Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
397/12.0TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
INADMISSIBILIDADE
PAGAMENTO DE RENDAS
GARANTIA BANCÁRIA
RENUNCIA TÁCITA
INDEMNIZAÇÃO
MORA DO PAGAMENTO DE RENDAS
RELEVÂNCIA
Nº do Documento: RP20131218397/12.0TVPRT.P1
Data do Acordão: 12/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O pagamento da renda é co-natural do arrendamento, pelo que não cabia à locatária condicionar o pagamento das rendas devidas até ao fim da relação contratual, por denúncia da locatária, à devolução de uma garantia bancária, que tinha por objecto as referidas rendas, na sua totalidade, garantia essa prevista no contrato.
II – Não implica renúncia tácita ao direito a receber indemnização pela mora no pagamento das rendas a recíproca entrega de coisas, titulando direitos no âmbito de determinado contrato, pois não posterga o exercício ou a exigência de outras prestações, derivadas do contrato.
III – Designadamente, o recebimento de rendas vencidas, não implica renúncia tácita à indemnização por mora a que alude o disposto no artº 1041º nº1 CCiv.
IV – O Direito não proíbe, de forma genérica, os comportamentos contraditórios, que, por esse simples facto, não podem implicar uma classificação como venire contra factum proprium; apenas circunstâncias especiais podem implicar tal classificação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec. 397/12.0TVPRT.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Desembargadores Maria Eiró e João Proença Costa. Decisão recorrida de 16/7/2013.

Acórdão do Tribunal da Relação de Porto

Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo especial civil experimental nº 397/12.0TVPRT, da 1ª Vara Cível da Comarca do Porto.
Autora – B…, S.A.
Ré – C…, Ldª.

Pedido
a) Que a Ré seja condenada apagar à Autora a quantia de € 19.756,87, a título de indemnização pelo atraso no pagamento de rendas.
b) Que a Ré seja condenada a pagar à Autora a quantia de € 166.000,00 a título de indemnização pelo custo que terá de suportar com a demolição das construções existentes no seu imóvel.
c) Que a Ré seja condenada a pagar à Autora a quantia de € 819.000,00, a título de indemnização pelo custo que terá de suportar com a construção do hipermercado.
Que a Ré seja ainda condenada a pagar à Autora os juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a data da citação da Ré, até efectivo e integral pagamento.
Pedido Reconvencional
a) Que se declare nulo o contrato celebrado entre a Autora e D…, em cuja posição a Ré sucedeu, por impossibilidade legal do objecto do contrato, nos termos do artº 280º CCiv, com as consequências legais.
b) Subsidiariamente, que se declare nulo o contrato celebrado entre a Autora e D…, em cuja posição a Ré sucedeu, por falta de licença de utilização para o fim pretendido, nos termos do artº 5º nº8 D-L nº160/2006, com as consequências legais.
c) Em qualquer caso, que seja a Autora condenada a restituir à Ré o montante global de € 788.573, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

Tese da Autora
É dona de três prédios urbanos, que deu de arrendamento em 20/9/2006, por prazo certo a D…, entidade que, após, veio a ceder a posição contratual respectiva à ora Ré.
A Ré denunciou o contrato com efeitos a partir do final de Março de 2011, mas não pagou à Autora as rendas de Janeiro a Março desse ano, na data do vencimento da obrigação, apenas o tendo feito em 4/4/2011.
O contrato obrigava a arrendatária a proceder à demolição das construções existentes nos três prédios urbanos, bem como a construir de raiz uma loja de produtos alimentares e seu logradouro, para parqueamento automóvel, o que não fez.
Tese da Ré
O objecto do arrendamento (loja de produtos alimentares e outros) era inexistente, à data do contrato, o que implicava a respectiva nulidade – artº 280º CCiv.
O contrato terá visado constituir um direito de superfície, mas, ainda assim, é nulo, por falta de forma.
O contrato também é nulo porque, à data dói mesmo, não existia licença de utilização do prédio para o fim pretendido.
A Ré sempre se disponibilizou ao pagamento das rendas, que a Autora recusou, sem motivo justificado, pelo que foi a Autora que incorreu em mora.
Nem a Ré cessionária, nem a cedente, que celebrou o contrato, se obrigaram a efectuar quaisquer obras no arrendado, as quais também não poderiam ser classificadas como benfeitorias.

Sentença Recorrida
Na sentença proferida pelo Mmº Juiz “a quo”, a Ré foi condenada a pagar à Autora a quantia de € 19.576,87, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a citação, até efectivo pagamento.
Autora e Ré foram absolvidas do demais peticionado.

Conclusões do Recurso de Apelação da Ré:
1. Na presente ação declarativa a Autora/Recorrida, pediu a condenação da Ré/Recorrente, no pagamento, entre outros, do montante €…19.756,87 (dezanove mil, setecentos e cinquenta e seis euros, e oitenta e sete cêntimos) a título de indemnização por alegada mora no pagamento de rendas.
2. Em contestação, a Recorrente invocou a nulidade do contrato e, em alternativa, no que agora interessa, o facto de não ter existido mora no pagamento das rendas.
