Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2/08.9TTLMG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MACHADO DA SILVA
Descritores: DIUTURNIDADE
TRABALHO AGRÍCOLA
Nº do Documento: RP201101242/08.9TTLMG.P1
Data do Acordão: 01/24/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Vencidas as diuturnidades, nos termos convencionalmente fixados, o seu montante, que tem carácter regular e certo, integra-se no vencimento como parcela a somar ao salário base, gozando, por isso, da protecção própria inerente à retribuição – art. 250.º, n.º 2, al. b), do CT de 2003.
II - Estando o contrato de trabalho ainda vigente, nada impede, assim, que o direito às diuturnidades seja oficiosamente considerado nos termos do disposto no citado art. 74º, que prevê expressamente a "condenação extra vel ultra petitum", pois in casu, manifestamente, do que se trata é, ainda, do direito ao salário garantido pelo instrumento de regulamentação colectiva, que é, assim, um preceito inderrogável.
III - Resultando do contrato de trabalho que, durante a vigência do contrato, o trabalhador/caseiro tinha direito a residir, com o seu agregado familiar, na casa existente na quinta conhecida, a título gratuito, conclui-se que o alojamento não Integra a retribuição do trabalhador, não podendo a entidade empregadora descontar no salário devido mensalmente o valor correspondente a tal habitação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. nº 1501.
Proc. nº 2/08.9TTLMG.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. B………. intentou a presente acção, nº 2/08.9TTLMG, com processo comum, contra C………., Lda., pedindo o pagamento das seguintes quantias:
- € 64.071,52, a título de actualizações salariais entre 1987 e 2007;
- € 2.200,00, referente a pagamentos que o Autor fez a pessoal contratado ao serviço da Ré;
- € 2.039,94, referente às retribuições devidas nos meses de Outubro a Dezembro de 2007;
- € 1.775,94, a título de férias não gozadas, subsídios de férias e de Natal do ano de 2007;
- tudo, acrescido de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto, em suma, que foi admitido ao serviço da Ré em 1980, exercendo as funções de feitor da D………., sita em ………., Lamego, auferindo, desde 1987, uma retribuição mensal abaixo do valor da retribuição mínima garantida por lei, sendo que, a partir de 2001, com a publicação da Portaria de Regulamentação de Trabalho para os trabalhadores agrícolas, publicada no Boletim de Trabalho e Emprego nº 33/2001, de 8 de Setembro, passou a integrar a primeira classe salarial sendo-lhe devida a retribuição ali prevista, bem como as suas actualizações.
Mais aduziu que entre 1987 e 2006 nunca gozou férias, que a Ré está em dívida para consigo pelos valores despendidos com pagamento de pessoal em 2003 e 2004, e retribuições relativas aos meses de Outubro a Dezembro de 2007, inclusive, subsídios de férias e de Natal do referido ano.
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A Ré contestou a acção, por impugnação, alegando, em síntese, que o Autor apenas exerce as funções de caseiro desde 1986 e que durante todos estes nunca manifestou o seu descontentamento com o vencimento recebido nem pediu a actualização do mesmo.
Invoca, por isso, o abuso de direito por parte do Autor em exigir a actualização dos salários recebidos desde 1987 a 2007.
Mais aduziu que à retribuição do Autor acrescia o direito de residir com o seu agregado familiar na casa do caseiro composta por três divisões, cozinha e casa de banho, prestação que integra a sua retribuição. Por outro lado, defendeu não ser aplicável aos presentes autos as invocadas Portaria de Regulamentação do Trabalho porquanto o seu âmbito territorial de aplicação restringe-se ao concelho de Vila Real.
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O Autor respondeu à contestação.
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Por despacho de 26 de Janeiro de 2009 foi determinada a apensação aos presentes autos da acção que corria termos no tribunal, sob o nº 317/08.6TTLMG, intentada pelo A. contra a mesma Ré.
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Nesta acção nº 317/08.6TTLMG pediu o Autor a anulação da sanção disciplinar de suspensão e perda de antiguidade aplicada pela ré, declarando-se a mesma abusiva, e o reconhecimento da quantia de € 679,98, a título de salário mensal, pedindo o pagamento das seguintes quantias:
- € 169,95, relativa à retribuição da semana de suspensão, acrescida de € 1.669,95, correspondente ao décuplo, em virtude de se tratar de sanção abusiva e da quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos morais;
- € 3.709,86, a título de diferenças salariais desde Janeiro a Julho de 2008 e da quantia de € 679,98, a título de subsídio de férias;
- tudo, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto, em suma, que como represália da 1ª acção intentada contra a Ré, esta instaurou ao Autor um processo disciplinar que culminou na sanção disciplinar de uma semana de suspensão com perda da correspondente retribuição e, ainda, o desconto de cinco anos de antiguidade na empresa.
Acrescentou que os factos que fundamentaram tal decisão, além de falsos, encontravam-se prescritos, acarretando aquela sanção pânico, nervosismo e transtorno para o Autor.
Mais aduziu que, não obstante ter já solicitado a actualização do seu salário, a Ré continua a pagar-lhe a retribuição mensal de € 150,00.
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A Ré contestou esta acção, por impugnação, alegando, em síntese, que o Autor nunca manifestou qualquer descontentamento com a sua retribuição pelo que vir agora decorridos mais de 20 anos de execução do contrato constitui manifesto abuso de direito.
Mais acrescentou que os factos que motivaram o processo disciplinar são verdadeiros, pois há muito que o Autor não cumpre com a diligência devida as suas obrigações, não se verificando, por isso, os pressupostos de responsabilidade da Ré por danos morais.
Mais contestou, invocando a excepção de litispendência entre esta acção e a que corre termos sob o n° 2/08.9TTLMG, alegando, ainda, verificar-se uma relação de prejudicialidade entre ambas.
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Foi proferido despacho saneador, no qual, além de ter sido a Ré condenada em multa, foi julgada improcedente a excepção de litispendência invocada e indeferida a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial.
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Não se conformando com tal despacho, dele recorreu a Ré, tendo o recurso sido admitido como de agravo, com subida diferida e efeito meramente devolutivo, nele se suscitando as seguintes questões:
- a da ocorrência in casu da alegada excepção de litispendência, na justa medida em, quer num, quer no outro, mas em ambos os processos, se visa obter o mesmo efeito jurídico, atinente ao salário pretensamente devido, ou seja,
- determinação do valor da remuneração mensal do autor, após o que se concretizarão, se devidas (ou não, na hipótese contrária) as eventuais diferenças salariais;
- nos autos, não se encontra preenchido nenhum dos requisitos legais previstos no nº 1 do art. 275° do CPC que sustente a pretextada apensação;
- tão-pouco se diz ou fundamenta qual o pressuposto processual preenchido, pelo que a decisão enferma do vício da nulidade a que alude o art. 668º, nº 1, b), do CPC;
- não tendo, no saneador, sido designada uma data para o julgamento, jamais podia ser exigida a taxa de justiça subsequente e a correspondente multa, por tardio cumprimento da obrigação;
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Igualmente, não se conformando com o despacho que ordenou a apensação dos processos, dele recorreu a Ré, tendo o recurso sido admitido como de agravo, com subida diferida, nele se formulando as seguintes conclusões:
- Não se encontrando preenchido nenhum dos requisitos que poderiam sustentar a determinada apensação de processos, previstos no nº 1 do art. 275º do CPC, ela não poderia ter sido determinada pelo Tribunal a quo;
- É inadmissível a interpretação extensiva que o M.mo Juiz a quo fez do art. 275º, nº 1, do CPC – ex vi do art. 9º, nº 2, do CC;
- O despacho recorrido violou os arts. 275º, 668°, nº 1, al. c), do CPC, e 9º, nº 2, do CC.
