Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
517/11.1TTGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA
CADUCIDADE
RELAÇÃO DE TRABALHO
INEXIGIBILIDADE
Nº do Documento: RP201303-04517/11.1TTGDM.P1
Data do Acordão: 03/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I. Na resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa assente na falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, o nº 2 do art. 395º, conjugado com o art. 394º, nº 5, do CT/2009, veio inovar relativamente aos regimes pretéritos [constantes dos arts. 364º, nº 2 e 442º do CT/2003 e 308º da Lei 35/2004, de 29.07 e Lei 17/86, de 14.06], devendo a resolução, nos termos dos citados preceitos, ter lugar no prazo de 30 dias a contar do 61º dia de mora.
II. Todavia, estabelecendo o citado art. 395º, nº 2, do CT/2009 um prazo de caducidade, ele não é aplicável à falta de pagamento de retribuições que se hajam vencido em data anterior a 17.02.2009, esta a da entrada em vigor do CT/2009 [art. 7º, nº 5, al. b), da Lei 7/2009, de 12.02].
III. A justa causa para a resolução do contrato de trabalho exige a verificação da inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho por parte do trabalhador, ainda que esta não tenha que ser aferida com o mesmo rigor com que o deva ser na aferição da justa causa para o despedimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 517/11.1TTGDM.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 624)
Adjuntos: Des. Maria José costa Pinto
Des. António José Ramos

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B… intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, Ldª, pedindo que seja reconhecida e declarada a existência de justa causa para resolução do contrato de trabalho por iniciativa do A. e a Ré condenada a pagar-lhe:
“a) € 37.116,11 a título de indemnização a que se refere o 396º da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro;
b) € 6.417,22 relativa à parte variável da retribuição que não foi tida em conta no pagamento dos subsídios de Férias e de Natal desde Junho de 1985 (com as excepções mencionadas nesta p.i.);
c) € 6.520,00 relativa aos € 120,00 mensais de retribuição não incluídos no recibo de vencimento que não foram tidos em conta no pagamento dos subsídios de Férias e de Natal desde Junho de 1985 (com as excepções mencionadas nesta p.i.);
d) € 4.894,35 relativa ao trabalho suplementar prestado e não pago;
e) € 746,66 relativa à falta de gozo e de pagamento do descanso compensatório devido;
f) € 691,89 atinente à parte das retribuições de 2011 que se encontram em falta;
g) € 698,88 relativa à falta de gozo e de pagamento de 16 dias de majoração das férias devidos;
h) € 573,30 a título de formação profissional certificada que não foi ministrada nem paga;
i) € 2.127,66 a título de proporcionais de Férias, subsídio de Férias e subsídio de Natal relativos a 2011;
j) € 602,78 a título de juros moratórios vencidos, calculados à taxa legal, sem prejuízo dos juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento.”.
Para tanto, e em síntese, alegou que:
Foi admitido ao serviço da Ré aos 11.06.1985; auferia, desde o início do contrato de trabalho, uma retribuição base mensal, acrescida de uma parte variável, bem como de €5,00 por cada dia de trabalho prestado de modo a que a soma das três parcelas perfizesse o montante combinado.
No dia 26.08.2011, pelas 17h50, o legal representante da Ré disse-lhe que já se podia ir embora, ao que o A. retorquiu que ainda não estava na hora de saída, pois que, sendo embora este às 18h12, não estavam os trabalhadores autorizados a sair antes das 18h30; não obstante, o mencionado legal representante disse-lhe “mas eu quero que vás embora”, ao que o A. insistiu que não estava na hora e que não ia sair e, desagrado, aquele respondeu-lhe “és um ladrão, um filho da puta, põe-te lá fora”, havendo-lhe também agarrado os braços e empurrado o A. para o chão, fazendo-o cair desamparado, embatendo com o cotovelo e a anca esquerda no chão, onde permaneceu imobilizado, atordoado e sem se conseguir mexer. Não obstante, o legal representante, e em síntese da factualidade que descreve, recusou-lhe ajuda e não queria permitir que o A. chamasse o INEM; sofreu os danos que invoca, incluindo depressão.
Após esses acontecimentos, a Ré instaurou-lhe um procedimento disciplinar com vista ao despedimento acusando-o, entre outros comportamentos, de trabalhar por conta própria em concorrência com a ré e de copiar a base de dados dos clientes da empresa, conforme arts. 34º a 41º dessa nota de culpa, acusações essas que são falsas e atentam contra a sua dignidade e integridade moral.
Os factos descritos levaram a que o A. resolvesse o contrato de trabalho com justa causa (por carta datada de 22.09.2011).
A parte variável da retribuição não constituía qualquer ajuda de custo, pelo que, atenta a regularidade do seu pagamento, deveria ter integrado os subsídios de férias e de Natal, o que, à exceção dos subsídios de Natal de 1997, 1999 e de 2008 e ao subsídio de férias de 1998, não ocorreu, sendo-lhe por consequência devidas as quantias liquidadas no art. 59º da p.i. e, quanto ao período compreendido entre Junho de 1985 e Dezembro de 1993, não dispondo dos recibos de vencimento (não conseguindo, por isso, efetuar o cálculo da média aritmética anual), procede à liquidação com base na média da retribuição relativa ao ano de 1994, totalizando a quantia em dívida €1.866,62, sem prejuízo, porém, da junção, pela Ré, dos recibos de vencimento, junção essa que pede.
A Ré também não integrou nos subsídios de férias e de Natal a quantia de €5,00 diária, pelo que, a tal título, são-lhe devidas as quantias referidas no art. 66º da p.i.
Mais refere ter prestado o trabalho suplementar que alega, o qual não lhe foi pago, assim como nunca ter gozado o descanso compensatório decorrente desse trabalho.
Nos meses de Maio, Julho e Agosto de 2011 a Ré não lhe pagou a parte variável da retribuição, assim como não lhe pagou, nos meses de Maio, Junho, Julho e Agosto a quantia de €120,00 em cada um desses meses.
Também essa situação, consubstanciando falta de pagamento pontual da retribuição, constitui justa causa de resolução do contrato de trabalho.
A Ré nunca lhe concedeu a majoração dos dias de férias, sendo que, a esse título, tem direito à quantia de €698,88 correspondente a 16 dias, sendo-lhe devida também a quantia de €573,300 por falta de formação profissional correspondente aos últimos três anos. E, por fim, não lhe foram pagas as férias e os subsídios de férias e de Natal proporcionais ao trabalho prestado em 2011.

A Ré contestou, impugnando o alegado pelo A. e referindo, em síntese quanto ao episódio de Agosto de 2011, que foi o A. quem injuriou o sócio gerente da Ré, dizendo, designadamente, “quem é ladrão é você porque não paga o ordenado”, havendo sido o A., sem que nada o fizesse prever, quem se atirou para o chão, começando a gritar e recusando a ajuda dos funcionários da Ré para se levantar.
Deduziu, ainda, reconvenção, pedindo a indemnização legal prevista no art. 399º e 401º do CT e formulando pedido indemnizatório ilíquido por danos patrimoniais.

O Autor deduziu resposta à contestação, tendo a Ré apresentado tréplica, articulado este que foi mandado desentranhar.

Por despacho de fls. 329, de 22.03.2012, o Mmº Juiz ordenou a notificação da Ré para juntar aos autos, para além de outros, os recibos de remunerações referentes ao período de Junho de 1985 a Dezembro de 1993, na sequência do que a ré, conforme requerimento formulado em audiência de julgamento (cfr. acta de fls. 510 e segs, de 11.04.2012) refere que “Pretende juntar aos autos 140 documentos relativos aos recibos de vencimento, cuja junção fora ordenada pelo Tribunal, sendo que estes são os únicos recibos que conseguiu encontrar, protestando vir a juntar os restantes caso venham a ser encontrados”, tendo junto os recibos de remunerações que constam dos documentos de fls. 364 a 503, dos quais não constam os relativos ao período de Junho de 1985 a Dezembro de 1993.

Realizada o julgamento, com gravação da prova pessoal nele prestada, e decidida a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou a ação e a reconvenção parcialmente procedentes, em consequência do que decidiu nos seguintes termos:
“A) - Condenar a Ré:
1º - A pagar ao Autor a quantia de € 7.330,22 (sete mil e trezentos e trinta euros e vinte e dois cêntimos) relativa a diferenças de subsídio de ferias e de Natal sobre os designados prémios, gratificação e ajudas de custo relativamente aos anos de 1994 e seguintes (€4.550,60), majoração de férias (€ 698,88), de crédito por falta de formação profissional (€573,30) e de proporcionais de Férias e subsídio de Férias (€ 965,44) e de subsídio de Natal (€ 542,00) relativos a 2011.
2º - A pagar ao Autor o que vier a liquidar-se em incidente de liquidação relativamente à incidência da média anual dos designados prémios, gratificação e ajudas de custo relativamente aos subsídios de férias e de Natal dos anos de 1985 a 1993, em quantia não superior a €1866,62.
3º - A entregar ao Autor o certificado de trabalho nos termos da alínea a) do nº. 1 do artigo 341º do CT de 2009.
B) - Condenar o Autor a pagar à Ré a quantia peticionada de €1.651,26 por falta do aviso prévio na cessação do contrato de trabalho.
Procedendo à necessária compensação das decisões de condenação de créditos líquidos, vai a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € 5.678,06, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde 22/9/2011, até efectivo e integral pagamento.”

