Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1886/06.0YYPRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP00042518
Relator: GUERRA BANHA
Descritores: SOCIEDADE EXTINTA
DÍVIDA
LIQUIDATÁRIO
REQUISITOS
PETIÇÃO INICIAL
Nº do Documento: RP200904281886/06.0YYPRT-D.P1
Data do Acordão: 04/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 308 - FLS. 14.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ART. 162.° E 163º DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Sumário: I- Os arts. 162.° e 163.° do Código das Sociedades Comerciais, distinguem e regulam dois modos diferentes de fazer intervir os sócios em acção instaurada por dívida da sociedade extinta, consoante a acção esteja pendente à data da extinção da sociedade ou seja instaurada após a extinção da sociedade.
II- Tratando-se de acção pendente à data da extinção da sociedade, a substituição da sociedade pelo conjunto dos sócios, representados pelos liquidatários, é imediata e feita no próprio processo, sem necessidade de qualquer justificação e sem necessidade de recorrer ao incidente de habilitação art. 162.° do CSC).
III- Tratando-se de acção a instaurar após a extinção da sociedade por dívida não paga nem acautelada no acto da liquidação, terá que ser proposta contra a generalidade dos sócios, também representados pelos liquidatários, e considerando que cada sócio apenas responde até ao montante que recebeu na partilha (art. 163.°, n.° 1, do CSC), o demandante terá que justificar, na petição inicial, que, aquando do encerramento da liquidação, a extinta sociedade possuía bens e/ou valores e que esses bens e/ou valores foram distribuídos pelos sócios demandados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1886/06.0YYPRT-D
Recurso de apelação
Distribuído em 11-03-2009
Relator: Guerra Banha
Adjuntos: Anabela Dias da Silva
Maria do Carmo Domingues

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.
I

1. B……………, exequente na acção executiva para pagamento de quantia certa que corre termos no ….º Juízo de Execução do Porto (2.ª Secção) com o n.º 1886/06.0YYPRT, instaurada contra a sociedade C…………., LDA, veio requerer, por apenso àquela execução e ao abrigo do disposto no art. 372.º do Código de Processo Civil, a habilitação de D………….. e E…………., na qualidade de únicos sócios da sociedade executada à data do encerramento da sua liquidação e do respectivo registo, para ocuparem na referida execução a posição da extinta sociedade.
Os requeridos D……….. e E……….. vieram contestar a sua habilitação, alegando, em síntese, a extemporaneidade do incidente e que, nos termos do art. 163.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, os sócios só podem ser responsabilizados pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante que receberem na partilha, pelo que cabia ao requerente também alegar e provar que, aquando da liquidação, a sociedade possuía bens e que estes foram distribuídos pelos sócios, o que não foi alegado. Assim concluindo que o incidente teria que ser indeferido ou julgado improcedente.
Por sentença proferida em 27-10-2008, a fls. 30-33, foi entendido que à decisão do incidente apenas importa apreciar “se está verificada, quanto aos requeridos, a qualidade de que depende a requerida habilitação” e que a questão de saber se os requeridos receberam ou não bens da extinta sociedade e em que medida respondem pela dívida exequenda terá que ser resolvida no domínio do processo de oposição à execução. Pelo que, considerando verificada por documento a qualidade dos requeridos como únicos sócios da sociedade executada aquando da sua dissolução e encerramento da liquidação, foi decidido julgá-los habilitados para ocuparem na referida acção executiva a posição da executada C…………., LDA.

2. Os requeridos não se conformaram com esta decisão e apelaram para esta Relação, tendo concluído as suas alegações dizendo:
1º- Julgou a douta sentença em crise que a alegação dos recorrentes – de que nada receberam na partilha da extinta sociedade executada, pelo que o seu património pessoal não poderá ser responsabilizado pela dívida exequenda – não deveria ser analisada em sede de incidente de habilitação, por estar fora do seu âmbito.
