Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1218/12.9TJVNF-W.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
CADUCIDADE
PRAZO PROCESSUAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RP201403271218/12.9TJVNF-W.P1
Data do Acordão: 03/27/2014
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo de propositura de acção de verificação ulterior de créditos a que se refere o artigo 146º, nº 2, alínea b), do CIRE, não tem natureza substantiva, não integra a respectiva relação jurídica obrigacional, nem se lhe aplica o regime de caducidade previsto nos artigos 298º, nº 2, e 333º, nº 2, C. Civil.
II - Trata-se de prazo de natureza processual, regulador da reclamação e verificação de créditos na insolvência pendente, a que se aplica, quanto aos efeitos e regime de conhecimento, o Código de Processo Civil.
III - O seu encurtamento, determinado pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, é aplicável a acção cujo dies a quo ocorreu em data posterior à entrada em vigor daquele.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1218/12.9TJVNF-W.P1
Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão
2º Juízo Cível

Relatora: Judite Pires
1ª Adjunta: Des. Teresa Santos
2º Adjunto: Des. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO
1. Com benefício de Apoio Judiciário, em 07-06-2013, B… instaurou, por apenso ao processo de insolvência de “C…, SA”, Acção de Verificação Ulterior de Créditos, pedindo que lhe seja verificado, reconhecido e graduado, no lugar que lhe competir, um crédito no valor de € 12.519,28, acrescida da quantia de € 1.250,70 de juros vencidos à taxa legal.
Alegou, para tanto, que, tendo sido trabalhador da sociedade comercial insolvente até 31.08.2009, data em que rescindiu com justa causa o respectivo contrato de trabalho, no âmbito do processo nº 3234/09.9TJVNF que correu termos no 4º Juízo Cível do Tribunal de VN de Famalicão, reclamou, na referida qualidade, créditos laborais no valor global de € 15.733,99, conforme declaração anexa passada pelo respectivo Administrador. Contudo, apesar de reconhecidos e aprovados, do seu valor apenas recebeu a quantia de € 3.214,71, paga pelo Fundo de Garantia Salarial, permanecendo credor da diferença.
Liminarmente, em 08-06-2013, foi proferido o seguinte despacho judicial:
“De acordo com o artigo 146º, nº 2, alínea b) do CIRE, a reclamação de créditos só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência.
No caso dos autos, a sentença que declarou a insolvência foi proferida em 24/5/2012, transitou em julgado e a presente ação foi proposta no dia de hoje, isto é, em 7/6/2013.
Por conseguinte, decorrido que está o aludido prazo de seis meses, entendo que o requerente perdeu o direito de praticar o ato em causa.
Em conformidade, é extemporâneo o seu articulado, pelo que me abstenho de o apreciar.
Notifique.
Custas pelo requerente, pelo mínimo legal, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Oportunamente, arquive.”
2. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs o Autor recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“- O prazo para intentar a acção “sub Júdice” é um prazo de caducidade (art. 298º, nº 2 CC).
- Por isso, não pode ser do conhecimento oficioso.
- Pois o regime previsto no art. 333º, nº 1 do CPC apenas se aplica às matérias excluídas da vontade das Partes, dispondo o seu nº 2 que, quando se trate de matéria sujeita á disponibilidade das Partes, aplica-se o regime do artigo 303ºCC, isto é, “o Tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição”.
- Por isso, a caducidade é de conhecimento oficioso apenas, e só, em matéria de direitos indisponíveis (como bem ensinam Pires de Lima e Antunes Varela e, de resto, como é Jurisprudência corrente neste Tribunal, seguindo–se –por todos– o douto Acórdão de 21.10.2008, no processo 0822995, in www.dgsi.pt/jtrp) .
Acresce que, e sem prescindir,
- Nos termos do art. 12º CC (Código Civil), a lei apenas regula as situações futuras, ou seja, “in casu“, a alteração do prazo de seis meses apenas se aplica a acções de Insolvência (e respectivos Apensos) que deram entrada em juízo a partir do dia 20.05.2012 (data da sua entrada em vigor).