3. Não obstante, o Douto Tribunal a quo considerou a ação parcialmente procedente, tendo condenado a Recorrente no pagamento de €…19.756,87 (dezanove mil, setecentos e cinquenta e seis euros, e oitenta e sete cêntimos) a título de indemnização pela alegada mora no pagamento de rendas.
4. O facto controvertido n.º 13 foi dado como não provado, porquanto, no entendimento do Meritíssimo Juiz a quo a Ré não logrou produzir prova consistente sobre tal matéria, tendo fundamentado a sua resposta apenas nas declarações das testemunhas E… e F… e ignorando a prova documental constante dos autos.
5. Tendo em consideração a prova documental constante dos autos e, inclusivamente, da matéria assente sob as alíneas F) e G), outra deverá ser a resposta ao referido facto controvertido.
6. Atento o teor do último parágrafo da carta datada de 18/11/2010 que a Ré enviou à Autora, não resta qualquer dúvida que a Ré ofereceu, por escrito, à Autora o pagamento das rendas em questão no final do mês de Novembro de 2010.
7. No que se refere à recusa da Autora em receber as rendas em falta e a devolver a Garantia Bancária, veja-se:
- a missiva da Autora, subscrita pelo seu mandatário, de 20/12/2010, nomeadamente o último parágrafo, onde refere que relativamente à carta da Ré de 18/11/2010 “(...) a mesma encontra-se em consideração” e que a sua cliente tomará posição assim que entender oportuno; e
- a carta datada de 10/01/2011, igualmente subscrita pelo seu mandatário, onde, no segundo parágrafo se afirma o seguinte: “Serve ainda a presente para informar V. Exas. que a minha cliente apenas aceita entregar a garantia bancária n.º …….., emitida sobre o G…, no termo do contrato de arrendamento ou seja no final do mês de Março de 2011, contra a entrega das chaves do locado e ainda de todos os montantes em débito.”
8. Ora, atendendo ao teor das mencionadas missivas entendemos que a Autora recusou expressamente o recebimento das rendas em falta, uma vez que não aceitou entregar a garantia bancária contra o recebimento das rendas, apenas se disponibilizando a entregá-la no termo do contrato; recusando-se a colaborar com o devedor sem qualquer justificação.
9. Em face de todo o exposto, entendemos que o facto controvertido sob o n.º 13 foi erradamente dado como não provado, devendo alterar-se a resposta dada ao referido facto para provado, com base na prova documental constante das alíneas F) e G) dos factos assentes, nomeadamente nas cartas datadas de 18/11/2010, 20/12/2010 e 10/01/2011.
10. O Tribunal a quo entendeu que a ora Recorrente se constituiu em mora debitoris, por não ter pago as rendas em falta no prazo devido, rejeitando a existência de mora creditoris, invocada pela Recorrente e, em consequência, condenou a Recorrente no pagamento da indemnização prevista no artigo 1041.º, n.º 1, do CC.
11. A Recorrente entende que o Douto Tribunal a quo incorreu em error in judicando, tendo existido uma errada aplicação do disposto no artigo 813.º do C.C., quando concluiu pela procedência do pedido de indemnização da Recorrida por alegada mora no pagamento de rendas, devendo tal decisão ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente de tal pedido.
12. O Tribunal a quo entendeu não se verificar no caso uma “omissão injustificada (culposa ou não) pelo credor da sua cooperação necessária para o cumprimento”, que configura a mora do credor, nos termos do artigo 813.º do CC.
13. Porém, atenta a prova documental já referida e constante da matéria assente não há qualquer dúvida que através da carta de 18/11/2011 (fls. 39 e seguintes), a Recorrente, cumulativamente com o pré-aviso de denúncia do contrato, disponibilizou, desde logo, o pagamento das rendas em falta para completar as cinco anuidades que haviam sido acordadas contratualmente como período mínimo de duração do contrato, pedindo, em contrapartida, que lhe fosse devolvido o original da garantia bancária. Em momento algum, a Recorrente menciona na aludida carta que a contrapartida da devolução do original da garantia bancária consubstanciava uma condição prévia ao pagamento das rendas. De facto, a Recorrente apenas fez menção ao seu direito a reaver a garantia bancária após pagar as cinco primeiras anuidades do contrato (conforme dispõe, aliás, o artigo 654.º do CC).
14. De todo o modo, uma vez paga a totalidade das rendas devidas nos cinco primeiros anos de duração mínima do contrato, a garantia extinguir-se-ia (cfr. ponto 5.5 do contrato, junto aos autos a fls. 25 e seguintes), pelo que não se percebe de que forma pode ter-se como justificada uma recusa em entregar o original da garantia, contra o pagamento das rendas em falta para completar as cinco anuidades mínimas.
15. Como decorre clara e expressamente das missivas da Recorrida de 20/12/2010 e de 10/01/2011 constantes da alínea G) da matéria assente, esta recusou, sem qualquer justificação, a entrega da garantia bancária contra o pagamento imediato das rendas, afirmando que só a entregaria no termo do contrato, pelo que não resta qualquer dúvida quanto à sua não colaboração para com o devedor, constituindo-se em mora creditoris nos termos do disposto no artigo 813.º do CC.
