Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
575/08.6TAOVR-AP1
Nº Convencional: JTRP00042257
Relator: JORGE JACOB
Descritores: ARTICULADOS
REQUERIMENTO
Nº do Documento: RP20090304575/08.6TAOVR-AP1
Data do Acordão: 03/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 357 - FLS 191.
Área Temática: .
Sumário: I - É correcta a decisão de ordenar o desentranhamento de um requerimento junto aos autos que foi apresentado em papel que não respeita o estabelecido, quanto à cor, no DL nº 135/99, de 22 de Abril.
II - O incidente deve ser tributado, mas, dada a sua simplicidade, com taxa de justiça mínima.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto
4ª secção (2ª secção criminal)
Proc. nº 575/08.6TAOVR-AP1
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:


I – RELATÓRIO:

Na sequência da apresentação de requerimento em papel de cor vermelha foi proferido despacho ordenando o seu desentranhamento e condenando a requerente nas custas do incidente a que deu causa.
Inconformada com essa decisão dela interpôs recurso a requerente, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1º - A recorrente não se conforma com o despacho proferido nos autos, em que condenou a requerente em 5 UC de taxa de justiça, por custas de incidente por ter apresentado requerimento onde requeria ao tribunal a sua constituição como assistente nos autos, onde requeria também a abertura da fase de instrução, pelos fundamentos legais constantes do mesmo, e onde arrolava prova testemunhal a fim de ser ouvida em sede de fase instrutória, pugnando pela pronúncia do arguido pela prática de crime(s) de lenocínio, de que a requerente terá sido vítima.
2º - Esse requerimento deu entrada nos autos, dentro do prazo legal para o efeito, tendo o original sido entregue em folha de papel A4, de cor encarnada, acompanhada de duplicado legal, em tamanho A4, de cor branca.
3° - O tribunal a quo, proferiu despacho constante de fls. 5 dos autos em que alegando que na sequência do DL. nº 135/99 de 22 de Abril, veio determinar a possibilidade de serem usadas folhas brancas ou outras cores pálidas, cfr. art. 24º, nº 1, do citado diploma, sendo que no entendimento do tribunal a quo, a inobservância daquela norma regulamentar, constitui fundamento de recusa pela secretaria, tal como dispõe o art. 474º, al. i) do Código de Processo Civil que se aplica aos demais articulados e requerimentos, designadamente na jurisdição penal, por força do disposto no art. 4º do Código de Processo Penal, determinando o tribunal a quo que o requerimento junto pela requerente, não observava tal exigencia legal, determinado o desentranhamento do requerimento e devolução a signatária, condenando ainda a requerente em custas pelo incidente de desentranhamento do citado requerimento no montante máximo de 5 UC de taxa de justiça.
4° - Ora o art. 24, nº 1, do DL nº 135/99, de 22 de Abril, ao ter consignado, que as peças processuais, requerimentos, etc, obedecessem a formalidade de nos mesmos, terem de ser usadas folhas de papel em cor branca ou pálida, não quis impor determinada cor para ser utilizada para o efeito, por uma questão de "estética", mas para que o conteúdo do respectivo requerimento ou peça processual, pudesse ser perfeitamente legível e compreensível o seu conteúdo.
5° - Parece inquestionável que o espírito do legislador, que presidiu a elaboração daquela norma jurídica (art. 24, nº 1, do DL nº 135/99 de 22 de Abril) terá sido o de criar condições que as peças processuais e requerimentos, pudessem ser legíveis e seu conteúdo perceptível, e apreensível, sem que a cor do papel, pudesse de alguma forma interferir, ou de algum modo perturbar a perfeita legibilidade da peça processual, requerimento ou documento, assim corno a apreensão do seu conteúdo.
6º - Não quis certamente o legislador apenas por uma questão de "estética" impor a panóplia de cores para serem utilizadas nos requerimentos, peças processuais e documentos, dai ter-se consignado naquele diploma que deveriam ser utilizada cores brancas e cores pálidas, por em principio estas cores não dificultarem a legibilidade dos documentos, peças processuais e requerimentos, e consequentemente cm princípio não impedirem a compreensão do seu conteúdo.