2º- Andou mal, no entender dos recorrentes, o Tribunal a quo, porquanto não conheceu – como devia e se lhe impunha – das alegações feitas pelos recorrentes de que o recorrido não alegara nem provara que os recorrentes tivessem recebido quaisquer bens ou quantias aquando da partilha do património social, sendo certo que estes, efectivamente, nada receberam.
3º- Não basta a verificação da qualidade de sócios únicos à data do encerramento da liquidação, para que a execução possa prosseguir contra os ora recorrentes.
4º- O facto de a sociedade ter sido dissolvida e liquidada não determina, por si só, que as responsabilidades da sociedade executada se transmitam, sem mais, para os seus sócios e liquidatários, posto que a sociedade em causa é uma pessoa distinta dos seus sócios (artigos 5.º e 6.º do C.S.C.).
5º- Dispõe o n.º 2 do artigo 163.º do C.S.C. que os sócios apenas podem ser responsabilizados pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante que receberam na partilha.
6º- Uma vez que o recorrente não alegou no requerimento de habilitação e muito menos provou que, aquando da liquidação, a sociedade possuía bens e que estes foram distribuídos pelos ora recorrentes, falta um pressuposto essencial para que estes possam ser habilitados e, consequentemente, ser responsabilizados pelo pagamento de uma dívida da extinta sociedade que não foi paga nem acautelada.
7º- Acresce que, no requerimento de oposição à habilitação, os recorrentes alegaram que nunca receberam qualquer importância em virtude da liquidação da sociedade C………….., LDA, posto que, aquando da partilha do activo social nenhuma importância, quantia ou bem lhes foi entregue, facto este que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 163.º do C.S.C., determina a impossibilidade de serem responsabilizados pelo pagamento da dívida exequenda.
8º- Contrariamente ao entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, é no incidente de habilitação que esta questão deve ser abordada: prevendo a lei que, em caso de passivo não satisfeito ou acautelado, os antigos sócios respondem até ao montante que receberam na partilha, necessário se torna, para que estes possam ser responsabilizados e o seu património pessoal agredido, que o Tribunal se pronuncie sobre a verificação, in casu, do duplo pressuposto legal.
9º- Com efeito, julgada procedente a habilitação, os recorrentes vão ocupar, em termos processuais, a mesma posição que até agora era ocupada pela sociedade executada, o que significa que vão passar a ser alvo das diligências para cobrança efectiva da quantia exequenda.
10º- É precisamente por esse motivo que, para aferir da sua legitimidade para intervir nos autos não basta apurar que os recorrentes eram, à data da liquidação e extinção da sociedade executada, os seus únicos sócios, sendo ainda indispensável determinar se receberam – ou não – qualquer importância aquando da dita liquidação.
11º- Limitar-se, como fez a sentença recorrida, a apreciar um dos pressupostos legais com exclusão do outro, e assim decidir pela legitimidade dos recorrentes para contra eles prosseguirem na causa é violar expressamente a lei, mormente o n.º 1 do artigo 163.º do CSC.
12º- A douta sentença recorrida violou, por deficiente interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 5.º, 6.º, 162.º, n.º 1, e 197.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais, e deve ser revogada.
Não houve contra-alegações.

3. Ao presente recurso já é aplicável o regime processual introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada após 01-01-2008 (cfr. art. 12.º do mesmo decreto-lei).
De harmonia com as disposições contidas nos arts 684.º, n.ºs 2 e 3, e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, são as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação que delimitam o objecto do recurso, sem prejuízo das questões de que, por lei, o tribunal pode conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Tendo em conta o teor da decisão recorrida e o alcance das conclusões formuladas pelo recorrente, o objecto do recurso compreende uma única questão: se é no âmbito do presente incidente de habilitação que dever ser apreciado e decidido o pressuposto de que os requeridos receberam algum bem ou valor aquando da liquidação da sociedade executada.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II
4. A decisão recorrida baseou-se na seguinte factualidade:
1) A sociedade C…………, LDA, foi constituída por escritura pública outorgada no 2.º Cartório Notarial de Matosinhos, em 9 de Setembro de 1999, sendo o respectivo contrato de sociedade sido registado na Conservatória do Registo Comercial do Porto, em 30-09-1999.