16. Com efeito, na sua carta datada de 20/12/2010, em resposta à missiva da Recorrente de 18/11/2010, a Recorrida limita-se a comunicar que a mesma se encontra em consideração e que, oportunamente, tomará posição.
17. Ora, sendo a denúncia do contrato livre, a única questão que a Recorrida poderia ter para ponderar (como afirmou estar a fazer) era a relativa à disponibilização imediata e antecipada do pagamento das rendas em falta e a respetiva devolução da garantia bancária.
18. Na sua carta datada de 10/01/2011, a Recorrida, finalmente, tomou uma posição expressa quanto à carta de denúncia e disponibilização de pagamento de 18/11/2010, afirmando, expressamente, que “apenas aceita entregar a garantia bancária n.º …….., emitida sob o G…, no termo do contrato de arrendamento ou seja no final do mês de Março de 2011, contra a entrega das chaves do locado e ainda de todos os montantes em débito”.
19. Atendendo ao conteúdo das mencionadas missivas da Recorrida, esta foi a única responsável pelo protelamento do pagamento, pelo que não pode considerar-se que a Recorrente se tenha constituído em mora, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 804.º do C.C. o qual deverá ser aplicado à situação sub judice.
20. No dia 04/04/2011 a Recorrente procedeu ao pagamento das rendas, cumulativamente com a entrega do locado, tendo a Recorrida dado a respetiva quitação e devolvido a garantia bancária. Disto foi elaborado o Protocolo de Entrega junto aos autos a fls. 141 e seguintes, no qual a Recorrida não fez constar nenhuma menção a qualquer indemnização por alegada mora no pagamento das rendas, porquanto bem sabia que a mesma não lhe era devida. Se assim não tivesse entendido, e atendendo a toda a cautela demonstrada no processo, e que supra se explanou nas nossas alegações, a Recorrida, certamente, teria feito valer a sua posição, designadamente exigindo que do protocolo ficasse a constar a alegada obrigação de indemnizar por parte da Recorrente e, até, usando do seu direito de retenção sobre a garantia bancária. Contudo, a Recorrida nada fez, nada disse, nada exigiu.
21. O Douto Tribunal a quo entendeu que “a celebração do protocolo que se mostra junto a fls. 141 e 142 dos autos não consubstancia um comportamento concludente de renúncia por parte da autora com relação à indemnização devida pela falta de pontual pagamento das aludidas rendas, sendo que o facto de ter recebido entretanto as rendas em questão não a priva do direito a essa indemnização (cfr. n.º 4 do artigo 1041.º do CC).”
22. Salvo o devido respeito, no entendimento da Recorrente, a decisão do Meritíssimo Juiz a quo, no que respeita a decorrência jurídica do protocolo não nos parece, de modo algum aceitável, atentas as circunstâncias em que o mesmo foi celebrado e o seu conteúdo, violando a decisão a quo o disposto no artigo 813.º e 804, n.º 2 do C.C., havendo, in casu, uma clara mora do credor, que o impede de reclamar qualquer indemnização moratória, independentemente, até, do estabelecido no Protocolo de Entrega dos prédios locados.
23. Acresce que, conforme consta expressamente do mencionado Protocolo o contrato de arrendamento cessou em 31 de março de 2011, pelo que a celebração do mesmo, no dia 04/04/2011, destinou-se a regular os termos da extinção da relação contratual que existia.
24. Como doutamente afirma o Prof. João Calvão da Silva no Parecer junto aos autos em 28/01/2013 no que se refere o alcance e sentido do Protocolo:
“(...) a relação contratual extingue-se nos termos nele vertidos” devendo esse conteúdo declaracional corporizado no Protocolo de Entrega, “(...) valer segundo a doutrina da impressão do destinatário razoável consagrada nos arts. 236.º e sgs. do Código Civil.” Realçando que “(...) o fim do "Protocolo de Entrega" não é fazer cessar o contrato de 20 de Outubro de 2006, pois este já havia cessado em 31 de Março de 2011 por força da denúncia como se reconhece na Cláusula Primeira do Protocolo de Entrega.” E, que “(...) o comportamento das partes antes da entrega do "Protocolo de Entrega" constitui importante coeficiente atendível para a interpretação.” Salientando ser “(...) naturalíssimo o condicionamento desse pagamento à entrega do original da garantia bancária autónoma prestada precisamente para assegurar o cumprimento dessa dívida de cinco unidades de rendas” sendo justificado e lícito o condicionamento do pagamento antecipado de rendas ("vincendas") à entrega do original da garantia bancária prestada. Mais refere que, tendo o locador entregue a garantia bancária contra o pagamento das rendas em falta dando a respetiva quitação depois do que havia anteriormente reclamado, “Outro sentido não pode ser tirado por um declaratário normal e razoável deste comportamento complexivo do locador: reclama em 10 de Janeiro e em 10 de Fevereiro de 2011 indemnização moratória de três meses de rendas vencidas, sem a qual não entregará a garantia bancária e instaurará ação judicial; e logo de seguida, em 4 de Abril de 2011, entrega a garantia bancária contra o pagamento dessas três rendas vencidas (sem a indemnização moratória) e das vincendas que completam as cinco anuidades garantidas pelo contrato, dando a respetiva quitação, e recebendo os locados na situação em que se encontravam nesse momento livres de pessoas e bens.”
