Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
666/04.2TBLMG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: DEMARCAÇÃO DE PRÉDIOS CONTÍGUOS
LINHA DE DEMARCAÇÃO
INEXISTÊNCIA DE DEMARCAÇÃO
DIREITO POTESTATIVO
PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RP20110510666/04.2TBLMG.P1
Data do Acordão: 05/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O direito à demarcação de prédios contíguos não demarcados depende, não tanto da invocação de uma linha de demarcação, mas antes da própria inexistência de demarcação em si — tudo o mais deve ser conhecido pelo próprio tribunal, aplicando, para efeitos da fixação de uma linha de demarcação, os critérios principal e supletivo previstos no art° 1354° C.Civ.
II - Não pode assim o direito potestativo à própria demarcação ficar dependente da alegação e prova de uma determinada linha de demarcação, por aplicação dos critérios da oneração com a prova, do art° 342° n°1 C.Civ.
III - Na acção de demarcação, e na inexistência de acordo entre as partes, é imprescindível a produção de prova pericial (cf. art° 579° C.P.Civ.)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec.666-04.2TBLMG.P1. Relator – Vieira e Cunha. Decisão de 29/1/10. Adjuntos – Des. Mª das Dores Eiró e Des. João Proença Costa.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com processo sumário nº666/04.2TBLMG, do 1º Juízo da Comarca de Lamego.
Autores – B… e mulher C….
Réus – D…, por si e na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de E…, e F….

Pedido
a) Que seja reconhecido que aos AA. pertence, em propriedade, 1.239 m2 do prédio rústico artº nº 402º-B, da matriz predial rústica da freguesia de … – Lamego, e que aos RR. cabe a área de 250 m2, conforme sentença homologatória das partilhas, proferida no inventário nº 13/93, da 2ª Secção do Tribunal de Lamego.
b) Que se reconheça que o prédio rústico nº 402º-B era um todo e que nunca foi dividido, de harmonia com a Conferência de Interessados, no pº inventário nº 13/93 citado.
c) Que se reconheça que os limites dos dois logradouros em que foi dividido o prédio rústico nº 402º-B, no ponto de confinância dos lados Nascente/Poente, não estão definidos ou demarcados.
d) Que se reconheça aos AA. e aos RR. o direito de colocar marcos ou muros que delimitem as respectivas propriedades.

Tese dos Autores
Os AA. e a Ré D… e seu falecido marido E… foram herdeiros e interessados no inventário para partilha das heranças de G… e B….
Nesse inventário foi relacionado um determinado prédio rústico, e, após Conferência de Interessados, tal prédio foi dividido e adjudicado a cada um dos interessados, sendo 1.249 m2 para os AA. e 250 m2 para a Ré D… e marido, esta última área destinada a logradouro de dois prédios urbanos.
Nunca houve ou existe marcos ou muros a dividir a área de logradouro da parte restante.
A Ré D… e seu falecido marido, após as partilhas, apropriaram-se de um barraco situado para lá da linha que divide as propriedades.
Há que, agora, colocar marcos ou muros, de comum acordo ou por peritos.
Tese da Ré D…
Impugnam motivadamente a tese dos AA., designadamente no que concerne a linha invocada para demarcação entre os prédios.

Sentença
Na decisão final proferida pelo Mmº Juiz “a quo”, julgou-se a acção parcialmente procedente, por provada, reconhecendo-se que aos AA. pertence, em propriedade, 1.239 m2 do prédio rústico artº nº 402º-B, da matriz predial rústica da freguesia de … – Lamego, e que aos RR. cabe a área de 250 m2.
O remanescente dos pedidos foi julgado improcedente.

Conclusões do Recurso de Apelação interposto pelos Autores
1ª – A acção instaurada, tal como na petição foi alegado, visava e visa a determinação dos limites dos prédios dos AA. e dos RR., estando provada a propriedade dos mesmos, sua extensão, natureza e contiguidade (a parcela de terreno dos RR. tem que ser destacada do prédio rústico dos AA.), pelo que a sentença proferida não apreciou o que se queria nos autos, violando por consequência a letra e o espírito dos artºs 1353ºss. C.Civ.