2) Aquando da respectiva constituição, o capital social da referida sociedade, no montante de € 25.000,00, foi dividido em duas quotas, no valor unitário de € 12.500,00, ficando cada uma delas a pertencer aos sócios D…………. e E…………...
3) Em 30-07-2003, foi registada na aludida Conservatória do Registo Comercial a dissolução e encerramento da liquidação da referida sociedade.
4) Na data da sua dissolução, a mencionada sociedade mantinha como únicos sócios os referidos D……………e E……………..
Par além destes factos, importa acrescentar os seguintes, que relevam para a apreciação do incidente e, consequentemente, do objecto do recurso, e estão documentalmente provados nos autos:
5) Em 23-01-2006, o requerente B……………. instaurou nos Juízos de Execução do Porto, contra a sociedade C……………., LDA, execução para pagamento de quantia certa, no valor de 46.908,78€, baseada em sentença condenatória transitada em julgada (cfr. certidão de fls. 52-55).
6) Em 31-07-2008, o exequente promoveu, por apenso àquela execução, o presente incidente de habilitação contra D…………… e E……………., na qualidade de únicos sócios da executada à data do encerramento da liquidação e do seu registo (cfr. fls. 3 a 6).
III
5. Entendem os recorrentes que, em face do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 163.º do Código das Sociedades Comerciais, os sócios só podem ser responsabilizados pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante que receberem na partilha, pelo que competia ao requerente da habilitação também alegar e provar que, aquando da liquidação, a extinta sociedade possuía bens e que estes foram distribuídos pelos sócios. Neste contexto discordando da decisão recorrido que considerou que aqueles pressupostos devem ser apreciados e resolvidos no âmbito do processo de oposição à execução, e não no incidente de habilitação.
Cremos que, numa interpretação conjugada dos arts. 162.º e 163.º do Código das Sociedades Comerciais, não pode deixar de se concluir que a razão está do lado dos recorrentes.
Com efeito, os dois preceitos legais citados distinguem e regulam de forma diferente o modo de fazer intervir os sócios em acção instaurada por dívida da sociedade, consoante a acção esteja pendente à data da extinção da sociedade ou seja instaurada após a extinção da sociedade, entendida esta (a extinção da sociedade) segundo o conceito definido no n.º 2 do art. 160.º do Código das Sociedades Comerciais, ou seja, que a sociedade só se considera extinta pelo registo do encerramento da liquidação.
Na primeira situação, ou seja, em acção pendente à data da extinção da sociedade, prescreve o n.º 1 do art. 162.º do Código das Sociedades Comerciais que a sociedade “se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5”. E o n.º 2 acrescenta que, “a instância não se suspende nem é necessária habilitação”. O que significa que a substituição da sociedade pelo conjunto dos sócios, representados pelos liquidatários, é imediata e feita no próprio processo, sem necessidade de qualquer outra justificação e sem necessidade de recorrer ao incidente de habilitação.
É bem diferente o regime previsto no art. 163.º do Código das Sociedades Comerciais para a segunda situação, em que a propositura da acção ocorre após a extinção da sociedade, ou seja, após o registo do encerramento da liquidação. Extinta a sociedade, esta já não pode ser demandada, porque cessou a sua personalidade jurídica e judiciária. De modo que as acções que haja necessidade de intentar para fazer reconhecer e efectivar algum direito contra a extinta sociedade terão que ser “propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação” (cfr. acs. do STJ de 18-09-2003 e 26-06-2008, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 03B1374 e 08B1184).