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Os dois recursos de agravo foram objecto de contra-alegações, neles se pedindo a confirmação do decidido.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento – tendo sido deferido a ampliação do pedido, no tocante à actualização dos salários desde Agosto de 2008 até Setembro de 2009 – foi, posteriormente, proferida sentença, julgando a acção procedente e condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 42.039,60, a título de diferenças salariais entre Janeiro de 1987 e Setembro de 2009, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, sendo sobre o valor de € 39.136,58, desde 3 de Abril de 2008 (fls. 69 dos autos 2/08.9TTLMG) e sobre o valor de € 2.903,02, desde 19 de Setembro de 2008 (fls. 45 dos autos 317/08.6TTLMG) até efectivo e integral pagamento.
Mais se julgou ilícita a sanção disciplinar aplicada ao Autor, por prescrição do procedimento disciplinar, condenando a Ré a revogar a mesma.
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Inconformadas com esta decisão, dela recorreram A. e Ré, formulando as seguintes conclusões:
- Autor:
1- O recorrente não se conforma com a douta sentença recorrida, porquanto entende, salvo o devido respeito, que a mesma enferma de erro na interpretação e aplicação da lei aos factos provados;
2- O objecto de recurso é restrito à parte da douta sentença que não aplicou a Portaria de Regulamentação de Trabalho para os trabalhadores agrícolas publicada no Boletim de Trabalho e Emprego nº 33/2001, de 8 de Setembro, e consequente condenação da Ré a pagar as respectivas diferenças salariais respectivas, e do não reconhecimento do salário devido ao autor;
Na verdade,
3- Em 08.09.2001 foi publicada no Boletim de Trabalho e Emprego, 1ª serie, nº 33, o Contrato Colectivo de Trabalho entre a E………. e o F………..
4- Neste CCT foram previstas as tabelas salariais e demais cláusulas de expressão pecuniária, tendo o autor tem o enquadramento profissional previsto no anexo I – Grau I – Caseiro e na Categoria Profissional – Definição de funções prevista no anexo II de "Caseiro" – de acordo com os factos provados supra.
5- Mais foi estabelecido que a remuneração mínima mensal nos termos do anexo III era o nível I – categoria profissional Caseiro – de 555 euros ou 111.300$00 e ficou estabelecido "outros valores" um subsídio de refeição fixo, por dia de trabalho, o montante de 350$00 e uma diuturnidade por cada 5 anos, no valor de 1200$00 mensais cada, a qual será acrescida a remuneração mensal".
6- Este contrato colectivo de trabalho CCT foi alterado em 15.09.2002, publicada no Boletim de Trabalho e Emprego, 1ª série, nº 34, que fixou a remuneração mínima mensal para a categoria profissional de caseiro passou para 586 €, o subsidio de refeição em € 4 e as diuturnidade no valor de € 7 mensais.
7- Este Contrato Colectivo de Trabalho passou a ser aplicado ao autor em virtude da Portaria de Extensão publicada no Boletim de Trabalho e Emprego, 1ª serie, nº 42 de 15/11/2002, pg 3638, efeitos desde 1 de Julho de 2002,
8- Assim, salvo o devido respeito, a Ma Juiz do Tribunal a quo ao não considerar aquele vencimento mensal do autor e o subsídio de refeição e diuturnidades, não atendeu à Portaria de Extensão publicada no Boletim de Trabalho e Emprego n° 42, de 15.11.2002, que mandou reportar os seus efeitos desde 1 de Julho de 2002.
9- Por isso, partir de Julho de 2002 o autor tinha direito ao salário base de 586,00 euros, acrescido de 4 diuturnidades no valor de 28,00 € (4 x 7,00), pois que entrou ao serviço da Ré em 1980, e ao subsídio de refeição de 4,00 €/dia ou seja 88,00 €/mês (22,00 x 4), no total de 702,00 euros mensais.
10- E a partir de Julho de 2005 tinha 5 diuturnidades, pelo que a sua retribuição mensal corresponde a 586,00 euros de salário base, acrescido de 5 diuturnidades no valor de 35,00 € (5 x 7,00) dado que completou 5 diuturnidades, no total de 709,00 euros mensais.
11- Por isso é devido ao autor a título de diferenças salariais desde 1987 a 2001 as quantias referidas na douta sentença, ou seja, a quantia de 18.753,58 euros;
12- E desde o ano de 2001 a Setembro de 2009, com a aplicação da citada portaria de extensão, vencimento base, diuturnidades e subsídio de refeição, a quantia de 49.517,81 euros.
13- O facto de o autor só agora reclamar diuturnidades a partir de Julho de 2002, não o tendo efectuado na petição inicial, não impede de ser considerado na douta sentença e a Ré condenada a tal.
14- Não só porque cabe dentro do pedido global formulado pelo autor, contendo-se, assim, dentro dos limites do pedido e por outro lado em Processo de Trabalho vigora o disposto no art. 74º que prevê expressamente a "condenação extra vel ultra petitum", pois in casu manifestamente, o direito ao salário garantido pelo instrumento de regulamentação colectiva é um preceito inderrogável.
15- Consequentemente face ao exposto supra, deve também ser reconhecido ao autor actualmente o direito a uma retribuição mensal de 709,00 euros, que corresponde ao salário base de 586,00 euros, acrescido de 5 diuturnidades no valor de 35,00 € (5 x 7,00) dado que completou 5 diuturnidades, e 4,00 euros de subsídio de refeição por dia, no total de 709,00 euros mensais.
16- Pois que ao autor é aplicável o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado com a E………. e o F………. que foi publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, 1ª série, nº 33, alterado em 15.09.2002 conforme publicação no Boletim de Trabalho e Emprego, 1ª série, nº 34.
17- Pois esta retribuição decorre deste Contrato Colectivo de Trabalho que passou a ser aplicado ao autor em virtude da Portaria de Extensão publicada no Boletim de Trabalho e Emprego, 1ª série, nº 42, de 15/11/2002, pg 3638.
- Ré:
1. A retribuição pode definir-se como o conjunto de valores, pecuniários ou não, que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador, em razão da actividade por ele desempenhada;
2. Está provado que, como contrapartida do seu trabalho, o A. teria direito ao salário mensal ilíquido de Esc. 25.000$00, acrescendo a tal retribuição o direito a residir com o seu agregado familiar na casa do caseiro, composta por três divisões, cozinha e casa de banho próprio;
3. Esse direito a residir na casa do caseiro advém exclusivamente do contrato de trabalho, e constitui uma prestação em espécie que a Apelante regular e periodicamente está obrigada a pagar ao Apelado como contrapartida do seu trabalho, integrando, por isso, o conceito legal de retribuição: ou seja, a remuneração convencionada inicial era composta de dois elementos, por um lado Esc. 25.000$00, e por outro Esc. 6.000$00, correspondente às três assoalhadas para habitação do trabalhador e agregado familiar;
4. Tem, assim, a Apelante o direito de descontar no salário devido mensalmente ao Apelado o valor correspondente a tal habitação;
5. Acresce que resulta da matéria provada que o Apelado processou os seus vencimentos e emitiu os respectivos recibos durante mais de vinte anos consecutivamente, sem nunca reclamar quaisquer actualizações salariais, nem tampouco demonstrar descontentamento com o vencimento auferido:
6. Resulta ainda da matéria de facto que o Apelado sempre contactou a Apelada – fosse por correio fosse telefonicamente – tendo, assim, tido toda a liberdade e ensejo de reclamar fosse do que fosse:
7. A peticionada actualização salarial, volvidos todos estes anos e sem nunca antes ter reclamado fosse o que fosse, constitui manifesto abuso de direito, por exceder os limites impostor pela boa fé e pelos bons costumes:
8. Sendo, por isso, o pedido formulado pelo Apelado ilegítimo, devendo, por isso, o mesmo ser julgado improcedente;
9. Por outro lado, na apreciação do abuso de direito, conhece a Mma Juiz a quo de factos não alegados pelos partes, violando o disposto do nº 2 do art. 660º do C.P.C., inquinando a aliás douta sentença recorrida de nulidade, ex vi art. 668º, nº 1, al. d).
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Houve contra-alegações.
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Nesta Relação, o Ex.mo Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer no sentido do não provimento dos recursos de agravo e de apelação da Ré e do provimento do recurso de apelação do Autor, ao qual respondeu a Ré apelante.
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Cumpre decidir.
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2. Factos provados (na 1ª instância):
- Processo 2/08.9TTLMG
1. O Autor foi admitido ao serviço da Ré em Agosto de 1980 até à presente data.
2. Entre Autor e Ré foi reduzido a escrito um contrato de trabalho em 27.01.1986.
3. O Autor trabalhava e trabalha sob as ordens, direcção e fiscalização da ora Ré.
4. Exercendo as funções de feitor, comummente designado por "caseiro", nos prédios rústicos e urbanos da propriedade da ora Ré e que compõem a denominada D………., em ……….., Lamego.
5. Sendo o responsável pela gestão da exploração agrícola, coordenar os trabalhos, contratar pessoal, ordenar e controlar a execução dos trabalhos efectuados pelos demais trabalhadores.
6. O Autor habita a casa do caseiro da quinta.
7. O mesmo auferia à data da redução a escrito do contrato o salário mensal ilíquido de Esc. 25.000$00, correspondente a € 124,70.
8. Em 1987 o Autor recebia de salário mensal a quantia de € 110,84.
9. A Ré não pagou ao Autor até esta data os salários de Janeiro, Fevereiro, Março, subsídio de férias e de Natal do ano de 1987.
10. No ano de 1988 o Autor auferiu o salário mensal de € 106,89, incluindo férias, subsídio de férias e de Natal.
11. No ano de 1989 o Autor auferiu o salário mensal de € 106,89, incluindo subsídio de férias e de Natal.
12. No ano de 1994 o Autor recebeu de salário mensal a quantia de € 175,29, incluindo subsídio de férias e de Natal.
13. No ano de 1999 o Autor recebeu mensalmente a quantia de € 149,64, incluindo subsídio de férias e de Natal.
14. No ano de 2000 o Autor auferiu mensalmente a quantia de € 149,64, incluindo subsídio de férias e de Natal.
15. No ano de 2001, a Ré pagou ao autor a quantia mensal de € 149,64, a titulo de salário, incluindo subsídio de férias e de Natal.
16. A Ré deve ao Autor o subsídio de refeição dos meses de Junho a Dezembro de 2001.
17. No ano de 2002 a Ré pagou ao Autor o salário mensal de € 150,00.
18. Nos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006 a Ré pagou ao Autor o salário mensal de € 150,00.
19. O Autor entrou ao serviço da Ré em 1980, não como caseiro mas como empregado agrícola – à data a caseira era a mãe do Autor, a Senhora D. G………..
20. Desde 1981 que o Autor foi inscrito na Segurança Social tendo-lhe sempre sido feitos os respectivos descontos.
21. Só em 1986 é que o Autor passou a exercer as funções de caseiro, tendo para o efeito sido celebrado o contrato de trabalho junto com a petição inicial.
22. O Autor foi contratado para prestar mais serviços do que aqueles que alega, designadamente, a guarda da propriedade da Ré, elaboração da folha com o movimento semanal, elaboração do inventário mensal e a preparação de toda a documentação referenciada para a contabilidade.
23. Era assim o Autor quem mensalmente não só processava os próprios salários como elaborava os recibos de vencimento, desde 1986 até finais de 2006.
24. Durante todos esses anos nunca o autor manifestou o seu descontentamento com o seu vencimento nem pediu à Ré qualquer actualização do mesmo.
25. Igualmente nunca reclamou que a Ré lhe devesse quaisquer quantias em virtude do seu salário ser inferior ao salário mínimo nacional.
26. Ficou estabelecido no contrato de trabalho celebrado pelas partes que o Autor teria direito ao salário mensal ilíquido de Esc. 25.000$00, acrescendo a tal retribuição o direito de residir com o seu agregado familiar na casa do caseiro, composta por três divisões, cozinha e casa de banho.
27. Em 1987 o Autor auferia mensalmente € 124,70.
28. Em 1988 o Autor recebeu a quantia mensal de € 106,89.
29. Em 1989 o Autor recebeu a retribuição mensal de € 106,89.
30. Em 1990 o Autor recebeu a retribuição mensal de € 124,70, até Setembro, e € 149,64, a partir de Outubro.
31. Em 1991 o Autor recebeu a retribuição mensal de € 149,64.
32. Em 1992 o Autor recebeu a retribuição mensal de € 149,64.
33. Em 1993 o Autor recebeu a retribuição mensal de € 149,64.
34. Em 1994 o Autor recebeu a retribuição mensal de € 149,64.
35. Em 1995 o Autor recebeu a retribuição mensal de € 149,64.
36. Em 1996 o Autor recebeu a retribuição mensal de 149,64.
37. Em 1997 o Autor recebeu a retribuição mensal de 149,64.
38. Em 1998 o Autor recebeu a retribuição mensal de € 149,64.
39. Em 1999 o Autor recebeu a retribuição mensal de 149,64.
40. Em 2000 o Autor recebeu a retribuição mensal de € 149,64.
41. Em 2001 o Autor recebeu a retribuição mensal de € 149,64.
42. Em Fevereiro de 2002 o Autor passou a receber a retribuição mensal de € 150,00.
43. Em 2003 o Autor recebeu a retribuição mensal de € 150,00.
44. Em 2004, 2005, 2006 e 2007 o Autor recebeu a retribuição mensal de € 150,00.
45. Desde 2004 a Ré passou a liquidar directamente aos trabalhadores eventuais vencimentos sem a intervenção do Autor.
46. Os ordenados de Outubro de 2007 a Dezembro de 2007, férias, subsídio de férias e de Natal de 2007, foram processados e pagos.
- Processo 317/08.6TTLMG
47. O Autor foi admitido ao serviço da Ré em Agosto de 1980 até à presente data.
48. Entre Autor e Ré foi reduzido a escrito um contrato de trabalho em 27.01.1986.
49. O Autor trabalhava e trabalha sob as ordens, direcção e fiscalização da ora Ré.
50. Exercendo as funções de feitor, comummente designado por "caseiro", nos prédios rústicos e urbanos da propriedade da ora Ré e que compõem a denominada D………., em ………., Lamego.
51. Sendo o responsável pela gestão da exploração agrícola, coordenar os trabalhos, contratar pessoal, ordenar e controlar a execução dos trabalhos efectuados pelos demais trabalhadores.
52. O Autor habita a título gratuito a casa do caseiro da quinta.
53. O mesmo auferia à data da redução a escrito do contrato o salário mensal de Esc. 25.000$00, correspondente a € 124,70.
54. O Autor aufere actualmente a quantia de € 150,00 ilíquidos mensais.
55. A Ré instaurou um processo disciplinar ao Autor.
56. Imputando-lhe a prática dos factos constantes da Nota de Culpa, junta aos autos.
57. Tendo o Autor apresentado a respectiva defesa ou resposta por escrito e remetida em 4.04.2008, conforme documento junto aos autos.
58. Onde, em resumo, impugna os factos que lhe são imputados, bem como invoca a prescrição do procedimento disciplinar e arrola testemunhas de defesa.
59. Pese embora a Ré tenha a sua sede em ………., e ser este o local de trabalho do Autor, marcou a cidade de Lisboa como local para inquirição das testemunhas.
60. A Ré marcou a inquirição das testemunhas em Lisboa quando eram todas de Lamego.
61. Tal veio a suceder no dia 15 de Maio de 2008.
62. Após o que a Ré considerou que, da prova produzida, foram apurados os seguintes factos constantes da Nota de Culpa:
1- Até à presente data não foram entregues à entidade patronal os comprovativos referentes aos pedidos de subsídio anteriores a 2006, pese embora a entidade patronal os tenha solicitado.
2- Apenas a partir de Outubro de 2007 e após interpelação da entidade patronal o trabalhador arguido começou a enviar as folhas semanais de ocupação que antes eram enviadas de forma irregular.
3- A carrinha era utilizada pelo arguido tanto ao serviço da entidade patronal como em proveito próprio, sendo apenas em meados de 2008 que a mesma foi imobilizada por iniciativa da entidade patronal em virtude de não ter o selo nem a inspecção em dia.
4- O dispêndio de gasóleo e quilómetros percorridos com a carrinha era excessivo principalmente nos meses em que não havia trabalhadores eventuais contratados para trabalhar na quinta.
5- A criação não autorizada de animais e legumes na quinta por parte do arguido destina-se apenas a consumo próprio e não para venda a terceiros.
6- No ano de 2007 a quebra acentuada de produção de uva foi generalizada na região.
7- Pese embora o mau ano agrícola, em 2007, o arguido manteve inalterados os custos com a vindima, não tendo solicitado a entidade patronal o seu assentimento prévio para a contratação de pessoal tendo aquela sido confrontada posteriormente com essa contratação.
8- Nunca a entidade patronal foi avisada previamente por parte do arguido do roubo de pinheiros ocorrido em Dezembro de 2007, tendo apenas tido conhecimento do mesmo através de uma folha semanal de ocupação na qual o arguido referiu estar a guardar o pinhal.
9- O trabalhador nunca participou tal roubo às autoridades policiais da zona.
10- Os garrafões depositados na casa da quinta são propriedade do Sr. H………. e servem para trazer agua potável para a quinta uma vez que a fonte/nascente da quinta esta imprópria desde a construção da ………..
63. E com base nos mesmos veio a final a proferir a decisão no processo disciplinar aplicando ao Autor a sanção de "uma semana de suspensão, com perda de retribuição e, ainda, o desconto de cinco anos de antiguidade na empresa".
64. Os alegados comprovativos de pedido de subsídio anteriores a 2006 foram entregues tanto que a Ré os contabiliza na Nota de Culpa.
65. O Autor é um trabalhador exemplar, incansável, disponível dia e noite, sempre com esforço e dedicação no desempenho das suas funções.
66. O Autor trabalha todos os dias.
67. O Autor entrou ao serviço da Ré em 1980, não como caseiro, mas como empregado agrícola, à data a caseira era a mãe do Autor, a Senhora D. G………..
68. Só em 1986 com a aposentação da sua mãe é que o Autor passou a exercer as funções de caseiro tendo para o efeito sido celebrado o contrato de trabalho junto com a petição inicial e tendo os descontos a partir dessa data sido feitos com referência a essa nova categoria profissional.
69. O Autor foi contratado para prestar mais serviços do que aqueles que alega, designadamente, a guarda da propriedade da Ré, elaboração da folha com o movimento semanal, elaboração do inventário mensal e a preparação de toda a documentação referenciada para a contabilidade.
70. Era assim o Autor quem mensalmente não só processava os próprios salários como elaborava os recibos de vencimento, desde 1986 até finais de 2006.
71. Durante todos esses anos nunca o autor manifestou o seu descontentamento com o seu vencimento nem pediu à Ré qualquer actualização do mesmo.
72. A Ré só foi citada para contestar a acção 2/08.9TTLMG em data posterior àquela em que foi instaurado o processo disciplinar.
73. As testemunhas arroladas pelo Autor no processo disciplinar compareceram na data designada e foram regularmente inquiridas sobre os factos constantes da Nota de Culpa e dos seus depoimentos foram lavrados os respectivos autos que foram a final assinados pelos próprios.
74. Era excessivo o consumo de combustível e de quilómetros percorridos pela carrinha quando confrontado com o serviço que a D………. exigia e era declarado pelo Autor.
75. Quanto à criação de animais e plantação de legumes na quinta deveria o mesmo ter sido precedido de autorização expressa da entidade patronal conforme previsto na cláusula 7 do contrato de trabalho, a qual nunca foi concedida nem solicitada.
76. Em Setembro de 2008 e Dezembro de 2008 a Ré pagou ao Autor a retribuição base de 426,00, a que deduziu o valor de 29,93, a título de renda de casa.
77. A partir de Janeiro de 2009 a Ré começou a pagar ao Autor € 450,00 aos quais deduziu o valor de € 29,93, a título de renda de casa.
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A matéria de facto supra transcrita, tal qual foi objecto da decisão de facto da 1ª instância, não foi impugnada pelas partes nem enferma dos vícios previstos no art. 712º do CPC, pelo que se aceita e mantém.
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3. Do mérito.
Em obediência ao disposto no art. 710º, nº 1, do CPC, começaremos a apreciação dos recursos pelos agravos interpostos.
A) Agravo interposto no processo nº 317/08.6TTLMG.
Neste são suscitadas as seguintes questões:
- Nulidade da decisão;
- Exigibilidade da taxa de justiça subsequente e a correspondente multa, por tardio cumprimento da obrigação;
- A da ocorrência in casu da alegada excepção de litispendência;
- Apensação dos processos.
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3.1. Nulidade da decisão.
Sustenta a recorrente a nulidade da decisão, nos termos do art. 668º, nº 1, b), do CPC, não se dizer ou fundamentar qual o pressuposto processual que sustente a pretextada apensação.
No entanto, e como resulta expressamente do seu requerimento de interposição do recurso, neste, a recorrente limitou-se a interpor recurso de agravo.
Ou seja: tal arguição apenas foi feita nas alegações de recurso e não no requerimento da sua interposição, como impõe o art. 77º, nº 1, do CPT: "a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso".
Como tem sido decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a razão de ser desta norma radica no "princípio da economia e celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade" – cf., entre outros, Ac. STJ, de 23.04.1998, BMJ, 476/297 e Ac. STJ, de 03.12.2003, no site dos acórdãos do STJ.
E se a arguição da nulidade da sentença/despacho – cf. art. 666º, nº 3, do CPC – se verificar apenas nas alegações de recurso, ela é extemporânea, acarretando o seu não conhecimento.

Esta doutrina tem sido sufragada pelo Tribunal Constitucional [cfr. acórdãos nºs 403/2000 (DR, II Série, de 13.12.2000) e 439/2003 (www.tribunalconstitucional.pt)], incluindo no acórdão nº 304/2005, DR, II Série, de 05.08.2005, tirado sobre esta matéria.