2 – Tendo a sentença rfeconhecido o que reconhecido já se encontrava por douta sentença (o direito de propriedade dos AA.), significa que se trata de uma petição de princípio que não se aceita nem se justifica (os AA. não vinham para uma acção pedir um direito que já tinham, com a mesma força que o declarado), pelo que não se debruçando sobre a demarcação, a sentença sob recurso é nula, por violação das als. b), c) e d) do nº1 do artº 668º C.P.Civ.

Factos Apurados em 1ª Instância
1) AA e R D… e marido E… foram herdeiros e interessados nas heranças de G… e marido B…, porquanto o autor B… e a ré D… são irmãos.
2) No inventário por óbito de B… que correu seus termos sob o nº 13/93-2ª sec. do tribunal de Lamego foi relacionado um prédio rústico de cultura arvense de sequeiro e regadio com macieiras e oliveiras, sito à … e que no seu todo confronta do nascente com caminho público, poente herdeiros de H…, norte com a estrada nacional e do sul com o possuidor, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de … sob o artº 402-B, ver 35 da relação de bens.
3) A configuração do prédio rústico é a que consta do documento 1 junto fotocópia do mapa cadastral com identificação do prédio a vermelho.
4) Em 13 de Outubro de 1997 e na Conferência de Interessados, AA, ré D… e seu marido E…, entretanto, falecido, acordaram que da área global do prédio rústico referido ficariam 120m2 para a R. D… e marido E… e 1.379 m3 para os AA..
5) Em carta enviada pela ré D… ao autor e irmão B… aquela confessa isso mesmo, embora não tenha estado muito de acordo.
6) Após requerimento feito por D… e marido E…a, os AA. ficaram com 1.249 m2 do prédio rústico supra identificado e a ré D… e marido E… ficaram a pertencer 250 m2.
7) Quer da relação de bens, verba 35, quer da Conferência de Interessados e quer ainda do acordo posterior feito no inventário, em 27 de Janeiro de 1998, só há referência à área de 250 m2 destinada a logradouro de dois prédios urbanos que foram adjudicados à ré D… (a casa de lousa e a pequena).
8) O E… faleceu em 6 de Maio de 2.002, tendo deixado como únicos herdeiros a esposa D… e o réu filho de nome F….

Fundamentos
A única questão colocada pelo presente recurso é a de saber se não se tendo debruçado a sentença recorrida sobre a demarcação peticionada, a dita sentença incorre em nulidade, por violação das als. b), c) e d) do nº1 do artº 668º C.P.Civ.
Apreciemo-la seguidamente.
I
Em causa no presente processo encontrava-se o accionar, por parte dos AA., do direito à demarcação do prédio respectivo em face dos prédios confinantes, previsto nos artºs 1353ºss. C.Civ.
O tribunal recorrido foi do entendimento que, não tendo os AA. logrado provar a concreta linha delimitadora que propugnavam para a divisão dos prédios, nada mais, de resto, se tendo provado no processo, a concreta demarcação peticionada deveria improceder.
Ou seja, o tribunal recorrido utilizou as regras do ónus da prova para imputar aos AA. o ónus de demonstrar plenamente e delimitação do seu terreno – e, na verdade, os AA. tinham invocado que os RR. ultrapassaram, na detenção relativa à parcela de que são titulares, a linha delimitadora de logradouros, que, essa sim, seria, para os AA. a linha de demarcação das propriedades.
Ora, desde a eliminação das acções de arbitramento do rol de acções especiais no Código de Processo Civil, a partir da reforma do Código de 95/97, resta-nos, como de resto já era também imperativo de pregresso, atentar no disposto no Código Civil, acerca da forma como efectuar a demarcação.
Nos termos do artº 1354º nº2 C.Civ., notar-se-á que “se os títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário e a questão não puder ser resolvida pela posse ou por outro meio de prova, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais”.
Logo por via desta norma se vê que o direito a demarcar prédios depende, não tanto da invocação de uma linha de demarcação, mas antes da própria inexistência de demarcação em si – tudo o mais deve ser conhecido pelo próprio tribunal, aplicando, para efeitos da fixação de uma linha de demarcação, os critérios principal e supletivo previstos no citado artº 1354º.
Materialmente exige-se pois na actualidade, tanto como antes da Reforma de 95/97, um verdadeiro arbitramento na acção, pese embora a acção de demarcação tenha passado a ser tramitada como processo comum de declaração.