Inconformado, veio o A. recorrer, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. A douta sentença posta em crise nestes autos violou o disposto nos artigos 342º nºs 1 e 2 e 344º nº 2 do Código Civil, nos artigos 519º nº 2 e 668º alíneas b), c) e d) do C.P.C., no artigo 74º do C.P.T. e nos artigos 258º, 381º, 394º nº 2 al. a) e nº 5 e 395º do Código do Trabalho.
2. O presente recurso incide sobre a matéria de direito e sobre a matéria de facto, nos termos do disposto nos artigos 685º-A e 685º-B do C.P.C., e na medida em que as decisões ora recorridas colidem com preceitos legais, enfermam de contradição lógica e omitem a apreciação de questões das quais se deveria ter conhecido.
3. No facto provado 7º reconheceu-se que o Recorrente dirigiu ao legal representante da Recorrida a expressão “quem é ladrão é você”, conclusão que, segundo a fundamentação da matéria de facto, “traduz a simbiose das versões de cada uma das partes, resultou do depoimento da testemunha comum D…, única que presenciou os factos (embora se não recordasse das palavras ditas pelos contundentes. Resulta ainda das regras da experiência comum em situações de rixa, partindo da ideia que o Autor admite ter-se recusado a sair…”
4. No entanto, o aqui Recorrente nunca alegou ter proferido tal expressão (bem pelo contrário, afirmou peremptoriamente não o ter feito) pelo que a versão acolhida na resposta à matéria de facto não configura, ao contrário do que se protesta na sua fundamentação, qualquer simbiose da versão das partes.
5. Também ao contrário do invocado naquela fundamentação, do depoimento da testemunha D… não resulta que o Recorrente tenha proferido a sobredita expressão.
6. Ainda ao contrário do que resulta da fundamentação da resposta ao facto provado 7º, não foi dada como provada qualquer rixa, pelo que sustentar a sua existência para fundamentar que o Recorrente tenha proferido a expressão “quem é ladrão é você” configura, salvo o devido respeito, manifesto erro na apreciação da prova.
7. Pelo exposto, a inserção da expressão “ao que o Autor retorquiu dizendo “quem é ladrão é você!” no facto provado 7º configura uma clara nulidade, nos termos do disposto na al. c) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C., pois traduz-se em clara oposição da decisão com os factos que lhe estão subjacentes e em manifesto erro na apreciação da prova;
8. Porque a prova produzida (ou sua falta, melhor dizendo) a tal obrigava, a douta sentença viola ainda o disposto no nº 1 do artigo 342º do Código Civil, pois a Recorrida (a quem incumbia a prova da sobredita afirmação) não logrou tal desiderato; deve, assim, eliminar-se a sobredita expressão do facto provado 7º, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 712º do C.P.C., mantendo-se o seu restante teor. Sem prescindir…
9. Ao contrário do que resulta do facto provado 8º, do depoimento da testemunha D… não se extrai que o Recorrente tivesse oferecido qualquer resistência pela força ao legal representante da Recorrida; e nem sequer a própria Recorrida alega tal resistência.
10. Ao sustentar que o Recorrente resistiu pela força (para fundamentar o facto provado 8º) o Tribunal a quo incorreu, salvo o devido respeito, em manifesto erro na apreciação da prova; configura uma nulidade, nos termos do disposto na al. c) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C., pois traduz-se em clara oposição da decisão com os factos que lhe estão subjacentes.
11. Porque a prova produzida nos autos (ou sua falta, melhor dizendo) a tal obrigava, deverá também eliminar-se do facto provado 8º a expressão “tendo o Autor, também pela força, resistido”, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 712º do C.P.C., mantendo-se o seu restante teor.
12. Não se vislumbra a base legal ou a justeza do entendimento (defendido na douta sentença ora posta em crise) segundo o qual a falta de pagamento parcial de subsídios de Natal, de férias, de majoração de férias e de formação profissional não configura justa causa de despedimento.
13. Os artigos 258º e ss. do Código do Trabalho prevêm que retribuição é a prestação a que o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho e porque a alínea a) do nº 2 e o nº 5 do artigo 394º daquele diploma legal prevêm que integra justa causa de resolução por iniciativa do trabalhador a falta culposa de pagamento pontual da retribuição.
14. Não decorre dos sobreditos preceitos legais que, conforme defende a douta sentença ora recorrida, tal regime só se aplique a retribuições certas e inquestionáveis e não a direitos litigiosos ou duradouros; e nem sequer se alcança porque se classificou as quantias supra referidas (que, recorde-se, ascendem a mais de € 7.330,22) como incertas ou questionáveis, pois a obrigatoriedade do seu pagamento decorre da própria lei.
15. A carta de comunicação de resolução (junta sob o doc. 27 da p.i.) cumpre claramente com os requisitos previstos no artigo 395º do Código do Trabalho (“a indicação sucinta dos factos que a justificam”).
16. Nem a tempestividade da sobredita resolução padece de vício nem da douta sentença ora recorrida resulta a indicação de qualquer retribuição cuja invocação, a título de justa causa, seja intempestiva.
17. Reconheceu-se como provado que o legal representante da Recorrida dirigiu ao Recorrente a expressão “És um ladrão. Põe-te lá fora!”, bem como (na página 7 da douta sentença ora recorrida) que tal expressão “é, sem dúvida, um facto ilícito punível ofensivo da honra do Autor”.
18. Conforme acima se expôs, não deveria ter-se dado como provado que o Recorrente tenha dirigido ao legal representante da Recorrida idêntica expressão, pelo que não deveria ser desconsiderada a gravidade de tal ofensa.
19. E mesmo que Recorrente tivesse “retribuído na mesma moeda” (o que, repete-se, não se concede) sempre a primeira expressão continuaria a manter gravidade suficiente para sustentar a justa causa invocada pelo Recorrente, ao passo que tal “retribuição” constituiria uma reacção (logo, de gravidade naturalmente inferior).
20. Ao não reconhecer que as expressões proferidas pelo legal representante da Recorrida constituem justa causa de resolução, a douta sentença viola o disposto nos artigos 258º e 395º do Código do Trabalho, assim como, uma vez mais, enferma da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C., pois a decisão encontra-se em oposição com a fundamentação que lhe está subjacente e enferma ainda, salvo o devido respeito, de erro na apreciação da prova. Sem prescindir…
21. O Recorrente resolveu o contrato de trabalho com justa causa dentro do prazo legalmente previsto para o efeito (30 dias); não pode ver-se privado desse seu direito, como defende a douta sentença, por não o fazer de imediato (ou seja, assim que injuriado nos termos sobreditos).
22. Ao prever diferentemente, a douta sentença violou o nº 1 do artigo 395º do Código do Trabalho. Ainda sem prescindir…
23. Mesmo que não colhessem os motivos supra expendidos, o que não se concebe mas se passa a prever por cautela de patrocínio, não deveria o Tribunal a quo – salvo melhor opinião – ter desatendido a segunda (e também justa) causa de resolução invocada pelo Recorrente na sua carta de 22 de Setembro (junta sob o doc. 27 da p.i.): a flagrante ofensa à sua integridade moral, honra e dignidade, perpetrada nas falsas imputações que lhe são dirigidas no procedimento disciplinar instaurado pela Recorrida.
24. A Recorrida confessa ter imputado ao Recorrente, na nota de culpa que lhe endereçou, a prática de trabalhos por conta própria em concorrência com a sua entidade empregadora, assim como o desvio em seu proveito dos clientes daquela.
25. A recorrida alegou ainda que “quando os clientes da arguente telefonavam para a empresa a solicitar a reparação de equipamentos, nomeadamente de máquinas, o arguido oferecia os serviços de outro colega funcionário da empresa, E…, fora do horário de trabalho e sem o conhecimento e consentimento da sua entidade empregadora, dizendo que este faria o mesmo serviço, mas com um custo menor”).
26. Face ao exposto, cabia unicamente à Recorrida – que não cumpriu tal propósito – o ónus de provar a veracidade dos factos que alega e imputa ao Recorrente (para assim impedir o efeito do direito invocado por este).
27. Assim sendo, teria necessariamente que se dar por não provada a referida factualidade, que é gravemente lesiva da honra e dignidade do Recorrente; não o fazendo, a douta sentença ora recorrida violou flagrantemente o disposto no artigo 342º do Código Civil. Sempre sem prescindir…
28. Mais, também ao invés do que a Recorrida invoca, os seus clientes F…, Lda. e G… negaram peremptoriamente terem sido abordados pelo Recorrente no sentido de preterirem os préstimos ou serviços da Recorrida em detrimento dos alegadamente fornecidos pelo Recorrente ou por um seu colega de trabalho (que igualmente desmentiu essa efabulação).
29. Assim o provam as declarações escritas juntas à p.i. sob os documentos 25 e 26 e os depoimentos prestados pelas testemunhas E…, F… e I….
30. Também não foi feita qualquer prova de que o Recorrente, tal como o acusou a Recorrida, tenha sido “visto… a copiar a base de dados dos clientes da empresa”, a qual “constitui informação confidencial, estando os seus funcionários proibidos de a copiar”).
31. A gravidade das sobreditas afirmações é tão evidente, aliás, que a serem verdadeiras consubstanciariam até a imputação ao Recorrente da prática de um crime de abuso de confiança.
32. Provado que está que foram proferidas pela Recorrida, impendia unicamente sobre esta o ónus de provar a sua veracidade (para assim impedir o efeito do direito invocado pelo Recorrente) propósito que não cumpriu neste autos.
33. Assim sendo, teria necessariamente que se dar por provado que tais imputações não correspondem à verdade, factualidade que é gravemente lesiva da honra e dignidade do Recorrente; por não o ter feito, a douta sentença ora recorrida violou flagrantemente o disposto no artigo 342º do Código Civil.
34. Devem julgar-se falsas as supra referidas imputações e acolher-se a justa causa de resolução nesses termos invocada pelo Recorrente, assim como condenar-se a Recorrida a pagar a inerente indemnização, nos termos formulados na p.i. Sem prescindir…
35. Acolhida a justa causa de resolução invocada pelo Recorrente, necessariamente deverá desatender-se o pedido reconvencional e dele ser o Recorrente absolvido, pelos mesmos motivos supra expendidos. Sempre sem prescindir…
36. À Recorrida foi neste autos ordenado que apresentasse os recibos comprovativos dos pagamentos efectuados ao Recorrente a título de subsídios de férias e de Natal dos anos decorridos entre 1985 e 1993; não o fazendo, incorreu na previsão do nº 2 do artigo 344º do Código Civil, por força do disposto no nº 2 do artigo 519º do C.P.C., assim se invertendo o ónus da prova.
37. Cumpriria que, nesta conformidade, a Recorrida fosse condenada no pagamento ao Recorrente da quantia de 1.866,62 (relativa à repercussão da retribuição variável nos subsídios de férias e de Natal dos anos decorridos entre 1985 e 1993) conforme peticionado na p.i.; não o fazendo, a douta sentença ora recorrida violou o disposto nos supra identificados nº 2 do artigo 344º do Código Civil e nº 2 do artigo 519º do C.P.C.
38. Deverá, em substituição daquela relegação da liquidação, condenar-se a Recorrida no imediato pagamento ao Recorrente da sobredita quantia. Ainda sem prescindir e subsidiariamente…
39. Está plenamente provado que a Recorrida (na pessoa do seu legal representante) ordenou ao Recorrente, que abandonasse as instalações, tendo mesmo tentado expulsá-lo pela força e dizendo-lhe “és um ladrão” e “põe-te lá fora”.
40. Da própria (e douta) sentença ora posta em crise se pode ler que tal ordem é “ilegítima”.
41. Ordenando ao Recorrente que se fosse embora, a Recorrida decidiu unilateralmente impossibilitá-lo de aceder às funções para as quais foi contratado, assim lhe vedando a possibilidade de exercer ou de cumprir direitos ou obrigações contratualmente assumidos.
42. Em resumo, e de facto, a Recorrida quis colocar um ponto final no referido contrato de trabalho, o que configura um despedimento sem justa causa que, como tal, é ilícito nos termos do disposto na alínea c) do artigo 381º do Código do Trabalho.
43. Deveria o Tribunal a quo (nos termos do disposto no artigo 74º do C.P.T.) reconhecer a ilicitude dessa conduta resolutória da Recorrida e, nessa conformidade, condená-la extra vel ultra petitum a pagar ao Recorrente a respectiva indemnização, prevista no artigo 381º e seguintes do Código do Trabalho.
44. Não o fazendo, a douta sentença ora recorrida violou o disposto nos supra referidos preceitos legais e enferma da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C. (pois deveria ter-se pronunciado sobre a sobredita questão).
45. Requer-se assim, ainda que subsidiariamente, que seja proferida tal condenação da Recorrida extra vel ultra petitum nos termos supra expendidos.
Termos em que, nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exªs., deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e nesta tessitura revogar-se a douta sentença, mais se procedendo à sua substituição por outra que, nos termos supra expostos:
a) Fixe no facto provado 7º que “Após várias insistências para que o Autor saísse e outras tantas recusas deste, o referido representante disse: És um ladrão. Põe-te lá fora!”;
b) Fixe no facto provado 8º que “Então o legal representante da Ré segurou o Autor e tentou pela força puxá-lo para a porta de saída”;
c) Julgue adequadas e justas as causas invocadas pelo Recorrente aquando da resolução do seu contrato de trabalho;
d) Condene a Recorrida a pagar ao Recorrente uma indemnização no valor de € 37.116,11, em virtude do exposto na alínea c) que antecede;
e) Condene a Recorrida a pagar de imediato ao Recorrente a quantia de €1.866,62 (relativa à repercussão da retribuição variável nos subsídios de férias e de Natal dos anos decorridos entre 1985 e 1993);
f) Absolva o Recorrente de pagar à Recorrida a quantia de € 1.651,26 (a título de falta de aviso prévio de cessação do contrato de trabalho); e
g) Ainda que as sobreditas pretensões não procedam, o que não se concede, reconhecer que o contrato de trabalho dos autos foi ilicitamente cessado pela Recorrida, mais a condenando no pagamento ao Recorrente da necessária e legal indemnização, em valor idêntico ao identificado na alínea d) supra, (…)”.