- A acção principal e apensos formam um todo, uma unidade coerente e, portanto, sujeita às mesmas regras e, concretamente, à aplicação da mesma lei no tempo.
- A decisão recorrida violou os artgs. 12º, 298º, 333º, nºs 1 e 2 e 303º, nº 2, todos do CC.
Termos em que deve ser revogada, como é de Justiça!
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO
1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
2. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- Se é de caducidade o prazo fixado no artigo 146º, nº2, b) do CIRE e, sendo-o, se a mesma é de conhecimento oficioso;
- Se a alteração introduzida ao artigo 146º, nº2, alínea b) do CIRE pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, que procedeu à redução do prazo antes fixado naquele normativo para a propositura da acção é ou não aplicável à acção de verificação ulterior de créditos instaurada pelo apelante.

III. FUNDAMENTOS DE FACTO
A factualidade e incidências processuais relevantes ao conhecimento do objecto do recurso são, além dos descritos no antecedente relatório, os seguintes:
1. O processo de insolvência a que se refere esta acção de verificação ulterior de créditos entrou em juízo em 06.04.2012;
2. A sentença que declarou a insolvência foi proferida a 24.05.2012;
3. O respectivo trânsito em julgado ocorreu em 18.06.2012;
4. A acção de verificação ulterior de créditos entrou em juízo em 07.06.2013.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1.De acordo com o artigo 1º do CIRE, “o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente”.
Já do Preâmbulo do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o CIRE, (pontos 3 e 6) se podia retirar: “o objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores”.
É, assim, objectivo fundamental do processo de insolvência assegurar a satisfação, tão eficiente quanto possível, dos direitos dos credores.
A regra “par conditio creditorum” que caracteriza o processo de insolvência enquanto execução universal, e que encontra arrimo no citado artigo 1º do CIRE, garantindo a participação de todos os credores no processo, assegura um tratamento igualitário dos mesmos, mas de acordo com a qualidade dos créditos de que são titulares[1], constituindo a reclamação de créditos, a liquidação dos bens apreendidos para a massa insolvente e o pagamento aos credores as manifestações processuais mais significativas dos objectivos prosseguidos pelo processo de insolvência, enquanto tramitação unitária (processo principal onde é decretada a insolvência, e seus incidentes e apensos, todos regulados no CIRE).
A verificação de créditos[2], integrando a epígrafe genérica do Título V do mencionado diploma, compreende os vários procedimentos destinados ao apuramento do passivo do devedor, cujo pagamento se há-de processar no âmbito da liquidação do activo.
No Capítulo I do aludido título, denominado “Verificação de Créditos”, acha-se regulamentada, nos artigos 128º a 140º, a primeira fase, tida por inicial ou ordinária, da reclamação, reconhecimento e graduação de créditos, direccionada para todos os créditos sobre a insolvência, independentemente do seu fundamento ou natureza.
No espaço temporal fixado na sentença declaratória da insolvência – até ao máximo de 30 dias[3] – é dada oportunidade aos credores da insolvência de reclamarem os seus créditos, sendo as reclamações apresentadas[4]autuadas e apreciadas num único apenso[5].
O mencionado Título prevê ainda, no seu Capítulo III, a designada “Verificação Ulterior de Créditos”, fase de natureza extraordinária e posterior àquela inicial, prevenindo a eventual existência de credores que, por falta de conhecimento atempado, não reclamaram os seus créditos no momento inicial fixado para o efeito, não se exigindo qualquer superveniência desses créditos ou direitos em relação ao prazo normal para apresentação das reclamações[6].
Ao reconhecer-se a possibilidade de esses credores poderem ainda reclamar os créditos que têm sobre a insolvência assegura-se a regra do “par conditio creditorum”, permitindo que todos os credores possam, em igualdade de oportunidade, possam concorrer ao produto da liquidação do activo.
Nesse pressuposto, estabelecia o nº1 do artigo 146º do CIRE, na versão anterior à introduzida pelo artigo 2º da Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, que “findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de acção proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor (…)”, estabelecendo o nº2, alínea b) daquele diploma, na mesma versão, que a reclamação[7] “só pode ser feita no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência” ou “nos seis meses subsequentes” a tal facto – na versão da mesma norma introduzida pelo artigo 2º, da citada Lei 16/2012.
A reclamação ulterior de créditos é feita por meio de acção, que, independentemente do seu valor, segue a forma de processo sumário, sendo apensada ao processo de insolvência[8].
Efectuado este percurso, chega-se, finalmente, à questão fulcral que constitui o objecto do presente recurso: a determinação da natureza do prazo fixado no artigo 146º, nº2, b) do CIRE e, subsequentemente, do seu regime, designadamente para efeitos de conhecimento oficioso do seu decurso e da possibilidade do seu indeferimento liminar com fundamento na extemporaneidade na sua propositura.
A alínea b) do artigo 146º do CIRE delimita de forma inequívoca o limite temporal para o exercício do direito de acção para reclamação ulterior de créditos, mas deixa indefinida a natureza e o regime do prazo em causa.
Para além do acórdão da Relação do Porto de 21.10.2008, convocado pelo recorrente nas suas alegações de recurso, também o acórdão desta mesma Relação e Secção, de 21.02.2013, e da Relação de Guimarães de 15.11.2012 e de 06.02.2014[9] se pronunciaram no sentido de ser de caducidade o prazo fixado no mencionado normativo, não sendo essa caducidade de conhecimento oficioso, antes tendo de ser invocada por quem aproveita.
Com efeito, os prazos de propositura de acções são normalmente qualificados como prazos de caducidade, sujeitos à disciplina dos artigos 298º, nº2 e 333º, nº1 do Código Civil, designadamente quanto ao seu conhecimento oficioso, raciocínio que terá conduzido à conclusão defendida nos citados acórdãos, e em abono da qual esgrime o recorrente.
A resposta a dar à questão aqui debatida não se apresenta, porém, com a linearidade apontada naqueles acórdãos.
Dúvidas não se colocam quanto à natureza adjectiva ou processual do prazo fixado para a reclamação de créditos na fase inicial[10], nem quanto ao seu regime preclusivo, extinguindo-se, com o seu decurso, o direito de reclamar[11].
Menos inequívoca é, como se disse, a equação suscitada pelo prazo na ulterior fase de graduação, mas, como é afirmado no recente acórdão de 13.03.2014, desta Relação e Secção, proferido no Apenso J deste processo, relatado pelo desembargador Cardoso Amaral, “apesar das diferenças de tempo e de formas (requerimento vs acção) previstas para cada uma das duas fases, ambas estão destinadas à verificação de créditos. Nelas está em causa o mesmo objectivo comum que domina o processo de insolvência: o de que todos possam ser nele atendidos e contemplados (seja pelo produto da liquidação, seja pelas medidas de eventual plano).
Parece, pois, que, pelo menos quanto ao regime de contagem do prazo legal para a propositura (por apenso à insolvência) da acção de “verificação ulterior de créditos” e de conhecimento da sua tempestividade ou extemporaneidade, nenhuma razão de forma nem de fundo se encontra para que, nesta segunda fase, eles sejam diversos dos daquela primeira.[12]”.
O tempo tem sobre as relações jurídicas variados efeitos, que, não se confinam aos de natureza substancial, mas também com expressão processual. O instituto da caducidade não constitui a única consequência jurídica do seu curso[13], nem este traduz o único facto dele desencadeante.
Diz o nº 2 do artigo 298º do Código Civil que “quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”.
Porém, apesar do previsto no nº 2 do citado artigo 298º do Código Civil, não têm natureza uniforme os prazos de propositura de acção, tendo alguns deles natureza processual.
De facto, nem todos os prazos de propositura de acções apresentam natureza substantiva, alguns havendo que podem ser meros prazos judiciais, como resulta do artigo 144º do Código de Processo Civil, sendo disso exemplo os embargos de terceiro[14].
No que concerne ao prazo fixado pela alínea b) do nº2 do artigo 146º do CIRE, a equação da questão em debate exige, por um lado, a caracterização da relação jurídica para a qual aquele normativo prevê a possibilidade de ser exercitada através de acção a propor no prazo nele indicado e, por outro, determinar as razões que levaram o legislador a delimitar temporalmente esse exercício para, a partir dessa indagação, se poderem extrair as consequências da sua inobservância.
Os prazos judiciais ou processuais destinam-se a regular a prática de actos do processo. Têm por objectivo determinar um “período de tempo” dentro do qual tal prática, ou a sua omissão, desencadeia um certo “efeito processual”[15]. Esses prazos pressupõem, portanto, “a prévia propositura de uma acção, a existência de um processo”[16].
Em contrapartida, os prazos substantivos respeitam ao período de tempo facultado pela lei para o exercício do direito. Esse exercício, em certos casos, faz-se por meio de acção judicial. O artigo 298º, nº 2 do Código Civil, sem efectuar qualquer distinção, apenas manda aplicar as regras da caducidade. Trata-se aí, evidentemente, de direitos materiais.
A acção, enquanto modo daquele exercício e este como condição da sua imposição, pode referir-se a direitos já constituídos (mas violados) e que o respectivo titular perde, ou a direitos ainda a constituir e cuja expectativa de aquisição se frustra – se ela não for instaurada[17].
Por norma, os prazos de propositura de acção são qualificados como prazos substantivos de caducidade (ou, excepcionalmente, de prescrição) por respeitarem ou se reflectirem na própria relação material a que respeitam (reconhecendo-a ou constituindo-a). Mas podem esses prazos ser também judiciais ou processuais, como já se adiantou.
Assim, enquanto o prazo de cariz substantivo se reporta ao exercício temporal de um direito material, o prazo processual destina-se a regular a estrutura e tramitação do processo[18].

Como observava Alberto dos Reis, “o prazo dentro do qual há-de ser proposta uma determinada acção é um elemento integrante do regime jurídico da respectiva relação de direito substantivo ou material”[19]. Tal prazo, em princípio, não tem por função “regular a distância entre quaisquer actos do processo”, mas a de “determinar o período de tempo dentro do qual pode exercer-se o direito concreto de acção, o direito de acção no seu aspecto de direito material”. Ele “não exprime o período de tempo fixado para a produção de certo efeito processual”[20].
Desta forma, “o prazo judicial pressupõe necessariamente que já está proposta a acção, que já existe um determinado processo, e destina-se ou a marcar o período de tempo dentro do qual há-de praticar-se um determinado acto processual (prazo peremptório)”. Por isso, era “evidente que não está nestas condições o prazo legal da proposição de uma acção”[21].
Existem, contudo, acções que não estando originariamente vocacionadas a garantirem o exercício de um direito (ou seja, enquanto direito de acção na vertente do direito material), partilham daqueles aspectos formais e surgem na sequência ou no decurso da tramitação de outras já pendentes e cujos prazos “…podem ser também prazos judiciais. Isso ocorrerá sempre que o prazo esteja directamente relacionado com uma outra acção e o seu decurso tenha um mero efeito de natureza processual e não o de extinção de direito material”[22].

Assim é que continua a prever-se no nº 4, do artigo 138º, do actual Código de Processo Civil, “os prazos para a propositura de acções previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores”, ou seja, o regime dos prazos processuais[23], afastando a aplicação das regras da caducidade.
Voltando de novo à concreta discussão acerca da natureza e regime do prazo fixado na alínea b) do nº2 do artigo 146º do CIRE, atendendo à função e fim prosseguidos pela acção de verificação ulterior de créditos, à sua relação de dependência em relação ao processo (principal) de insolvência, sendo àquela subsidiariamente aplicáveis as regras da lei processual civil, por força do artigo 17º do CIRE, facilmente se pode admitir ter natureza judicial ou processual o prazo de propositura daquela acção, subordinando-se à disciplina dos artigos 138º, nº 4, e 139º, nº 3, actuais[24].
Como igualmente se afirma no citado acórdão desta Relação de 13.03.2014, proferido num outro apenso dos mesmos autos principais de insolvência, “trata-se de acção cujo prazo de propositura está previsto em norma processual (artº 146º, nº 2, b), do CIRE) como condição de obtenção de certos efeitos de natureza adjectiva ou com esta conexos e é aberto por efeito de acto praticado em processo pendente (o trânsito em julgado da sentença declaratória da insolvência). Sendo aquele peremptório, o seu decurso extingue o direito de praticar o acto – acto daquele processo pendente (embora estruturado numa acção).[25]
Assim, se a parte se apresentar a exercitar esse direito processual fora de prazo, a ilegalidade pode até ser suscitada pela Secretaria, submetendo a sua apreciação a despacho do juiz, para este o admitir ou recusar – actual artº 162º, nº 2. Iniciativa e decisão que têm carácter obviamente oficioso.
Seja, portanto, por iniciativa do próprio juiz ou da secretaria, e mesmo que se qualifique tal despacho como de indeferimento liminar, nenhum obstáculo à sua prolação resulta do actual regime deste.[26]
O direito que, mediante tal acção, é exercido, no processo de insolvência, não se refere, directa e imediatamente, à relação jurídica obrigacional – a que corresponderia uma acção de cumprimento –, nem é imposto como condição necessária para a impor aos sujeitos dela passivos, mas, apenas, ao de o credor reclamar o seu crédito, a par do dos outros, no âmbito e na oportunidade do processo insolvência. Prossegue-se o interesse geral e público de que todos sejam naquele processo “atendidos” e, se possível, por meio dele “satisfeitos”, como prevêem o nº 1, do artº 146º, e o artº 1º, nº 1, do CIRE”.
Ainda de acordo com o mesmo acórdão, “a intenção do legislador ao estabelecer o prazo de propositura desta acção parece, pois, estar mais na regulação da prática do acto no âmbito do processo de insolvência e de lhe conferir aí disciplina e celeridade do que no exercício do direito de crédito do qual ela não é condição, mormente para evitar caducidade dele. Tal se ajusta, pois, mais à natureza processual da matéria do que à relação substantiva. Por isso, na “exposição de motivos” que acompanhou a Proposta de Lei nº 39/XII, que viria a dar origem à Lei 16/2012, se refere que “Em matéria de prazos, procede-se à redução substancial de alguns destes, por se considerar que muitos dos prazos até agora definidos na lei excediam aquela que se entende ser uma duração razoável para a prática de actos.” E exemplifica-se precisamente com o caso do artº 146º, pois “a actual conjuntura económica e a voracidade do comércio jurídico dos nossos dias não se compadece com prazos tão dilatados”. Visou-se, pois, acelerar a prática de um acto no processo de insolvência, atentos os fins desta, e razões ligadas ao interesse público, objectivos que não respeitam à relação obrigacional propriamente dita.
Se a propositura da acção tem aquele sentido e fins e o decurso do prazo legal faz precludir ou extinguir o especial direito a tal reclamação no âmbito do procedimento de insolvência, isso significa que não depende dela o nascimento do direito de crédito nem a sua subsistência, mas apenas o direito adjectivo de ali o reclamar com os particulares efeitos processuais previstos para tal mecanismo, cujo exercício o legislador disciplina e não abdica de controlar em atenção à sua pública finalidade, mas sem afectação em substância da relação jurídica material que o precede e lhe subjaz, nem da respectiva titularidade activa e passiva”.