25. Por fim, ainda que se entendesse, como o fez o Tribunal a quo, que o Protocolo de Entrega não pode ser lido como renúncia ao direito de indemnização moratória, o que apenas se concede como mera hipótese académica, sempre se deveria considerar, ao abrigo do disposto no artigo 334.º do CC, que tal situação configuraria um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, pois com a celebração do Protocolo, com o pagamento das rendas em falta e a devolução da garantia bancária a Recorrida convenceu-se e formou a expectativa legítima que nada mais era devido.
26. Face a todo o exposto, e em conclusão, deveria o Douto Tribunal a quo ter decidido no sentido da inexistência de mora no pagamento das rendas de janeiro, fevereiro e março de 2011, cujo pagamento já havia sido disponibilizado em novembro de 2010 pela Recorrente, o qual só não foi efetivado por causa imputável à Recorrida, que incorreu, assim, em mora creditoris.
27. Em todo o caso, ainda que essa mora existisse, o que só por hipótese académica e ad cautelam se admite, sempre deveria entender-se que o direito da Recorrida em exigir o pagamento da indemnização respetiva se encontraria vedado por força de claro abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Por contra-alegações, a Autora pugna pela confirmação do julgado.

Factos Provados
1º- A Autora é proprietária de três prédios urbanos sitos na Rua …, freguesia …, Concelho do Porto, descritos na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob os números 48.359, 48.360 e 54.671 e inscritos na respectiva matriz predial urbana sob os artigos 8340, 1794 e 9344 (alínea A) da matéria de facto assente).
2º- Em 20.10.2006, a Autora (sob a designação de H…, Lda) e a sociedade D…, Lda, celebraram o contrato que se mostra junto de fls. 25 a 30 dos autos (alínea B) da matéria de facto assente).
3º- A sociedade D…, Lda remeteu à autora, que recebeu, a carta datada de 14.05.2008, que se mostra junta, por cópia, a fls. 31 dos autos (alínea C) da matéria de facto assente).
4º- Em 14.08.2008, a sociedade I…, Lda, alterou a sua denominação social para C…, Lda. (alínea D) da matéria de facto assente).
5º- Em 15.02.2010, a Autora alterou a sua designação social de H…, Lda, para B…, S.A. (alínea E) da matéria de facto assente).
6º- A Ré enviou à autora, que recebeu, a carta datada de 18.11.2010 que se mostra junta a fls. 39 e seguinte (alínea F) da matéria de facto assente).
7º- Foram enviadas à ré, que recebeu, as missivas que se mostram juntas a fls. 41, 43, 44, 46, 48, 49, 58 e 59 dos autos (alínea G) da matéria de facto assente).
8º- A Ré pagou à Autora as “rendas” referentes aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2011, no valor global de € 39.513,75 (trinta e nove mil quinhentos e treze euros e setenta e cinco cêntimos), no dia da entrega dos imóveis referidos em 1º, que ocorreu no dia 04 de Abril de 2011 (alínea H) da matéria de facto assente).
9º- Foi firmado entre autora e ré o protocolo que se mostra junto a fls. 141 e 142 dos autos (alínea I) da matéria de facto assente).
10º- A autora recebeu a importância mencionada no cheque que se mostra junto, por cópia, a fls. 143 dos autos (alínea J) da matéria de facto assente).
11º- A ré pagou à autora, no período compreendido entre Outubro de 2006 a Outubro de 2011, “rendas” no valor global de € 769.860,00 (setecentos e sessenta e nove mil oitocentos e sessenta euros) (alínea L) da matéria de facto assente).
12º- Por força do contrato referido em 2º a Ré assumiu a responsabilidade pelo pagamento e suporte de toda e quaisquer despesas ou responsabilidades inerentes ao licenciamento e a todas as obras de demolição e construção de tal hipermercado, assim como ao emparcelamento dos três prédios urbanos e mudança da sua finalidade (resposta ao facto controvertido nº 3).
13º- Ficando ainda acordado que, findo o contrato referido em 2º, todas as obras efectuadas nos imóveis identificados em 1º ficariam a fazer parte integrante dos mesmos, não assistindo à Ré, por causa delas, qualquer indemnização (resposta ao facto controvertido nº 4).
14º- As partes outorgantes no contrato a que se alude em 2º convencionaram uma carência de 30 dias no pagamento da primeira renda, estipulando ainda que o valor da renda mensal se cifraria no montante de € 12.500,00, o qual não seria objecto de actualização durante o período de dois anos, desde a data da celebração desse contrato (resposta aos factos controvertidos nºs 6 e 7).
15º- A ré não deu seguimento ao projecto de arquitectura do hipermercado, aprovado pela Câmara Municipal …, em 28 de Maio de 2008, tendo deixado caducar o respectivo alvará (resposta ao facto controvertido nº 9).