A Recorrida contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso.

A Exª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso quanto à questão da justa causa para resolução do contrato de trabalho e, no mais não prejudicado pelo provimento do recurso, pela confirmação da sentença, parecer este sobre o qual apenas a ré se pronunciou, dele discordando.

Colheram-se os vistos legais.
*
II. Matéria de Facto dada como provada pela 1ª instância

1º - A Ré dedica-se à atividade de comercialização a retalho de combustíveis para uso doméstico, artigos de solda, de pesca e de vinhos.
2º - Em 1 de Agosto de 1987 o Autor foi admitido ao serviço da Ré, sob a autoridade, direção e fiscalização desta, por tempo indeterminado.
3º - O período de trabalho então acordado foi de 48 horas semanais, distribuídas de segunda-feira a sábado.
4º - O Autor auferiu da Ré as prestações descriminadas a fls. 88 a 192 e a fls. 364 a 502 dos autos, composta de retribuição base, acrescida de subsídio de alimentação e de uma parte designada nuns recibos por ajudas de custo, noutros por gratificação e noutros ainda por prémio, sendo ultimamente a retribuição base mensal de € 755,00.
5º - Não obstante a designação atribuída pela Ré, os sobreditos prémios ou ajudas sempre lhe foram pagos como prestação do trabalho e nunca se tratou de verdadeiras ajudas de custo, que o Autor nunca teve de despender, pois a sua atividade estava afeta às instalações da Ré.
6º - No dia 26 de Agosto de 2011, cerca das 17:50h, o representante da Ré, D…, disse ao Autor, que se encontrava a trabalhar, para sair das instalações e ir para casa, o que o Autor recusou, dizendo que não sairia enquanto não terminasse o seu horário de trabalho.
7º - Após várias insistências para que o Autor saísse e outras tantas recusas deste, o referido representante disse: “És um ladrão. Põe-te lá fora!” ao que o Autor retorquiu dizendo “quem é ladrão é você!”[1].
8º - Então o legal representante da Ré segurou o Autor e tentou pela força puxá-lo para a porta de saída, tendo o Autor, também pela força, resistido.
9º - Estando o Autor então no chão e assim permanecendo no interior do edifício, telefonou à sua mulher, à GNR e ao INEM, que todos comparecerem no local, tendo este conduzido o Autor ao hospital, onde lhe foi diagnosticado contusão na coxa e cotovelo esquerdos.
10º - Por carta de 13/09/2011, a Ré instaurou ao aqui Autor um procedimento disciplinar, com vista ao seu eventual despedimento, enviando-lhe a “nota de culpa”.[2]
11º - Por carta de 22/09/2011, o Autor comunicou à Ré a resolução do contrato de trabalho, sob alegação de justa causa com os seguintes fundamentos:
a) - Por no dia 26 de Agosto/2011 o Sr. D…, legal representante dessa empresa, me ter chamado de ladrão e me ter empurrado, fazendo-me cair desamparado no chão.
b) - Pelas falsas acusações constantes do processo disciplinar que me foi instaurado.
c) -Falta de pagamento da diferença entre a retribuição mensal que me foi paga em 2011 e a retribuição acordada de € 820,00.
d) - Falta de pagamento nos subsídios de férias e de Natal, desde 1985, das gratificações e prémios que integram a minha retribuição regular.
e) - Por nunca me ter sido proporcionado o gozo da majoração legal de férias.
f) - Por nunca me ter sido proporcionada, nem paga, a formação profissional legal.
g) - Por nunca me ter sido pago o trabalho de 15 minutos diários de 2ª a 6ª- feira e de 30 minutos aos sábados dos meses de Verão ou 60 minutos aos sábados dos meses de Inverno, prestado além do meu horário normal de trabalho, e nem me ter sido proporcionado o correspondente descanso compensatório.
12º - Entre 2005 e 2010, o Autor não faltou ao serviço e, após os factos do dia 26 de Agosto, entrou de baixa médica com diagnóstico de depressão.
13º - A Ré nunca proporcionou ao Autor formação profissional certificada.
14º - A Ré, apesar de interpelada pelo Autor para o efeito, não entregou ao Autor certificado de trabalho.
*
De fls. 75 a 79 dos autos consta a nota de culpa referida no nº 10 dos factos provados, a qual foi elaborada pela Ré e foi junta pelo A..
Assim, altera-se o nº 10 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação:
10º - Por carta de 13/09/2011, a Ré instaurou ao aqui Autor um procedimento disciplinar, com vista ao seu eventual despedimento, enviando-lhe a “nota de culpa” que consta do documento que constitui fls. 75 a 79 dos autos, na qual se imputa ao A. os acontecimentos verificados no dia 26.08.2011, designadamente, ter referido, dirigindo-se ao legal representante da Ré, “quem é ladrão é você porque não paga o ordenado”. “vais pagar tudo bem pago”, “não tenho medo de você, de nada”, ter-se recusado a sair quando o sócio gerente se disse para o A. se retirar, tendo-se atirado para o chão, começado a gritar e recusado ajuda e, bem assim, o seguinte:
“34º
A entidade empregadora teve conhecimento que o arguido estava a trabalhar por conta própria em concorrência com a entidade patronal e a desviar em seu proveito os clientes desta.
Efectivamente,
35º
Quando os clientes da arguente telefonavam para a empresa a solicitar a reparação de equipamentos, nomeadamente máquinas, o arguido oferecia os serviços de outro colega funcionário da empresa, E…, fora do horário de trabalho e sem o conhecimento e consentimento da sua entidade empregadora, dizendo que este faria o mesmo serviço, mas com um custo menor.
36º
Situação que a entidade empregadora teve conhecimento, em meados do mês de Julho e Agosto do presente ano, por informações prestadas por alguns dos seus clientes, nomeadamente pela empresa F…, Ldª e pela empresa G…, Ldª e também pelo próprio E… que voluntariamente confessou junto da empresa a sua conduta e mostrou arrependimento.
37º
Estes factos, traduzem a actividade de desvio de clientes em proveito próprio, ou seja, o arguido fazendo usos das suas funções na entidade empregadora para atrair os clientes desta para efectuarem as reparações de um terceiro, em benefício próprio e em prejuízo da arguente, que deixava de receber os respectivos valores.
Mais,
38º
O arguido no exercício das suas funções, foi visto no mês de Maio do presente ano, com um disco de armazenamento de dados informáticos (pen) a copiar a base de dados dos clientes da empresa.
39º
A base de dados dos clientes da arguente constitui informação confidencial, estando os seus funcionários proibidos de a copiar.
40º
Este facto foi presenciado pelo Conselheiro de Segurança da empresa, J….
(…)”
*
III. Fundamentação

1. Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC (na redação introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT (na versão introduzida pelo DL 295/2009, de 13.10), as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Daí que sejam as seguintes as questões a apreciar:
a. Nulidades da sentença;
b. Impugnação da decisão da matéria de facto;
c. Existência de justa causa para resolução do contrato de trabalho;
d. Da improcedência da reconvenção/compensação;
e. Se a Recorrida deve ser condenada no pagamento da quantia de €1.866,62 relativa à integração da média mensal dos prémios, gratificações e ajudas de custo nos subsídios de férias e de Natal dos anos de 1985 a 1993, não se relegando o mesmo para incidente de liquidação;
f. Da existência de despedimento ilícito.