Isto é assim porque, como justificou o legislador no preâmbulo do D.-L. nº 329-A/95 de 12 de Dezembro, se entende que “a prova pericial – objecto de profunda reformulação e flexibilização – se revelará perfeitamente idónea para dar resposta, no quadro do processo comum de declaração, às necessidades e interesses tutelados com a figura do “arbitramento”, com a vantagem de outorgar ao juiz o poder-dever de valorar livremente os resultados da perícia a que seja necessário proceder”.
Do que vem de expor-se se extrai que o legislador sempre pensou na perícia como imprescindível, em acções com este objecto; por outro lado, das disposições citadas e extraídas da lei civil, ressalta que, numa acção que envolva arbitramento, deve, se necessário for oficiosamente, promover as diligências probatórias que se mostrem a necessárias a alcançar a demarcação por arbitramento.
Isto é: não é lícito ao tribunal, posto que se encontre provada a inexistência de demarcação dos prédios, argumentar com a inexistência de prova acerca de uma determinada linha demarcatória para se eximir ao conhecimento que lhe incumbe nos termos dos artºs 1353º e 1354º, normas que, no fim de contas, forçam o tribunal a pronunciar-se pela “distribuição do terreno em litígio por parte iguais”. Não se trata pois de fazer improceder a pretensão, pela não prova, conforme as regras de distribuição do ónus de prova, do artº 342º C.Civ. – existe sempre uma pronúncia a que o tribunal tem de proceder, quando a pretensão de demarcação, em concreto, não tenha logrado demonstração junto do tribunal, após julgamento.
A matéria explica-se também, de facto, porque nos encontramos perante um direito potestativo, isto é, “direito que o titular exerce por sua livre vontade, desencadeando determinados efeitos na esfera jurídica de outrem, independentemente da vontade deste” (cf. Ana Prata, Dicionário Jurídico, 3ª ed., pg. 371); ora, se assim é, o Autor, por ter decaído em determinada prova, designadamente a da área ou a dos limites do prédio, veria definitivamente comprometida, com o caso julgado material que se formasse, a possibilidade de concretizar uma concreta demarcação do seu prédio.
A natureza do direito de demarcação e a sua mais geral inserção na área dos direitos potestativos impõem ao tribunal uma decisão em concreto, que obedeça aos comandos legais já supra citados.
Isto, que se vem de expor, é sublinhado pela jurisprudência, designadamente o Ac.R.E. 4/11/09 Col.V/223 (relator: Mendes Serrano), que, por sua vez, se reportou aos Ac.R.C. 11/12/07 in www.dgsi.pt, pº nº 1832/05.9TBCVL.C1 (relator: Hélder Roque), e Ac.R.G. 12/6/07 in www.dgsi.pt, pº nº 1077/07-1 (relator: Gouveia Barros), em matéria de necessidade do recurso à prova por arbitramento ou peritagem, enquanto diligência probatória tendente à fixação das estremas dos prédios confinantes.
Por sua vez, quanto à prevalência dos critérios do artº 1354º C.Civ. sobre as regras do ónus da prova, se pronunciou também o Ac.R.C. 16/9/08 in www.dgsi.pt, pº nº 139/05.6TBVZL.C1 (relator: Teles Pereira), nos seguintes termos: “Em termos gerais é possível caracterizar numa acção de demarcação (mesmo numa acção de demarcação revestindo a forma comum) aquilo que referiremos como correspondendo a “dois momentos” de concretização. Um primeiro, cujos elementos de referência estruturam a causa de pedir, corresponde aos factos necessários à individualização da situação jurídica alegada pelo autor e configura-se com referência ao facto complexo (que corresponde à causa de pedir) da existência de prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos, cujas estremas são incertas ou duvidosas. O “segundo momento” da acção de demarcação, pressupondo a caracterização, nos termos referidos, da causa de pedir, estrutura-se já no plano da efectivação da delimitação dos prédios e opera em torno da aplicação dos critérios de demarcação indicados nos três números do artº 1354º C.Civ., sendo a actuação destes critérios sequencial e sempre decorrente da insuficiência do critério de demarcação anteriormente aplicado.”
No limite, uma não decisão sobre a demarcação, ou a oneração dos AA. com a indicação da concreta linha de demarcação, estenderia a incerteza sobre os verdadeiros limites do prédio por tempo verdadeiramente indeterminado – ora, é essa precisamente a razão pela qual os AA. recorreram a juízo, nos presentes autos, a de evitar uma tal incerteza para futuro.