7° - Tal não significa que um requerimento ou peça processual em que seja utilizada outra cor que não seja pálida ou branca, não seja permitida, ou ilegal, donde resulte consequentemente o seu desentranhamento do processo,
8º - Ao abrigo do espírito do legislador que presidiu a elaboração do art. 24º, nº 1 do DL nº 135/99 de 22 de Abril, todas as cores serão permitidas em peças processuais, requerimentos e documentos, desde que a tonalidade da cor utilizada, não impeça ou perturbe a sua perfeita legibilidade e compreensão do seu conteúdo.
9° - Ora o requerimento apresentado pela requerente em folha A4, de cor/tonalidade encarnado, é perfeitamente legível, c o seu conteúdo e perfeitamente compreensível, ate porque se encontra redigido em cor preta, sobressaindo as palavras redigidas a cor preto, da tonalidade de papel.
10º - Alias não raras vezes as partes, e outros, bem assim como mandatários, são notificadas de despachos, decisões, etc em papel de cores, que não integram a panóplia das cores pálidas e branca, consignadas naquele DL citado.
11º - Assim entende a requerente inexistir fundamento legal para que o tribunal a quo ordenasse o desentranhamento do requerimento apresentado nos autos.
12º - O tribunal interpretou incorrectamente o art. 24º, nº 1, do DL nº 135/99 de 22 de Abril, ao fazer uma interpretação literal daquele preceito legal, pois o espírito do legislador na elaboração daquela norma legal não quis impor uma panóplia de cores para serem usadas em requerimentos e peças processuais, mas tão só permitir que a cor da folha de papel utilizada nos citados requerimentos e peças processuais, não perturbasse a sua legibilidade e compreensão do seu conteúdo.
13º - Do exposto decorre que todas as cores poderão ser utilizadas nos requerimentos e peças processuais, desde que cumpram a finalidade que presidiu à elaboração daquele preceito legal que é o de não impedir a legibilidade c compreensão do citado requerimento e peça processual.
14° - O requerimento apresentado pela requerente obedece ao requisito legal que presidiu a elaboração do art. 24º, nº 1, do DL nº 135/99, de 22 de Abril, sendo o conteúdo do mesmo perfeitamente legível e apreensível, não se justificando que o tribunal a quo ordenasse o seu desentranhamento, e condenação da requerente no incidente de desentranhamento do citado requerimento, no máximo legal de 5 UC de taxa de justiça, devendo a condenação em custas ser totalmente revogada.
15° - Sem prescindir, caso V Exªs assim não entendam em revogar a condenação da requerente em custas pelo desentranhamento do requerimento apresentado pela requerente e ordenado pelo tribunal a quo, impõe-se então a sua tributação no mínimo legal,
16° - De acordo com o disposto no art. 82º do Código de Custas Judicias, o tribunal na fixação da taxa de justiça, quando esta é variável, o que abrange as questões incidentais, deve fixa-la atendendo designadamente à situação económica do condenado em custas.
17º - Ora no caso em apreço o tribunal a quo fixou as custas no limite máximo para questões incidentais, não atendendo designadamente à situação económica da requerente que se encontra desempregada, sem qualquer rendimento, encontrando-se a realizar tratamento médico a depressão nervosa de que padece.
18º - Assim o tribunal a quo violou o disposto no art. 82º do Código de Custas, aplicando a requerente o máximo legal de 5 UC de taxa de justiça, não atendendo na fixação daquele montante designadamente à situação económica da requerente, a complexidade do incidente, etc., impondo-se a sua revogação e fixação no mínimo legal.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exªs melhor suprirão, deverá ser dado provimento a este recurso, e em consequência, ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra nos termos em que se defende.