16º- O custo da remoção das paredes de alvenaria e tijolo, revestimento de coberturas em telha e fibrocimento, asnas em madeira e metálicas, revestimento de pavimentos, serralharias, incluindo o seu transporte para vazadouro licenciado cifra-se no montante de € 166.000,00 (cento e sessenta e seis mil euros) (resposta ao facto controvertido nº 11).
17º- A construção do hipermercado nos moldes estabelecidos no respectivo projecto de arquitectura e memória descritiva, aprovados pela Câmara Municipal …, cifra-se no montante de € 819.000,00 (oitocentos e dezanove mil euros) (resposta ao facto controvertido nº 12).
18º- A Ré procedeu a obras de manutenção das construções existentes, tendo em vista impedir a sua ruína com perigo para terceiros, e procedeu, ainda, à limpeza dos terrenos por questões de saúde pública, no que despendeu a quantia de € 13.728,00 (resposta ao facto controvertido nº 14).
19º- Para reforçar a segurança de um telhado, despendeu a quantia de € 600,00 (resposta ao facto controvertido nº 15).
20º- Com reparações na fachada, e no interior da casa de um vizinho contíguo às instalações referidas em 1º despendeu as quantias de € 950,00 (com os serviços prestados na fachada da casa) e de € 1.800,00 (com os serviços prestados na interior da casa) (resposta ao facto controvertido nº 16).
21º- Com os trabalhos de limpeza do terreno, nomeadamente corte da mata, despendeu a quantia global de € 1.635,00 (resposta ao facto controvertido nº 17).
22º- A situação física dos prédios referidos em 1º, à data da celebração do contrato referido em 2º, era do conhecimento da sociedade D…, Ldª (resposta ao facto controvertido nº 18).

Fundamentos
A questão colocada pelas doutas alegações de recurso consiste em conhecer do bem fundado da condenação, proferida que foi a título de indemnização pela mora no pagamento de rendas (incidentalmente conhecendo do bem fundado da resposta ao quesito 13º, tendo em conta a matéria assente sob as alíneas F e G).
No caso de se não entender ter existido uma renúncia da Autora ao direito de indemnização moratória, então saber se essa Autora age em abuso de direito, por venire contra factum proprium.
Apreciemos tais questões.
I
Em primeiro lugar, há que esclarecer que inexiste qualquer espécie de contradição entre a resposta ao quesito 13º e o teor da correspondência trocada entre as partes, correspondência esta que é consensual e, como tal, foi levada à Especificação.
Perguntava-se aí se, na sequência da carta aludida em F), a Autora não aceitou receber o pagamento das rendas em falta, nem a devolver o original da garantia bancária.
Ora, que a Autora aceitava receber esse montante (ao contrário do perguntado) decorre do facto de que as cartas invocadas e levadas à Especificação até exigem o pagamento do montante dessas rendas, para além da indemnização pela mora, que se não encontra em causa no quesito.
Também não é exactamente conforme com os documentos especificados dizer que a Autora “não aceitou devolver o original da garantia bancária”. Na carta de fls. 43, a Autora aceitava devolver a garantia bancária, no termo do contrato de arrendamento, contra a entrega das chaves do locado e de todos os montantes em débito.
O protocolo de entrega (fls. 141 e 142) consagrou, de resto, quer a aceitação das rendas, quer a entrega da garantia bancária.
Portanto, o que se encontra em causa no processo é conhecer da licitude das posições recíprocas assumidas pela Autora e pela Ré no decurso da execução contratual, assumindo, para esse efeito, total irrelevância a resposta negativa ao quesito 13º.
II
O contrato dos autos havia sido celebrado em 20/9/2006 e nele se havia estipulado um período de duração mínima de cinco anos, como decorria da cláusula 3.5, com a inerente obrigação de pagamento de rendas, a cargo da Ré, equivalentes a esse dito período.
A Ré / Arrendatária, porém, em 18/11/2010, procedeu à denúncia do contrato, invocando as normas dos artºs 1098º nº2 e 1110º CCiv, na redacção de 2006 (única aplicável às vicissitudes contratuais dos autos).
Apelando aos termos do contrato, a citada arrendatária propôs-se, em todo o caso, efectuar o pagamento de todas as rendas até se completarem cinco anos sobre a celebração do contrato, em Setembro de 2011, ou seja, dez rendas, no valor, cada uma delas, de € 13.171,25, e no total de € 131.712,50. Fê-lo através de carta que dirigiu à Autora (senhoria), carta em que referenciou igualmente que efectuaria o pagamento das rendas “na condição da devolução do original da garantia bancária” que identifica – referia-se à garantia à primeira solicitação respeitante ao pagamento das rendas relativas ao citado período de cinco anos.
Tal carta obteve resposta de ilustre advogado, para tal mandatado pela Autora, em 20/12/2010. Na referida carta, a Autora referia estar a ponderar a questão da denúncia do contrato, embora considerasse em atraso a renda de Janeiro de 2011 (não prescindindo da indemnização legal).