2. Da 1ª questão

Tem esta questão por objeto as nulidades de sentença alegadas nas conclusões 7ª,10ª, 20ª e 44ª.
Dispõe o art.77º, nº 1, do CPT, que “[a] arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso.”.
De harmonia com tal preceito a arguição das nulidades da sentença deve ter lugar, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, este dirigido ao juiz do tribunal a quo, e não na alegação ou conclusões do recurso, sob pena de delas não se poder conhecer por extemporaneidade, exigência aquela que visa permitir ao tribunal recorrido que, com maior celeridade, sobre elas se pronunicie, indeferindo-as ou suprindo-as.
Assim o tem entendido, também, a jurisprudência, de que se cita, por todos, o sumário do douto Acórdão do STJ de 20.01.2010, in www.dgsi.pt, Processo nº 228/09.8YFLSB, no qual se refere o seguinte:
I - De acordo com o disposto no art. 77.º, n.º 1, do CPT, a arguição de nulidades da sentença deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
II - Tal exigência, ditada por razões de celeridade e economia processual, destina-se a permitir que o tribunal recorrido detete, rápida e claramente, os vícios arguidos e proceda ao seu eventual suprimento, sendo que exigência é, igualmente, aplicável à arguição de nulidades assacadas aos acórdãos da Relação, atento o disposto no art. 716.º, nº 1, do CPC.
III - Deste modo, está vedado às partes reservar a sobredita arguição para as alegações de recurso, pois se o fizerem o tribunal ad quem não poderá tomar dela conhecimento, por extemporaneidade invocatória.
No caso, na parte relativa ao requerimento de interposição do recurso, o Recorrente refere, apenas, que “ (…)não se conformando com o teor da douta sentença proferida a fls..., vem desta interpor Recurso Ordinário de Apelação para o Tribunal da Relação do Porto, com reapreciação da prova gravada, que salvo melhor opinião tem efeito meramente devolutivo e deve subir de imediato e nos próprios autos, nos termos dos artigos 79º, 79º-A nº 1 e 81º do C.P.T. e dos 676º, 678º nº 1, 691º nº 1, 691º-A nº 1 al. a) e 692º nº 1 do C.P.C., nos demais de Direito aplicáveis e das alegações e respectivas conclusões que adiante se juntam.”, aí nada dizendo a propósito de nulidades da sentença, muito menos aí as invocando expressa e separadamente.
Seguem-se as alegações, e só no decurso destas, e nas conclusões, é que a Recorrente alude às alegadas nulidades.
A invocação é, assim, extemporânea, pelo que delas não se conhece [sem prejuízo do que adiante se dirá a propósito da questão referida no ponto III.1.f)].

2. Da 2ª questão

Tem esta questão por objeto a impugnação da decisão da matéria de facto, discordando o Recorrente de parte do que consta dos nºs 7 [pretendendo que seja dado como não provado o segmento em que se refere «ao que o Autor retorquiu dizendo “quem é ladrão é você!”»] e 8 [pretendendo que seja dado como não provado o segmento em que se refere «tendo o Autor, também pela força, resistido»].
Diz a Recorrida que o Recorrente não deu cumprimento ao disposto no art. 685º-B, nº 2, do CPC, já que não refere as passagens da gravação em que se suporta, fazendo uma referência genérica ao depoimento da testemunha D…. Todavia, não lhe assiste razão.
O A. invoca, para fundamentar a pretendida alteração, o depoimento de D… dizendo que, de todo o seu depoimento, não resulta que haja sido afirmado a parte de que discorda e que, por isso, tais factos não deveriam ter sido dados como provados.
A fundamentação assenta, assim, em todo o depoimento e não apenas em parte dele, pelo que apenas da audição da totalidade do depoimento se concluirá que a testemunha não afirmou o que foi dado como provado. Assim, não tinha o Recorrente que indicar uma concreta passagem do mesmo, sendo certo que indica as horas e minutos do início e termo do referido depoimento.
O Recorrente deu, assim, cumprimento aos requisitos formais previstos em tal preceito, pelo que nada obsta à pretendida reapreciação dos nºs 7 e 8 dos factos provados.
Importa, ainda, referir o seguinte:
Nas conclusões 27ª, 28ª e 29ª, o Recorrente refere que deveria a 1ª instância ter dado como não provada a factualidade que a Ré lhe imputou na nota de culpa e descrita nas conclusões 24ª e 25ª; e, na conclusão 30ª, refere que não foi feita prova de que o Recorrente, tal como a Recorrida o acusou na nota de culpa, haja sido “visto…a copiar a base de dados dos clientes da empresa”, a qual “constitui informação confidencial, estando os funcionários proibidos de a copiar”.
Ora, compulsada a matéria de facto provada verifica-se que a 1ª instância não deu como provado que o A. haja praticado os factos que lhe foram imputados nos artigos 34º a 40º da nota de culpa. E, na decisão da matéria de facto, o Mmº Juiz, após elencar os factos provados e respetiva fundamentação, referiu o seguinte: “Não se provou, por inexistência de quaisquer elementos probatórios relevantes, qualquer outro facto, (…)”.
Ou seja, pretendendo o Recorrente que a mencionada factualidade imputada na nota de culpa seja dada como não provada - sendo essa a pretensão formulada nas conclusões do recurso, à qual nos devemos ater (uma vez que as mesmas delimitam o objeto do recurso) – tal foi, precisamente, a decisão da 1ª instância.
Assim, e pese embora, nas alegações refira a existência de umas declarações escritas e invoque os depoimentos das testemunhas E…, H… e I… (indicando o tempo das concretos excertos desses depoimentos) dizendo que “requer que sejam doutamente reapreciados” e, bem assim, que “as imputações feitas pela Recorrida ao Recorrente não correspondem à verdade”, nada há a reapreciar, pois que a pretensão formulada nas conclusões – dar os factos imputados na nota de culpa como não provados – foi acolhida pela 1ª instância.

Procedeu-se à audição integral dos depoimentos prestados por D…, trabalhador da Ré há mais de 20 anos, e invocado no recurso pelo Recorrente, bem como ao prestado por H… (sócio gerente de empresa cliente da Ré), invocado pela Recorrida. Ouviram-se, ainda, os depoimentos prestados pelas testemunhas K… (trabalhador de escritório da Ré), E… (ex-trabalhador da ré), I… (sócio gerente de empresa cliente da Ré) e de J…[3] (conselheiro de segurança da Ré e genro do legal representante desta).

2.1. Quanto aos nºs 7 e 8 é o seguinte o teor dos mesmos:
7º - Após várias insistências para que o Autor saísse e outras tantas recusas deste, o referido representante disse: “És um ladrão. Põe-te lá fora!” ao que o Autor retorquiu dizendo “quem é ladrão é você!”.
8º - Então o legal representante da Ré segurou o Autor e tentou pela força puxá-lo para a porta de saída, tendo o Autor, também pela força, resistido.
Sobre tal matéria depuseram as testemunhas D…, K… e J….
Este, J…, apenas referiu ter visto que o A. ajudava a descarregar a carrinha, fazendo as garrafas de gás rolar pelo chão, o que não era procedimento correto e seguro, pelo que a testemunha foi avisar o legal representante da ré. Nada mais viu a não ser, depois, o A. no chão, desconhecendo o que entretanto se passou.
D… referiu que o A. ajudava a descarregar a carrinha, tendo “mandado duas ou três garrafas de gás cheias a rolar pelo chão”, o que não é hábito, é proibido e é perigoso, podendo causar um acidente. Apareceu então o legal representante da ré que disse ao A. “vai-te embora que já está na hora” e que começaram os dois a discutir, tendo a testemunha “dado a volta ao carro” e não tendo ouvido o que disseram (referiu a testemunha, também, que não se lembrava do que, concretamente, foi dito na discussão). Depois, pararam de discutir, tendo a testemunha visto o A. no chão, não sabendo como caiu.
K… referiu que o A. estava a ajudar a o D… a descarregar garrafas, mas que estava a “rebolar” as garrafas no chão. O conselheiro de segurança viu e foi dizer ao legal representante da Ré. Este veio dizer ao A. para este se ir embora, que o A. disse que não se ia embora porque ainda estava dentro do horário dele, que o mencionado legal representante insistiu para que ele se fosse embora e que entraram num “boca para aqui e para ali” e num “bate boca”. Todavia, a testemunha não especificou, nem isso lhe foi perguntado por ninguém, em que consistiu o “bate boca” e o que terá sido dito. Mais referiu essa testemunha que, depois, o A. caiu no chão, que caiu de forma lenta, que não houve agressão.
Ou seja, nenhuma das testemunhas afirmou que o A. haja dito ao legal representante da Ré que “quem é ladrão é você!”, sendo que a testemunha D… referiu não ter ouvido e não se recordar do que foi dito e K… que houve um “bate boca”, mas sem que tivesse concretizado em que consistiu e sem que tal lhe tivesse sido perguntado.
Por outro lado, tal afirmação não foi aceite pelo A. nos articulados e, pese embora se possa afigurar natural ou possível que o A. houvesse retorquido nesses termos, a verdade é que tal não consubstancia uma presunção que se possa, necessária e seguramente, extrair do facto (dado como provado) de o legal representante haver dito “és um ladrão”.
Assim sendo, e por falta de prova, afigura-se-nos ser de eliminar, no nº 7 dos factos provados, o segmento em que se refere que “ao que o Autor retorquiu dizendo “quem é ladrão é você!”, o que se decide.

Já o mesmo não se dirá relativamente ao segmento “tendo o Autor, também pela força, resistido” constante do nº 8 dos factos provados. É que, e pese embora as testemunhas o não hajam afirmado, tal facto decorre, necessária ou seguramente, da primeira parte do que se deu como provado, e não foi impugnado, nesse nº 8 e que, a partir deste, se pode presumir.
Se o legal representante tentou, pela força, puxar o A. para a porta de saída é porque, necessariamente, o A. resistiu, também com força. É que, se não tivesse o A. resistido pela força, não teria o legal representante, também, necessidade de usar força, assim como teria conseguido que o A. saísse, o que não conseguiu uma vez que apenas “tentou” (e certo é que o A. não saiu).
Deste modo, e quanto a este nº 8, nada há a alterar.

2.2. Quanto à matéria constante das imputações feitas ao A. na nota de culpa (art. 35 a 40), como acima se referiu, nas conclusões do recurso, que delimitam o seu objeto, não refere o A. pretender que seja dado como provada a falsidade dessas imputações, isto é, que seja dado como provado que o A. não praticou os factos constantes das imputações em questão, mas tão-só que estas sejam dadas como não provadas, pretensão esta que foi atendida pela 1ª instância na decisão da matéria de facto.
Não obstante, mesmo que se considere que seria possível a esta Relação entender que essa pretensão foi formulada nas alegações e que a ela se poderia atender, a verdade é que a prova feita, se não é, como não, suficiente no sentido de dar como provado que o A. praticou os factos imputados (nos arts. 35º a 40º da nota de culpa), também não é suficientemente segura no sentido de dar como provado que os não praticou.
Os documentos de fls. 25 e 26 são irrelevantes pois que consubstanciam apenas declarações escritas das testemunhas E… e H…, não constituindo os depoimentos por escrito (salvas as exceções da lei, que não se aplicam ao caso) prova válida (os depoimentos devem ser prestados oral e presencialmente, perante o juiz, em audiência de julgamento). E, por outro lado, essas testemunhas foram inquiridas em julgamento, pelo que apenas ao depoimento presencial e pessoalmente prestado no julgamento se deverá atender.
Quanto a E…, embora negando a concorrência desleal, era ele, a par do A., um uma das pessoas visadas na acusação, pelo que se nos afigura insuficiente o seu depoimento.
E se a testemunha I… (sócio gerente de G…, Ldª) referiu que nunca solicitou serviços ao A. e que nada lhe foi proposto e que “não tenho mais nada a dizer”, já H…, legal representante de outra empresa cliente da Ré (F…, Ldª), referindo embora que nunca solicitou os serviços do A., disse também que não era ele, mas o seu sogro, quem solicitava as reparações e que ele, testemunha, passava pouco tempo na empresa.
Já K…, embora não referindo, ao menos claramente, que algum serviço tivesse sido solicitado ao A., disse todavia que, numa altura em que este estava de férias, uma cliente telefonou para falar com o A. tendo pedido o seu contacto pessoal e, durante dois ou três dias, foram também pedidos contactos do Sr. E…, havendo a cliente referido que “se calhar já falei demais”.
Por fim J… referiu que, após o A. e a testemunha E… terem saído da empresa, passaram a aparecer muito mais reparações para fazer do que anteriormente.
Assim, afigura-se-nos que não seria de dar como provada a falsidade das imputações feitas atenta a insuficiência da prova.

4. Da 3ª questão

Tem esta questão por objeto a alegada existência de justa causa para resolução do contrato de trabalho por parte do A.

4.1. Sem prejuízo do que adiante se dirá em matéria de prazo de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa (art. 395º, nº 2, do CT/2009), à apreciação da invocada justa causa é aplicável, ao caso em apreço, o Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02 (CT/2009), atenta a data da resolução do contrato de trabalho, que ocorreu aos 22.09.2011, ou seja, já após a entrada em vigor desse diploma (17.02.2009).

4.1.1. Dispõe o art. 394º do CT/2009[4], que:
1- Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2- Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;
c) (…);
d) (…);
e) (…);
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.
3- Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) (…);
b) (…);
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição;
4- A justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações.
5 – Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
Por sua vez, de harmonia com o art. 396º, nº 1, a resolução do contrato de trabalho com fundamento em facto previsto no nº 2 do citado art. 394º, confere ao trabalhador o direito à indemnização naquele prevista.
O art. 394º, nºs 2 e 3 consagram o que habitualmente se designa, respetivamente, por justa causa subjetiva, proveniente de atuação culposa do empregador, e por justa causa objetiva, relacionada com circunstâncias justificativas dessa resolução não imputáveis a comportamento ilícito e culposo do empregador.
No n.º 4 do art. 394.º prescreve-se que “a justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.”
Neste normativo (art. 351.º, n.º 3), por sua vez, prevê-se que, “[n]a apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.”
Assim, é necessário que, além da verificação do elemento objetivo e subjetivo, se conclua que se tornou impossível a manutenção da relação laboral.
A verificação de justa causa pressupõe, deste modo, a ocorrência dos seguintes requisitos:
a) um de natureza objetiva - o facto material integrador de algum dos comportamentos referidos nas alíneas do n.º 2 do art. 394º do Código de Trabalho (ou outro igualmente violador dos direitos e garantias do trabalhador);
b) outro de caráter subjetivo - a existência de nexo de imputação desse comportamento, por ação ou omissão, a culpa exclusiva da entidade patronal;
c) outro de natureza causal - que o comportamento da entidade patronal gere uma situação de imediata impossibilidade[5] de subsistência da relação laboral, tornando inexigível, em concreto e de acordo com as regras de boa fé, que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo.
Não basta, pois, uma qualquer violação por parte do empregador dos direitos e garantias do trabalhador para que este possa resolver o contrato de trabalho com justa causa. Torna-se necessário que a conduta culposa do trabalhador seja de tal modo grave, em si mesma e nas suas consequências, que, à luz do entendimento de um bonnus pater familias, torne inexigível a manutenção da relação laboral por parte do trabalhador.
Só que nesta apreciação nunca poderá ser esquecido que, enquanto o empregador dispõe de sanções intermédias para censurar um determinado comportamento, o trabalhador lesado nos seus direitos não tem modos de reação alternativos à rescisão (ou executa o contrato ou rescinde). Neste contexto, o rigor com que se aprecia a justa causa invocada pelo empregador não pode ser o mesmo com que se aprecia a justa causa invocada pelo trabalhador, sendo certo que, naquele, se tutela a garantia do emprego, por um lado, e que, nesta, não tem o trabalhador, à semelhança do que ocorre com o empregador (que detém um leque variado de sanções disciplinares), outros meios de reação ao comportamento infrator do empregador.
Relativamente ao nº 5 do art. 394º, embora se entenda que ele consagra uma presunção iure de iure (inilidível por prova em contrário), e não uma mera presunção juris tantum, de culpa, tal não se confunde, nem dispensa, contudo, a prova do requisito indispensável à resolução do contrato com justa causa, qual seja, o da impossibilidade, na aceção de inexigibilidade, da manutenção da relação laboral, prova esta que impende sobre o trabalhador.

4.1.2. Importa também referir que dispõe o art. 395º, nº 1, do CT/2009, que:
1 – O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
2 – No caso a que se refere o nº 5 do artigo anterior, o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador.
Ou seja, a resolução com invocação de justa causa do contrato de trabalho pelo trabalhador depende, em primeiro lugar, da observância dos requisitos de forma a que se reporta o mencionado preceito, formalidade esta que, como condição da licitude da resolução com justa causa, tem natureza ad substantiam, delimitando o seu conteúdo a invocabilidade, em juízo, dos factos suscetíveis de serem apreciados para tais efeitos.
O preceito tem, nessa parte, alguma similitude com o que ocorre no despedimento promovido pelo empregador com invocação de justa causa, mas dele diverge quanto ao grau de exigência na descrição dos factos que justificam a resolução e o despedimento pois que, na resolução com invocação de justa causa pelo trabalhador a lei se basta com uma indicação sucinta dos factos que a justificam.
Quanto ao prazo para a resolução do contrato de trabalho, afigura-se-nos que, no que se reporta à falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, o nº 2 do art. 395º do CT/2009, veio inovar relativamente ao regime pretérito, constante dos então arts. 364º, nº 2 e 442º do CT/2003 e 308º da Lei 35/2004, de 29.07 e, bem assim, em relação ao regime constante da então Lei 17/86, de 14.06.
Com efeito, o art. 395º, nº 2, ao reportar-se ao “prazo para resolução” está a referir-se ao prazo para resolução do contrato previsto no seu nº 1, qual seja o de 30 dias; e, por outro lado, ao remeter para “o nº 5 do artigo anterior”, está a reportar-se ao nº 5 do art. 394º, ou seja, à situação de falta de pagamento pontual da retribuição por período de 60 dias. Ou seja, da conjugação dessas normas decorre, efetivamente e como se diz na sentença recorrida, que, em caso de falta de pagamento da retribuição por período de 60 dias, o trabalhador, findo estes 60 dias, tem 30 dias para, com esse fundamento, resolver o contrato de trabalho (assim por exemplo, caso a retribuição se vença em final de Janeiro, se a mesma não for paga até final de Março, tem o trabalhador o prazo, até final de Abril, para resolver o contrato e assim sucessivamente). Neste sentido, cfr. João Leal Amado, in Contrato de Trabalho à luz do novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, pág. 448, ao referir[6] que “(…). Contudo, em matéria de falta de pagamento da retribuição, o CT esclarece agora que, nas hipóteses contempladas no nº 5 do art. 394º (falta de pagamento que se prolongue por período de 60 dias, ou em que o empregador declare a previsão do não pagamento até ao termo desses 60 dias), «o prazo para a resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador” (nº 2 do art. 395º). Ou seja, nestes casos parece que o trabalhador terá de resolver o contrato algures entre o 61º e o 90º dia de mora patronal, sob pena de esta faculdade de resolução caducar”.
Assim também Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª edição, Principia, pág. 530 e Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho Anotado, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, pág. 962.
Ora, o CT/2003 não dispunha de norma idêntica ao mencionado art. 395º, nº 2, sendo que o seu art. 442º, nº 1, apenas dispunha que a resolução deveria ter lugar nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos e, o art. 364º, nº 2, que o trabalhador tinha a faculdade de resolver o contrato 60 dias após o não pagamento da retribuição nos termos previstos em legislação especial, legislação essa que constava do art. 308º da Lei 35/2004, de 29.06, nos termos do qual quando a falta de pagamento da retribuição se prolongasse por período de 60 dias sobre a data do vencimento, o trabalhador podia resolver o contrato nos termos previstos no nº 1 do art. 442º do CT.
Ora, prolongando-se no tempo a falta de pagamento da retribuição entendia-se que ela consubstanciava facto continuado e/ou que se renovava a cada dia em que o não pagamento se continuasse a verificar. E, daí, que se entendesse que não estava a resolução espartilhada pelo limite temporal de 30 dias a contar do 60º dia de mora, podendo ter lugar a todo o tempo uma vez que, continuando em dívida, sempre estaria dentro do prazo de 30 dias.
Este era, também, o entendimento sufragado no âmbito da Lei 17/86.
Todavia, e como se viu, não foi este o entendimento adotado pelo CT/2009, no seu art. 395º, nº 2, conjugado com o seu nº 1 e com o nº 5 do art. 394º.
Acontece que, nos termos do art. 7º, nº 5, al. b). da Lei 7/2009, o regime estabelecido pelo Código do Trabalho por ela aprovado “não se aplica a situações constituídas ou iniciadas antes da sua entrada em vigor e relativas a” “prazos de prescrição e de caducidade”.
Ora, estabelecendo o art. 395º, nº 2, do CT/2009 um prazo de caducidade (do direito de resolver o contrato de trabalho com fundamento na falta de pagamento pontual da retribuição) não é ele aplicável à falta de pagamento de retribuições que se hajam vencido em data anterior a 17.02.2009, esta a da entrada em vigor do referido Código, relativamente às quais será aplicável o regime e entendimento anteriores.