O que se pede, desta forma, na acção de demarcação, não é tanto a procedência da pretensão em função de uma determinada “linha de divisão dos prédios”, mas apenas e só a actuação do direito potestativo, por aplicação das normas legais e civilísticas atinentes, pondo termo, dessa forma, à situação de incerteza anterior.
II
Encontra-se então a sentença afectada de nulidade, como resposta à pergunta colocada por esta via de recurso?
Se a resposta for positiva, a nulidade verificada em concreto é a do artº 668º nº1 al.d) C.P.Civ. (omissão de pronúncia), pois que o tribunal não terá apreciado os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa (Teixeira de Sousa, Estudos, pg. 220).
Não nos encontramos, porém, em condição de efectuar uma tal afirmação – e isto porque é a própria necessidade de demarcação (e não a concreta demarcação em si) que resulta duvidosa do elenco dos factos provados.
Na verdade, os AA. alegam:
- artº 9º do petitório: “Do lado Norte da referida parcela de terreno não há e nunca houve marcos ou muros, colocados por AA. e RR. de comum acordo, a dividir a área do logradouro dos RR. de 250 m2, da parte restante, do artº 402º-B, com a área de 1.249 m2, que pertence aos AA.”
Esta matéria de facto, ainda que não expressamente impugnada, tal qual como a matéria do artº 21º do douto petitório (que se refere, basicamente, a afirmação idêntica), foi todavia levada à Base Instrutória, sob o quesito 2º.
Este quesito recebeu, como os demais, resposta negativa.
Esta resposta, todavia, não seria capaz de afectar um acordo nos articulados, relativo à matéria da inexistência de marcos ou muros colocados de comum acordo – seguimos aqui a doutrina do Ac.Jurispª 14/94 de 26/5/94, in Diário da República, I-As., de 4/10/94, segundo o qual “no domínio da vigência dos Códigos de Processo Civil de 1939 e 1961 (considerado este antes e depois da reforma nele introduzida pelo D.-L. nº 242/85 de 9 de Julho), a especificação, tenha ou não havido impugnação do despacho que as decidiu, pode sempre ser alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio”.
A citada doutrina em nada foi afectada pela revisão do Código de Processo Civil iniciada pelo D.-L. nº 329-A/95 de 12 de Dezembro, razão pela qual ela é absolutamente de aplicar, face à prova plena que constitui o acordo ou a confissão das partes (artº 646º nº4 C.P.Civ.) e ao facto de o tribunal dever tomar sempre em consideração tais factos (artºs 659º nº3 e 713º nº2 C.P.Civ.), independentemente do teor do despacho saneador.
Mas se essa questão pode ser ultrapassada, o mesmo se não pode dizer da alegação dos RR. constante dos artºs 18º, 19º e 21º da douta Contestação, isto é, que foram os AA. quem realizou a primeira delimitação, utilizando para o efeito “rede” e “latas”, com a concordância dos RR. e que só após, mais propriamente em 31/5/2003, resolveram os AA. arrancar a rede.
Esta questão, que não levada à Matéria de Facto Assente ou à Base Instrutória, deveria tê-lo sido, por fundamental à decisão da causa, enquanto alegação exceptiva, de facto impeditivo do direito à demarcação (artº 342º nº2 C.Civ.).
Na verdade, um prévio acordo sobre a delimitação dos prédios, com a implantação de rede, conduz à improcedência desta acção, por via da existência de um acordo anterior sobre a divisão, acordo esse que, para deixar de vincular as partes, passa então a ter que ser objecto de declaração de invalidade, por parte daquele dos confinantes que com ele se não conformar – por todos, cf. S.T.J. 26/9/00 Col.III/40.
Apesar de estes factos não terem sido objecto de Resposta à Contestação (artº 785º C.Civ.) resultam contraditórios com o petitório, no seu conjunto (artº 490º nº2, 505º e 463º nº1 C.P.Civ.) – talvez mesmo por isso, tal matéria tenha sido interpretada como impugnação, dando origem ao já citado quesito nº2.
III
Desta forma, várias conclusões há que retirar para a decisão que nos é imposta.