Em nova carta, de 10/1/2011, o mesmo ilustre advogado, em representação da Autora, considerava agora também em atraso a renda de Fevereiro de 2011 (não prescindindo de indemnização) – pronunciando-se agora sobre a questão da garantia bancária, a Autora comunicava que apenas a aceitava entregar no final do mês de Março de 2011, contra a entrega das chaves do locado e de todos os montantes em débito.
A indemnização que se encontra assim em causa no pedido, e que, nessa parte, encontrou acolhimento na douta sentença recorrida, é a indemnização de 50% do valor das rendas em atraso, referida no artº 1041º nº1 CCiv, com relação aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2011.
Na verdade, as partes consideraram, por protocolo, o contrato cessado em 31/3/2011.
Pelo protocolo, a Ré procedeu ao pagamento de dez rendas, precisamente as dez rendas devidas a contar da data em que denunciou o contrato (de Novembro de 2010 até Setembro), tendo recebido o original da garantia bancária em poder da Autora.
A Autora não prescinde, porém, agora por via da presente acção, do pagamento da indemnização pelo atraso, que imputa à Ré, no pagamento das rendas dos meses de Janeiro a Março de 2011 (indemnização a que alude o disposto no artº 1041º nº1 CCiv).
Todavia, salvo o merecido e devido respeito, não justifica a Ré o facto de ter condicionado a respectiva obrigação de pagamento das rendas, até ao momento em que a denúncia do contrato a que procedeu produzisse os seus efeitos, ao facto de lhe ser devolvida uma garantia bancária prevista no contrato.
O pagamento da renda é, consabidamente, co-natural da locação rectius do arrendamento, pelo que não existem quaisquer indícios factuais nos autos justificativos da condição colocada.
Por outro lado, mesmo que a Autora se não haja pronunciado de imediato sobre a validade da denúncia do contrato[1], pois que lhe cabia ponderar a questão jurídica associada, maxime pela interpretação do contrato, nem considerando o ponto de vista legal, nem considerando o ponto de vista da boa fé na execução do contrato, estava a senhoria obrigada a mais que a registar a falta de pagamento das rendas.
A garantia bancária operaria no período de duração do contrato, período esse que a Ré, de resto, aceitava e sobre o qual se propunha pagar as rendas, rendas estas com vencimento mensal.
Portanto, a primeira conclusão que retiramos é a de que não existe mora do credor, seja por comportamento contrário à boa fé, na execução do contrato, por parte do senhorio, seja por falta de cumprimento de quaisquer obrigações que lhe competissem, por força do referido contrato.
III
Não obstante, poderá decorrer do protocolo dos autos um comportamento concludente de renúncia aos direitos respectivos, por parte da senhoria?
A carta de 10/1/1011 refere, de facto, que a Autora apenas aceitaria entregar a garantia bancária contra o pagamento “de todos os montante em débito”, ou seja, dos montantes das rendas (montante sobre o qual não existia litígio) acrescidos da indemnização legal.
Algo contraditoriamente, porém, em 4/4/2011, veio a aceitar as rendas em singelo (os referidos dez meses de renda), declarando que, do montante recebido, “dará a respectiva quitação”, e entregou à Ré a garantia bancária falada.
Trata-se do “protocolo de entrega”, documentado nos autos, pelo qual as partes aceitam reciprocamente que o contrato findou de vigorar em 31/3/2011; o locado (“na situação em que se encontra presentemente”) e respectivas chaves são entregues pela locatária à senhoria, bem como o valor das rendas vencidas e das vincendas até ao prazo inicial acordado para a “duração mínima” do contrato (cerca de dez rendas, sendo as três referentes aos meses em que o contrato vigorou pagas em singelo); a senhoria, por sua vez, fez entrega à arrendatária do original da garantia bancária à primeira solicitação, que cobria a responsabilidade pelo pagamento das rendas a cargo da locatária.
Mais tarde a Autora vem a propor a presente acção, exigindo a falada quantia indemnizatória, correspondente à mora no pagamento das rendas.
Para a locatária/Recorrente o documento dos autos exprime uma renúncia tácita ao direito da senhoria a ser indemnizada pela mora no pagamento das rendas.
Uma primeira constatação – a renúncia é um acto jurídico unilateral; ora, no quadro de um protocolo com atribuições recíprocas, teria alguma lógica que a renúncia ao direito surgisse igualmente explicitada no quadro contratual referido.
O que se verifica dos autos é que o documento em causa, fundamento da tese explanada pelas doutas alegações, é um “protocolo de entrega”; como o nome indica, trata-se de documentar a entrega recíproca de coisas – de um lado, o próprio bem, devoluto, ressalvando-se porém o “estado em que se encontrava”, bem como o dinheiro correspondente à prestação devida por rendas vencidas e outras; do outro lado, a entrega do título de garantia bancária à primeira solicitação.
A recíproca entrega de coisas, ainda que titulando direitos no âmbito de determinado contrato, não posterga o exercício ou a exigência de outras prestações, derivadas do contrato, a não ser que as coisas ou direitos reciprocamente entregues ou satisfeitos, findo o contrato, se opusessem ao conteúdo das prestações de entrega, como tal protocoladas.