Este último acórdão do Tribunal Constitucional reafirma a doutrina dos anteriores e do STJ, neste concreto ponto: no direito processual laboral – arts. 77º, nº 1 e 81º, nº 1 do CPT – o requerimento de interposição de recurso e a motivação deste, apesar de constituírem uma peça processual única, deve ela ser composta por duas partes, a primeira dirigida ao juiz do processo (o requerimento de interposição propriamente dito); a segunda, a alegação/motivação do recurso, dirigida aos juízes do tribunal superior para o qual se recorre.
E o fundamento do recurso, leia-se, nulidade da sentença recorrida, deve ser invocado na 1ª parte do requerimento, e não na parte da alegação/motivação, por razões de maior celeridade e economia processual, já que o juiz do processo pode conhecer dessa nulidade.
A novidade do acórdão nº 304/2005 do TC, em relação aos anteriores, reside na declaração de inconstitucionalidade do art. 77º, nº 1, do CPT, apenas quando interpretado no sentido de que o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior – sublinhado nosso.
Assim, subscrevendo-se esta fundamentação por manter inteira validade, é necessário que, no requerimento de interposição de recurso, se invoquem as nulidades de forma clara, explícita e concreta, fundamentando-as, para possibilitar ao juiz recorrido a sua apreciação, suprindo-a, caso assim o entenda, antes da subida do recurso.
No caso concreto, como se disse, o procedimento utilizado pela recorrente, para a arguição da citada nulidade, não está de acordo com o legalmente exigido, em processo de trabalho, excluindo do requerimento de interposição do recurso qualquer referência à alegada nulidade do despacho.
Não deve pois conhecer-se da mencionada nulidade, uma vez que, não tendo sido dado cumprimento ao estabelecido no art. 77º, nº 1, do CPT, a sua arguição é extemporânea.
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3.2. Exigibilidade da taxa de justiça subsequente e a correspondente multa, por tardio cumprimento da obrigação e ocorrência in casu da alegada excepção de litispendência.
A decisão recorrida tem a seguinte fundamentação:
«Alega a Ré que não é devida taxa subsequente nos termos do art. 26° n.º 1 do CCJ, uma vez que não se realizou qualquer audiência preliminar, mas apenas uma audiência de partes e que a exigibilidade da taxa de justiça simultaneamente com a taxa de justiça inicial, viola o principio previsto no art. 22.° do CCJ (que prevê que a taxa de justiça deva ser liquidada gradualmente).
A parte contrária, notificada, nada disse.
Decidindo.
Refere o art. 22° do CCJ que a taxa de justiça é paga gradualmente pelo (...) réu (...), nos termos dos artigos 23.° a 29.°.
O art. 26.° n.º 1 al. a) do CCJ prescreve que "o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente referida no artigo anterior é entregue ou remetido ao tribunal no prazo de 10 dias a contar:
a) da notificação para a audiência final".
Sendo que e o legislador no art. 22° que remete para o disposto no art. 26°, tendo, assim, decidido em que termos e que a taxa de justiça subsequente deve ser paga (é certo que coincidirá, no caso em apreço, com o pagamento da taxa de justiça inicial, contudo é o próprio legislador que define em que termos a taxa deve ser liquidada, pelo que o Tribunal não poderá mencionar um outro período para que seja paga a respectiva taxa).
Estipula o art. 512.°-B do CPC que se o documento não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito a secretaria notifica o interessado para, no prazo de dez dias, efectuar o pagamento omitido acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.
Ora, compulsados os autos verificamos que as partes estavam presentes na audiência de partes e que foram notificados para comparecer na data designada para a audiência final (a qual é fixada nos termos do art. 56° n.º 1 al. c) do CPT - sem prejuízo de tal data, ser eventualmente modificada, v.g., por forca do disposto no art. 155° n.º 5 do CPC).
Assim, por forca do art. 26° n.º 1 do CCJ inicia-se a obrigação de proceder ao pagamento da taxa de justiça no prazo estipulado.
Não o fazendo teria a secção de aplicar o disposto no art. 512.°-B do CPC
Pelo exposto nenhum reparo a efectuar, sendo devida a taxa de justiça subsequente, bem como a respectiva multa, sob pena do disposto no art. 512.°-B do CPC.
Custas pelo incidente a cargo da Ré, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal – art. 16.° n.º 1 do CCJ.
A Ré, na sua contestação pugna pela suspensão da presente instância atenta a existência de uma causa prejudicial entre os presentes autos e o processo que corre termos neste Tribunal sob o n° 2/08.9TTLMG.
Alega para o efeito, que na acção 2/08.9TTLMG discute-se qual o montante do vencimento do A., não existindo acordo.
Mais refere que relativamente ao peticionado no ponto 4 da sua petição inicial (o reconhecimento do salário mensal de € 679,98) ocorre uma situação de litispendência, por forca de ter sido deduzido o processo 2/08.9TTLMG.
A parte contrária pugna pelo indeferimento do requerido.
Decidindo.
Compulsados os autos 2/08.9TTLMG (proposto em data anterior aos presentes) constatamos que é peticionado as diferenças salariais reportando-se aos anos de 1987 e 2007, bem como o subsídio de férias, subsídio de Natal, bem como as férias não gozadas no ano de 2007.
Nos presentes autos o A. peticiona as diferenças salariais de Janeiro a Julho de 2008, bem como o subsídio de férias do ano de 2008.
Verificamos, assim, que o peticionado é distinto em ambas as acções.
Com efeito, em cada uma das acções é necessário averiguar qual é o salário devido em cada um dos anos.
Assim, nos presentes autos encontrando-se, no que ao caso importa, perfeitamente delimitado os anos em que se peticionam as diferenças salariais, verificamos que o que o Tribunal venha a decidir é relativamente ao que é devido em cada um dos anos (1987 a 2007 e 2008).
Pelo que inexiste identidade de pedidos, o que afasta necessariamente a existência de litispendência (cf. art. 498º, nºs 1 e 3, do CPC)».
Concordamos integralmente com esta fundamentação, por traduzir uma correcta aplicação do direito aos factos apurados.
Improcedem, pois, as conclusões do recurso.
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No tocante à questão da apensação, ela foi decidida no processo nº 2/08, e aí também objecto de recurso, pelo que infra será apreciada.
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B) Agravo interposto no processo nº 2/08.9TTLMG.
As questões suscitadas pela recorrente são:
- nulidade da decisão;
- apensação de processos;
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3.3. Nulidade da decisão.
Sustenta a recorrente a nulidade da decisão, nos termos do art. 668º, nº 1, b), do CPC, por esta não se mostrar devidamente fundamentada, no tocante à apensação decretada.
No entanto, e como resulta expressamente do seu requerimento de interposição do recurso, de fls. 337, neste, a recorrente limitou-se a interpor recurso de agravo.
Assim, aplicam-se aqui integralmente as considerações supra explanadas no anterior agravo, pelo que não se conhece da nulidade arguida.
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3.4. Apensação de processos.
A decisão recorrida ordenou a apensação dos processos em causa, para tanto, seguindo a seguinte fundamentação:
«Segundo o artigo 31.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho a apensação de acções, na jurisdição laboral, deve obedecer aos requisitos constantes do artigo 275.º do Código de Processo Civil.
Assim, segundo preceitua este último normativo, se forem propostas separadamente acções que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, será ordenada a junção delas (...), a não ser que o estado do processo ou outra razão especial tome inconveniente a apensação.
Conforme resulta do seu n.º 4, tratando-se de processos que pendam perante o juiz, pode o mesmo determina-la oficiosamente, depois de ouvidas as partes, verificados os pressupostos exigidos pelo n.º 1.