Em primeiro lugar, que este tribunal, não se encontra em condições de sanar a apontada nulidade do artº 668º nº1 al.d) C.P.Civ., se nulidade existir.
Na verdade, e como deixámos exposto, tudo aconselhava que o tribunal tivesse determinado oficiosamente a produção de prova pericial (cf. artº 579º C.P.Civ.) – para o mais, para poder obter uma pronúncia técnica, fundada nos títulos e outros documentos existentes no processo actual ou no inventário que o antecedeu; para o menos, a fim de obter a delimitação da parcela em litígio, podendo após dividi-la, pelo critério legal supletivo, em duas partes iguais.
Todavia, logo de entrada, a matéria de facto também se revela deficiente, pela não inclusão na Base Instrutória de quesitos retirados da alegação dos artºs 17º a 21º da Contestação (com óbvia exclusão de eventual matéria conclusiva contida na referida alegação).
Assim, a matéria a apurar, por aplicação do disposto no artº 712º nº4 C.P.Civ., será tanto a dos artigos da Contestação citados, como também a que resultar da realização do acto pericial.
A matéria apurada pelos peritos consistirá, caso não provenha da alegação das partes, em facto ou factos instrumentais, cognoscíveis pelo tribunal à luz do disposto no artº 264º nº2 2ª parte C.P.Civ.
Sobre uma tal matéria poderá (e deverá) incidir oportunamente ampliação da base instrutória, à luz do disposto no artº 650º nº2 al.f) C.P.Civ.
Visto não nos encontrarmos habilitados a suprir a nulidade da sentença – por força da deficiência da decisão sobre a matéria de facto (artº 712º nº4 C.P.Civ.) – determina-se a repetição dessa mesma decisão sobre matéria de facto e sentença, devendo proceder-se previamente à produção de prova pericial, com relação à linha demarcadora da propriedade de AA. e RR., nos pontos em que confinam. Na referida prova pericial levar-se-ão em linha de conta os comandos do artº 1354º C.Civ., bem como, suplementarmente e em caso justificado, os documentos juntos aos presentes autos ou outros atinentes (v.g., os documentos juntos em anterior processo de inventário).
Caso se venham a formular novos quesitos, o tribunal poderá proceder conforme a parte final do artº 712º nº4 C.P.Civ., na eventualidade de se mostrar necessário.

Resumindo a fundamentação:
I – O direito à demarcação de prédios contíguos não demarcados depende, não tanto da invocação de uma linha de demarcação, mas antes da própria inexistência de demarcação em si – tudo o mais deve ser conhecido pelo próprio tribunal, aplicando, para efeitos da fixação de uma linha de demarcação, os critérios principal e supletivo previstos no artº 1354º C.Civ.
II – Não pode assim o direito potestativo à própria demarcação ficar dependente da alegação e prova de uma determinada linha de demarcação, por aplicação dos critérios da oneração com a prova, do artº 342º nº1 C.Civ.
III – Na acção de demarcação, e na inexistência de acordo entre as partes, é imprescindível a produção de prova pericial (cf. artº 579º C.P.Civ.) – para o mais, para se poder obter uma pronúncia técnica, fundada nos títulos e outros documentos existentes no processo actual ou no inventário que o antecedeu; para o menos, a fim de obter a delimitação da parcela em litígio, podendo após dividi-la o tribunal, aplicando o critério legal supletivo, em duas partes iguais.
IV – Tal prova pericial deve acumular com os quesitos relativos à própria necessidade da demarcação – na verdade, se existiu já um acordo extrajudicial sobre a demarcação, com a implantação de elementos visíveis (rede e outros), tal acordo subsiste, enquanto não for declarado inválido, vinculando os proprietários confinantes.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar parcialmente procedente, por provado, o recurso de apelação interposto pelos AA., e, em consequência, anular a sentença recorrida, ao abrigo do disposto no artº 712º nº4 C.P.Civ., determinando que sejam aditados novos quesitos à Base Instrutória, retirados da alegação dos artºs 17º a 21º da Contestação, e que, previamente à prolação de novo despacho relativo à matéria de facto fixada, o tribunal determine igualmente a realização de prova pericial, tendo por objecto o conhecimento da concreta linha que delimita as propriedades de AA. e RR. nos presentes autos.
Custas pela parte vencida a final.

Porto, 10/V/2011
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa