Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1046/08.6TBVLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
RESPONSABILIDADE DO CONDOMÍNIO
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP201401161046/08.6TBVLG.P1
Data do Acordão: 01/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para que o condomínio esteja obrigado a reparar os danos causados numa fracção autónoma em virtude de uma ruptura na rede comum de águas residuais, é necessário que se verifiquem os requisitos da responsabilidade civil.
II - Comete uma omissão ilícita e incorre na obrigação de indemnizar o condomínio que, independentemente da causa da ruptura, tem conhecimento desta e da necessidade de a reparar, mas, apesar de interpelado a fazer a reparação, permite que a situação se mantenha e que por força dela o titular da fracção autónoma continue impedido de a usar.
III - A pura privação do uso da fracção constitui um dano indemnizável, independentemente da demonstração de que em virtude dessa privação o titular da fracção perdeu um rendimento (renda) ou teve de suportar uma despesa (com a substituição da fracção).
IV - O valor dessa indemnização deve ser fixado com recurso à equidade, usando como critério, mas não necessariamente como medida exacta, o valor de mercado do uso da fracção para o fim a que era destinada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 1046/08.6TBVLG [Tribunal Judicial da Comarca de Valongo]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.
B…, residente em …, instaurou contra o Condomínio do prédio sito na Rua …, nº …/…, em …, acção judicial pedindo a condenação do réu a pagar-lhe as seguintes importâncias, acrescidas de juros de mora a contar da citação: a quantia de €14.782,50 necessária para proceder à reparação dos esgotos situados na fracção e reparação desta; a quantia de €11.700,00 a título de lucros cessantes pela impossibilidade de arrendar a fracção sua propriedade, quantia a que deve acrescer €975 por cada mês que mediar entre Fevereiro de 2008 e 30 dias após o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nestes autos; a quantia de €5000,00 a título de indemnização por danos morais.
Para o efeito alegou, em síntese, que é proprietária da fracção sita no rés-do-chão, com cave e logradouro, destinada a comércio, do prédio a que respeita o Condomínio réu, o qual é constituído por 4 fracções; a fracção da autora esteve arrendada durante anos motivo pelo qual a autora esteve privada de acesso ao prédio; em Setembro de 2006 a autora tomou conhecimento de que o colector privado do prédio não funcionava devidamente, existindo uma ruptura do pavimento da cave por via da qual era expelida parte substancial dos esgotos que descarregavam para a fracção da autora; esta situação foi comunicada à Câmara Municipal e aos condóminos que constataram que para resolver o problema seria necessário criar uma nova rede de esgotos mas o condomínio nada fez para resolver o problema; em Setembro de 2007, na sequência de diligências realizadas pela autora junto da Câmara Municipal, esta notificou o condomínio para proceder à realização das obras necessárias, mas nada foi feito; para reparar as anomalias é necessário anular a rede de esgotos existente e implantar uma nova, reparar paredes e piso, o que custará € 14.782,50; a não realização de tais obras impede a autora de arrendar a fracção, cuja renda mensal se cifra no local em questão em €975,00, e cuja indemnização é pedida por cada mês que não arrendou e desde Fevereiro de 2007; a autora sentiu revolta, angústia e desespero com toda esta delonga e o desprezo dos condóminos; estas importâncias devem ser suportadas pelos condóminos, com excepção da autora pois caso contrário seria um abuso de direito.
Contestou o réu, impugnando os factos essenciais alegados pela autora, alegando que a autora tinha deixado a sua fracção ao abandono há mais de 15 anos e se recusou a resolver o problema pelo que o condomínio se queixou à Câmara Municipal uma vez que a autora sempre se recusou a permitir o acesso à cave para se fazerem desentupimentos necessários ao longo dos tempos e que ocorreram de tal forma que os condóminos nem utilizavam as bancas da cozinha, pois a água saía pelas mesmas nos andares inferiores; a responsabilidade pelo eventual agravamento dos danos causados deve-se tão só à não colaboração da autora; na reunião de 19.04.2008 e após exaustiva recolha de orçamentos, a assembleia de condóminos aprovou um orçamento da “C…”, tendo sido adjudicada a obra àquela entidade pelo que se encontra prejudicada a pretensão da autora no que respeita ao cumprimento da notificação da CM… para suprir as condições de salubridade no edifício, bem como a pretensão de receber a quantia peticionada.
No decurso da audiência de julgamento, a autora apresentou articulado superveniente no qual alegou que entretanto foram realizadas pelo condomínio obras no prédio mas estas não resolveram totalmente o problema uma vez que o novo ramal de esgotos foi colocado no tecto da cave e não enterrado como antes se encontrava, não foi ligada a esse ramal uma casa de banho existente na fracção da autora e o piso desta fracção não foi regularizado. Acresce que a autora tem dúvidas se naqueles trabalhos não foram cortadas vigas ou pilares da estrutura do edifício diminuindo drasticamente a resistência estrutural do edifício. Em consequência amplia o seu pedido à condenação do réu a custear as obras que venham a ser necessárias à reparação das vigas e pilares estruturantes do prédio.
Respondeu o réu que o facto de a ligação se encontrar no tecto se deve a razões técnicas e que não foram afectadas quaisquer vigas ou pilares estruturantes do prédio.
Após julgamento, foi proferida sentença julgando a acção “parcialmente procedente e, em consequência: no que respeita ao pedido de pagamento da reparação dos esgotos existentes, em virtude da implantação da nova rede de esgotos, verifica-se a inutilidade superveniente da lide e, em consequência, a extinção da instância quanto a este pedido; no mais condeno o R condomínio a pagar à autora a reparação da sua fracção (pavimento e paredes da cave), em valor não apurado e cuja liquidação se relega para execução de sentença.”
Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1- Estando os esgotos do prédio a drenar directamente para a fracção da recorrente em resultado duma rotura e entupimentos, tendo tal feito ainda empolar o piso e criado infiltrações nas paredes da fracção, e tendo tanto a administração do condomínio, bem como os condóminos, sido de tal informados pela recorrente, assiste a esta o direito de ser indemnizada pelos danos materiais e morais daí decorrentes face ao disposto nos artigos 1305.º e 483.º n.º 1 do CC.
2- A reparação dos danos materiais deve consistir não só na completa reparação da fracção, nomeadamente pisos e paredes, mas ainda na necessária a que a casa de banho existente na cave possa funcionar.
3- Os danos materiais abrangem ainda os danos decorrentes do fato de a fracção, face aos danos que apresenta, não poder ser arrendada sem que antes seja integralmente reparada.
4- Tais danos, mesmo que se considerasse não provado que a fracção se destina ao arrendamento, devem ser equivalentes aos rendimentos que a mesma geraria caso estivesse arrendada, danos esses desde Fevereiro de 2006 até à data da integral reparação da fracção pela ré.
5- Tais danos, mesmo que se considerasse não provado o valor da renda que a fracção poderia ter no mercado, sempre deveriam ser fixados com recurso às regras da equidade.
6- Aos danos materiais devem acrescer os danos morais decorrentes do fato de a recorrente ver a sua fracção inundada pelos esgotos do prédio e a administração do condomínio nada fazer para reparar tal situação o que só ocorreu, e de um modo acintosamente parcial, após ter sido intentada a acção. Tal, só por si, notoriamente, gera preocupações e aflições que devem ser adequadamente indemnizados.
7- Acresce que dos depoimentos a que supra se fez referencia resulta que estamos perante uma senhora viúva, de avançada idade, que comprou a fracção, na altura com o seu marido, para que o seu rendimento servisse como reforma, o que mais agrava os danos morais.
8- Deve ser considerada provada a matéria constante dos artigos 24.º e 34.º da Base Instrutória, sendo que o 24.º é notório, é resultado evidente, lógico, dos factos provados nomeadamente a gravidade dos danos e a ostensiva inércia da administração do condomínio, sendo que quando forçada a actuar ainda o faz com revoltante desprezo pela recorrente ao invadir a sua fracção com tubos pelo tecto e anulando uma casa de banho.
9- Seria um abuso de direito a recorrente ter de comparticipar no pagamento dos danos materiais respeitantes à indemnização pela perda de rendimentos decorrentes da falta de obras pelo condomínio e nos danos morais.
10- Sendo o administrador do condomínio o representante do mesmo e tendo este capacidade judiciária e competindo-lhe a administração das partes comuns e bem assim de cobrar as receitas e quotas-partes de cada condómino basta que tivesse sido este o demandado nestes autos e consequentemente deveria o tribunal ter conhecido da questão do abuso de direito.
11- A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 1318.º, 483.º e 496.º do CC, bem como o artigo 6.º-e) do CPC e artigos 1430.º a 1433.º, 1435.º, 1436.º e 334.º do CC.
Termos em que, para além da condenação já operada na douta sentença recorrida, deve: a) a ré ser condenada a indemnizar a autora/recorrente dos danos derivados do fato de não poder utilizar a sua fracção desde Fevereiro de 2006 até à data em que se complete a integra reparação da fracção da recorrente, nomeadamente chão e paredes e bem assim a ligação da casa de banho da cave à rede de saneamento em bom funcionamento; b) Tais danos devem ser no valor mensal de 800,00€ e mesmo que assim se não entendesse serem fixados com recurso as regras da equidade, montante mensal que nunca poderia ser inferior a um ordenado mínimo nacional, tendo em atenção que a fracção foi comprada para ser proporcionada uma reforma à recorrente; c) Mais devem ser fixados danos morais em valor não inferior ao peticionado €5.000,00, acrescido dos juros legais contados desde a citação até integral pagamento.
O recorrido respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado, oferecendo as seguintes conclusões:
1. – A decisão proferida consubstanciada na douta sentença deve manter-se, pois na apreciação da matéria fáctica relevante para a decisão da causa, faz uma atenta, rigorosa e sensata interpretação e avaliação dos meios de prova produzidos, exigíveis em função da causa de pedir, operando uma completa aplicação do direito.
2. - Assim, está destituída de fundamento a argumentação e pretensão do Recorrente.
3. - Encontra-se na matéria assente o facto de a fracção da Recorrente estar devoluta desde 2000, facto manifestamente essencial nestes autos.
4. - Acresce que, pelo menos até 2007 a Recorrente se desleixou e não manifestou qualquer interesse pela conservação da fracção.
5. - Foi o próprio Recorrido (é de realçar que para além da fracção da Recorrente o prédio é constituído por mais três fracções habitacionais) que despoletou a situação em causa, pois que apresentou queixa junto da Câmara Municipal … e só com a intervenção desta é que a Recorrente se desacomodou e começou a actuar.
6. - O Recorrido fez a obra de ligação ao saneamento, como era sua obrigação, cujo pedido também aqui era formulado, tendo-se no entanto, verificado a inutilidade superveniente da lide quanto a esse aspecto.
7. - Não ficou provado que a Autora tenha ficado angustiada e desesperada com a situação em apreço (quesito 24.º), pelo que não terá o Recorrente de a indemnizar por danos morais.
8. - Não ficou provado que a fracção pudesse ser arrendada por 975,00€ (quesito 34.º), pelo que o Recorrido não terá de lhe pagar seja o que for a esse título.
9. - É totalmente descabida a putativa pretensão da Recorrente de querer arrendar o imóvel no estado em que se encontrava, sendo mesmo entendido pela Meritíssima Juiz na resposta à matéria de facto que “resultando aos olhos do julgador quase como uma declaração não séria.”.
10. – Não é razoável que perante o comportamento da Recorrente que o Recorrido tenha de pagar indemnização por lucros cessantes. O Recorrido não se quer imiscuir de proceder à reparação da fracção, mas apenas e tão só no que diz respeito aos danos causados no pavimento e paredes da cave cuja reparação seja da sua responsabilidade.
12. - Ainda e quanto a inércia da Autora ao longo de anos a fio, que nunca é de mais realçar, e que, inclusivamente, não paga o condomínio desde o ano de 2002, sendo o mesmo suportado pelos condóminos habitacionais, pessoas já doentes e de avançada idade, é manifesto o abuso de direito.
13. - Não se vislumbra que a Recorrente, no que toca à questão invocada de abuso de direito, deva ser dispensada do pagamento da reparação da fracção.
14. – A sentença proferida não violou nenhuma norma imperativa, não padece por isso do vício e foram apreciados todos os factos relevantes para a boa decisão da causa.
15. – Devem pois as conclusões constantes das alegações de recurso improceder totalmente, mantendo-se integralmente a douta decisão ora recorrida.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II.
As conclusões das alegações de recurso demandam deste Tribunal que decida as seguintes questões:
i) Se a prova produzida deve conduzir à alteração da decisão da matéria de facto nos pontos cuja decisão a recorrente impugna concretamente.
ii) Se estão demonstrados os requisitos da responsabilidade civil do condomínio perante o condómino cuja fracção foi afectada por uma anomalia nas partes comuns.
iii) Qual o montante da indemnização a atribuir ao condómino por ter ficado privado do uso da sua fracção em consequência dessa anomalia.
iv) Se o tribunal pode conhecer da alegação da autora de que constituiria um abuso de direito se ela tivesse também de contribuir para a receita do condomínio destinada a suportar aquela indemnização.

III.
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A) A autora é dona e legítima possuidora de uma loja correspondente à fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua …, n.º …/…, freguesia …, concelho de Valongo, composta por rés-do-chão, cave e logradouro posterior, com a área de 175 m2, que se encontra inscrita na matriz urbana sob o art. 4903-A da freguesia … e descrita na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob a ficha n.º 03055/040293-A e aí inscrito a favor da autora pela inscrição G-1.
B) O prédio sito na Rua …, n.º …/…, freguesia …, concelho de Valongo, encontra-se constituído em propriedade horizontal e é composto por quatro fracções autónomas nas quais se inclui a da autora.
C) A fracção da autora ocupa o rés-do-chão e a cave do aludido prédio e destina-se a comércio.
D) As demais fracções que integram o prédio ocupam os 1º, 2º e 3º andares deste e destinam-se a habitação.
E) Por ofício datado de 01.09.2006 a Câmara Municipal … notificou a autora para no prazo de 15 dias a contar da sua recepção proceder à limpeza do imóvel sua propriedade.
F) A 17.01.2007 foi enviada carta registada com aviso de recepção a todos os condóminos do prédio, ou seja aos donos das três fracções habitacionais, informando-os do estado em que a loja se encontrava, designadamente da ruptura das canalizações.
G) E convocando-os para uma reunião a qual foi agendada para o dia 03.02.2007 para constatarem o estado da fracção.
H) A reunião teve lugar no dia agendado, tendo estado presentes na mesma os condóminos D… na qualidade de administrador do prédio e E…, um representante da autora, um picheleiro, um trolha e um técnico de desentupimento de esgotos.
I) A 03.02.2007 a loja da autora encontrava-se devoluta desde 2000.
J) A 26.10.2007 a administração do condomínio foi notificada pela Câmara Municipal … para, no prazo de 15 dias, proceder a obras para supressão das anomalias supra referidas.
L) Desde 12.12.2008 completou-se a obra de ligação da rede de esgotos, com anulação da rede de esgotos existente.
M) A autora destinava a sua fracção ao mercado de arrendamento pelo menos antes de 2006 (resposta ao quesito 1º).
N) Em Setembro de 2006 existia uma ruptura do pavimento da cave (resposta ao quesito 2º).
O) Por via da qual era expelida parte dos esgotos de todo o prédio (resposta ao quesito 3º).
P) O que provocava infiltrações no subsolo para a fracção da autora (resposta ao quesito 4º).
Q) Havia pontos de insalubridade no tecto do rés-do-chão da fracção A) (resposta ao quesito 5º).
R) Localizados próximo das prumadas dos andares superiores e nos locais onde se encontram instalados os ramais de ligação provenientes do andar superior (resposta ao quesito 6º).
S) A 3.02.2007, havia entupimentos nas caixas de esgotos existentes na cave da autora (resposta ao quesito 7º).
T) O que obstava ao normal funcionamento da rede de águas residuais (resposta ao quesito 8º).
U) Na mesma altura existiam infiltrações nas paredes laterais da cave (resposta ao quesito 9º).
V) Devido ao entupimento dos tubos dos esgotos que se encontravam nas paredes (resposta ao quesito 10º).
W) Havia na dita cave escorrências provenientes do 1º andar (resposta ao quesito 11º).
X) A administração do prédio teve conhecimento dos supra referidos factos em 3.02.207 na mesma altura (resposta ao quesito 12º).
Y) A 26.07.2007 existia na cave e rés-do-chão supra referidas em C) acumulação de água residual com cor escura e de mau odor no chão da cave (esgotos) (resposta ao quesito 13º).
Z) Na zona onde se formara uma poça o chão encontrava-se empolado e fissurado (resposta ao quesito 14º).
AA) Escorrências de águas residuais (resposta ao quesito 15º).
BB) Na parede limítrofe do lado direito da loja ao nível do rés-do-chão havia infiltração de água (resposta ao quesito 16º).
CC) Do que a administração do condomínio teve, na mesma data, conhecimento (resposta ao quesito 17º).
DD) A rede de águas residuais está ligada ao colector público (resposta ao quesito 18º) que se encontra a uma cota superior à rede de águas residuais da cave (resposta ao quesito 19º).
EE) Do que a administração do condomínio teve conhecimento a 26.07.2007 (resposta ao quesito 20º).
FF) Por carta de 14.11.2007, a autora comunicou ao administrador do condomínio que a chave da fracção se encontrava ao inteiro dispor do condomínio (resposta ao quesito 22º).
GG) As supra referidas anomalias apenas se mantêm as respeitantes ao pavimento e paredes da cave (resposta ao quesito 23º).
HH) O piso da fracção da autora encontra-se levantado (resposta ao quesito 25º).
II) Devido às aludidas infiltrações que gera pressão no piso (resposta ao quesito 26º).
JJ) A reparação das anomalias supra enunciadas importa anulação da rede de esgotos existentes (resposta ao quesito 27º).
KK) E implantação de nova rede de esgotos a partir do rés-do-chão e cave da loja da autora até à rede municipal (resposta ao quesito 28º).
LL) Abertura e tapamento de rasgos e reparação de paredes para a execução dos trabalhos anteriores (resposta ao quesito 29º).
MM) Reparação do piso da cave com remoção do piso estragado e recolocação do piso novo (resposta ao quesito 30º).
NN) O que orça em valor não apurado (resposta ao quesito 31º).
OO) As infiltrações supra referidas impedem a autora de arrendar a sua fracção (resposta ao quesito 32º).
PP) Pois obstam à sua utilização (resposta ao quesito 33º).
QQ) Em data não apurada a autora tomou conhecimento que na zona cave os esgotos existentes foram anulados (resposta ao quesito 35º).
RR) E executados novos (resposta ao quesito 36º).
SS) À vista pelo tecto da dita cave até ao colector exterior municipal (resposta ao quesito 37º).
TT) Sendo que os anteriores estavam enterrados no piso (resposta ao quesito 39º).
UU) Tais trabalhos ignoraram uma casa de banho existente na cave desde o início do prédio e que estava unida à rede municipal dos esgotos (resposta ao quesito 40º).
VV) E não a ligaram àquela rede municipal (resposta ao quesito 41º).
WW) Ficando assim a casa de banho inutilizável (resposta ao quesito 42º).
XX) Ligaram à rede municipal uma casa de banho do condómino do 2.º andar, situada na marquise, utilizando sem autorização o espaço interior da cave, encontrando-se actualmente desactivada (resposta aos quesitos 43º a 45º).
YY) As obras a que se referem os quesitos 35º a 45º foram executadas pela C… (resposta ao quesito 48º).
ZZ) O aludido em 37º é um procedimento normal neste tipo de edifícios (resposta ao quesito 49º).

IV.
A] da matéria de facto:
Nas suas alegações de recurso a recorrente impugna a decisão de julgar não provados os factos controvertidos nos. 24º e 34º, reclamando que, em vez disso, seja julgada provada a matéria de facto contida nesses artigos da base instrutória.
A recorrente cumpriu[1] os requisitos legais de que, nos termos do artigo 685.º-B do Código de Processo Civil[2], dependia a admissibilidade da impugnação da matéria de facto (especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados; especificação dos concretos meios de prova constantes do processo ou da gravação nele realizada, que impunham decisão sobre esses pontos diversa da recorrida, com indicação com exactidão das passagens dos depoimentos em que se funda a impugnação), pelo que nada obsta ao conhecimento do recurso nesta parte.
No facto controvertido n.º 24º perguntava-se se autora sentiu revolta, angústia e desespero por a sua fracção manter as anomalias.
O tribunal recorrido fundamentou assim a decisão de julgar não provado esse facto: “O quesito 24º mereceu resposta negativa porquanto não se tornou verosímil que a autora ficasse revoltada e angustiada e desesperada, como foi afirmado pelo seu sobrinho, atenta a displicência que sempre foi demonstrado da sua parte a respeito do abandono a que votou a sua fracção anos a fio e sem dar qualquer explicação aos condóminos, sendo certo que apenas se teve de incomodar a partir da notificação da CM…, a qual foi espoletada pelas denúncias feitas pelo condomínio, caso contrário a autora ainda continuaria impávida e serena.”
A recorrente sustenta o seguinte para informar esse raciocínio: “Estamos perante uma senhora de idade avançada, que sofre do coração (minuto 1,45 do depoimento de F…), que juntamente com o seu falecido marido havia adquirido a loja para que o seu rendimento funcionasse como que uma reforma (mesmo depoimento de minuto 3,37 a 4.00) e que está desprovida da loja o que muito a preocupa (minuto 20,52 a 21,11 do mesmo depoimento). Aliás, o simples fato de alguém ter uma sua fracção invadida por esgotos dum prédio, ter comunicado tal ao condomínio e este nada fazer só actuando após ter sido intentada uma acção é evidente, é notório que tal causa incómodos, aflições, preocupações. Tal associado ao que supra se referiu deveria conduzir à resposta positiva de provado do quesito 24.º”. A recorrente refere-se, com certeza, à passagem em que se refere aos “danos morais pelas evidentes e notórias preocupações e aflições que gerou e gera tal situação. Alguém que vê a sua fracção transformada em fossa e quem devia actuar adopta uma atitude passiva é evidente que é revoltante, que gera preocupação ver a sua propriedade degradada e a degradar-se dia a dia”.
Resulta assim que quer para o tribunal recorrido quer para a recorrente, o único meio de prova testemunhal produzido a propósito deste facto foi o depoimento de F…, sobrinho da autora, o qual, ouvida a gravação da audiência efectivamente afirmou o que a recorrente menciona. A recorrente defende ainda que o sentimento em causa é uma reacção notória, evidente. Que dizer?
Ouvida a gravação do depoimento do sobrinho da autora apura-se de imediato que este não referiu apenas o que a recorrente ora refere e sobretudo que o contexto das suas afirmações é bastante para diminuir fortemente o sentido das mesmas.
O sobrinho da autora revelou que é ele e um seu filho que tratam das questões relativas aos imóveis da autora, uma vez que a tia é viúva há mais de uma década, tem “oitenta e tal” anos e “sofre do coração”. Afirmou ainda que a tia e o tio não têm filhos e que compraram a fracção para retirar algum rendimento dela (foi o ilustre mandatário que associou isso à reforma, tendo a testemunha limitado a aquiescer nessa conclusão). Afirmou também que “parte das coisas não lhe digo bem”, “tenho medo que lhe dê alguma coisa”.
Neste contexto não parece ocioso concluir que afinal a autora já não tem idade, nem necessidade de se preocupar com esta ou qualquer outra situação relativa ao seu património e que quem se preocupa com ele é afinal o próprio sobrinho, provavelmente seu herdeiro face à ausência de filhos para lhe sucederem. Só isso pode justificar que seja o sobrinho a tratar dos assuntos relativos aos seus imóveis e se permita decidir o que contar à tia para evitar que “lhe dê alguma coisa”.
Para retirar deste depoimento que a autora ficou revoltada, angustiada e desesperada com a situação da sua fracção era necessário ter perguntado à testemunha se contou efectivamente à autora o que se passava com a fracção ou se teve antes, como revelou ter normalmente, o cuidado de não lhe contar nada (e tratar ele do assunto) ou lhe contar apenas uma versão aligeirada que não fosse susceptível de causar aquela reacção por forma a evitar que lhe desse “alguma coisa”. O que se escuta na gravação é que essa pergunta não foi feita à testemunha, tendo-se ultrapassado rapidamente a mencionada declaração como se ela não tivesse relevância.
Não custa reconhecer que em situações normais uma pessoa se preocupa com o seu património. Todavia, enquanto a uns tais preocupações geram angústia, a outros nem por isso, já que se sentem capazes de resolver os problemas. Por outro lado, em idades mais avançadas em que os horizontes já são mais próximos, as pessoas têm tendência para já não se incomodarem com determinadas questões materiais, sobretudo quando têm familiares que já tratam desses problemas e que no futuro serão quem deles cuidará. Daí que se deva concluir, face ao teor efectivo e completo das declarações do único meio de prova referido pela recorrente, que não foi produzida prova bastante de que a autora (esta autora) haja mesmo ficado revoltada, angustiada e desesperada com a situação. Por isso concordamos com a decisão de julgar não provado o facto em questão e decidimos manter tal julgamento.
No facto controvertido n.º 34.º perguntava-se se a loja poderia ser arrendada por €975,00 mensais. A Mma. Juíza a quo julgou esse facto não provado.
A recorrente defende nas suas conclusões que o facto devia antes ser julgado provado, mas, em rigor, nas alegações de recurso afirma apenas ter resultado “provado que pelo menos por €800,00 sempre seria possível arrendar”, o que significa que a seu ver a resposta não deve ser totalmente positiva mas apenas no sentido de se julgar provado que “a loja podia ser arrendada por, pelo menos, €800,00 mensais”.
Para fundamentar a sua convicção a Mma. Juíza a quo escreveu o seguinte: “No que respeita ao valor da renda mensal, não se provou o quesito 34º atenta toda a conjugação da prova produzida a respeito, sendo certo que das testemunhas arroladas pelo autor nenhuma afirmou tal renda (com excepção da testemunha G…, mas este depoimento resultou aos olhos do julgador inverosímil atentas as rendas que as outras testemunhas ouvidas – H… e I… - mostravam-se dispostas a arrendar, e que disseram que não o fariam atentas as condições em que se apresentava o arrendado. Por outro lado, não se entende muito bem como é que se oferece um local para arrendar naquele estado (!), resultando aos olhos do julgador quase como uma declaração não séria, sendo certo que antes da CM… ter notificado a autora, esta nunca nada fez para conservar a sua fracção, ainda que tivesse em litígio em tribunal e que não se apurou até quando durou). Daí a resposta restritiva ao quesito 1º, pois em 2006 é que a autora recebe a notificação da CM… para efeitos de limpeza da cave sob pena de ser condenada no pagamento de uma coima atentas as condições de insalubridade que apresentava a cave. Assim sendo não seria verosímil que a partir daí (e até ali destinava ao arrendamento por ainda porventura se manter de pé o arrendamento anterior da sociedade insolvente) e naquelas condições destinasse aquela fracção ao arrendamento, ainda que testemunhas ouvidas afirmassem que lá foram com interesse em arrendar, pois naquelas condições apenas resulta aos olhos do julgador que a oferta para arrendamento tratar-se-ia de uma declaração não séria(!). Por outro lado, e no que respeita ao valor das rendas, das testemunhas arroladas pelo R. condomínio, e ali moradores foi afirmado que ao redor daquela loja encontram-se imensas lojas por arrendar já há muito anos, atenta a crise em que Portugal se encontra e desde aquela altura (2007). Assim sendo e porque desde aquela altura e actualmente é muito aleatório saber se conseguiria ou não arrendar, e encontrando-se o mercado imobiliário praticamente parado, não poderia o tribunal dar como provada tal matéria de facto porquanto se tornou muito aleatório e dependente de inúmeros factores o arrendamento, nomeadamente de uma fracção parada e sem qualquer movimento de comércio há mais de 10 anos.”
A recorrente tem outra perspectiva e defende que “A testemunha G…, pessoa que esteve interessado em arrendar a mesma, deslocou-se lá em finais de 2008 princípios de 2009 (ouça-se a gravação do seu depoimento de 00.58 a 4.08 m) e esclarece que lhe foi pedida inicialmente uma renda de €1.000/1.100,00 que ele achou elevada e que em conversa com a senhoria já se falou então em €900,00, montante que ele estaria disposto a pagar (ouça-se especialmente 3.47 a 4.08 m). Também a testemunha I… nos esclarece que foi ver a loja, pois é comerciante, mas em razão do seu divórcio pretendia abrir um outro estabelecimento fora do local onde residia (minutos 1,30 a 2,53m) e foi ver a loja tendo gostado do espaço por ser espaçosa e necessitar de tal área para o seu trabalho, sendo que o estado do piso da mesma a afastou de arrendar, tendo-se falado numa renda entre €800/900 (ouça-se de 2,36 a 3,25m).”
Curiosamente, a recorrente omite qualquer referência a outra testemunha, H…, que em 2009 esteve interessado em ver a fracção para a arrendar e expandir o seu negócio de energias alternativas e que chegou a visitar a fracção tendo-se desinteressado de imediato de a arrendar face ao estado de degradação em que ela se encontrava.
Esta testemunha mostrou ser a única cuja intenção de arrendar a fracção tinha consistência prática, como resulta das circunstâncias de já possuir uma empresa a explorar a actividade que pretendia expandir naquele local e de perante a dificuldade em chegar ao contacto com os donos da fracção para negociar o arrendamento ter deixado colado no exterior da fracção um papel com o seu contacto e a pedir para ser contactado, tendo sido em virtude disso que depois foi contactado por um senhor (o sobrinho) em representação da dona.
Ao contrário desta testemunha, as testemunhas G… e I… deixaram claro que o arrendamento da fracção era apenas uma possibilidade que se não fosse o estado da fracção poderiam ter equacionado para um projecto que estavam a idealizar mas que ainda não tinha consistência efectiva e que, no caso de ambos, acabou mesmo por não ser concretizado, ali, nas proximidades ou em local algum, sendo certo que, como foi referido por diversas testemunhas, nas proximidades existiriam outros locais para arrendar.
Por conseguinte, sendo certo que também foi julgado provado que a fracção se destina ao comércio e que já desde 2006 a autora destinava a fracção ao arrendamento, não constando dos autos e não sendo, face à sua idade, de presumir que a autora se dedique ao comércio ou alguma vez o haja exercido na fracção, deve concluir-se que foi realmente produzida prova de que houve pessoas que mostraram interesse em arrendar a fracção. Todavia, ao contrário do que defende a recorrente, deve entender-se, pelos motivos aduzidos quanto à consistência das intenções, que esses meios de prova apenas consentem que se considere provado o valor de arrendamento que H… se afirmou disposto a pagar, ou seja, €300,00 mensais.
Em conclusão, decide-se alterar a decisão da matéria de facto relativa ao facto controvertido n.º 34, julgando provado apenas o seguinte facto, de forma explicativa, e que se adiciona ao elenco da matéria de facto acima indicado:
Em 2009 houve um interessado em arrendar a fracção disposto a pagar €300,00 de renda mensal”.

B] matéria de direito:
Passando à matéria de direito, cumpre começar por precisar qual é exactamente a pretensão da recorrente com o presente recurso.
Recordemos quais são os pedidos da autora. A autora, sublinhe-se, não pediu a condenação do condomínio a realizar obras de reparação das partes comuns do edifício e dos danos causados na sua fracção pelos problemas nas partes comuns. Pediu apenas a condenação do condomínio a pagar-lhe as seguintes quantias: €14.782,50 a título de montante necessário para efectuar as referidas reparações; €11.700,00 a título de lucros cessantes (já verificados) pela impossibilidade de arrendar a fracção sua propriedade; a quantia de €975 por cada mês que mediar entre Fevereiro de 2008 e 30 dias após o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida também a título de lucros cessantes (futuros) pela continuação da impossibilidade de arrendar a fracção; €5000,00 a título de indemnização por danos morais.
Na sentença recorrida, foi declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide “no que respeita ao pedido de pagamento da reparação dos esgotos existentes”, foi condenado o réu “a pagar à autora a reparação da sua fracção (pavimento e paredes da cave), em valor não apurado e cuja liquidação se relega para execução de sentença” e foi absolvido o réu dos restantes pedidos.
Agora nas suas alegações de recurso, a autora termina as conclusões dizendo o seguinte: “Termos em que, para além da condenação já operada …, deve: a) a ré ser condenada a indemnizar … os danos derivados … de não poder utilizar a … fracção desde Fevereiro de 2006 até à … integral reparação da fracção …, nomeadamente chão e paredes e … a ligação da casa de banho da cave à rede de saneamento em bom funcionamento; b) Tais danos devem ser no valor mensal de €800,00 e … nunca … inferior a um ordenado mínimo nacional…; c) … danos morais em valor não inferior ao peticionado €5.000,00, acrescido dos juros legais contados desde a citação até integral pagamento”.
Neste contexto, confessamos alguma dificuldade em compreender a conclusão n.º 2 das alegações de recurso, na qual a recorrente se refere à reparação da casa de banho para a tornar operacional.
Com efeito, na acção não foi formulado qualquer pedido de condenação do réu a realizar obras, pelo que só poderia estar em causa o pedido de condenação no pagamento da quantia necessária à realização das obras. Contudo, esta questão da casa de banho não estava colocada nos autos, uma vez que a mesma estava ligada à rede de esgotos existentes e, portanto, na mente da autora e no respectivo pedido só estavam incluídas as obras de reparação da rede de esgotos existentes, não a realização de uma obra que só a solução entretanto dada à rede de esgotos tornou necessária mas que antes não se antevia como necessária. Acresce que aquando da ampliação do pedido a autora acrescentou apenas as obras relativas às vigas e pilares estruturantes do prédio, não fazendo então qualquer menção às obras relativas à ligação da casa de banho à nova rede de esgotos do prédio, pelo que nem pela via da ampliação do pedido essa questão foi colocada à decisão do tribunal “a quo”.
É por isso que a recorrente termina as conclusões formulando o “pedido” específico da instância de recurso[3], pretendendo que para além das decisões favoráveis já obtidas (não a alteração destas, ainda que, naturalmente, em sentido mais favorável) seja o réu ainda condenado a pagar já só as indemnizações relativas aos danos morais e à privação do uso da fracção.
Se bem interpretamos as conclusões de recurso, o que a recorrente reclama através deste recurso é apenas que seja reapreciada a decisão de absolver o réu dos pedidos indemnizatórios (lucros cessantes e danos morais), condenando-se o réu no pagamento de tais indemnizações. Já não está compreendido no objecto do recurso a reapreciação e alteração da decisão de condenar o réu a pagar à autora o valor da reparação da fracção de forma a incluir nesse valor também o custo da reposição da ligação da casa de banho ao ramal de esgotos, não apenas porque isso não é pedido expressamente no epílogo das conclusões, como sobretudo porque, como referimos, tal não estava compreendido no pedido inicial da acção e não foi referido na ampliação do pedido e, como tal, nunca poderia ser decidido pelo tribunal ao julgar a presente acção.
Feita esta precisão, entremos então na análise do pedido de indemnização por danos morais e materiais formulado pela autora.
Nos termos do artigo 1420.º do Código Civil, na propriedade horizontal cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício. Neste direito real coexistem assim a propriedade singular do proprietário de cada fracção que integra a propriedade horizontal e a propriedade em comunhão dos titulares do conjunto dessas fracções sobre as partes restantes do edifício.
O proprietário de cada fracção autónoma do edifício é assim titular exclusivo de um direito real, de natureza absoluta, que lhe permite exigir de qualquer terceiro que se abstenha de actos que perturbem o pleno gozo e fruição da sua fracção. Isso mesmo resulta do disposto no artigo 1305.º do Código Civil segundo o qual o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.
Sucede que nos termos do artigo 483.º do Código Civil a violação de um direito subjectivo, no que se inclui evidentemente o direito real de propriedade, pode importar a obrigação de o agente da violação indemnizar o lesado, caso se verifiquem os demais pressupostos do instituto da responsabilidade civil ali consagrado.
Esta obrigação, tal como se pode constituir nos casos em que o objecto do direito de propriedade do lesado não se encontra em propriedade horizontal e o agente da violação é totalmente alheio ao imóvel, igualmente se pode constituir, nos mesmos termos, quando esse bem se integra numa propriedade horizontal e o autor da violação é outro dos condóminos (danos provindos de outras partes autónomas) ou o próprio condomínio (danos provindos de partes comuns).
Para o efeito, o que releva é que tenha sido violado o direito de propriedade exclusiva ou singular, ou seja, afectada a fracção autónoma, e que o autor da lesão seja alguém estranho a esse direito de propriedade singular, independentemente de se tratar de um não condómino, de um condómino ou do próprio condomínio, os quais, em qualquer dos casos, são terceiros em relação ao direito real sobre o bem afectado e, portanto, estão sujeitos ao dever de non facere que a natureza real do direito do lesado lhes impõe.
Significa isto que o eventual direito de indemnização do titular de uma das fracções do prédio em propriedade horizontal que vê a sua fracção afectada em resultado de algo ocorrido com as partes comuns do edifício pode exigir responsabilidade do condomínio mas para isso torna-se necessário que no caso estejam verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil. Tal como não é só porque sobreveio um dano para alguém em resultado de uma actuação de outrem lesiva de um direito que o lesado tem o direito de ser indemnizado, sendo ainda necessário que a actuação tenha sido ilícita, culposa e causa adequada dos danos, também não é só porque o proprietário de uma fracção viu a sua fracção afectada por algo que tem a ver com as partes comuns do prédio que se segue, necessariamente, que ele tem o direito de ser indemnizado pelo condomínio.
