Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
832/10.1TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDES ISIDORO
Descritores: PERÍODO EXPERIMENTAL
COMISSÃO DE SERVIÇO
Nº do Documento: RP20110530832/10.1TTVNG.P1
Data do Acordão: 05/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A exclusão do período experimental no contrato de trabalho - por acordo escrito, nos termos do art. 111º/3 do CT/2009 -, tem sempre de resultar de uma manifestação expressa e inequívoca das partes nesse sentido.
II - No contrato de comissão de serviço, a existência de período experimental depende de estipulação expressa no respectivo acordo, art. 112º/3 do CT/2009.
III - Sendo o contrato de comissão de serviço - para que o A. foi nomeado, em simultâneo com o contrato individual de trabalho celebrado -, inválido por inexistência dos pressupostos formais, fica sujeito às regras normais a que este se encontra submetido no caso em apreço e não às especificidades da comissão de serviço.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Registo 514
Proc. n. º 832/10.1TTVNG.P1
TTVNG (2.º J.º)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. B… deduziu a presente acção de processo comum de impugnação de despedimento emergente de contrato individual de trabalho contra C…, pedindo que, se reconheça a ilicitude do despedimento e, em consequência, seja a Ré condenada:
a) A pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, nos termos do art. 390º do CT e que na data da propositura da acção ascendem a € 41.306,32;
b) A reintegra-lo ou, no caso de tal opção, a pagar-lhe a indemnização em substituição da reintegração;
c) A pagar-lhe a titulo de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 7.500;
d) Os juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Alega, em resumo, que foi admitido ao serviço da Ré mediante contrato de trabalho celebrado em 30.01.2009 e início em 02.03.2009, para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de Especialista em Medicina do Trabalho, mediante a retribuição ilíquida mensal de € 3.755,12 e que, cumulativamente, foi nomeado em comissão de serviço, como Director do Serviço de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, tendo, em 10-08-2009, sido notificado pela R. da denúncia do contrato de trabalho. Porém, como o período experimental havia sido excluído pelas partes e nas relações de comissão de serviço não existe período experimental, tal denúncia com invocação abusiva do período experimental, configura um despedimento ilícito.

Em conclusão de 15.07.2010, proferiu o Mº Juiz o seguinte despacho:
“O Autor B… sustenta, na presente, acção que o R. C… não podia ter denunciado, como denunciou, o contrato de trabalho consigo outorgado ao abrigo do período experimental que invocou na carta junta a fls. 26, porque:
- tal período teria sido excluído no próprio contrato com a formulação aí dada à cláusula 15ª;
- e foi nomeado, em comissão de serviço, Director do Serviço de Higiene e Segurança no Trabalho, não tendo esta comissão período experimental.
Ora, quanto à pretensa exclusão do período experimental no contrato documentado a fls. 15 a 18, o que na invocada cl. 15ª ficou estipulado foi, tão só, que “este contrato constitui o acordo e ajuste total entre os contraentes (…)” e que “eventuais alterações e complementos do presente Contrato carecem de confirmação escrita assinada pelas partes”. Será que com esta formulação se pode dizer que as partes quiseram excluir a existência de período experimental? A nosso ver, de modo algum.
É que a existência de período experimental resulta de lei – arts. 111º e segs. do Cód. Trabalho -, senda a sua exclusão uma excepção e que depende de “acordo escrito entre as partes” (nº 3 do art. 111º, correspondente ao art. 110, nº 2, do anterior Código do Trabalho), ou seja, de uma manifestação expressa das partes no sentido de não haver período experimental. No caso, não só as partes não manifestaram expressamente a exclusão de período experimental, como até ao invés acrescentaram, no nº 2 da dita cl. 15ª, que “a validade, interpretação e aplicação deste Contrato são governadas pela lei portuguesa” (lei esta que prevê, como principio, a existência de período experimental).
Quanto à pretensa inexistência de período experimental na comissão de serviço, cumpre observar que o A. não celebrou – segundo o que alegou e resulta dos documentos de fls. 20 e 21 -nenhum outro contrato para ser nomeado como Director de Serviço, tendo mantido como único contrato o de fls. 15 a 18. O A. apenas foi destacado, como trabalhador do R., para certas funções em comissão de serviço, mantendo o vínculo ao contrato inicial – cfr. os arts. 161º e segs. do Cód. Trabalho.
Assim sendo, não é aplicável ao caso o disposto no art. 112º, nº 3, do actual Código do Trabalho (art. 109º do anterior Código), segundo o qual o período experimental depende, no contrato em comissão de serviço, de estipulação expressa. Mas, ainda que fosse aplicável ao caso tal disposição legal, a verdade é que qualquer das partes pode por termo à comissão de serviço mediante o aviso prévio estipulado no art. 163º e, mesmo que este não seja observado (no mínimo de 30 dias), isso não obsta à cessação da comissão de serviço – art. 163º, nº 1 e 2, do C.T..
Não vemos assim, face aos factos alegados pelo próprio A. e aos documentos por ele juntos, como pode a sua dispensa pela R. ser qualificada de despedimento, muito menos de despedimento ilícito, quando é este a causa de pedir dos pedidos de reintegração, indemnização e retribuições que o A. formula – cfr. arts. 389º e segs. do Cód. Trabalho.
Pelo exposto e ao abrigo do art. 54º, nº 1, do Cód. Proc. Trabalho, conjugado com o art. 234º A do Cód. Proc. Civil, decide-se indeferir liminarmente a petição apresentada.”

Inconformado com tal decisão, dela recorreu o autor, pedindo a sua revogação, com as legais consequências, nomeadamente o prosseguimento dos autos os seus trâmites processuais.
Para o efeito, termina, numa formulação mais concentrada, com as seguintes conclusões:
1. Recorrente e recorrido celebraram contrato de trabalho, no qual, estipularam, na sua cláusula 15.º que “Este contrato constitui o acordo e ajuste total entre os contraentes relativamente ao assunto exposto. Eventuais alterações e complementos do presente contrato carecem de confirmação escrita assinada pelas partes”.
2. A estipulação desta cláusula, recorrente e recorrido, pressupôs a exclusão do período experimental, faculdade que as partes podem livremente dispor por não se tratar de uma inclusão imposta por lei e teve por base ou fundamento a possibilidade legal de exclusão do período experimental.
3. O período experimental tem como função possibilitar às partes uma adaptação recíproca na relação laboral, como tal podem as partes, através da autonomia da vontade negocial prescindir deste prerrogativa legal, e nesse sentido, o período experimental no contrato de trabalho pode ser excluído mediante declaração dos contraentes, o que recorrente e recorrido fizeram, através da clausula 15.º do contrato de trabalho, onde declaram de forma expressa que o referido contrato estabelecia o ajuste total da relação laboral a que as partes deram inicio com a celebração do contrato de trabalho.
4. O R. aproveitou-se da faculdade legal de livre denúncia do contrato durante um período experimental – que foi excluído do presente contrato, para sem motivos explicativos despedir o A.
5. Na verdade, durante o tempo que mediou o inicio do vinculo laboral, bem como a comissão de serviço para a qual o A. foi nomeado, este sempre actuou de forma zelosa e diligente, cumprindo com as suas funções e com os objectivos para os quais foi contratado.
6. Tendo sido o período experimental excluído pela vontade das partes, não pode ser denunciado o contrato de trabalho desta forma, pelo que age em abuso de direito quem denuncia um contrato de trabalho ao qual as partes excluíram o período experimental.
7. Veja-se que a normas que estabelecem e definem as regras do período experimental são imperativas apenas e tão só na estipulação do período máximo de duração do período experimental, podendo as partes, na estipulação casuística das relações laborais exclui-lo.
8. É que a dispensa do período experimental não pode nem deve ser entediada como uma referência expressa ao artigo da lei que se lhe aplica, mas sim à intenção e vontade expressas no texto de contrato celebrado entre as partes.
9. E, no caso concreto, Autor e Réu, quando celebraram o contrato de trabalho, quiseram expressamente excluir do mesmo o período experimental e foi precisamente por isso que ficou a constar no texto do contrato a frase "Este contrato constitui o acordo e ajuste total entre os contraentes relativamente ao assunto exposto. Eventuais alterações e complementos do presente contrato carecem de confirmação escrita pelas partes.”
10. Na verdade, Autor e Réu expressamente excluíram o período experimental do contrato ao introduzir esta frase.
11. Há duas formas possíveis de expressamente se prever num contrato a exclusão do período experimental: ou, pela forma negativa e se diz no contrato que ao contrato não se aplica o período experimental, ou pela forma positiva e se diz, expressamente que o texto do contrato celebrado por escrito entre as partes outorgantes "constitui o acordo e ajuste total entre os contraentes relativamente ao assunto exposto. Eventuais alterações e complementos do presente contrato carecem de confirmação escrita assinada pelas partes".
12. Na verdade, a não ser assim, estar-se-ia a ir além da vontade das partes outorgantes e introduzir diferentes e alheios princípios e regras ao "acordo e ajuste total dos contraentes" e que contrariam frontalmente, tal acordo.
13. É que o contrato, ao constituir o "acordo e ajuste total" está a dizer expressamente que exclui o período experimental, já que, havendo período experimental, o acordo vertido no contrato já não é "o acordo e ajuste total".
14. Por esta via não assiste razão ao Tribunal “a quo” quando entende que com a “estipulação da cláusula 15.ª da contrato não exclui o período experimental, na verdade, a inclusão da clausula 15.ª mais não traduz do que a vontade negocial das partes. Acresce que a lei portuguesa permite a exclusão do mesmo, pelo que as partes podem não incluir período experimental na sua relação laboral.”, pelo que não tem o Tribunal “a quo” fundamento válido para indeferir liminarmente a petição inicial, o que fez.
15. Acresce que em data anterior à celebração do contrato de trabalho, em simultâneo ao contrato individual de trabalho celebrado, o A. foi nomeado, em comissão de serviço para exercer o cargo de Director do Serviço de Higiene e Saúde no Trabalho, baseado na relação laboral e no vasto currículo do A.
16. Nos termos da lei laboral, nas relações de comissão de serviço, não existe período experimental a não ser que as partes expressamente estipulem o período, o que não aconteceu.
17. A nomeação do A. como Director revela de forma expressa a vontade negocial dos contraentes, aqui A. e R., em não incluir no contrato qualquer período experimental, e, em bom rigor, a nomeação em comissão de serviço do A. pressupõe a estabilidade do vínculo entre as partes, não podendo deixar de revelar este facto como consequência de o vínculo laboral não se encontrar ainda em experimentação.
18. No caso em apreço, o despedimento do A. com base em denúncia durante o período experimental é ilícito, porque as partes excluíram a sua existência.
19. Da análise do contrato verifica-se que as partes exaustivamente estipularam todas as cláusulas contratuais, veja-se a existência de férias, de pagamento de subsidio de férias e de subsídio de alimentação, situações que não careciam de tal exaustão se as partes não quisessem estabelecer todos os elementos contratuais. Tendo ficado expressamente estipulado que o contrato é o ajuste total das vontades das partes e que eventuais alterações e complementos da relação seriam feitas por escrito em aditamento do contrato.
20. A denúncia do contrato de trabalho constituiu uma violação ao estabelecido contratualmente e consubstancia um despedimento ilícito, porque feito sem a precedência dos procedimentos próprios estabelecidos por lei para cessação do contrato de trabalho.
21. O tribunal “a quo” ao indeferir liminarmente a petição inicial violou os artigos 111.º e seguintes do Código de Trabalho.

A R. apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O Exmo Procurador Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, em parecer a que não houve reacção.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – Factos Provados
Os constantes do relatório que antecede.

III – O Direito
Sendo o objecto do presente recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts 684º/3 e 685º-A/1 ambos do CPCivil), diremos que compulsadas estas, são fundamentalmente duas as questões a apreciar no caso sub iudice, a saber:
1. Se no contrato de trabalho celebrado as partes quiseram expressamente excluir o período experimental;
2. Da inexistência de período experimental na comissão de serviço.

1. Questão
Consiste sem saber se no ‘contrato individual de trabalho por tempo indeterminado’ inter-celebrado - nos termos constante de fls 15/18 dos autos -, as partes quiseram excluir expressamente o período experimental.
Com efeito, pretexta o recorrente que a estipulação da cláusula 15ª, segundo a qual - “Este contrato constitui o acordo e ajuste total entre os contraentes relativamente ao assunto exposto. Eventuais alterações e complementos do presente contrato carecem de confirmação escrita assinada pelas partes [1]”. A validade, interpretação e aplicação deste contrato são governadas pela lei portuguesa … [2]” -, pressupôs a exclusão do período experimental, faculdade que as partes podem livremente dispor por não se tratar de uma inclusão imposta por lei e teve por base ou fundamento a possibilidade legal de exclusão do período experimental.
Vejamos se tem razão.
A este propósito, urge trazer à colação o Código do Trabalho, aprovado pela Lei 2009, de 12.02 (CT/2009), aplicável ao caso sub iudice, por força do disposto no art. 7º/1 do referido diploma.
Sobre o chamado “período experimental” ali se dispõe adrede:
Artigo 111º (Noção de período experimental)
«1. O período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrata, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção.

2. O período experimental pode ser excluído por escrito por acordo entre as partes»

Artigo 112º (Duração do período experimental)
«1. No contrato de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem a seguinte duração:
a) 90 dias para a generalidade dos trabalhadores;
b)180 dias para trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como os que desempenhem funções de confiança;

3. No contrato em comissão de serviço, a existência de período experimental depende de estipulação expressa no acordo, não podendo exceder 180 dias.»

Artigo 114º (Denúncia do contrato durante o período experimental)
«1. Durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio invocação de justa causa, nem direito a indemnização.»

Como bem realça o parecer do MP, nesta Relação, não esta em causa a celebração pelas partes de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, cuja cópia consta a fls 15/18, nem a comunicação da denúncia, ocorrida dentro dos 180 dias e para produzir efeitos a partir de 2.09.2009, nem sequer o teor da cláusula 15ª do aludido contrato.
Em causa está apenas, diremos nós, a interpretação de tal cláusula, designadamente a questão de saber se a mesma pressupõe, como entende o recorrente, a exclusão do período experimental no contrato pelas partes outorgado.
Na verdade, alega o recorrente a propósito – conclusões 9ª a 13ª - que A. e R. quiseram excluir e expressamente excluíram o período experimental, o que fizeram não na forma negativa – como quando se diz que ao contrato não se aplica o período experimental ; mas na forma positiva e expressa ao consignarem que o texto do contrato celebrado por escrito “constitui o acordo e ajuste total entre os contraentes relativamente ao assunto exposto. Eventuais alterações e complementos do presente contrato carecem de confirmação escrita assinada pelas partes”, porquanto sustenta, havendo período experimental, o acordo vertido no contrato já não é “o acordo e ajuste total”.
Ressalvando sempre o devido respeito, cremos que o recorrente não tem razão.
Consabidamente, o denominado ‘período experimental’, ‘de experiência’ ou ‘de prova’ corresponde ao período inicial de duração do contrato, sendo que a sua ratio ou teleologia, enquanto medida cautelar de precaução ou de prudência, assenta na necessidade de dar a conhecer vividamente às partes, através do funcionamento das relações contratuais, as aptidões do trabalhador e as condições do trabalho.
Logo, a relevância do período experimental na consolidação do contrato de trabalho é enfatizada porque faculta a qualquer das partes a possibilidade de denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização (art. 114º/1, do CT).[1]
Ora, se o período de experiência está, em regra, legalmente estabelecido para todos os contratos de trabalho, seja qual for a forma como estes tenham sido celebrados, o mesmo já não acontece para o seu afastamento. Efectivamente, dada a importância da matéria a lei admite a exclusão do período experimental por acordo escrito entre as partes (art. 111º/3 do CT)[2].
Sucede que a inobservância da forma legal para a exclusão, porque estamos perante uma formalidade ad substantiam, torna o acordo de exclusão inválido, continuando, pois, o contrato de trabalho em causa a estar subordinado ao período experimental previsto na lei[3].
E nem se diga que com a estipulada expressão “este acordo constitui o acordo e ajuste total entre os contraentes” se pretendeu pela forma positiva excluir a existência do período experimental. Na verdade, a existência do período experimental decorre da lei, como regra, sendo a sua exclusão a excepção. Aliás, nem a doutrina da impressão do declaratário acolhida no art. 236º/1 do CCivil[4], permite sufragar a interpretação pretendida pelo recorrente - de exclusão por acordo das partes do período de experiência.
Acresce que a proposição ‘o acordo e ajuste total’ é uma afirmação conclusiva, vaga e genérica que teria sempre de se considerar não escrita (art. 646º/4 do CPCivil) e, portanto, sem virtualidade de excluir o período experimental.
Por isso, entendemos que a respectiva exclusão tem sempre de resultar de uma manifestação expressa e inequívoca das partes nesse sentido, o que, convenhamos, não ocorre no caso em apreço.
E não se configurando no caso a exclusão do período experimental, improcedem, neste particular, as conclusões formuladas pelo recorrente.

2. Questão
Da inexistência de período experimental na comissão de serviço.
Diz o A. que em simultâneo ao contrato individual de trabalho celebrado, foi nomeado, em comissão de serviço para exercer o cargo de Director do Serviço de Higiene e Saúde no Trabalho, o que revela de forma expressa a vontade negocial dos contraentes, aqui A. e R., em não incluir no contrato qualquer período experimental.
Como vimos supra, estabelece a propósito o art. 112º do CT /2009:
«3. No contrato em comissão de serviço, a existência de período experimental depende de estipulação expressa no acordo, não podendo exceder 180 dias.»
E especificamente na subsecção IV - COMISSÃO DE SERVIÇO – dispõe o CT/09:
Artigo 161º (objecto da comissão de serviço)
«Pode ser exercido em comissão de serviço cargo de administração ou equivalente, de direcção ou chefia directamente dependente da administração ou de director geral ou equivalente (…) desde que o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho o preveja, funções cuja natureza também suponha especial relação de confiança em relação a titular daqueles cargos.»
Artigo 162º (regime do contrato de trabalho em comissão de serviço)
«1. Pode exercer cargo ou funções em comissão de serviço um trabalhador da empresa ou outro admitido para o efeito.

3. O contrato para exercício de cargo ou funções em comissão de serviço está sujeito a forma escrita e deve conter:
a) Identificação, assinaturas e domicilio e sede das partes;
b) Identificação do cargo ou funções a desempenhar, com menção expressa do regime de comissão de serviço:
c) No caso de trabalhador da empresa, a actividade que exerce, bem como sendo diversa a que vai exercer após a comissão;
d) No caso de trabalhador admitido em regime de comissão de serviço que se preveja permanecer na empresa, a actividade que vai exercer após cessar a comissão.
4. Não se considera em regime de comissão de serviço o contrato que não tenha a forma escrita ou a que falte a menção referida na alínea b) do número anterior.»

Daqui decorre, portanto, que o exercício do cargo ou funções em comissão de serviço exige acordo escrito, com identificação e assinatura das partes, bem como o cargo ou funções a desempenhar; por outro lado, não se considera sujeito ao regime de comissão de serviço o acordo não escrito ou em que falte a menção referida na alínea b) do nº 3 do transcrito normativo.
Ora, in casu não só falta o acordo escrito, aliás nem sequer alegado, pois apenas vem articulado que cumulativamente com o contrato individual de trabalho celebrado com a ré, o A. foi nomeado em comissão de serviço, como Director de Serviço de segurança, Higiene e Saúde no Trabalho (docs 2 e 3); por outro lado, em nenhuma cláusula do referido contrato de trabalho por tempo indeterminado se refere acordo das partes quanto à comissão de serviço, nem sequer quanto às funções que nesse âmbito ao A. cabia desempenhar ou ao vencimento a auferir nessa comissão.
E inexistindo acordo validamente formalizado quanto à comissão de serviço, não pode falar-se em período experimental no respectivo contrato em comissão de serviço, cuja existência depende justamente de estipulação expressa no acordo, como prevê o art. 112º/3 do CT.
Mas supondo a sua existência factual, e tratando-se como se trata de comissão de serviço interna[5] - reportada a trabalhadores com vinculo jurídico-laboral à empresa -, cotejando o disposto no transcrito nº 3 do art. 162º/3 do CT/2009, diz Ricardo Nascimento[6] que “a falta de redução a escrito do acordo ou a ausência neste de expressa referência ao regime de comissão de serviço, tem efeito idêntico ao recurso à comissão para provimento de cargos que a não admitem, o empregador não poderá por termo ao exercício de funções em comissão de serviço por simples declaração unilateral. Nesses casos o contrato de trabalho ficará sujeito às regras “normais”, não se aplicando as especificidades da comissão de serviço.”
Ora, não obstante, alegar que foi nomeado em comissão de serviço para Director do Serviço de Higiene e Saúde no trabalho do R. em 29.01.2009, o certo é que no item 15 das conclusões o A. refere que foi ‘em simultâneo ao contrato individual de trabalho celebrado’; e nos arts 6º e 7 º da p.i. precisa que o contrato de trabalho surgiu na sequência de um processo de recrutamento do qual culminou a proposta[7] de contratação do A. (cfr docs 2 e 3 da pi), e que cumulativamente com o contrato individual de trabalho mencionado no artigo 1º do presente articulado, o A. foi nomeado em comissão de serviço, como Director do Serviço de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho.
Ora, contando-se o período de experiência desde o inicio da execução do contrato e aplicando-se ao alegado contrato de comissão – sem os pressupostos de legalidade formalmente exigidos - não as especificidades da comissão de serviço, mas as regras ‘normais’ do contrato de trabalho, parece-nos que tal contrato fica sujeito ao regime de experiência legalmente previsto para o contrato trabalho, nesta perspectiva, subsidiariamente aplicável.
E sendo assim bem andou a decisão impugnada quando concluiu que “Não vemos assim, face aos factos alegados pelo próprio A. e aos documentos por ele juntos, como pode a sua dispensa pela R. ser qualificada de despedimento, muito menos de despedimento ilícito, quando é este a causa de pedir dos pedidos de reintegração, indemnização e retribuições que o A. formula – cfr. arts. 389º e segs. do Cód. Trabalho.”
E sendo assim, afigura-se-nos que não merece censura a decisão a quo quando, ao abrigo do art. 54º /1 do CPT, conjugado com o art. 234-A/1 do CPC, decidiu indeferir liminarmente a petição apresentada.

Em Sumário:
1. A exclusão do período experimental no contrato de trabalho - por acordo escrito, nos termos do art. 111º/3 do CT/2009 -, tem sempre de resultar de uma manifestação expressa e inequívoca das partes nesse sentido.
2. No contrato de comissão de serviço, a existência de período experimental depende de estipulação expressa no respectivo acordo, art. 112º/3 do CT/2009.
3. Sendo o contrato de comissão de serviço - para que o A. foi nomeado, em simultâneo com o contrato individual de trabalho celebrado -, inválido por inexistência dos pressupostos formais, fica sujeito às regras normais a que este se encontra submetido no caso em apreço e não às especificidades da comissão de serviço.

IV. Decisão
Atento o exposto, acorda-se em julgar o recurso improcedente e, embora por razões não totalmente coincidentes, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Porto, 2011.05.30
António José Fernandes Isidoro
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
António José da Ascensão Ramos
________________
[1] Cfr, entre outros, Lobo Xavier e Outros, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, p.616; Leal Amado, Contrato de Trabalho, 2ª edição, 191 e ss
[2] Com o acréscimo da palavra “entre” corresponde, no mais, à redacção do art. 110º/2 do CT /2003.
[3] V. neste sentido, o acórdão do STJ de16.05.2000, CJ: VIII-2-269.
[4] Que segundo P.Lima-A.Varela, in Código Civil anotado, vol. I, 1982, p.222, consagra a doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista.
[5] Na dicotomia referida por Jorge Leite, em Comissão de serviço, QL 2000, ano VII, nº16, ps 152 e ss. de comissão de serviço de trabalhadores internos; e comissão de serviço de trabalhadores externos, ou seja de trabalhadores sem prévio vínculo à empresa.
[6] In Da Cessação do Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2008, ps 336/337.
[7] No doc. 2, junto a fls 20, consigna-se expressamente «Propõe-se ainda a nomeação, em Comissão de serviço, para o cargo de Director do Serviço de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, mediante a retribuição adicional de 300 €.»