Com efeito, o direito que se pretende efectivar com a propositura da acção prevista no mencionado artigo 146º do CIRE não nasce com a referida acção, nem se extingue com a não interposição da mesma. O que pode suceder é que, não sendo exercida tal acção, a satisfação desse direito possa não ser atingida por esgotamento do património que compõe a massa insolvente. Mas o direito do credor da insolvência não caduca pelo facto de não ter deduzido ou exercitado aquele direito através daquela acção e dentro do prazo legalmente fixado[27].
A imposição do limite temporal fixado na alínea b) do nº2 do artigo 146º do CIRE encontra fundamento no seu carácter marcadamente adjectivo, na necessidade de assegurar uma disciplina ordenada dos actos processuais, subtraindo-os à discricionariedade das partes, e sujeitando-os a um controlo jurisdicional que permita oficiosamente conhecer da tempestividade ou não da propositura da acção.
Aquele prazo não tem, pois, natureza substantiva, não afecta a subsistência da relação jurídica.
O seu decurso “faz extinguir o direito a praticar o acto respectivo. Este efeito produz-se automaticamente, pela simples circunstância de ter expirado o prazo legal; não é necessário que o juiz o declare”[28].
Não se compartilha, deste modo, do entendimento expresso pelo acórdão da Relação do Porto de 21.10.2008, convocado pelo apelante, que defende ser de caducidade o prazo referido no aludido artigo 146º, nº2, b) do CIRE, como o é, em regra, os prazos de propositura de acção, estando, enquanto “um mero direito de crédito por prestações laborais”, na disponibilidade das partes.
2.Sendo, conforme exposto, passível de conhecimento oficioso, em sede de despacho liminar, a intempestividade daquela acção, importa analisar se o encurtamento do prazo (antes, de um ano) para seis meses da alínea b) do nº2 do artigo 146º do CIRE pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril é inaplicável à reclamação apresentada pelo apelante dado o processo de insolvência ter sido instaurado antes – 06.04.2012 – da entrada em vigor da nova Lei, defendendo este que esta só se aplica aos processos instaurados após a sua entrada em vigor, incluindo a reclamação que viu indeferida por extemporânea, por entender que “acção principal e apensos formam um todo, uma unidade coerente e, portanto, sujeita às mesmas regras e, concretamente, à aplicação da mesma lei no tempo”.
A ter fundamento a tese sustentada pelo apelante, não teria ainda precludido o prazo para reclamar o seu crédito nos termos consentidos pelo artigo 146º do CIRE, já que tendo a acção correspondente sido interposta a 07.06.2013, não tinha decorrido um ano sobre a data do trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência – 18.06.2012.
Ora, como faz notar Antunes Varela[29], “tem-se entendido neste sector que a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízo”. Salvaguardam-se apenas as “situações constituídas”, por forma a respeitar expectativas criadas no domínio da lei antiga e que não se confundem com “acção pendente” antes se identificam com os múltiplos actos ou eventos que se vão sucedendo e renovando ao longo do processo.
A Lei 16/2012, de 20 de Abril entrou em vigor 30 dias após a sua publicação[30], isto é, no dia 20-05-2012, numa altura em que estava pendente o processo de insolvência, mas não a acção de verificação ulterior de créditos, que apenas foi proposta a 07 de Junho de 2013, além de que a 18.06.2012, data do trânsito em julgado da sentença declaratória de insolvência, e a partir da qual se inicia o prazo para a propositura desta acção, já se achava em vigor a nova lei, sendo o prazo nela fixado imediatamente aplicável.
Nem sequer haverá que convocar o regime contemplado no artigo 297º do Código Civil: não existe, no caso concreto, um prazo em curso que tenha sido encurtado pela nova lei, mas antes um prazo mais curto, que se inicia já no âmbito da vigência da nova lei, que se aplica imediatamente à situação nela regulada.
Sendo, nos termos acabados de expor, de 6 meses o prazo fixado para a propositura da acção, cujo termo ocorreu em 18.12.2012, é claramente extemporânea a reclamação que deu entrada em juízo a 07.06.2013.
E tendo esse prazo, como efectivamente tem, natureza peremptória, resolutiva ou preclusiva, achando-se, por conseguinte, extinto o direito de praticar o acto, bem fundada se mostra a decisão recorrida de julgar extemporânea a acção proposta pelo apelante, com a inerente consequência do seu indeferimento liminar.
Deve, pois, manter-se a decisão recorrida, improcedendo a apelação.
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Síntese conclusiva:
- O prazo de propositura de acção de verificação ulterior de créditos a que se refere o artigo 146º, nº 2, alínea b), do CIRE, não tem natureza substantiva, não integra a respectiva relação jurídica obrigacional, nem se lhe aplica o regime de caducidade previsto nos artigos 298º, nº 2, e 333º, nº 2, C. Civil.
- Trata-se de prazo de natureza processual, regulador da reclamação e verificação de créditos na insolvência pendente, a que se aplica, quanto aos efeitos e regime de conhecimento, o Código de Processo Civil.
- O seu encurtamento, determinado pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, é aplicável a acção cujo dies a quo ocorreu em data posterior à entrada em vigor daquele.
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação, na improcedência da apelação, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Porto, 27 de Março de 2014
Judite Pires
Teresa Santos (Vencido nos termos dos Acórdãos citados nesta decisão que sufragam entendimento diverso)
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Carvalho Fernandes, “Efeitos substantivos privados da declaração de Insolvência”, em “Estudos sobre a Insolvência”, pág. 199.
[2] Antes designada por verificação do passivo.
[3] Artigo 36º, alínea j) do CIRE.
[4] Qualquer credor que queira obter pagamento do crédito que tem sobre a insolvência, terá de o reclamar no respectivo processo, como decorre do artigo 128º, nº3 do CIRE.
[5] Artigo 132º do aludido diploma.
[6] Luís Teles de Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, 2011, 3ª ed., Almedina, pág. 253.
[7] Ao contrário do que sucede com a separação ou restituição de bens, cujo direito pode ser exercido a todo o tempo.
[8] Artigo 148º do CIRE.
[9] Respectivamente, processos nºs 2981/11.0TBSTS-G.P1, 123/11.0TBPCR-I.G1 e 1551/12.0TBBRG-C.G1, todos em www.dgsi.pt.
[10] Artigos 36º, alínea j) e 128º do CIRE.
[11] Artigos 144º e 145º do Código de Processo Civil ex vi do artigo 17º do CIRE.
[12] Tal como sucede noutros casos (v. g., oposição à execução, reclamação de créditos em execução), trata-se de processos apensos tendo por objecto vicissitudes da mesma instância estabelecida pelo principal e deste dependentes.
[13] Também a prescrição constitui uma dessas consequências.
[14] Acórdão do STJ, de 02-02-1984, BMJ 334º-406. Cfr. ainda Ac.s da RL, de 22-04-2008 (Tomé Gomes) e de 20-02-2012 (Esagüy Martins).
[15] Embora sempre com reflexo indirecto na relação jurídica substantiva objecto daquele, como, por exemplo, sucede com a falta de contestação tempestiva.
[16] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 1945, vol. 2º, páginas 52 e sgs.
[17] Com efeito, situações há em que ao exercício do direito de acção (artº 2º, nº 2, CPC actual) não corresponde ainda a titularidade de um direito subjectivo, mas apenas a simples expectativa de ele vir a ser adquirido, mediante a acção declarativa dele constitutiva a interpor num certo prazo (artº 10º, nº 3, alínea c), do CPC actual). A caducidade dela, nesta hipótese, inviabiliza a pretendida mudança na ordem jurídica enquanto condição genética de tal direito. Exemplos: acção de preferência (artº 1410º, CC); acção de investigação de paternidade (artigo 1817º); acção de indemnização (artigo 1225º, nº 2).