E isto não se altera ainda que se entenda que a relação entre os condóminos não possui natureza contratual mas natureza propter rem ou ob rem, ou seja, que as obrigações geradas por essa relação emergem directamente da qualidade de titular de um determinado direito real (cf. Acórdão Tribunal da Relação do Porto de 01.04.93, in Colectânea de Jurisprudência, tomo II, pág. 201). Com efeito, não existe no regime da propriedade horizontal qualquer norma legal que faça incidir sobre o condomínio a obrigação de assegurar em cada momento, independentemente de culpa, a intangibilidade das fracções autónomas. Mesmo a relação creditória propter rem que tenha por objecto a indemnização não prescinde da noção de culpa (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.05.2007, relatado por Vieira e Cunha, in www.dgsi.pt, citando Henrique Mesquita, in Obrigações Reais e Ónus Reais, págs. 104 e 310).
Centremos então a atenção na causa de pedir que a autora apresenta para fundamentar o seu direito de indemnização. Lendo a petição inicial é fácil perceber que a autora não responsabiliza o condomínio por ter permitido que a ruptura da rede de esgotos acontecesse, responsabiliza-a sim por ter demorado a resolver o problema e ter deixado arrastar a situação durante largos meses. Desse modo, a autora não fundamenta o seu pedido de indemnização no facto jurídico de a ruptura da rede de esgotos do prédio ter ocorrido[4]. O fundamento apresentado é antes o facto jurídico de o condomínio não ter diligenciado prontamente pela resolução desse problema. Por conseguinte, importa determinar até que ponto existe da parte do condomínio um dever de actuação no sentido de conservar e reparar as coisas comuns cuja violação (não actuação) importe a violação de um dever de agir e torne a omissão ilícita.
A rede de águas residuais ou de esgotos de um prédio em propriedade horizontal é uma parte necessariamente comum. Segundo o artigo 1421.º, n.º 1, alínea d), do Código Civil, são comuns as instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes, onde se incluem precisamente as redes gerais de águas residuais, uma vez que estas não apenas servem as diversas fracções autónomas como existem mesmo para essa finalidade conjunta[5]. Por conseguinte, o titular dos direitos relativos às partes comuns é o condomínio (leia-se: os condóminos agrupados no ente colectivo condomínio uma vez que este não tem personalidade jurídica própria[6]) que concomitantemente responde pelas obrigações relativas a essas partes.
Não existe na regulamentação da propriedade horizontal norma legal que directamente imponha, mesmo em relação às partes comuns, de forma clara a obrigação do condomínio de reparar as partes comuns. Por outro lado, a alínea a) do nº 2 do artigo 1422º do Código Civil, apenas impede os condóminos de prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, ou seja, a falta de reparação só é proibida se e na medida em que tiver por consequência a afectação da segurança, da linha arquitectónica ou do arranjo estético do prédio, o que não é o que está em causa na acção. Por sua vez a alínea f) do artigo 1436º do Código Civil define como função do administrador, não propriamente a execução de obras de reparação das partes comuns, mas apenas a realização dos actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns.
Porém, em simultâneo, existem várias normas que se referem às despesas de conservação das partes comuns. É o caso do artigo 1424º, o qual dispõe sobre o critério de repartição pelos condóminos das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício, do artigo 1427º, que autoriza qualquer um dos condóminos, na falta ou impedimento do administrador, a efectuar ele mesmo as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício, ou ainda do artigo 1411º do Código Civil, relativo directamente à compropriedade mas aqui aplicável no que concerne às partes comuns, o qual estabelece que os comproprietários devem contribuir para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum. E pode ainda citar-se a norma do artigo 89º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, que impõe um dever geral de conservação das edificações, prescrevendo que estas devem ser objecto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos.
Parece assim poder afirmar-se que embora inexista norma legal expressa com tal conteúdo, resulta do nosso sistema jurídico que estando o imóvel constituído em propriedade horizontal é obrigação do condomínio diligenciar pela conservação e reparação das partes comuns do imóvel. Tendo o condomínio, através da sua administração e por impulso da autora, ficado a saber que a conduta de águas residuais do edifício apresentava rupturas e se encontrava danificada ao ponto de se ter tornado imprestável e ter conduzido mesmo a danos numa das fracções autónomas, é evidente que se tem de considerar que sobre o condomínio impendia, por força da lei, o dever de actuação no sentido de reparar os danos daquela conduta e reposição das condições normais de utilização do edifício e das suas diversas fracções. Trata-se de uma manifestação dos chamados deveres de prevenção no tráfego jurídico que impõe a quem está em condições de os evitar que actue de forma a evitar que outrem sofra prejuízos desnecessários.
Podemos assim concluir que o condomínio estava vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício[7], que incumpriu esse dever por omissão negligente do zelo que lhe era exigível e possível na perspectiva e segundo o critério do bom pai de família, e que por isso está obrigado a indemnizar o condómino aqui autor dos danos que este sofreu no seu património como consequência directa dessa omissão ilícita e culposa.
No que concerne aos danos sofridos pela autora em consequência da permanência dos danos na sua fracção, resultou provado que tais danos impedem a autora de arrendar a fracção pois obstam à sua utilização (factos OO e PP).
Como sabemos, a mais recente jurisprudência bem entendendo que a mera privação do uso de um bem constitui já uma agressão às faculdades de uso, disposição e disponibilidade do bem pelo seu proprietário e, como tal, uma lesão do respectivo direito de propriedade, consubstanciada numa privação ou limitação daquelas faculdades (neste sentido, Abrantes Geraldes, in Indemnização do Dano da Privação do Uso, pág. 30, e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, vol. I, pág. 317).
Se em resultado de um evento imputável a terceiro, o proprietário do bem fica privado daquelas faculdades, sofre, só por isso, um dano, isto é, uma afectação do seu património - em sentido amplo, constituído não apenas pelos bens que o compõem, como pelas utilidades que os bens proporcionam ao seu titular -.
Nessa perspectiva o dano tem natureza patrimonial, no sentido de que afecta directamente o património do lesado e não o corpo, a saúde ou o intelecto do lesado. A sua repercussão pode ser (directamente) económica, como quando o lesado se vê obrigado a suportar despesas para substituir o bem sinistrado e continuar a poder dispor das utilidades que ele lhe proporcionava, como até aí fazia, caso em que o valor da indemnização corresponde à despesa acrescida que o lesado suportou nessa substituição (dano mediato ou indirecto). Mas também pode ser apenas pessoal, como quando o lesado se priva dessas utilidades, prescinde delas ou recorre a um bem que lhe é disponibilizado gratuitamente. Neste caso, a indemnização deve ser atribuída ainda que o lesado não haja suportado imediatamente um dano emergente, uma vez que apesar disso ele viu mesmo as suas faculdades sobre o bem afectadas ilegitimamente (dano imediato ou directo). O seu valor tem então de ser fixado com recurso à equidade.
No caso, uma vez que o bem era destinado pela autora ao mercado de arrendamento e, portanto, a sua utilidade concreta era a obtenção do valor da renda, faz sentido utilizar como critério aferidor da equidade o valor que presumivelmente a autora poderia obter com o arrendamento. Não se trata, no entanto, de reparar directamente o dano da perda do valor da renda, uma vez que nem a fracção estava efectivamente arrendada e a proporcionar à autora a correspondente renda nem resulta da matéria de facto que se esta situação não tivesse ocorrido a autora teria mesmo arrendado a fracção. O que resulta da matéria de facto é apenas que em 2009 houve um interessado em arrendar a fracção disposto a pagar €300,00 de renda mensal. Ora a situação já se arrastava desde o início de 2007, ignorando-se se entre um momento e o outro houve mais interessados em arrendar a fracção e quanto estariam dispostos a pagar de renda.
Do que se trata, portanto, é de usar o valor dessa intenção concreta de arrendamento como critério de aferição do dano da perda da faculdade de utilizar a fracção (para o fim a que a autora a destinava). O que significa que exactamente porque se desconhece se e qual o valor da renda que a autora poderia realisticamente pretender obter entre 2007 e 2009 e porque ficou provado que a fracção já se encontrava devoluta (logo sem gerar qualquer renda e sem proporcionar qualquer outra utilidade porque, segundo a autora, a fracção estava destinada por esta – só - ao arrendamento) há cerca de sete anos (desde 2000), o valor a atribuir de indemnização tem de ficar aquém desse valor de €300,00. Em equidade, afigura-se-nos correcto e adequado o valor de apenas €200,00 mensais.
Ao formular o seu pedido a autora indicou um valor liquido e um valor a liquidar oportunamente. O valor que liquidou corresponde a 12 meses, ou seja, segundo se deduz, ao período entre Fevereiro de 2007 e Fevereiro de 2008, data da instauração da acção. O valor a liquidar foi imputado ao período “entre Fevereiro de 2008 e 30 dias após o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nestes autos”. Agora, nas suas alegações de recurso, a autora reclama que esse valor mensal[8] seja pago “até que se complete a integral reparação da fracção”.
Como é evidente, estamos perante uma tentativa de ampliação do pedido feita apenas e indirectamente nas alegações de recurso, o que naturalmente não é consentido, razão pela qual a indemnização nunca poderia ser fixada nos moldes agora reclamados porque isso representaria exceder o pedido, o que está vedado pelo artigo 609.º do actual Código de Processo Civil. Acresce que essa pretensão também nunca poderia proceder nesses moldes, uma vez que a autora não pediu a condenação do réu a realizar as obras, pediu apenas a sua condenação a pagar-lhe o valor necessário para a realização das obras, pelo que com o trânsito em julgado da decisão, a realização destas passará a ficar na disponibilidade da própria autora e, portanto, passa a ser-lhe imputável a manutenção do dano.
Refira-se ainda que as obras já realizadas pelo condomínio não abrangeram a totalidade dos danos e que subsistem os danos no pavimento e paredes da fracção, razão pela qual o réu foi condenado no pagamento à autora do custo das obras em falta. O que significa que apesar de as obras executadas pelo condomínio terem sido dadas por terminadas em finais de 2008, não cessou aí o dano da autora. Logo, o valor da indemnização mensal a suportar pelo condomínio pela privação do uso da fracção deve ser contado entre Fevereiro de 2007 e a data em que transitou em julgado a parte da sentença que condenou o condomínio a pagar à autora o custo das obras ainda em falta (parte que não é objecto deste recurso e, por isso, se mostra já coberta pelo caso julgado).
No tocante aos danos de natureza não patrimonial, entendemos que o recurso deve improceder uma vez que efectivamente não se demonstrou que a autora haja sofrido danos dessa natureza. Acresce que não se trata de uma fracção para habitação própria ou em relação à qual a autora tenha uma especial ligação afectiva, de modos que a simples constatação do estado em que a fracção se encontra pudesse constituir um abalo psicológico notório e irrecusável gerador do direito de indemnização por danos não patrimoniais que, recorde-se, apenas são indemnizáveis quando são suficiente graves para merecer a tutela do direito (artigo 496.º do Código Civil).
Nas conclusões de recurso nos. 9 e 10 a recorrente refere que “seria um abuso de direito a recorrente ter de comparticipar no pagamento dos danos …” e que “sendo o administrador do condomínio o representante do mesmo e tendo este capacidade judiciária e competindo-lhe a administração das partes comuns e bem assim de cobrar as receitas e quotas-partes de cada condómino basta que tivesse sido este o demandado nestes autos e consequentemente deveria o tribunal ter conhecido da questão do abuso de direito”.
Estas conclusões parecem vir na sequência do que a esse propósito se afirmou na sentença recorrida e que foi o seguinte: “Pede a autora que apenas deveria ser condenado o R condomínio e com a sua exclusão como condómina no pagamento das obras a cargo do condomínio, sob pena de se incorrer num abuso de direito. Desde já diga-se que se trata de um pedido que em termos formais e sem a demanda de todos os condóminos individualmente não poderia ser apreciado, atenta a ilegitimidade passiva por falta de demanda dos mesmos. Contudo, sempre se dirá que: … Apenas poderia argumentar a autora para sustentar a sua tese que seria por culpa exclusiva do condomínio na pessoa de cada uma dos condóminos que o integram que o problema não foi resolvido atempadamente. … da prova produzida não resultaram provados tais factos, antes pelo contrário resultou provado que apenas após várias incursões pelo condomínio junto da CM… é que esta notificou a autora e a partir daí é que a autora desacomodou-se e começou a agir. Mas sempre à espera de algo mais que não da sua iniciativa, quando a lei prevê para obras urgentes e necessárias outros procedimentos que estavam ao alcance da autora e a mesma não lançou mão dos mesmos (cfr. art. 1427º do CC), a não ser com a presente acção. Assim sendo, não se vislumbra como se poderia conceder tal pedido, sem abalar o instituto do abuso do direito mas da parte da autora (e não do R), o que sempre se verificaria in casu, atenta a postura ou melhor a omissão de acção por parte da autora durante anos a fio, de tal modo que a demora na resolução da questão por parte do condomínio fica muito esbatida em face de tais circunstâncias, para não dizer anulada com a postura da autora até então.”
Tanto quando julgamos existe aqui um equívoco que trespassa a sentença e que acaba por consentir a alusão nas conclusões de recurso. Temos em mente a circunstância de na petição inicial a autora não ter, em rigor, formulado pedido algum correspondente a esta questão jurídica.
Ao longo daquele articulado a autora mencionou efectivamente a questão de a despesa com o pagamento da indemnização que reclama dever ser suportada pelo condomínio com exclusão de si. O único artigo da petição inicial onde esta questão é aflorada pela autora é o artigo 60.º onde se refere o seguinte: “A indemnização pelos danos decorrentes da abusiva inércia do condomínio em solucionar a questão … deve ficar a cargo do condomínio com exclusão da aqui autora já que seria um manifesto abuso de direito ela participar na reparação de um dano para o qual nada contribuiu e só foi vítima”. Todavia, ao formular os pedidos com que concluiu a petição, a autora não deduziu qualquer pretensão concreta a propósito dessa questão, designadamente, como seria curial, o pedido de condenação do réu a reconhecer que a autora não teria de comparticipar na despesa do pagamento da indemnização que na acção o réu viesse a ser condenado a pagar.
Ora o tribunal só tem de decidir os pedidos que lhe são formulados, não lhe sendo consentido decidir outros pedidos para além dos que o demandante entendeu deduzir, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia e na nulidade correspondente. Por sua vez as questões que lhe cabe apreciar são apenas aquelas que possam contender com os pedidos formulados, cuja abordagem seja estritamente necessária para a cabal decisão destes, e já não aquelas que inconsequentemente hajam sido alegadas ao longo da petição inicial mas cujo pedido acaba por não ser formulado. Tanto bastava para que esta questão não devesse sequer ter sido apreciada na 1.ª instância e para que também aqui não devesse ser abordada.
Não ignoramos, todavia, que existe jurisprudência que admite a formulação de pedidos implícitos e que admite também que se possam considerar como tendo sido deduzidos pedidos que não constem sequer da conclusão final da petição inicial mas ainda assim se possam deduzir apenas da narração dos fundamentos de facto e de direito da acção[9]. No dizer de Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, I, Almedina, 1997, pág. 108, o pedido deve ser expressamente referido na petição inicial e que “só a manifestação inequívoca da vontade de submeter ao poder jurisdicional a resolução de um litígio e de, relativamente ao mesmo, obter um determinado resultado, permitirá que o tribunal possa pronunciar-se e proferir uma decisão soberana revestida da força emergente do caso julgado que possa ser imposta à outra parte”.
No entanto, mesmo a seguir-se essa tese e a admitir-se com tal fundamento que a acção contém um pedido que exige que o tribunal decida se a indemnização deve ser suportada por todos os condóminos ou apenas pelos outros que não a autora, afigura-se-nos que esse pedido não podia ser apreciado por falta de legitimidade passiva, como se refere na sentença recorrida.
Com efeito, é necessário ter presente que o condomínio não é uma pessoa colectiva, não possui personalidade jurídica. O condomínio é apenas a agregação numa organização do conjunto de condóminos para o exercício dos direitos e deveres inerentes ao imóvel em propriedade horizontal. O condomínio é, apesar disso, um sujeito de direito, no sentido de que constitui uma entidade que pode ser centro de imputação de relações jurídicas autónomas e que possui inclusivamente um património afecto à satisfação das suas responsabilidades (fundo comum de reserva). Essas relações jurídicas estabelecem-se por efeito da vontade e esta provém da vontade dos condóminos, mas autonomiza-se da destes através do processo deliberativo que converge numa posição maioritária que passa a constituir a vontade do condomínio, vinculando-o.
Quanto aos direitos e deveres que resultem da vontade do condomínio ou que por serem relativos à propriedade horizontal possam ser assacados ao condomínio, é o condomínio que surge como centro de imputação desses direitos e deveres e que pode exercê-los através dos seus órgãos (assembleia de condóminos; administrador do condomínio). No caso dos direitos ou deveres que já não emergem da vontade, mas directamente da lei, e que respeitem ao modo como a lei estrutura e organiza o próprio direito real da propriedade horizontal, o centro de imputação já não é o condomínio, são os próprios condóminos.
Quando a lei define a medida da comparticipação de cada condómino nas despesas inerentes à propriedade horizontal, está a intervir directamente no âmbito do direito de cada condómino e não no âmbito do direito do condomínio. Por isso, decidir como administrar o imóvel é algo que compete ao condomínio, porque a lei remete para o domínio da vontade formada colectivamente pelos condóminos esse direito e o modo de o exercer. Todavia, a decisão sobre a medida da comparticipação de cada um deles em certas despesas já não depende da vontade que o condomínio possa formar a esse respeito, depende sim da estrutura jurídica dos direitos e deveres que a lei definiu para cada condómino por integrar a propriedade horizontal.
Para o condomínio propriamente dito é irrelevante donde vem a receita de que necessita para fazer face às suas obrigações uma vez que de uma forma ou de outra ela há provir dos condóminos, se não for mais de uns é mais dos outros. Para os condóminos é que é relevante saber se o outro irá ou não ter de comparticipar em determinada despesa, porque se o outro não tiver que comparticipar ou comparticipar em menor medida, será maior a sua própria comparticipação.
Por conseguinte, qualquer conflito judicial sobre a medida dessa comparticipação terá de ser estabelecido necessariamente entre os próprios condóminos por serem estes os verdadeiros titulares do direito em demandar e contradizer e porque sem a intervenção de todos eles qualquer decisão que venha a ser proferida nunca poderá produzir efeito útil, na medida em que qualquer condómino que não tenha intervindo na acção e que por via da diminuição da comparticipação de outro condómino veja aumentada a sua comparticipação, poderá sempre questionar tal decisão. Nessa medida, mesmo que se considerasse que a questão em apreço constitui um pedido específico que ao tribunal fosse legítimo decidir, ainda assim o seu conhecimento estaria vedado em virtude da falta de personalidade judiciária do demandando quanto a esse pedido.
Em conclusão, procedem parcialmente as alegações de recurso, impondo-se alterar a decisão recorrida no sentido da atribuição à autora também da indemnização mencionada.

V.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, dando-lhe parcial provimento, alteram a decisão da matéria de facto no sentido acima assinalado e, em acréscimo ao decido na sentença recorrida, condenam ainda o réu a pagar à autora, a titulo de indemnização, a quantia mensal de €200,00 entre Fevereiro de 2007 e a data em que transitou em julgado a condenação do réu a pagar à autora o custo da reparação em falta da sua fracção.

Custas da acção e do recurso por autora e réu na proporção do decaimento respectivo.
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Porto, 16 de Janeiro de 2014.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto110)
José Amaral
Teles de Menezes
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[1] Cumpriu, mas apenas ao longo das alegações de recurso e não propriamente nas respectivas conclusões, sem que isso represente, a nosso ver, uma deficiência susceptível de obstar ao conhecimento do recurso da matéria de facto. Sobre a questão de saber se esses requisitos devem ser cumpridos também nas conclusões ou basta que se mostrem cumpridos no decurso das alegações cf. Maria Adelaide Domingos, in Recursos – um olhar convergente sobre aspectos dissonantes: questões práticas, O Novo Processo Civil, Caderno II, CEJ, 2013.
[2] Na versão anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Fevereiro, que na data de apresentação das alegações regia sobre o conteúdo destas e, portanto, em função da qual se tem de averiguar se foram cumpridos os requisitos legais. Isto porque a solução que brota do disposto nos artigos 5.º e 7.º, n.º 1 da referida lei, de aplicar imediatamente às acções instauradas a partir de 1 de Janeiro de 2008 o novo regime de recursos, independentemente da data da decisão recorrida e, portanto, mesmo que esta tenha sido proferida, como aqui sucede, antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, nunca pode implicar que a um recurso já interposto sejam aplicáveis novas exigências legais que não estavam em vigor à data da sua apresentação e com que o recorrente não tinha de contar ao elaborar as suas alegações.
[3] Como refere Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, 2.ª edição, 1997, pág. 453, “o objecto do recurso é constituído por um pedido e um fundamento. O pedido consiste na solicitação de revogação da decisão impugnada e o fundamento na invocação de um vício no procedimento («error in procedendo») ou no julgamento («error in iudicando»).
[4] Ficam assim afastadas do objecto do processo as questões de saber se ao caso seria ou não aplicável a presunção de culpa do artigo 492.º do Código Civil e, sendo-o, se o condomínio logrou afastar a culpa pela produção dos danos decorrentes directamente da ruptura da conduta, que seriam as questões que tinham de ser abordadas se a causa de pedir da acção fosse o surgimento da ruptura e as consequências directas desse evento.
[5] Sandra Passinha, in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na propriedade horizontal, 2.ª edição, 2006, pág. 39, anota, no entanto, que “a presunção de comunhão vale só para a parte da instalação que se pode chamar central, não para as condutas derivadas que, destacando-se da conduta central, entram nas fracções autónomas e são propriedade exclusiva dos condóminos”.
[6] Cf. Sandra Passinhas, loc. cit., pág. 174 e segs.
[7] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.01.2006 (Cunha Barbosa), in www.dgsi.pt.
[8] No epílogo das conclusões, ao contrário do que fizera na petição inicial, a autora já não distingue o período já transcrito, liquidando o respectivo valor, do período a decorrer no futuro. Todavia, por manifesto lapso refere o início do período a considerar como Fevereiro de 2006, quando se trata sim de Fevereiro de 2007, data em que o condomínio tomou conhecimento da anomalia na rede de esgotos e nas consequências que essa anomalia tinha provocado na fracção da autora.
[9] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03.12.2013 (Teles Pereira), in www.dgsi.pt, que todavia reconhece que a questão é discutível. No mesmo sentido, do mesmo tribunal, os Acórdãos de 09.02.93, in Boletim do Ministério da Justiça, 424.º, pág. 748, de 20.03.2007 (Hélder Almeida), e de 10.09.2013 (Jorge Arcanjo), in www.dgsi.pt. Contra Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 1985, pág. 249, afirmando que não basta que o pedido surja acidentalmente na narrativa, a qual apenas pode servir para interpretar, em caso de dúvida, o pedido formulado.