4.2. No caso em apreço, o A., por carta de 22/09/2011, resolveu o contrato de trabalho com invocação de justa causa, a qual sustentou no seguinte:
a)- Por no dia 26 de Agosto/2011 o Sr. D…, legal representante dessa empresa, lhe ter chamado de ladrão e o ter empurrado, fazendo-o cair desamparado no chão.
b) - Pelas falsas acusações constantes do processo disciplinar que lhe foi instaurado.
c) -Falta de pagamento da diferença entre a retribuição mensal paga em 2011 e a retribuição acordada de € 820,00.
d) - Falta de pagamento nos subsídios de férias e de Natal, desde 1985, das gratificações e prémios que integram a retribuição regular.
e) - Por nunca lhe ter sido proporcionado o gozo da majoração legal de férias.
f) - Por nunca lhe ter sido proporcionada, nem paga, a formação profissional legal.
g) - Por nunca lhe ter sido pago o trabalho de 15 minutos diários de 2ª a 6ª- feira e de 30 minutos aos sábados dos meses de Verão ou 60 minutos aos sábados dos meses de Inverno, prestado além do meu horário normal de trabalho, e nem me ter sido proporcionado o correspondente descanso compensatório.

4.2.1. No que se reporta à factualidade invocada nas als. c) e g), a sentença recorrida considerou não ter o A. feito prova do direito à retribuição mensal de €820,00 e do alegado trabalho suplementar, segmento este que não foi posto em causa e que, assim transitou em julgado, não sendo, por consequência, valorizável para efeitos de integração da invocada justa causa.

4.2.2. No que se reporta às als. d) [Falta de pagamento nos subsídios de férias e de Natal, desde 1985, das gratificações e prémios que integram a retribuição regular], e) [nunca lhe ter sido proporcionado o gozo da majoração legal de férias] e f) [nunca lhe ter sido proporcionada, nem paga, a formação profissional legal], a sentença recorrida:
- reconheceu, como retribuição variável que deveria integrar os subsídios de férias e de Natal desde 1994, as quantias que o A. auferiu sob a designação, umas vezes, de “ajudas de custo”, outras de “gratificação” e de “prémio”, e que liquidou em €4.550,60, assim como as que o A. terá auferido desde 1985 a 1993 mas cuja liquidação, por falta de elementos, relegou para momento posterior.
- reconheceu o direito à quantia de €698,88 correspondente à majoração de 16 dias de férias nos anos de 2005 a 2010 (arts. 213º do CT/2003 e 238º do CT/2009) que o A. não gozou e deveria ter gozado.
- reconheceu o direito à quantia de €573,30 correspondente a “formação profissional certificada” (arts. 131º e 132º do CT/2009), relativa aos anos de 2009, 2010 e 2011 (estes os peticionados) que deveria ter sido ministrada ao A. e não foi.
A Ré/Recorrida não recorreu da sentença recorrida, não tendo posto em causa os mencionados direitos, sendo que o A. apenas recorreu da parte da sentença que relegou para liquidação posterior o montante das quantias pagas sob a designação de “ajudas de custo”, “gratificações” e “prémios” que deverão integrar os subsídios de férias e de Natal de 1985 a 1993 (por entender que deveriam ter sido, desde logo, liquidados na sentença recorrida no montante peticionado, de €1.866,62). Assim sendo, ter-se-ão que ter como assentes tais direitos para efeitos de apreciação da invocada justa causa.
Contudo, considerou a sentença recorrida não ser de, por esses motivos, reconhecer a existência de justa causa para a resolução, para tanto referido o seguinte:
“No que à falta de pagamento de retribuição diz respeito, consta da declaração resolutiva do Autor o seguinte: “c) Falta de pagamento da diferença entre a retribuição mensal que me foi paga em 2011 e a retribuição acordada de € 820,00; d) Falta de pagamento nos subsídios de férias e de Natal, desde 1985, das gratificações e prémios que integram a minha retribuição regular; e) Por nunca me ter sido proporcionado o gozo da majoração legal de férias; f) Por nunca me ter sido proporcionada, nem paga, a formação profissional legal; g) Por nunca me ter sido pago o trabalho de 15 minutos diários de 2ª a 6ª-feira e de 30 minutos aos sábados dos meses de Verão ou 60 minutos aos sábados dos meses de Inverno, prestado além do meu horário normal de trabalho”.
A possibilidade de rescisão do contrato de trabalho por falta de pagamento da retribuição vem na sequencia da lei dos salários em atraso e para pôr termo à calamidade que, numa altura de crise económica, estava ser generalizada e a que os trabalhadores não podiam reagir, deixando-os numa insustentável situação de ser obrigados a trabalhar sem retribuição. Por isso entende-se que a retribuição em causa deve ser certa e inquestionável. Não se aplica pois a parcelas de retribuição que nunca foram pagas e, por isso seja litigiosa a obrigação de pagamento.
O CT de 2009 impõe ainda que a rescisão do contrato de trabalho seja efectuada no prazo de 30 dias a contar do 60º dia posterior à cessação do pagamento.
Ora, compulsando as causas de resolução apontadas, verifica-se que nenhuma delas respeita os requisitos legais. Todas elas se referem a direitos litigiosos, duradouros (alguns alegadamente relativos ao inicio do contrato) e genéricos ou não circunstanciados (o Autor não quantifica nenhum dos alegados créditos, sendo que, relativamente à falta de pagamento posteriormente a 2011, o Autor não logrou provar que tenha então ocorrido um acordo de aumento da mesma no montante indicado).
Assim, improcede a qualificação de justa causa de resolução na parte em que se refere à falta de pagamento de retribuição.”.

4.2.3. Começando pela falta de formação profissional, resulta da matéria de facto provada que a ré nunca proporcionou ao A. formação profissional certificada.
Nos termos do disposto nos arts. 131º, nº 2, e 132º, nº 1, do CT/2009, o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de 35 horas de formação contínua, as quais, se não forem asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador. E, por outro lado, nos termos do nº 6 do art. 131º, se tal estiver previsto no plano de formação, o empregador pode diferir até dois anos a efetivação da formação anual, imputando-se a formação realizada ao cumprimento da obrigação mais antiga.
O crédito peticionado pelo A. e reconhecido na sentença, atento o disposto no art. 132º, nº 6, do CT/2009 [nos termos do qual o crédito de horas para formação que não seja utilizado cessa passados três anos], reporta-se aos três últimos anos, ou seja, aos anos de 2009, 2010 e 2011, sendo que, em Setembro de 2011, cessou o contrato de trabalho.
Ora, devendo a formação ser ministrada no final de cada um dos anos (no caso, em final de 2009, de 2010 e de 2011), em relação ao ano de 2011, tendo o contrato cessado em Setembro desse ano, nem se coloca o problema da violação do art. 131º, nº 2.
Quanto aos anos de 2009 e 2010, poderia a formação, não fosse a cessação do contrato de trabalho em Setembro de 2011, vir a ser ainda assegurada pela Ré até final de 2011 (quanto à formação de 2009) e de 2012 (quanto à formação de 2010), só então se transformando em crédito de horas que o A., por sua iniciativa, poderia utilizar.
Assim, e tanto mais que nem foi alegado pelo A., nem se provou, que inexistisse plano de formação ou que o diferimento da efetivação da formação não estivesse prevista no plano, não se nos afigura, designadamente para aferição da culpa da Ré e da gravidade da infração, que a não concessão, em 2009 e 2010, de formação profissional constitua justa causa de resolução do contrato de trabalho, até porque, transformando-se em crédito de horas, o A. poderia utilizá-lo se não fosse a cessação do contrato.
Em relação à formação devida nos anos de 2007 e 2008, por virtude da entrada em vigor do CT/2009 essa formação deveria ter sido, nos termos apontados, proporcionada, no máximo (isto é, se operado o diferimento por dois anos), até final de 2009 e de 2010, respetivamente, o que não sucedeu. Não obstante, e por via do art. 132º, nº 1, as horas de formação transformaram-se em crédito de horas que o A. poderia ter utilizado e poderia utilizar durante três anos desde a sua constituição, ou seja, até 2012 e 2013. Ora, e por um lado, o contrato cessou em setembro de 2011 e, por outro, não alegou o A., nem se provou, que, até essa cessação, tivesse pretendido utilizar esse crédito de horas em formação a ter lugar por sua iniciativa e que a ré o não haja permitido.
Quanto à formação relativa aos anos de 2004, 2005 e 2006 é aplicável o CT/2003 (aprovado pela Lei 99/2003, de 27.08), nos termos do qual em 2004 e 2005 deveriam ser asseguradas 20 horas de formação certificada (art. 125º, nº 3) e, em 2006, 35 horas (art. 125º, nº 4), as quais, se não forem organizadas pelo empregador ao longo de três anos, eram transformadas em créditos de horas acumuláveis que poderiam ser utilizadas pelo trabalhador em formação da sua iniciativa (art. 125º, nº 5 e 168º, nº 1, da Lei 35/2004, de 29.07). Ora, no caso, o A. não alegou, nem se provou, que, findos os três anos, haja pretendido utilizar esse crédito de horas em formação a ter lugar por sua iniciativa e que a ré o não haja permitido.
Acresce que a justa causa para resolução do contrato de trabalho pressupõe, atenta a gravidade dos factos, a impossibilidade/inexigibilidade da manutenção do contrato de trabalho por parte do trabalhador, o que não se nos afigura poder concluir-se quanto à omissão da formação profissional tendo em conta que, para além de o A. poder ter utilizado, por sua iniciativa, o crédito de horas, o que não fez (e/ou não alegou tê-lo requerido), tal omissão não obstaculizou a que o A. tivesse mantido o contrato de trabalho, sem o resolver, durante tão largo período de tempo, a significar que essa factualidade não consubstanciou tal impossibilidade.
Acrescente-se que, nos termos dos arts.442º, nº 1, do CT/2003 e do art. 395º, nº 1, do CT/2009, a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador deve ter lugar nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos. Ora, se se considerasse como data do vencimento da obrigação da concessão da formação profissional o final de cada um dos anos (ou seja, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010), teríamos que a resolução foi operada muito após o decurso do prazo de 30 dias após o conhecimento dos factos. E, relativamente ao ano de 2011, se não fosse a cessação do contrato de trabalho (em setembro de 2011) ainda poderia essa formação profissional ser ministrada nesse ano.
Não se nos afigura, assim, que esta motivação constitua justa causa para resolução do contrato de trabalho.