[18] Vaz Serra, RLJ, ano 102º, página 61.
[19] Obra citada, página 56.
[20] Idem, página 57.
[21] Obra e loc. citados. Obviamente, não contou, então, com normas como a do nº 4, do artº 138º, do CPC actual.
[22] Assento do STJ nº 8/94, de 2-03-1994 (relator: Consº Martins da Costa). Como se refere em Voto de Vencido nele subscrito pelo então Consº Sousa Macedo, discutindo-se se o regime de contagem dos prazos judiciais era aplicável ao de propositura de acção subsequente à providência cautelar decretada “As providências cautelares assumem natureza de uma pré-acção, integrada numa mesma unidade de procedimento que é a acção. Assim, o prazo é composto no artº 382º, nº 1, alínea a), do CPC, e intercala-se numa actividade processual com unidade, funcionando como qualquer prazo processual, sendo pressuposto da validade temporal da providência. Não está em causa a caducidade da acção e a consequente perda de direito acautelado pela providência, como é próprio do decurso dos prazos de propositura da acção, mas apenas a eficácia desta providência.” Trata-se de uma relação similar à que se verifica existir entre a acção de insolvência e a de verificação ulterior de créditos, enquanto inserida no procedimento geral previsto para aquela.
[23] Remonta ao Decreto-Lei nº 457/80, de 10 de Outubro, a alteração do artº 144º, do CPC, cujo nº 4, dizia: “O disposto no número anterior [suspensão dos prazos] não se aplica aos prazos de propositura das acções, com excepção dos embargos de terceiros, nem aos prazos de interposição dos recursos extraordinários”; e à Reforma de 1995, operada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, a redacção do preceito congénere que actualmente vigora.
[24] Apesar da primazia conferida à vontade dos credores quanto ao destino do insolvente e de o processo estar perpassado pela ideia de desjudicialização, ele continua a ser judicial, sujeito a regras adjectivas de natureza pública e ao controlo do juiz, maxime quanto às regras atinentes à celeridade, eficácia na realização dos seus fins e estabilização das decisões, em termos que transcendem os interesses privados daqueles.
[25] A venda dos bens apreendidos deve realizar-se com prontidão (artº 158º), independentemente da verificação do passivo, e o prazo para a liquidação é de um ano (artº 169º), o que mostra a necessidade de acertar com estes prazos processuais o da acção de verificação ulterior.
[26] Era a solução que, em harmonia com o artº 333º, nº 1, do C. Civil, constava do artº 474º, nº 1, alínea c), do C. Processo Civil, ao possibilitar o indeferimento liminar da petição no caso de acção proposta fora de tempo e de a caducidade ser de conhecimento oficioso. Apesar da modificação quanto a tal despacho introduzida pela Reforma de 1995, por via da nova redacção conferida aos artºs 474º, 479º, 234º e 234º-A, e posteriores alterações, ele continua a ser admissível, mesmo à luz dos actuais artigos 226º, 562º e 590º, nº 1. Assim tem sido entendido em casos que manifestamente o imponham, como seja, por razões de celeridade e economia, e no espírito do artº 265º, a extemporaneidade da acção.
[27] Por efeito do encerramento do processo, os credores da insolvência podem exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes de eventual plano de insolvência, do plano de pagamentos e do nº 1 do artº 242, para tal constituindo até a decisão porventura já proferida em acção de verificação ulterior de créditos título executivo, como resulta do artº 233º, nº 1, alínea c), do CIRE. Sobre isso, cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 05-12-2013 (Estelita de Mendonça).
[28] Alberto dos Reis, ob. citada, página 65.
[29] “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, página 47.
[30] Artigo 6º da mesma Lei.