O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
A Mmª Juiz recorrida sustentou o seu despacho.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto sufragou a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
- Admissibilidade da apresentação de requerimento em papel vermelho;
- Adequação da condenação em custas do incidente.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:

O despacho recorrido tem o seguinte teor:
B………. veio aos autos apresentar o requerimento que antecede impresso em folha de papel vermelho.
Na sequência da abolição do uso papel selado pelo DL nº 435/86, de 31 de Dezembro, o DL nº 2/88, de 14 de Janeiro, que veio determinar o tipo de papel que deverá ser usado para os actos que antes estavam sujeitos ao uso de papel selado.
Mais recentemente, o DL nº 135/99, de 22 de Abril, veio determinar a possibilidade de serem usadas folhas brancas ou de outras cores pálidas ( cfr. art. 24º, nº 1, do aludido Diploma).
A inobservância da referida norma regulamentar constitui fundamento de recusa do requerimento pela secretaria, tal como resulta do disposto no art. 474º, al. i), do CPC, disposição que se aplica aos demais articulados e requerimentos, designadamente no âmbito da jurisdição criminal, por força do disposto no art. 4º do CPP.
O requerimento apresentado não observa tal exigência legal, pelo que determino o seu desentranhamento e devolução à signatária.
Condeno a requerente nas custas do incidente a que deu causa, cem taxa de justiça que fixo em 5 UC.
Notifique.
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Apreciemos então a primeira das questões suscitadas, qual seja, a de saber se é lícita a apresentação de requerimentos em papel de cor vermelha.
A lei não deixa margem para dúvidas, sendo óbvias, aliás, as intenções que conformaram a opção legal. Vejamos os antecedentes do preceito em causa:
Numa época não tão remota como isso – até 31 de Dezembro de 1986 – era obrigatória a utilização do papel selado, considerado fonte de receita do Estado.
O DL 435/86, de 31 de Dezembro, reconhecendo a escassez das receitas proporcionadas por aquela obrigação legal em contraponto com o incómodo imposto aos cidadãos, aboliu o uso de papel selado, considerado um símbolo da carga burocrática, substituindo-o pela utilização de papel azul de 25 linhas.
Ulteriormente, o DL nº 2/88, de 14 de Janeiro, veio aligeirar aquela obrigação, admitindo a utilização, nos casos em que antes era obrigatório o uso de papel selado, de papel azul de 25 linhas ou branco liso, de formato A4.
O sistema actual veio a ser atingido com o DL nº 135/99, de 22 de Abril, que implementou diversas medidas no âmbito da desburocratização e modernização administrativa. No respectivo art. 24º, nº 1, foi estipulada a utilização de folhas de papel normalizadas, do tipo A4 ou A5, brancas ou de cores pálidas, nas comunicações por escrito dos particulares com qualquer serviço público. O nº 4 do mesmo artigo vedou a possibilidade de recusa de aceitação ou tratamento de documentos de qualquer natureza com fundamento na inadequação dos suportes em que estão escritos, excepcionando expressamente o caso dos actos judiciais.
Não terá sido um apurado sentido estético do legislador a ditar esta solução, mas sim razões de ordem prática, facilmente intuíveis. A utilização de cores fortes no papel reduz consideravelmente o contraste, dificultando, quando não impossibilitando, a cópia e o tratamento óptico de caracteres, vulgo OCR, ferramentas hoje em dia de utilização quotidiana e indispensável nos tribunais. A inobservância do estabelecido quanto às cores a utilizar no papel dos articulados e requerimentos acarreta sérios entraves à utilização das modernas tecnologias, de tal modo que a cor do papel a utilizar foi erigida em requisito externo, a ponto de constituir actualmente fundamento de recusa pela secretaria (cfr. art. 474º, al. i), do CPC).
Sendo assim, vertida aquela conveniente exigência em letra de lei, não resta aos operadores judiciários senão respeitá-la, sob pena de incorrerem nas consequências legalmente previstas, como sucedeu no caso concreto, em despacho de indiscutível legalidade e ao qual, no que concerne ao desentranhamento do requerimento, nada há a censurar.

Já no que concerne à tributação do incidente, o tribunal recorrido excedeu manifestamente o domínio do razoável. O desentranhamento de requerimento com os fundamentos apontados constitui incidente, tributável, mas de inegável simplicidade, justificando-se a redução da tributação ao mínimo de 1 UC, nos termos previstos no art. 84º do CCJ.
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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, concede-se parcial provimento ao recurso, mantendo-se a decisão de desentranhamento do requerimento, mas reduzindo-se a taxa de justiça devida pelo incidente a 1 (uma) UC.
Por ter decaído parcialmente no recurso interposto, condena-se a recorrente na taxa de justiça, já reduzida a metade, de 2 (duas) UC.
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Porto, 04/03/2009
Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob
Artur Manuel da Silva Oliveira