4.2.4. Quanto à não concessão da majoração de férias (arts. 213º do CT/2003 e 238º do CT/2009) que o A. não gozou e deveria ter gozado:
O direito a férias vence-se no dia 01 de janeiro de cada ano e reporta-se ao trabalho prestado no ano anterior, sendo que, não tendo sido alegado quando o A. gozou férias, se entende que as mesmas poderiam ter sido gozadas até ao final de cada um dos anos em que o respetivo direito se venceu (arts. 211º, 212º, 213º, nº 3, e 215º, nº 1, do CT/2003 e 237º, 238º, nº 3 e 240º, nº 1, do CT/2009).
Ou seja, no caso, a majoração do direito a férias que agora se invoca para justificar a resolução do contrato de trabalho, deveria ter sido concedida até 31 de Dezembro dos anos de 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010, sendo que a resolução do contrato de trabalho, em Setembro de 2011, teve lugar muito após os 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos (arts. 442º, nº 1, do CT/2003 e 395º, nº 1, do CT/2009), não podendo, por consequência e atenta a caducidade do direito a essa invocação, constituir justa causa para resolução do contrato de trabalho.
De todo o modo, sempre se diga que, mesmo que assim não fosse, atento o largo período de tempo decorrido, tanto mais nem tendo sido alegado, nem se encontrando provado, que o A. haja reclamado pela não concessão de tal direito, não seria possível a conclusão de que o não gozo dessa majoração do direito a férias tivesse impossibilitado a manutenção, por parte do A., da relação laboral.
Não se nos afigura, assim, que esta motivação constitua justa causa para resolução do contrato de trabalho.

4.2.5. Quanto à falta de pagamento, nos subsídios de férias e de Natal desde 1985, das gratificações e prémios que integram a retribuição regular:
Não tendo o A. exercitado o direito de resolver o contrato de trabalho ao abrigo, então, da legislação pretérita, apenas o vindo a fazer em Setembro de 2011, à apreciação da justa causa para resolução do contrato é aplicável o CT/2009, mormente os seus arts. 394º, nº 5 e 395º, nºs 1, sendo o nº 2 deste preceito aplicável, apenas, às retribuições vencidas a partir de Fevereiro de 2009, inclusive (atenta a data da entrada em vigor do CT/2009, o art. 7º, nº 5, al. b), da Lei 7/2009 e o demais acima referido a este propósito).
Atento os citados arts. 394º, nº 5 e 395º, nºs 1 e 2, do CT/2009 caducou o direito do A. resolver o contrato de trabalho com fundamento no não pagamento culposo das gratificações e prémios nos subsídios de férias e de Natal que se venceram desde Fevereiro de 2009, inclusive, até Maio de 2011 (ou seja, porque as quantias em dívida se reportam a subsídios de férias e de Natal, referem-se eles aos subsídios vencidos em 2009 e 2010), já que não foi a resolução exercitada até ao termo do prazo de 30 dias a contar do 61º dia após o início da mora (consideram-se em mora, quanto aos vencidos em 2009 e 2010, desde, respetivamente, 01.01.2010 e 01.01.2011).
Quanto aos demais anteriores não lhes é, pelas razões acima referidas, aplicável o mencionado prazo de caducidade. Não obstante, tal fundamento não constitui justa causa de resolução atenta a sua falta de “atualidade”. Com efeito, e desde logo, não está em causa o não pagamento da retribuição “normal”, mas sim, e apenas, de uma sua componente que, nunca no decorrer da vivência da relação laboral, nela foi incluída, sem que decorra dos factos provados que isso tenha sido objeto de reparo por parte do A.. e que, ao longo de todo esse período, designadamente ao abrigo da Lei 17/86 e/ou do CT/2003, não justificou a resolução do contrato de trabalho por parte do A.. Ora, tal significa que essa falta de pagamento não impossibilitou a manutenção da relação laboral.
Quanto ao subsídio de férias vencido em 01.01.2011 não se provou se, e quando, o A. terá gozado férias (data em que o subsídio seria devido), pelo que não se provou a mora da Ré. E, quanto ao subsídio de Natal de 2011, ele apenas se venceria em Dezembro desse ano, não estando, por consequência, em mora aquando da resolução do contrato de trabalho.
Assim, e também quanto a este invocado fundamento, entendemos que não procede a alegada justa causa de resolução do contrato de trabalho.

4.2.6. Invocou o A., também, para justificar a justa causa de resolução do contrato de trabalho o facto de, no dia 26 de Agosto/2011, o Sr. D…, legal representante da Ré, lhe ter chamado “ladrão” e o ter empurrado, fazendo-o cair desamparado no chão.
Desde logo, cumpre referir que tal factualidade não resultou provada nesses exatos termos. Com efeito, provou-se que o mencionado legal representante, nesse dia, chamou o A. de “ladrão” e que tentou pela força puxá-lo para a porta de saída. Não se provou, contudo, que o empurrou e que fez o cair no chão.
Se o facto de o empregador ter chamado o A. de ”ladrão” viola, como viola, os deveres de urbanidade que impendem sobre o empregador no trato com o trabalhador, a verdade é que a gravidade de tal violação afigura-se-nos esbatida no restante contexto em que tal facto ocorreu, em que se verificou uma altercação entre as partes.
Com efeito o legal representante da Ré, cerca das 17h50, ou seja, pouco tempo antes da hora do termo do horário de trabalho, disse insistentemente ao A. que saísse das instalações e que fosse para casa, ao que o A., também insistentemente, se recusou sair, resistindo ainda, pela força, à tentativa que o legal representante fez para o puxar para a porta das instalações. Se é certo que constitui dever do trabalhador cumprir o seu horário de trabalho, no caso foi o próprio legal representante da Ré quem dispensou o A. desse cumprimento nos restantes 20 minutos que faltavam, ordem essa que o A. deveria ter acatado e, assim, saído das instalações sem as sucessivas recusas e sem a oposição, também usando força, à tentativa que o mencionado legal representante fez para o puxar para a porta de saída. A empresa é propriedade da Ré e, por outro lado, nem essa ordem de saída, mormente tendo em conta o pouco tempo que faltava para o fim do dia de trabalho, violava o direito do Autor, enquanto trabalhador, à ocupação efetiva. E se, porventura, violasse, caberia ao A., nas instâncias próprias (tribunal), resolver a situação e não, como fez, não acatar essa ordem, recusando-se a sair tal como lhe foi determinado.
A afirmação surge, assim, num contexto de altercação das partes, para a qual também o A. contribuiu com o seu comportamento, mostrando-se a sua gravidade, bem como a culpabilidade do Réu, diminuídas. Deste modo, e ainda que se reconheça o “excesso” do legal representante na afirmação feita, afigura-se-nos que ela não se mostra de tal forma grave e inultrapassável, atento o mencionado contexto, que determine a impossibilidade/inexigibilidade, por parte do A., de “suportar”, daí em diante, a relação laboral e que constitua justa causa para a resolução do contrato de trabalho.

