a sua liquidação, tê-lo-ia dito expressamente. Ou, então, teria feito uma remissão para os citados preceitos do Cód. Civil, ou outros do género. Mas tal não aconteceu.”
Deste modo, tendo a penhora sido efectuada em 10.5.2007, terá que se concluir que os créditos provenientes de IRC respeitante aos anos de 2001, 2002 e 2003, mesmo que inscritos para cobrança em 2005, não beneficiam do privilégio creditório previsto no art. 108 do Cód. do IRC, razão pela qual, em consonância com o disposto nos arts. 865, nº 1 e 868, nºs 2 e 4 do Cód. do Proc. Civil, não poderão ser reconhecidos e graduados.
Naufraga, por isso, o recurso interposto pelo Min. Público, devendo ser confirmada a decisão recorrida.
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Concluindo:
O crédito proveniente de IRC só goza de privilégio creditório desde que o imposto respectivo diga respeito aos três anos anteriores à data da penhora ou acto equivalente, não tendo qualquer relevo a data em que se procedeu à sua liquidação e consequente inscrição para cobrança.[4]
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Min. Público, em representação da Fazenda Nacional, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, uma vez que o Min. Público, agindo em representação da Fazenda Nacional, não beneficia da isenção a que alude o art. 2, nº 1, al. a) do Cód. das Custas Judiciais, na redacção do Dec. Lei nº 324/2003, de 27.12, que é a aplicável ao caso “sub judice”.

Porto, 2.3.2010
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Mário João Canelas Brás (Vencido, em razão da harmonia do sistema relativamente à previsão dos artigos 736º, nº 1 e 744º, nº1 do Código Civil).
Manuel Pinto dos Santos

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[1] Na redacção em vigor desde 1.1.2010 (Dec. Lei nº 159/2009, de 13.7) este preceito corresponde ao art. 116 do CIRC.
[2] CJ STJ, ano VIII, tomo III, págs. 101/2 (relator Pais de Sousa)
[3] Este preceito do Cód. do IRS (posteriormente art. 111) tem redacção idêntica à norma do Cód. do IRC que aqui estamos a apreciar.
[4] Cfr. em sentido idêntico – embora reportados a preceito semelhante do Cód. do IRS – Ac. STJ de 27.3.2007, p. 07A760 (relator Sebastião Póvoas) Ac. Rel. Porto de 14.9.2009, p. 6281/07.1 YYPRT-A.P1 (relator Sampaio Gomes); Ac. Rel. Guimarães de 13.10.2004, p. 1645/04-1 (relator Rosa Tching), todos disponíveis in www.dgsi.pt.