A indemnização pela mora no pagamento das rendas era um direito outro, a que se não fez referência não protocolo, nem contendia, expressa ou implicitamente, com as já referidas prestações objecto de cumprimento.
Como direitos outros seriam, aliás, os demais direitos invocados pela presente acção, mas nos quais a Autora decaiu, por decisão judicial nessa parte transitada.
Quer o direito à indemnização, quer os outros direitos em que a Autora decaiu, foram invocados pela Autora, em correspondência que as partes trocaram e que se encontra junta aos autos.
A renúncia é tácita quando é igualmente tácita a declaração negocial que a integra. A solução da questão passa assim pela exegese do disposto no artº 217º nº1 CCiv: “A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa quando for feita por palavras, escrito ou por qualquer outro meio directo de manifestação de vontade, e tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam”.
Consoante a lição do Prof. Manuel de Andrade, Teoria Geral, II (1960), pgs. 130ss., inteiramente actual, a declaração é tácita (e assim o será a renúncia ao direito que a declaração exprima) quando do seu conteúdo directo se infere um outro; mesmo que se destine a certo fim expresso, a declaração emitida permite a latere concluir por uma vontade negocial de renúncia, conclusão que se retirará com bastante segurança, de um procedimento concludente.
Assim, citando o referido Autor: “existira univocidade dos facta concludentia na declaração tácita sempre que, conforme os usos da vida, haja quanto aos factos de que se trata toda a probabilidade de serem praticados com dada significação negocial (aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões), ainda que porventura não esteja absolutamente precludida a possibilidade de outra significação”.
A declaração tácita, enquanto declaração negocial, vem a integrar, para o Prof. Menezes Cordeiro, Tratado, I (1999), pg. 283, nota 532, “a declaração de vontade enquanto comportamento que, segundo a experiência e sob a consideração de todas as circunstâncias permite concluir por uma vontade determinada e de cuja conclusão a pessoa emitente esteja ou devesse estar consciente”.
Numa significativa definição da nossa jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, os comportamentos de onde se deduz a declaração tácita terão de ser “significantes”, positivos” e “inequívocos” (cf. Ac.S.T.J. 5/11/97 Bol.471/367, relatado pelo Consº Nascimento Costa).
Como bem salientou a douta decisão judicial recorrida, terá ainda de se chamar a atenção do intérprete para o disposto no artº 237º CCiv – no sentido de que, em caso de dúvida sobra o sentido da declaração negocial, deve prevalecer o sentido menos gravoso para aquele que prescinde gratuitamente de direitos.
Portanto, em resumo: a declaração tácita retira-se de uma globalidade de comportamentos; não tem que ser de absoluta significação, mas deve revestir uma probabilidade própria para o entendimento do declaratário enquanto pessoa comum sensata – cf. artº 236º nº1 CCiv e Ac.S.T.J. 22/11/94 Bol. 441/314, relatado pelo Consº Cardona Ferreira; por fim, a dúvida não deve prejudicar o disponente.[2]
No caso dos autos, notámos já como o recebimento das rendas em mora, sobre cujo montante inexistia litígio, não só não afectava ou implicava com a exigência da indemnização moratória, como também esta exigência, de resto, havia já sido anunciada pela correspondência prévia trocada entre a senhoria e a inquilina (esta, a ora Recorrente).
Um “protocolo de entrega” do bem visou concretizar o fim da relação negocial entre as partes, designadamente dos bens e direitos sobre os quais inexistia litígio.
O referido “protocolo de entrega” não afectava a exigência de indemnização moratória pelo atraso no pagamento de rendas, indemnização surgida no decurso da execução contratual, e lateral, relativamente às obrigações que o “protocolo de entrega” veio a concretizar – designadamente porque a garantia bancária devolvida também não cobria as indemnizações moratórias em causa.
IV
Existe, há que o reconhecer, um comportamento algo contraditório da Autora, enquanto senhoria.
Começa por exigir o pagamento cumulado das rendas em atraso e da indemnização moratória. Mais tarde, contra a entrega do bem, aceita as rendas em atraso em singelo, acabando por propor mais tarde a presente acção para exigência da indemnização pelo atraso no pagamento das rendas.
A questão poderia colocar-se enquanto verificação do comportamento contraditório da Autora, se esse comportamento (no caso, o recebimento das rendas em singelo) fosse susceptível de gerar na Ré arrendatária a legítima confiança de que a indemnização moratória prevista no artº 1041º nº1 CCiv, não mais seria exigida pela Autora senhoria - uma situação de abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium (artº 334º C.Civ.).
Esta contradição, porém, não é susceptível de consolidar uma situação de venire, na conduta da Autora.
Mas entre a promessa e o efectivo comprometimento vai um passo.
A Ré não podia deixar de saber que o atraso no pagamento das rendas a colocava em risco da exigência, absolutamente legal, da indemnização moratória.
São prestações diversas, que não se co-implicam com exclusão: o recebimento da renda e a exigência posterior da prestação moratória.
A incidentalidade e a equivocidade das declarações constantes do “protocolo de entrega” não acarretam para a Autora uma situação de venire contra factum proprium.