Ora, se é certo que no vertente caso não se verificam os requisitos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, uma vez que nos deparamos com duas acções propostas pelo mesmo Autor, contra a mesma Ré, emergentes do mesmo contrato de trabalho e com pedidos distintos mas dependentes, como anotam Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto (in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.P-, Coimbra Editora, 1999, pag.492), em casos como o presente, impõe-se uma interpretação extensiva do preceito, literalmente abonada pela remissão dos artigos 469.º n.º 2 e 470º, n.º 1 para o regime do artigo 31º.
Com efeito, pese embora, o n.º 1 do artigo 275.º não preveja os casos de proposicao separada, entre as mesmas partes, de acções que pudessem ser reunidas mediante cumulação de pedidos e/ou cumulação de causas de pedir, por razões de economia processual, deve facultar-se a apensação de acções, dado que as mesmas, apesar de terem sido propostas separadamente, poderiam ter sido reunidas, desde logo, no mesmo processo.
Por tudo o que se deixa dito, determino a apensação a estes autos da Acção Comum n.º 317/08.6 TTLMG, sendo certo que se encontram ambas na mesma fase processual – a da audiência final».
Concorda-se com esta fundamentação, por traduzir uma correcta aplicação do direito.
Na verdade, a interpretação extensiva, como ensinava o Prof. Dias Marques, in Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1979, edição policopiada, pag. 168, justifica-se, sempre que «ao exprimir o seu pensamento, o legislador pode ter adoptado uma fórmula que não abranja toda a categoria lógico-jurídica que pretendia alcançar, sendo lícito ao intérprete apoiar-se nos elementos extra-literais e fazer uma interpretação extensiva da lei, despojando o termo por ela usado das circunstâncias restritivas em que se encontrava gramaticalmente circunscrito e tornando-o idóneo para abranger a generalidade das relações que verdadeiramente visa atingir».
Ou seja:
Também no caso em apreço, a norma do art. 275º, nº 1, tendo em conta a sua teleologia, a ratio legis, que é, sem dúvida, a tutela da economia processual, entendemos que, perante a acção apensa, na qual foram deduzidos pedidos, susceptíveis de cumulação com a acção principal, nos termos do art. 29º do CPT, a analogia de situações justifica o recurso à interpretação extensiva para a apensação decretada.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso.
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c) Apelação do Autor
Nesta sede, as questões suscitadas são:
- a não aplicação nos autos do Contrato Colectivo de Trabalho publicado em 08.09.2001, no BTE nº 33, 1ª série, entre a E………. e o F……….., posteriormente alterado, em 15.09.2002, de acordo com o BTE, 1ª série, nº 34, ex vi da Portaria de Extensão, publicada no BTE, 1ª série, nº 42, de 15.11.2002.
- direito às diferenças salariais reclamadas.
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3.4. Aplicação do Contrato Colectivo de Trabalho publicado em 08.09.2001, no BTE nº 33, 1ª série, entre a E………. e o F………., posteriormente alterado, em 15.09.2002, de acordo com o BTE, 1ª série, nº 34, ex vi da Portaria de Extensão, publicada no BTE, 1ª série, nº 42, de 15.11.2002
A sentença recorrida recusou essa aplicação, sustentando que tal instrumento de regulamentação colectiva de trabalho não é aplicável ao Autor, porquanto está circunscrito aos trabalhadores agrícolas do concelho de Vila Real, área geográfica que não abarca o Autor que trabalha em Lamego.
Não podemos concordar.
É pacífico que, em 08.09.2001, foi publicada no BTE, 1ª série, nº 33, o Contrato Colectivo de Trabalho entre a E………. e o F………..
Neste CCT foram previstas as tabelas salariais e demais cláusulas de expressão pecuniária, tendo o autor tem o enquadramento profissional previsto no anexo I – Grau I – Caseiro e na Categoria Profissional – Definição de funções prevista no anexo II de "Caseiro" – de acordo com os factos provados supra.
Mais foi estabelecido que a remuneração mínima mensal nos termos do anexo III era o nível I – categoria profissional Caseiro – de € 555 ou 111.300$00 e ficando estabelecidos "outros valores" um subsídio de refeição fixo, por dia de trabalho, no montante de 350$00 e uma diuturnidade por cada 5 anos de período efectivo na mesma empresa, no valor de 1.200$00 mensais cada, a qual será acrescida à remuneração mensal.
Este CCT foi objecto de alteração, publicada no BTE, 1ª série, nº 34, de 15.09.2002, que fixou a remuneração mínima mensal para a categoria profissional de caseiro em € 586, o subsidio de refeição em € 4 e a diuturnidade referida no valor de € 7 mensais.
Este CCT passou a ser aplicado ao A./recorrente ex vi da Portaria de Extensão publicada no BTE, 1ª serie, nº 42 de 15.11.2002, com efeitos desde 1 de Julho de 2002.
Na verdade, nos termos do seu artigo 1º, alínea c), o estatuído em tal Contrato Colectivo de Trabalho passou, nos precisos termos aí consignados, a abranger também quer a actividade económica da Ré quer a desempenhada pelo A./recorrente, porquanto a exercia no concelho de Lamego, área do distrito de Viseu.
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3.5. Diferenças salariais.
Da decisão anterior resulta que tem razão o recorrente quando sustenta que a sentença devia ter atendido aos novos valores remuneratórios emergentes do citado CCT, com efeitos desde 1 de Julho de 2002.