Mas fora os casos que impliquem sócios de responsabilidade ilimitada, que aqui não estão em causa, nas sociedades de responsabilidade limitada “os antigos sócios (apenas) respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha” (art. 163.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais). O que quer dizer que, após a extinção da sociedade, a responsabilidade dos antigos sócios pelo passivo não satisfeito ou acautelado é limitada ao montante que receberam na partilha dos bens da sociedade. De modo que os sócios que nada receberam também nenhuma responsabilidade lhes pode ser exigida, já que, como escreve RAUL VENTURA, “o montante que recebera na partilha apura-se em relação a cada sócio, isto é, cada sócio é responsável até ao montante por ele recebido na partilha, e não por aquilo que os outros sócios também tenham recebido … podendo, portanto, suceder que apenas um ou alguns dos sócios venham a ser demandados, assim como pode suceder que algum sócio esteja isento de responsabilidade por nada ter recebido na partilha” (em Dissolução e Liquidação de Sociedades, Almedina, 1987, p. 484).
É, assim, evidente, em face do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 163.º do Código das Sociedades Comerciais, que, em acção proposta contra os antigos sócios de sociedade de responsabilidade limitada por dívida desta não paga nem acautelada no momento da liquidação, o demandante terá que justificar, na petição inicial, a legitimidade passiva dos sócios demandados. Que mais não é do que a concretização do mecanismo que o Professor ALBERTO DOS REIS designa de “habilitação-legitimidade” (em Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição – reimpressão, Coimbra Editora, 1980, p. 574).
É no âmbito dessa “habilitação-legitimidade” que compete ao demandante alegar e depois provar que, aquando do encerramento da liquidação, a extinta sociedade possuía bens e/ou valores e que esses bens e/ou valores foram distribuídos pelos sócios demandados.
A este respeito, importa aqui registar que o que constar da deliberação de encerramento da liquidação é res inter alios acta perante terceiros e especialmente perante os credores sociais, e, por isso, não lhes pode ser oposto (cfr. RAUL VENTURA, obra citada, p. 467). De modo que, o que para este efeito releva, não é o que consta da decisão de encerramento da liquidação, mas o que o demandante alega e prova.

6. O que é que o caso dos autos contém de diferente relativamente ao que ficou dito anteriormente?
Apenas que a execução, em vez de ter sido logo instaurada contra os antigos sócios da sociedade extinta, como dispõe o n.º 2 do art. 163.º do Código das Sociedades Comerciais, foi inicialmente instaurada contra a sociedade. Certamente porque o exequente desconhecia que esta já tinha sido extinta. E só no acto da citação é que se veio a conhecer que a sociedade demandada já tinha sido extinta e já não existia. Sendo, na sequência desse facto, suscitado o incidente de habilitação dos sócios existentes à data da extinção.
Não deixa, porém, de se tratar de acção instaurada após a liquidação e extinção da sociedade. E se a lei exige que, neste caso, sejam demandados os antigos sócios que tenham recebido bens na partilha para responderem até ao montante que receberam (art. 163.º, n.ºs 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais), então não havia lugar a qualquer incidente de habilitação, mas tão só fazer seguir a acção contra as pessoas a quem a lei confere essa legitimidade.
Com efeito, o incidente de habilitação destina-se a proceder à substituição de uma parte que faleceu ou se extinguiu na pendência da causa (art. 371.º, n.º 1, do CPC). A extinta sociedade demandada nunca chegou a ser parte na acção, porque já não existia à data da sua instauração. Logo, não havia que proceder à sua substituição como parte que não era e nunca foi.
O que havia a fazer, uma vez constatada a extinção da sociedade em data anterior à instauração da execução, era requerer que esta prosseguisse contra os antigos sócios, representados pelos respectivos liquidatários, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 163.º do Código das Sociedades Comerciais. Como se estes fossem demandados ab initio. E era nesse requerimento que o exequente teria que justificar os motivos da demanda dos antigos sócios, por forma a demonstrar a verificação dos pressupostos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 163.º do Código das Sociedades Comerciais, ou seja, que, aquando do encerramento da liquidação da extinta sociedade, esta possuía bens e/ou valores e que esses bens e/ou valores foram distribuídos pelos sócios demandados na execução (cfr., a propósito de situação similar, o ac. do STJ de 26-06-2008, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 08B1184).