Não existe, assim, um comportamento concludente contraditado – como explica, de resto, o Prof. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol.II, pg.750, “é importante focar a inexistência, na Ciência do Direito actual e nas ordens jurídicas por ela informadas, de uma proibição genérica de contradição – apenas circunstâncias especiais podem levar á sua aplicação”.

A fundamentação poderá ser resumida desta forma:
I – O pagamento da renda é co-natural do arrendamento, pelo que não cabia à locatária condicionar o pagamento das rendas devidas até ao fim da relação contratual, por denúncia da locatária, à devolução de uma garantia bancária, que tinha por objecto as referidas rendas, na sua totalidade, garantia essa prevista no contrato.
II – Não implica renúncia tácita ao direito a receber indemnização pela mora no pagamento das rendas a recíproca entrega de coisas, titulando direitos no âmbito de determinado contrato, pois não posterga o exercício ou a exigência de outras prestações, derivadas do contrato.
III – Designadamente, o recebimento de rendas vencidas, não implica renúncia tácita à indemnização por mora a que alude o disposto no artº 1041º nº1 CCiv.
IV – O Direito não proíbe, de forma genérica, os comportamentos contraditórios, que, por esse simples facto, não podem implicar uma classificação como venire contra factum proprium; apenas circunstâncias especiais podem implicar tal classificação.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedente, por não provado, o recurso interposto, desta forma confirmando na íntegra a douta sentença recorrida.
Custas pela Apelante.

Porto, 18/XII/2013
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença
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[1] No caso dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, com prazo certo, como é o caso do arrendamento dos autos, em matéria da chamada “denúncia” do contrato pelo arrendatário e na falta de estipulação das partes, aplica-se o disposto no artº 1098º nº3 CCiv, que rege quanto ao arrendamento para habitação, ex vi artº 1110º nº1 (esta última norma vigora em matéria de duração, denúncia ou oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, e remete para as regras do arrendamento para habitação).
No caso dos autos, estipulou-se um efectivo prazo de duração “mínima” do contrato (5 anos), mas nada se disse quanto aos prazos a aplicar em matéria de denúncia pelo arrendatário.
Por força das citadas normas dos artºs 1110º nº1 e 1098º nº3 CCiv, a Ré (denunciante) fez menção à necessária comunicação da denúncia ao senhorio “com uma antecedência não inferior a 120 dias do termo pretendido do contrato”, como se lê no citado artº 1098º nº3 (em matéria de arrendamento para habitação).
Todavia, como bem sublinhou a Profª Maria Olinda Garcia, A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, pg. 44, a aplicação supletiva do disposto em matéria de arrendamento para habitação é contrariada pelo disposto no nº2 do artº 1110º, que reza: “na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 10 anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano”.
Como esclarece ainda a mesma Autora, no seu Arrendamento Urbano Anotado, loc. cit., “(…) o prazo de denúncia previsto no nº3 do artº 1098º não terá aqui aplicação, por ser afastado pela disposição específica do nº2 do artº 1110º”. Ora, como vimos atrás do enunciado do nº2 que se citou, em matéria de denúncia ex lege, desde que nada se encontre previsto no contrato, o arrendatário só pode denunciar o contrato “com uma antecedência igual ou superior a um ano” sobre o termo pretendido do contrato.
Ao contrário do prazo referido de 120 dias para o arrendamento habitacional, refere o Prof. Gravato Morais, Novo Regime do Arrendamento Comercial, 3ª ed., pg. 293, que se pretende, com o prazo mencionado igual ou superior a um ano, “tutelar os interesses do senhorio, que se encontra assim a coberto de uma cessação contratual num prazo breve ou escasso”.
Ora, as partes nada estipularam no contrato em matéria de antecedência da denúncia do arrendatário.
Poderia assim questionar-se se à Ré cabia antes ter denunciado o contrato em causa com a antecedência de um ano, mantendo-se até ao final do decurso desse ano, em vigor o arrendamento, bem como a obrigação de pagamento das rendas, por parte da Ré.
[2] O Prof. Manuel de Andrade, op. cit., pg. 133, dá diversos exemplos de renúncia tácita: “se o mutuante, tratando-se de mútuo feneratício (usura), aceitar os juros correspondentes a um período de tempo ainda por correr, tal procedimento será manifestamente unívoco, segundo o critério indicado, no sentido de não se vencer o capital antes de findo esse tempo. De modo análogo, se um senhorio recebe rendas antecipadas, concorda tacitamente com que o arrendamento subsista para o tempo a que elas respeitam, ainda que posterior ao prazo estipulado no contrato. Outros exemplos, aliás nem todos igualmente frisantes, podem ser, mutatis mutandis, o caso do credor pignoratício que restitui a coisa empenhada; o do credor que, sem ter sido pago, restitui ao devedor o documento (pelo menos quando particular) da dívida; o do constituinte que nomeia outro procurador para o mesmo e único objecto; o do herdeiro que perdoa uma dívida, como da herança; o do herdeiro que dá de arrendamento um prédio como da herança (…)”.