Por isso, a partir de Julho de 2002, o A. tinha direito ao salário base de € 586,00, acrescido de 4 diuturnidades – a partir de Julho de 2005 tinha 5 diuturnidades – no valor de € 28 (4 x € 7), pois que entrou ao serviço da Ré em 1980, e ao subsídio de refeição de 4,00 €/dia, nos termos que se deixam a seguir indicados:
Mês/Ano/Nº Dias RetribuiçãoDiuturnidadesSubs. refeição
Julho 2002/23€ 586,004 x € 7 = € 2823 x € 4 = € 92
Agosto 2002/21€ 586,004 x € 7 = € 2821 x € 4 = € 84
Setembro/02/21€ 586,004 x € 7 = € 2821 x € 4 = € 84
Outubro/02/23€ 586,004 x € 7 = € 2823 x € 4 = € 92
Novembro/02/20€ 586,004 x € 7 = € 2820 x € 4 = € 80
Dezembro/02/21€ 586,004 x € 7 = € 2821 x € 4 = € 84
Sub.férias/02€ 586,004 x € 7 = € 28
Sub. Natal/02€ 586,004 x € 7 = € 28
Janeiro/03/22€ 586,004 x € 7 = € 2822 x € 4 = € 84
Fevereiro/03/20€ 586,004 x € 7 = € 2820 x € 4 = € 80
Março/03/20€ 586,004 x € 7 = € 2820 x € 4 = € 80
Abril/03/20€ 586,004 x € 7 = € 2820 x € 4 = € 80
Maio/03/21€ 586,004 x € 7 = € 2821 x € 4 = € 84
Junho/03/18€ 586,004 x € 7 = € 2818 x € 4 = € 72
Julho/03/23€ 586,004 x € 7 = € 2823 x € 4 = € 92
Agosto/03/20€ 586,004 x € 7 = € 2820 x € 4 = € 80
Setembro/03/21 € 586,004 x € 7 = € 2821 x € 4 = € 84
Outubro/03/23€ 586,004 x € 7 = € 2823 x € 4 = € 92
Novembro/03/20€ 586,004 x € 7 = € 2820 x € 4 = € 80
Dezembro/03/21€ 586,004 x € 7 = € 2821 x € 4 = € 84
Sub.férias/03€ 586,004 x € 7 = € 28
Sub. Natal/03€ 586,004 x € 7 = € 28
Janeiro/04/21€ 586,004 x € 7 = € 2821 x € 4 = € 84
Fevereiro/04/19€ 586,004 x € 7 = € 2819 x € 4 = € 76
Março/04/23€ 586,004 x € 7 = € 2823 x € 4 = € 92
Abril/04/21€ 586,004 x € 7 = € 2821 x € 4 = € 84
Maio/04/21€ 586,004 x € 7 = € 2821 x € 4 = € 84
Junho/04/21
Julho/04/22
€ 586,00
€ 586,00
4 x € 7 = € 28
4 x € 7 = € 28
21 x € 4 = € 84
22 x € 4 = € 88
Agosto/04/22€ 586,004 x € 7 = € 2822 x € 4 = € 88
Setembro/04/22€ 586,004 x € 7 = € 2822 x € 4 = € 88
Outubro/04/20€ 586,004 x € 7 = € 2820 x € 4 = € 80
Novembro/04/21€ 586,004 x € 7 = € 2821 x € 4 = € 84
Dezembro/04/21€ 586,004 x € 7 = € 2821 x € 4 = € 84
Sub. Férias/04€ 586,004 x € 7 = € 28
Sub. Natal/04€ 586,004 x € 7 = € 28
Janeiro/05/21€ 586,004 x € 7 = € 2821 x € 4 = € 84
Fevereiro/05/20€ 586,004 x € 7 = € 2820 x € 4 = € 80
Março/05/22€ 586,004 x € 7 = € 2822 x € 4 = € 88
Abril/05/20€ 586,004 x € 7 = € 2820 x € 4 = € 80
Maio/05/21€ 586,004 x € 7 = € 2821 x € 4 = € 84
Junho/05/20€ 586,004 x € 7 = € 2820 x € 4 = € 80
Julho/05/21€ 586,004 x € 7 = € 2821 x € 4 = € 84
Agosto /05/22€ 586,005 x € 7 = € 3522 x € 4 = € 88
Setembro/05/21€ 586,005 x € 7 = € 3521 x € 4 = € 84
Outubro/05/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Novembro/05/21€ 586,005 x € 7 = € 3521 x € 4 = € 84
Dezembro/05/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Sub. Férias/05€ 586,004 x € 7 = € 35
Sub. Natal/05€ 586,005 x € 7 = € 35
Janeiro/06/22€ 586,005 x € 7 = € 3522 x € 4 = € 88
Fevereiro/06/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Março/06/23€ 586,005 x € 7 = € 3523 x € 4 = € 92
Abril/06/18€ 586,005 x € 7 = € 3518 x € 4 = € 72
Maio/06/22€ 586,005 x € 7 = € 3522 x € 4 = € 88
Junho/06/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Julho/06/21€ 586,005 x € 7 = € 3521 x € 4 = € 84
Agosto /06/22€ 586,005 x € 7 = € 3522 x € 4 = € 88
Setembro/06/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Outubro/06/21€ 586,005 x € 7 = € 3521 x € 4 = € 84
Novembro/06/21€ 586,005 x € 7 = € 3521 x € 4 = € 84
Dezembro/06/18€ 586,005 x € 7 = € 3518 x € 4 = € 72
Sub. Férias/06€ 586,005 x € 7 = € 35
Sub. Natal/06€ 586,005 x € 7 = € 35
Janeiro/07/22€ 586,005 x € 7 = € 3522 x € 4 = € 88
Fevereiro/07/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Março/07/23€ 586,005 x € 7 = € 3523 x € 4 = € 92
Abril/07/18€ 586,005 x € 7 = € 3518 x € 4 = € 72
Maio/07/22€ 586,005 x € 7 = € 3522 x € 4 = € 88
Junho/07/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Julho/07/21€ 586,005 x € 7 = € 3521 x € 4 = € 84
Agosto /07/22€ 586,005 x € 7 = € 3522 x € 4 = € 84
Setembro/07/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Outubro/07/22€ 586,005 x € 7 = € 3522 x € 4 = € 88
Novembro/07/21€ 586,005 x € 7 = € 3521 x € 4 = € 84
Dezembro/07/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Sub. Férias/07€ 586,005 x € 7 = € 35
Sub. Natal/07€ 586,005 x € 7 = € 35
Janeiro/08/23€ 586,005 x € 7 = € 3523 x € 4 = € 92
Fevereiro/08/21€ 586,005 x € 7 = € 3521 x € 4 = € 84
Março/08/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Abril/08/22€ 586,005 x € 7 = € 3522 x € 4 = € 88
Maio/08/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Junho/08/19€ 586,005 x € 7 = € 3519 x € 4 = € 76
Julho/08/23€ 586,005 x € 7 = € 3523 x € 4 = € 92
Agosto /08/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Setembro/08/21€ 586,005 x € 7 = € 3521 x € 4 = € 84
Outubro/08/23€ 586,005 x € 7 = € 3523 x € 4 = € 92
Novembro/08/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Dezembro/08/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Sub. Férias/08€ 586,005 x € 7 = € 35
Sub. Natal/08€ 586,005 x € 7 = € 35
Janeiro/09/21€ 586,005 x € 7 = € 3521 x € 4 = € 84
Fevereiro/09/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Março/09/22€ 586,005 x € 7 = € 3522 x € 4 = € 88
Abril/09/21€ 586,005 x € 7 = € 3521 x € 4 = € 84
Maio/09/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Junho/09/20€ 586,005 x € 7 = € 3520 x € 4 = € 80
Julho/09/23€ 586,005 x € 7 = € 3523 x € 4 = € 92
Agosto /09/21€ 586,005 x € 7 = € 3521 x € 4 = € 84
Setembro/09/21€ 586,005 x € 7 = € 3521 x € 4 = € 84
Sub. Férias/09€ 586,005 x € 7 = € 35
Sub. Natal/09€ 586,005 x € 7 = € 35
Considerando os factos provados supra transcritos, sob os nºs 41 a 46 e 76 e 77, com os valores remuneratórios constantes do gráfico que antecede, resultam para o recorrente as seguintes diferenças salariais:
- Em 2002:
- de Janeiro a Julho, a quantia de € 1.188,42;
- de Julho a Dezembro, a quantia de € 4.228;
- Em 2003: € 7.488;
- Em 2004: € 7.588;
- Em 2005: € 7.541;
- Em 2006: € 7.586;
- Em 2007: € 7.594;
- Em 2008: € 6.125,58;
- Em 2009 (de Janeiro a Setembro): € 2.966,23,
Perfazendo o sub-total de € 52.205,23.
É certo que o A., só em sede de recurso, reclamou o pagamento de diuturnidades a partir de Julho de 2002, não o tendo efectuado na petição inicial.
Tal pretensão é válida nos termos do art. 74º do CPT.
Como é sabido, as diuturnidades constituem complementos pecuniários estabelecidos para compensar a permanência do trabalhador na mesma empresa ou categoria profissional, e têm como razão de ser a inexistência ou dificuldade de acesso a escalões superiores.
Assim, vencidas, nos termos convencionalmente fixadas, o montante das diuturnidades, que tem carácter regular e certo, integra-se no vencimento como parcela a somar ao salário base, gozando, por isso, da protecção própria inerente à retribuição – art. 250.º, n.º 2, al. b) do CT de 2003.
É vasta a jurisprudência e doutrina de onde ressalta que é de entender como direito de existência e exercício necessário e absoluto o direito ao salário na vigência do contrato, características essas não subsistentes, se o direito ao salário for exercido após a vigência do contrato – cf., entre outros, o acórdão do STJ, de 31.10.2007, in www.dgsi.pt.
Estando o contrato de trabalho ainda vigente, nada impede, assim, que o direito às diuturnidades seja agora oficiosamente considerado nos termos do disposto no citado art. 74º, que prevê expressamente a "condenação extra vel ultra petitum", pois in casu, manifestamente, do que se trata é, ainda, do direito ao salário garantido pelo instrumento de regulamentação colectiva, que é, assim, um preceito inderrogável.
Consequentemente face ao exposto supra, deve também ser reconhecido ao autor actualmente o direito a uma retribuição mensal de € 586,00, que corresponde ao salário base, acrescido de 5 diuturnidades no valor de € 35 (5 x 7) e € 4,00, de subsídio de refeição por dia de trabalho.
Procedem, assim, as conclusões do recurso.
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Importa, agora, atender às diferenças salariais, relativas ao período de 1987 a 2001, e que a sentença declarou serem de € 18.753,58, segmento este que não foi impugnado.
Na verdade, a Ré, como veremos a seguir, apenas sustenta que a tais diferenças deve ser deduzido o valor do alojamento atribuído ao Autor, e por outro lado que se verifica abuso de direito na conduta daquele.
Assim, a título de diferenças salariais, ao recorrente é devida a quantia global de € 70.958,81.
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D) Apelação da Ré.
Esta suscitou as seguintes questões:
- Dedução, como retribuição, do valor do alojamento do Autor;
- Abuso de direito.
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Pretende a Ré ter o direito de descontar no salário devido mensalmente ao apelado o valor correspondente à habitação – casa do caseiro – atribuída a este último, por advir exclusivamente do contrato de trabalho e constituir uma prestação em espécie que está obrigada a pagar ao Apelado como contrapartida do seu trabalho, integrando, por isso, o conceito legal de retribuição.
Mais sustenta a existência de abuso de direito na conduta do recorrente.
Nesta parte, a sentença recorrida recusou tal direito e negou a existência de abuso de direito, com a seguinte fundamentação:
«Dispunha o artigo 82° do Decreto-lei n° 49 408, de 24 de Novembro, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho, em vigor à data da celebração do contrato do autor como caseiro da quinta, que:
"1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador".
O mesmo regime transitou para o artigo 249°, do Código de Trabalho, aprovado pela Lei no 99/2003, de 27 de Agosto, bem como para o artigo 258°, do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n° 7/2009, de 12 de Fevereiro.
Resulta do contrato de trabalho, junto aos autos a fls. 17, que durante a vigência do contrato o caseiro tem direito a residir, com o seu agregado familiar, na casa existente na quinta conhecida por "casa do caseiro", a título gratuito.
Ora, sendo tal direito a titulo gratuito conclui-se que o mesmo não Integra a retribuição do trabalhador pois que se fosse essa a intenção da entidade empregadora tê-lo-ia dito expressamente, ou nada diria, caso em que haveria uma presunção legal de que tal direito constituía retribuição do Autor.
Assim, não fazendo tal direito parte da retribuição do Autor não pode a entidade empregadora descontar no salário devido mensalmente o valor correspondente a tal habitação, nos termos previstos nos artigos 1°, n° 3 e 4, do Decreto-lei n° 69-A/87, de 9 de Fevereiro, e nos diplomas que posteriormente fixam a retribuição mínima mensal garantida, em conformidade com o disposto nos artigos 266°, do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n° 99/2003, de 27 de Agosto e 274°, do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n° 7/2009, de 12 de Fevereiro.
Alega a Ré que o Autor ao reivindicar actualizações salariais desde 1987 sem que alguma vez o tenha feito antes ou demonstrado insatisfação com a retribuição paga actua com abuso de direito.
Dispõe o artigo 334°, do Código Civil, sob a epigrafe "abuso de direito" que é "ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econ6mico desse direito".
O abuso de direito constitui uma fórmula tradicional para exprimir a ideia do exercício disfuncional de posições jurídicas, isto é: do exercício concreto de posições jurídicas que, embora correcto em si, acabe por contundir com o sistema jurídico na sua globalidade.
O primeiro tipo de actos abusivos organiza-se em torno da locução "venire contra factum proprium" pois que baseado no principio da confiança surge como mediação entre a boa fé e o caso concreto exigindo a protecção de pessoas que, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas.
No caso dos presentes autos estamos em crer que o facto de o Autor nunca antes ter reclamado as actualizações salariais nem demonstrado desagrado com a retribuição que lhe era paga não pode legitimar a confiança da Ré na manutenção de um estado de coisas por si criado (e não pelo Autor).
Note-se que estamos no âmbito de uma relação laboral onde se verifica um desequilíbrio entre as partes a gerar, por certo, um temor reverencial do Autor perante a entidade empregadora, para a qual sempre trabalhou, em cuja quinta sempre viveu, mesmo antes de trabalhar para a Autora, a que não é alheia a idade do Autor e a dificuldade senão mesmo impossibilidade de obter outro emprego acaso perdesse o que tem.
Concluímos, por isso, que o Autor não age com abuso de direito ao reivindicar as actualizações salariais desde 1987».
Concorda-se, no essencial, com esta fundamentação, por traduzir uma correcta aplicação do direito aos factos provados.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso.
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4. Atento o exposto, e decidindo:
Acorda-se em, negando provimento ao recurso da Ré, conceder provimento ao recurso do Autor, assim revogando a sentença recorrida, na parte impugnada, e condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia global de € 70.958,81 (setenta mil, novecentos e cinquenta e oito euros e oitenta e um cêntimos), acrescida dos juros legais de mora, desde a citação.
Custas em ambos os recursos pela ré.
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Porto, 24.01.11
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
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Sumário elaborado pelo relator:
I- É aplicável à relação laboral estabelecida entre o caseiro de uma Quinta Agrícola e a sua empregadora (que explora aquela Quinta) o CCT celebrado entre a E………. e o F………., publicado no BTE nº 33, 1ª série, posteriormente alterado, de acordo com o BTE, 1ª série, nº 34, ex vi da Portaria de Extensão, publicada no BTE, 1ª série, nº 42, de 15.11.2002, uma vez que, nos termos do artigo 1º, alínea c), desta Portaria, quer a actividade económica da empregadora quer a desempenhada pelo trabalhador se localizam numa das áreas geográficas ali contempladas.
II- Vencidas as diuturnidades, nos termos convencionalmente fixadas, o seu montante, que tem carácter regular e certo, integra-se no vencimento como parcela a somar ao salário base, gozando, por isso, da protecção própria inerente à retribuição – art. 250.º, n.º 2, al. b), do CT de 2003.
III- Estando o contrato de trabalho ainda vigente, nada impede, assim, que o direito às diuturnidades seja oficiosamente considerado nos termos do disposto no citado art. 74º, que prevê expressamente a "condenação extra vel ultra petitum", pois in casu, manifestamente, do que se trata é, ainda, do direito ao salário garantido pelo instrumento de regulamentação colectiva, que é, assim, um preceito inderrogável.
IV- Resultando do contrato de trabalho que, durante a vigência do contrato, o trabalhador/caseiro tinha direito a residir, com o seu agregado familiar, na casa existente na quinta conhecida, a título gratuito, conclui-se que o alojamento não Integra a retribuição do trabalhador, não podendo a entidade empregadora descontar no salário devido mensalmente o valor correspondente a tal habitação.

José Carlos Dinis Machado da Silva