Tendo sido aceite o incidente de habilitação, não podia ser dispensada a alegação e prova dos mesmos pressupostos legais. Tal e qual como defendem os recorrentes.
Donde se conclui que, independentemente do mecanismo processual utilizado para fazer prosseguir a execução contra os antigos sócios, era exigível que o exequente alegasse e provasse a verificação dos pressupostos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 163.º do Código das Sociedades Comerciais.
Pretender que fossem os executados a suscitar essas questões em sede de oposição à execução é impor-lhes um ónus de alegação e prova que a lei comete ao demandante/exequente.

7. Esta conclusão em nada choca com a decisão anteriormente proferida por esta Relação, através do acórdão de 14-07-2008 (que se encontra publicado em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ sob o n.º 0833387).
Com efeito, pese a nossa não aderência a algumas das considerações aí expendidas — mormente no que respeita à menção da “habilitação incidental” para fazer intervir os antigos sócios, pelos motivos já referidos anteriormente — a conclusão alcançada identifica-se com a que aqui propomos, porquanto já aí se concluiu que a responsabilidade dos antigos sócios pelo valor da execução era apenas “até ao montante que hajam recebido na partilha”. O que implicava que este pressuposto fosse alegado e apreciado no incidente utilizado para fazer intervir na execução os antigos sócios da extinta sociedade.

8. Não tendo a exequente alegado, no requerimento do incidente de habilitação, os factos atinentes à verificação dos pressupostos previstos no n.º 1 do art. 163.º do Código das Sociedades Comerciais, entendem os recorrentes que a habilitação deveria ser indeferida.
Neste ponto, não corroboramos tal entendimento.
Antes do indeferimento, e em nome da prevalência da justiça material sobre a justiça formal, haverá que dar oportunidade à parte de corrigir a sua insuficiência de alegação, no âmbito do dever oficioso imposto ao Juiz pelos arts. 265.º, n.º 2, e 508.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (cfr. neste sentido, a decisão proferida pelo do Ex.mo Sr. Presidente desta Relação de 17-01-2008, no Processo de Reclamação n.º 3/08, disponível em http://www.trp.pt/reclamacoes/reclamacao08_03.html).
Impõe-se, assim, revogar a decisão recorrida e ordenar que, em sua substituição, seja proferido despacho de convite à correcção do requerimento inicial apresentado pela exequente para fazer intervir na execução os ora recorrentes.

9. Sumariando:
1) Os arts. 162.º e 163.º do Código das Sociedades Comerciais, distinguem e regulam dois modos diferentes de fazer intervir os sócios em acção instaurada por dívida da sociedade extinta, consoante a acção esteja pendente à data da extinção da sociedade ou seja instaurada após a extinção da sociedade.
2) Tratando-se de acção pendente à data da extinção da sociedade, a substituição da sociedade pelo conjunto dos sócios, representados pelos liquidatários, é imediata e feita no próprio processo, sem necessidade de qualquer justificação e sem necessidade de recorrer ao incidente de habilitação 8art. 162.º do CSC).
3) Tratando-se de acção a instaurar após a extinção da sociedade por dívida não paga nem acautelada no acto da liquidação, terá que ser proposta contra a generalidade dos sócios, também representados pelos liquidatários, e considerando que cada sócio apenas responde até ao montante que recebeu na partilha (art. 163.º, n.º 1, do CSC), o demandante terá que justificar, na petição inicial, que, aquando do encerramento da liquidação, a extinta sociedade possuía bens e/ou valores e que esses bens e/ou valores foram distribuídos pelos sócios demandados.
III
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e, em consequência:
1) Revoga-se a decisão recorrida e ordena-se que, em sua substituição, seja proferido despacho de convite à correcção do requerimento inicial apresentado pela exequente, no que respeita à falta de alegação dos factos atinentes à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do art. 163.º do Código das Sociedades Comerciais, sob pena de ser rejeitado.
2) Custas pela apelada (art. 446.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
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Relação do Porto, 28-04-2009
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Maria do Carmo Domingues