4.2.7. Por fim, invocou ainda o A. na comunicação da resolução do contrato de trabalho “a flagrante ofensa à minha integridade moral, à minha honra e à minha dignidade, perpetrada nas acusações absolutamente falsas e injuriosas (conforme melhor se prova, designadamente, pelas declarações que aqui se anexam) constantes do procedimento disciplinar que, no passado dia 13 de Setembro de 2011, me foi instaurado por V.Exªs.”, havendo junto as declarações que constam de fls. 85 e 86 (declarações emitidas por E… e por G…, Ldª, nas quais estes referem que é falso o constante dos arts. 35º e 36º da nota de culpa).
Constando da nota de culpa diversas acusações imputadas ao A., na comunicação da resolução do contrato de trabalho este não concretiza as acusações alegadamente falsas e injuriosas a que se reporta, não dando correto cumprimento ao disposto no art. 395º, nº 1, do CT/2009.
De todo o modo, mesmo que se considerasse que o A. se estaria a reportar à matéria dos arts. 35º e 36º da nota de culpa atenta a remissão que, nessa comunicação, é feita para os documentos a elas anexos e que se reportam a esses pontos, sempre se dirá que tal não consubstancia justa causa para a resolução do contrato de trabalho.
Em tais artigos é imputado ao A. a prática de atos concorrenciais à atividade da ré, designadamente oferecendo aos clientes da Ré, quando solicitavam reparações, os serviços de outro funcionário desta.
O poder disciplinar é uma prerrogativa do empregador que, conquanto não deva, nem possa, ser utilizado arbitrariamente, isto é, sem razão justificativa, não pode, contudo, ser coartado. O poder disciplinar, mormente com vista ao despedimento, deve ser precedido de um procedimento onde se garanta o exercício do contraditório e do direito de defesa, podendo ainda o trabalhador impugnar judicialmente a sanção disciplinar que venha, porventura, a ser aplicada e solicitar o ressarcimento de eventuais danos que a sua instauração desmotivada ou injustificada lhe possa ter causado. Assim, movido que seja o procedimento disciplinar, não pode o trabalhador, a nosso ver, antecipar-se à conclusão desse procedimento e resolver o contrato com invocação de justa causa com base na violação da sua honra e consideração fundamentada nos factos imputados na nota de culpa, devendo, antes, aguardar pelo termo desse processo e, posteriormente e se for o caso, atuar em conformidade. A não ser assim, a utilização como fundamento da justa causa da resolução das imputações feitas no procedimento disciplinar, antecipando-se e furtando-se o A. ao desfecho deste, constituiria, a nosso ver, o exercício abusivo da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa porque violador da boa-fé na execução do contrato de trabalho e no exercício dos instrumentos legais que conferem o direito o direito a essa resolução (art. 334º do Cód. Civil).
Nem se diga, como o diz o A., que se aguardasse pela conclusão do procedimento disciplinar, precludida ficaria a possibilidade de invocação dos demais factos que invocou, pois que, das duas, uma: ou os demais factos constituiriam justa causa para a resolução e o A. nem precisaria de invocar os decorrentes das imputações feitas no procedimento disciplinar; ou não constituiriam justa causa, não ficando o A. inibido de, após o termo do procedimento disciplinar e verificada que fosse a inexistência das infrações imputadas, acionar a resolução do contrato com invocação de justa causa ou, apenas, o ressarcimento dos danos decorrentes das imputações injustificadamente feitas no procedimento disciplinar.
De todo o modo, e ainda que assim se não entendesse, sempre se nos afiguraria que as imputações de concorrência desleal efetuadas na nota de culpa não são de tal modo graves que, objetivamente, implicassem para o A. um sacrifício incomportável em manter o contrato de trabalho e, por consequência, que determinassem a existência de justa causa para o despedimento.
Acresce que nem foi feita prova de que as imputações fossem falsas, sendo certo que a falta de prova de um facto não significa a prova do facto contrário. E se é verdade que a quem acusa compete o ónus da prova da veracidade do facto imputado (o que ocorre na impugnação de sanção disciplinar que haja sido aplicada uma vez que o facto imputado constitui o pressuposto do direito de aplicação de tal sanção), a verdade é que, no caso em apreço, foi o A. quem, antecipando-se à conclusão desse procedimento, resolveu o contrato de trabalho com invocação de justa causa sustentada na falsidade das imputações feitas na nota de culpa, sendo essa falsidade facto constitutivo do direito, que invocou, de resolver o contrato de trabalho (art. 342º, nº 1, do CC).
Por fim, faz ainda o A. referência, na ação, à imputação constante dos arts. 38 e 39 da nota de culpa (ter sido visto com uma “pen” a copiar a base de dados dos clientes da empresa, a qual constitui informação confidencial, estando os funcionários proibidos de a copiar). Tal imputação não está, também, concretizada na comunicação da resolução do contrato de trabalho, nem, sequer, em qualquer declaração que haja sido anexa a essa resolução, pelo que nem é, tal facto, atendível. De todo o modo, ainda que assim se não entendesse, são também aqui aplicáveis as considerações acima tecidas, não assumindo tal imputação gravidade suficiente que determine a impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho.

4.2.8. Assim, e concluindo, afigura-se-nos que não se verifica a justa causa para resolução do contrato de trabalho por iniciativa do A., deste modo improcedendo, nesta parte, as conclusões do recurso.

5. Da 4ª questão

Tem esta questão por objeto a improcedência da reconvenção/compensação do crédito, reconhecido à ré, decorrente da resolução do contrato de trabalho sem justa causa e sem observância de aviso prévio.
A procedência do recurso, nesta parte, estava dependente da procedência da questão anterior. Improcedendo esta, como improcedeu já que o A. resolveu o contrato de trabalho sem justa causa e sem observância do aviso prévio, deverá também, nesta parte, ser negado provimento ao recurso.

6. Da 5ª questão

Tem esta questão por objeto saber se Recorrida deve ser condenada no pagamento da quantia de €1.866,62 relativa à integração da média mensal dos prémios, gratificações e ajudas de custo nos subsídios de férias e de Natal dos anos de 1985 a 1993, não se relegando o mesmo para incidente de liquidação.
Na petição inicial o A. alegou não ter os recibos de remunerações referentes a esse período e, por essa razão, liquidou as quantias agora em questão com base na retribuição auferida em 1994, tendo, porém, solicitado que a ré procedesse, para além de outros, à junção dos recibos relativos a esse período.
Notificada para juntar aos autos os recibos de remunerações, veio a Ré juntar os relativos ao período subsequente a 1994, não tendo, porém, junto os relativos a 1985 a 1993, alegando não os ter encontrado.
A sentença recorrida, por falta de prova do montante da remuneração nesse período, condenou a ré a pagar as quantias que, ao título peticionado, se mostrem em dívida no período de 1985 a 1993, porém a liquidar posteriormente.
Desta decisão discorda o Recorrente considerando que a quantia deveria ter sido liquidada no montante peticionado, para tanto invocando o art. 344º, nº 2, do CC e o art. 519º, nº 2, do CPC.
Desde logo, importa referir que tendo embora sido dado como provado que o A. foi admitido ao serviço da ré aos 01.04.1987, a sentença recorrida condenou no pagamento desde 1985, ou seja, desde período anterior à data da admissão. Uma vez que a sentença não foi, mormente nesta parte, impugnada pela Ré (como o poderia ter sido em ampliação do objeto do recurso ou em recurso subordinado), esse segmento decisório transitou em julgado. Ora, e não obstante, não tendo sido feita prova de que o A. foi admitido em período anterior, nunca se poderia, quanto a esse período (de 1985 a 31.03.87), considerar-se invertido o ónus da prova pela não junção dos recibos.
Quanto ao período subsequente a 01.04.1987, carece a pretensão do A. de fundamento legal. E, carece, desde logo e sem necessidade de considerações adicionais, porque o A., na quantia que liquidou, a contabilizou com base numa retribuição ficcionada, qual seja a de 1994 e não com base em qualquer retribuição que tivesse sido auferida nos períodos em questão. E, por outro lado, podendo a liquidação das quantias em dívida ter ainda lugar em momento subsequente (art. 661º, nº 2, e 378º, nº 2, ambos do CPC) não existe razão alguma para considerar invertido o ónus da prova e liquidar, desde logo na sentença, a quantia no montante pretendido pelo A.
Assim, improcedem nesta parte as conclusões do recurso.

7. Da 6ª questão

Tem esta questão por objeto a alegada existência de despedimento ilícito que, entende o Recorrente, deveria ter sido subsidiariamente apreciada pela 1ª instância atento o disposto no art. 74º do CPT.
Desde logo se, porventura, tal questão fosse, nos termos do art. 74º do CPT, de conhecimento oficioso (que não é), estaríamos perante uma nulidade de sentença que, como referido a propósito da 1ª questão, não foi tempestivamente suscitada (já que o não foi no requerimento de interposição do recurso como determina o art. 77º, nº 2, do CPT).
De todo o modo, não poderemos deixar de dizer, ainda que de forma breve, que tal pretensão é, manifestamente, destituída de fundamento.
Com efeito, tendo o contrato de trabalho cessado, cessou igualmente a indisponibilidade dos direitos emergentes dessa relação contratual, indisponibilidade essa cuja razão de ser radica na subordinação jurídica e económica do trabalhador perante o empregador e na consequente maior fragilidade da sua posição contratual, o que deixa de se verificar com a rutura da relação laboral. E, daí, que não tenha aplicação o disposto no art. 74º do CPC.
Por outro lado, a pretensão do Recorrente, aliás apenas manifestada nas alegações de recurso, consubstancia uma verdadeira alteração do pedido e da causa de pedir extemporaneamente formuladas, atento o principio da estabilidade da instância (art. 268º do CPC), não configurando o pretendido situação em que a lei permita a alteração do objeto da ação. O que o A. invocou na petição inicial foi a resolução, por si efetuada, do contrato de trabalho (com invocação de justa causa), e não qualquer despedimento ilícito.
Assim sendo, improcedem, também nesta parte, as conclusões do recurso.
*
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 04-03-2013
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
Maria José Pais de Sousa da Costa Pinto
António José da Ascensão Ramos
____________
[1] O assinalado a itálico foi eliminado conforme adiante se decidirá.
[2] Alterado conforme adiante melhor se dirá.
[3] Esclarece-se que o nome desta testemunha foi, certamente por lapso, trocado na ata de julgamento de fls. 510 e segs., com o de K…, já que este está repetido na ata e, da gravação dos depoimentos, decorre que a última testemunha ouvida foi J…, conselheiro de segurança e genro do legal representante.
[4] Abreviatura de Código do Trabalho, provado pela Lei 7/2009, de 12.02 este o aplicável ao caso, atenta a data da resolução do contrato de trabalho.
[5] Essa impossibilidade prática, por não se tratar de impossibilidade física ou legal, remete-nos, necessariamente, para o campo da inexigibilidade, a determinar através do balanço, em concreto, dos interesses em presença.
[6] Apesar de questionar a bondade material da solução legislativa.
_______________
SUMÁRIO
I. Na resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa assente na falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, o nº 2 do art. 395º, conjugado com o art. 394º, nº 5, do CT/2009, veio inovar relativamente aos regimes pretéritos [constantes dos arts. 364º, nº 2 e 442º do CT/2003 e 308º da Lei 35/2004, de 29.07 e Lei 17/86, de 14.06], devendo a resolução, nos termos dos citados preceitos, ter lugar no prazo de 30 dias a contar do 61º dia de mora.
II. Todavia, estabelecendo o citado art. 395º, nº 2, do CT/2009 um prazo de caducidade, ele não é aplicável à falta de pagamento de retribuições que se hajam vencido em data anterior a 17.02.2009, esta a da entrada em vigor do CT/2009 [art. 7º, nº 5, al. b), da Lei 7/2009, de 12.02].
III. A justa causa para a resolução do contrato de trabalho exige a verificação da inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho por parte do trabalhador, ainda que esta não tenha que ser aferida com o mesmo rigor com que o deva ser na aferição da justa causa para o despedimento.

Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho