Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0832268
Nº Convencional: JTRP00043271
Relator: JOANA SALINAS
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RP200911190832268
Data do Acordão: 11/19/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 817 - FLS 194.
Área Temática: .
Sumário: I – Os contratos entre investidores e intermediários, tendo por objecto a prestação de serviços de investimento, têm a sua própria disciplina em contratos mistos de conta-corrente e de mandato – cfr. arts. 344º do CCom, 304º, nº1 e 307º do CVM e 1157º e segs. do CC, sem falar nos tipos contratuais referidos nos arts. 298º e segs. do CVM, todos eles subtipos do mandato, susceptíveis de integrarem uma solução plausível de direito.
II – O art. 508º do CPC constitui exemplo paradigmático de que na actual lei adjectiva civil se procurou colocar o acento tónico na supremacia do direito substantivo sobre o processual, nos princípios da cooperação e da descoberta da verdade material e justa composição do litígio, designadamente despindo-se esse princípio da cooperação dos seus anteriores rigores formais.
II – Consubstancia tal normativo um poder/dever do tribunal que se insere no poder mais amplo de direcção do processo e princípio do inquisitório, previstos no art. 265º do CPC, impedindo que razões de forma impeçam a obtenção de direitos materiais legítimos das partes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2268/08 - Agravo
Tribunal Recorrido: .ª Vara Cível do Porto, .ª Secção
[Processo nº 1050/06.9TVPRT]
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO

B………., divorciado, administrador de empresas, residente na Rua .., n.º …-..º- ….-… Espinho, propôs acção declarativa de condenação com processo na forma ordinária contra:
1.º - C………., SA, com sede na ………, n.º .. – ….-… Porto; e
2.º- D………., divorciada, residente na ………., n.º …-4.º Esq.º - ….-… Espinho,
Pedindo que sejam os réus solidariamente condenados:
1) A ver operada a resolução do contrato de intermediação financeira concluído com o R. C………. em 1998, descrito na petição inicial;
2) A repor no activo patrimonial da sociedade E………. ou, em alternativa, na F………., mediante consignação em depósito, a importância de 2.693.496,71 euros (dois milhões seiscentos e noventa e três mil quatrocentos e noventa e seis euros e setenta e um cêntimos);
3) A pagar à mesma E………. ou a consignar em depósito nos termos do n.º anterior, o montante dos juros indemnizatórios contados, à taxa legal, desde 20.11.2003 até integral liquidação consequente à resolução contratual agora operada, os quais, até 24.04.2006, ascendem a 261.527,46 euros (duzentos e sessenta e um mil quinhentos e vinte se sete euros e quarenta e seis euros); e
4) A ressarcir o A. dos prejuízos que vier a sofrer pela perda do recurso atempado à aplicação do regime de regularização tributária criado pelo art. 5.º da Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho, os quais serão liquidados em execução de sentença.
Alega para tanto, e em síntese que:
● O A. dedica-se profissionalmente ao negócio de vinhos e outras bebidas, possuindo uma organização empresarial com stocks seleccionados e um serviço vasto de distribuição.
● Sendo cliente do C………., antes G………., titular duma conta de depósito na Agência de Espinho, foi abordado pelos serviços de marketing financeiro do C………. com o propósito de o captar para uma especial operação de intermediação financeira.
● A forma de intermediação apresentada pelo C………. incluía a criação de uma sociedade fiduciária num paraíso fiscal, cujo objecto seria activado pelos serviços bancários de investimento em valores mobiliários e pelos serviços auxiliares do próprio investimento.
● Decidiu o A. aderir à modalidade de investimento que lhe era proposta, confiando a respectiva gestão à boa-fé e lealdade do C………. .
● Com vista à contratualização da projectada relação negocial de intermediação financeira, o A. subscreveu, juntamente com a sua mulher, D………., no primeiro semestre de 1998, um formulário apresentado pela sociedade H………., SA, com sede no Funchal, “empresa subsidiária” do C………., que nela tem participação e domínio total (100%).
● Tal formulário, sob a forma de “questionário”, foi preenchido pelo Gestor de Conta, segundo as opções por ele preconizadas, mas o exemplar ao dispor do A. é uma fotocópia incompleta que não contém data nem a assinatura de quem obrigue a H………. .
● Contudo, da conjugação das respostas inscritas no preenchimento do “questionário”, deduz-se que o instrumento jurídico utilizado pelo C……… e que ele adoptou como técnica de contratação estandardizada para organizar as relações decorrentes deste tipo de intermediação financeira, é um mecanismo equivalente ou aproximado ao trust dos direitos anglo-americanos.
● Daí resulta que o C………. tenha negociado com o A. a constituição de uma sociedade para actuar como fiduciária-trustee e, nessa qualidade, desempenhar a função de titular da propriedade e da custódia dos bens e direitos constituídos em trust, isto é, do património de afectação, cuja criação é uma das características do trust.
● Tal sociedade veio a ser constituída em 24 de Julho de 1998, nas Ilhas Virgens Britânicas, mediante a intervenção de sócios fiduciários designados pela H………. e completamente estranhos ao A., que com eles nunca teve qualquer contacto, nem antes nem depois.
● À sociedade-trust foi dada a denominação E………., escolhida dum catálogo de nomes; foi-lhe atribuído o capital social standard de US$ 50,000, integralmente realizado a expensas do A., e determinado um objecto-tipo, assim descrito: “O principal objecto da sociedade é a importação e exportação e comercialização de alimentos, materiais e bens de consumo, aquisição, administração e realização de investimentos em bens imobiliários, aquisição e administração de títulos e participações em sociedades e corporações em qualquer parte do mundo; investimentos e administração de activos sociais, bem como serviços e negócios relacionados com estas actividades; consultores e conselheiros para projectos e investimentos”.
● Do Memorandum e Artigos da Sociedade, consta que o seu Director é a pessoa colectiva P………., Limited, sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, e é este Director único (Sole Director) quem, em 11 de Setembro de 1998, delibera nomear o A. e sua mulher, mandatários e representantes da E………., conferindo-lhes poderes especiais para ”abrir e/ou movimentar e encerrar contas bancárias no I………., LTD ou em qualquer outra sucursal ou subsidiária do G………., SA em Portugal ou em qualquer outro país”.
● A atribuição destes poderes estava prevista no questionário preliminar do negócio de intermediação, mas o certo é que o C………. nunca forneceu ao A. um exemplar do pacto social (Memorandum e Articles) da E………., nem do respectivo acto constitutivo, de 24.07.1998.
● Do formulário inicial resulta que o A. manifestou a vontade de que o Banco em nome do qual o Gestor de Conta actuava – o C………. -:
- criasse uma sociedade - trustee para ser a detentora da propriedade e custódia dos bens e direitos a constituir em trust;
- e administrasse o objecto dessa sociedade, isto é, assumisse com o seu pessoal as funções de gestão e aconselhamento da gestão da carteira de investimentos dos sócios settlors, A. e mulher.
● Convencionaram as partes a nomeação do C……… com as funções de administrador–trustee.
● Neste trust, por falta de acto constitutivo, não se encontra formalmente indicado quem são ou como se identificam os beneficiários, nem como se define o conteúdo dos respectivos direitos.
● Ora, o A., constituinte do trust, passou a transferir grande parte das suas economias para a conta de depósito da sociedade fiduciária E………. aberta, por diligência dos serviços de intermediação, no J………., Ltd., sito em ………., com o objectivo de, com a gestão desse património, se realizar uma determinada afectação, que consistia na formação de um pecúlio pessoal bastante para segurança futura do A. como beneficiário.
● Para prover a tal desígnio, o C………. foi investido no papel de co-trustee, com a função de gerir e desenvolver o património objecto do investimento.
● Uma vez criada a E………., foram emitidas pelo respectivo Director dois certificados de acções ao portador, um de 25.500 e outro de 24.500, de USD 1.00 cada acção.
● O alcance da repartição do capital accionista feita nas cautelas (51%+49%) é exclusivo da comparticipação do A. e mulher na formação do capital da sociedade-trust.
● Através da procuração acima referida, adicionada à função de gestão da carteira de valores mobiliários da E………. atribuída ao C………., as partes assumiram a obrigação de manter uma relação de negócios sob a forma contabilística duma conta-corrente.
● Mas, não obstante a gestão da carteira de títulos da E………. dever ser exercida com base em «mandato escrito», celebrado entre o banco e respectivos clientes, que «deverá especificar as condições, os limites e o grau de discricionariedade dos actos na mesma compreendidos», a verdade é que o C………. não forneceu ao A. nenhum escrito contratual que contivesse tais estipulações, previstas e destinadas pelo legislador à protecção dos clientes.
● Contudo, a gestão dos valores mobiliários da E………. e as correspondentes movimentações da conta bancária foram durante vários anos conduzidas pelo Gestor de Conta K………. em clima pragmático de confiança e sem sobressaltos.
●A relação de conta ia dando lugar a extractos, emitidos mensalmente pelo C………., desde a sede administrativa da E………. na cidade do Porto, sob a responsabilidade do Gestor e dentro dos seus largos poderes de acção, no exercício, aliás, de uma actividade profissional classificada.
●Em fins de Outubro de 2003, foi anunciado ao autor que a gestão da conta passava a ser exercida pelo Dr. L………., jurista.
● A anunciada substituição do Gestor de Conta nunca foi ulteriormente confirmada, nem formalizada, nem transmitida ao A. por qualquer órgão ou agente da área directiva do C………, competente para tomar tal decisão, nem sequer foi continuada por um simples diálogo de aproximação.
● Esta despersonalização da relação negocial bancária preparou as condições para a dissipação da confiança dos mandatos mantidos, quer pela mulher do A. quer pelo Gestor de Conta, e para o sucesso duma operação de transferência de activos contabilísticos da E………. na qual ambos participaram com criminal abuso dos poderes e violação dos deveres, a que estavam fiduciária e juridicamente vinculados.
● Efectivamente, na manhã do dia 20 de Novembro de 2003, o A. recebeu em Espinho um telefonema do novo Gestor, a dar-lhe conhecimento de que «a sua mulher acaba de sair do Banco acompanhada de uma advogada» e que ela lhe tinha dado instruções para efectuar uma transferência dos activos da E………. para outra conta.
● De imediato, o A. dirigiu-se à agência do C………. na Rua ………., no Porto, onde estavam domiciliados os serviços de apoio aos chamados «clientes de ……….» e insurgiu-se veementemente contra o sucedido, fez o protesto de que revogava essa ordem de transferência e, em consequência, reclamou ao Gestor o regresso dos activos à conta da E……… .
● Como primeira reacção, o Gestor negou-se a atender as pretensões do A.; todavia, após aturada conversa, foi comunicado ao A. que, se o Dr. K………. o ordenasse, o Gestor procederia à anulação da operação.
● O Dr. K………., uma vez ciente da situação, declarou que, além de ter deixado de ser da sua responsabilidade a carteira de investimento do cliente, nada já era possível fazer, pois, na zona do serviço de ………., o informaram de que a execução da transferência estava em curso e não podia voltar atrás.
● Estes acontecimentos mostram, sem sombra de dúvida, que o Gestor se apressou a executar à risca a ordem de transferência e sem ter colhido nenhuma informação sobre os objectivos prosseguidos pela ordenadora através do serviço a prestar pelo intermediário financeiro, apesar do extraordinário valor da operação de transferência - 2.693.496,71 euros - e de, a ordenadora, sendo completamente inexperiente em matéria de investimentos, aparecer a movimentar a conta com um aparato hostil, tendo a seu lado o apoio cominatório e anormal duma advogada, tudo isso não despertou no Gestor o mínimo sentido de surpresa e de prudência.
● Só mercê de repetidas insistências, o A. veio a saber, por carta datada de 10 de Maio de 2004 do J………., Limited, que o titular da conta n.º……….. beneficiária da transferência aludida, é a sociedade M………., aberta nesse mesmo Banco – empresa subsidiária do C………. - onde precisamente está domiciliada a conta da E………. .
● Ora, a sociedade com tal denominação é uma entidade absolutamente estranha ao universo negocial da E………., pelo que a transferência patrimonial executada pelos RR. não tem subjacente nenhuma transacção visível.
● Por isso, a execução da transferência constituía uma prática alheia aos interesses da E………., essencialmente fraudulenta e geradora dum dano ilícito susceptível de sanções jurídicas penais e não penais.
● O R. C………., a quem foi conferida a gestão da carteira de investimentos do A., não lhe forneceu a escrituração da E………., pelo que ele ignora qual o suporte contabilístico da transferência, ou seja, qual o registo contabilístico que foi feito na E………. e que suporta a transferência feita da carteira de títulos para a M………. .
● Mas, como o movimento de transferência não teve uma contrapartida, é fora de questão que no balanço da E………. existe uma perda a registar, no Passivo, como resultado líquido negativo.
● E, como o Activo do balanço da E………. ficou reduzido ao que na conta bancária é a soma das disponibilidades e da carteira dos títulos remanescentes (160.034,98 euros), verifica-se que, sendo o capital social apenas de 50.000,00 USD (=42.936,88 euros), a sociedade se encontra, por via da consumação da transferência, em estado de insolvência, ou seja, impossibilitada de cobrir o saldo de 2.693.496,71 euros pertencente, por destinação contratual e em ordem à futura partilha subsequente ao encerramento da conta, aos beneficial owners, o A. e a Ré mulher, esta em proporção mínima a calcular no processo de liquidação.
● A participação activa do Gestor de Conta do R. C………. consubstanciou o delito de omissão do dever de actuar «de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses», que é imposto pelo CVM ao intermediário financeiro.
● Trata-se da frontal violação do dever que pesa sobre o operador na intermediação financeira de «evitar a ocorrência de conflitos de interesses com ou entre os seus clientes».
● A operação depauperaria da conta da E………. foi efectuada em conflito de interesses, no qual se fizeram prevalecer os interesses viciados da ordenadora e de terceiro, a M………., sobre os interesses do A. enquanto co-beneficiário e principal investidor, e os da própria E………., abruptamente caída em estado de insolvência.
● Observa-se uma conduta mista do Gestor, simultaneamente activa por abusar dos seus poderes, e omissiva por faltar ao dever de prestar antecipadamente à vítima, o A., «todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada» relativamente ao serviço de transferência que lhe era cometido, incluindo informações respeitantes a «riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar».
● A conduta infiel do Gestor foi, pois, necessariamente activada pela vontade de não cumprir as acções devidas, idóneas e possíveis para evitar a lesão de interesses específicos que são tutelados por normas de ordem pública.
● Deste modo, o A. é ao mesmo tempo sujeito passivo do crime de infidelidade previsto e punido no art. 224.º do Código Penal, e vítima da perda patrimonial de que deriva o direito ao ressarcimento.
● Como ficou demonstrado, o dano sofrido pelo A. é axiomaticamente conexo à operação de transferência abusivamente concluída por um funcionário do C………., na órbita das funções em que se encontrava investido, em concreto, no exercício da obrigação de gerir um património mobiliário alheio.
● Deste nexo resulta que são imputáveis ao C………. os efeitos dos actos ilícitos do seu comissário, com base no princípio do risco de empresa, consagrado no art. 500.º do Código Civil.
● A decisão ilícita de executar uma lesão de tão grande volume no património de investimento, não a tomou a Ré mulher de improviso nem por razões de ordem económica, pois, além de sempre ter desfrutado de cómoda comunhão de vida, auferia e continua a auferir uma retribuição mensal de 4.000 euros como funcionária da firma «N………., SA», maioritariamente pertencente ao A.
● A verdade é que, ao fim de 36 anos de vida em comum, embora tenham celebrado o casamento civil apenas em 17.02.1996, no regime de separação de bens, o casal atravessava um período de crise matrimonial que, apesar de tudo, não ameaçava nem fazia suspeitar uma quebra de confiança de tal natureza e descomedimento.
● Porém, em 11.11.2003, a Ré, actuando com refinado dolo de premeditação, resolveu apoderar-se do valor de um lote de 1946 acções C………. Finance que o A. conservava, como reserva, depositadas no C………. – Espinho numa conta conjunta com a Ré, em regime de solidariedade; para tanto, a ocultas do A., a Ré ordenou ao Banco a venda dos títulos e o depósito do respectivo preço numa conta aberta na mesma Agência do C………., em nome de um dos filhos do casal, O………. .
● E assim foi o A. despojado do valor desses títulos – 92.923,00 euros – por acto unilateral da sua parceira no depósito, tendo ela agido com plena consciência e secreta vontade de cumprir o facto ilícito, do qual, aliás, o A. só veio a tomar conhecimento em Maio de 2004, ao receber uma 2.ª via do extracto da conta.
● Mas o exercício deste ilícito (que será objecto de acção judicial autónoma) serviu à Ré de ensaio da sua capacidade de delinquir, que iria ser orientada para maior cometimento, como foi logo a seguir o caso dos fundos de investimento da E………., perpetrado 9 dias depois, com o mesmo desenho de ilicitude.
● Com efeito, no caso E………., a Ré voltou a cumprir o programa que tinha premeditado, quer quanto à modalidade de conduta, quer quanto aos meios executivos:
- 1.º - explorar a cláusula da solidariedade no funcionamento da conta bancária;
- 2.º - ordenar a transferência de fundos para uma conta cúmplice que assegurasse a recepção dos valores subtraídos.
● No entanto, no caso E………., a Ré contou com a viciada participação material do Gestor de Conta para a execução do golpe, uma vez que o papel dele na gestão da conta não lhe consentia abstrair do negócio necessariamente subjacente à transferência, nem atribuir à conta a natureza de um fenómeno puramente contabilístico, ou seja, nada o autorizava a dar autonomia aos meios escriturais.
O divórcio de A. e Ré, que ela depois requereu como litigioso, veio a ser convertido em divórcio por mútuo consentimento e foi decretado por sentença de 30 de Março 2006, do ..º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho.
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Na sua contestação o réu C……….:
a) Invoca excepção dilatória com base na incompetência absoluta do tribunal em razão da nacionalidade;
b) Invoca excepção dilatória com base na ilegitimidade activa do autor;
c) Invoca excepção dilatória com base na ilegitimidade passiva do réu; e,
d) Impugna os factos da petição inicial;
Conclui pela procedência das excepções, e, de todo o modo, pela absolvição do pedido.
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Na sua contestação a ré D……….:
a) Invoca excepção dilatória com base na incompetência absoluta do tribunal em razão da nacionalidade; caso assim não venha a ser entendido,
b) Invoca excepção dilatória com base na ilegitimidade activa do autor; se assim não vier a ser entendido,
c) Invoca excepção dilatória com base na ineptidão da petição inicial; caso assim não venha a ser entendido,
d) Invoca excepção dilatória com base na incompetência do tribunal em razão da matéria e do território, e ainda por erro na forma do processo; em qualquer caso,
e) Impugna os factos alegados na petição inicial.
Conclui pela procedência das excepções e pela total improcedência da acção pedindo ainda que seja o autor condenado em multa exemplar, como litigante de má fé e numa indemnização condigna a arbitrar a favor da ré, em valor nunca inferior a €6.400,00; e isto, sem prejuízo do demais pedido no artº 97º da contestação.
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Nas suas réplicas o autor sustenta que devem ser julgadas improcedentes todas as excepções deduzidas e conclui como na petição; formula ainda uma ampliação do pedido, pedindo que seja declarado nulo por simulação, o acto constitutivo da sociedade E……….., e que se proceda à subsequente liquidação.
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O C………. apresentou tréplica pugnando pela improcedência do pedido formulado na ampliação.
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Foi então proferido despacho que não admitiu a ampliação do pedido – fls. 364 a 367.
Posteriormente foi proferida decisão que julgou:
1. Improcedente a excepção de incompetência absoluta deste tribunal, por infracção das regras de competência internacional;
2. Procedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa do autor quanto aos três primeiros pedidos formulados;
3. Procedente a excepção dilatória de nulidade parcial do processo; e que
4. Absolveu os réus da instância.
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Inconformado o autor interpôs o presente recurso de agravo, pedindo que seja revogada a decisão recorrida.
O agravante formula as seguintes conclusões:
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Nas suas contra-alegações o agravado C……… pugna pela confirmação da decisão recorrida.
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Foi proferido despacho tabelar de sustentação.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 690.º e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
Deste modo importa decidir as seguintes questões:
-> Se o autor tem ou não legitimidade activa quanto aos três primeiros pedidos formulados
-> Se há ou não ineptidão da petição inicial quanto ao quarto pedido formulado.
Considerou-se na decisão recorrida que:
«(…) O art.º 26.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, estatui que “O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar (...)”. Por outro lado, o n.º 2 da citada norma estabelece que “O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção (...)”. Finalmente, o n.º 3 da mesma norma esclarece que “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor”.
O autor formula quatro pedidos na parte final da petição inicial.
O segundo e o terceiro pedidos consistem na condenação dos réus na reposição no “Activo patrimonial” da sociedade E………. (ou consignar em depósito à ordem da mesma) de determinadas quantias em dinheiro, designadamente as que foram objecto da mencionada transferência e as que respeitam aos juros indemnizatórios derivados da resolução contratual efectuada no primeiro pedido.
Ora, é, por demais evidente, à face do direito constituído, que o autor formula uma pedido de condenação a favor de uma pessoa jurídica diferente de si próprio, qual seja, a mencionada sociedade E………. . É certo que o autor é accionista de tal sociedade e que a procedência da acção lhe traria um benefício; todavia, tal benefício é apenas indirecto e resulta, justamente, da sua condição de accionista da pessoa a favor de quem pede a condenação. O nosso direito substantivo e adjectivo apenas permite que o autor exerça um direito que lhe traga um benefício directo. E mesmo em casos como, por exemplo, de contrato a favor de terceiro (cfr. art.º 444.º, n.º 2, do Código Civil) a lei parte do pressuposto de que se trata de um interesse directo, pois resultou de um negócio jurídico efectuado pelas, desde logo, para beneficiar uma pessoa alheia ao mesmo, sendo tal interesse atendido pela lei, ao ponto de criar um tipo de contrato com essa fisionomia.
Além disso, o primeiro pedido formulado pelo autor, que poderia reflectir um interesse directo (resolver o negócio de intermediação financeira por si celebrado com o réu), apenas existe nos autos para fundamentar o pedido formulado em terceiro lugar, o qual consiste, como já se viu, na condenação dos réus na restituição à E………. de quantias referentes a juros indemnizatórios derivados de tal resolução – neste ponto, não é fácil de perceber como é que o autor pretende a condenação da ré a pagar uma indemnização moratória derivada de uma declaração de resolução de que não é, nem pode ser, à luz da lei, destinatária; na verdade, a ré integra a mesma parte contratual do autor no dito negócio de intermediação financeira, pelo que não se vê como lhe poderá este dirigir uma declaração de resolução contratual.
Finalmente, o quarto pedido formulado seria aquele em que poderia existir uma réstia de interesse directo do autor em demandar o réu. Todavia, não se vislumbra na petição inicial a descrição de factualidade para integrar esse pedido, que surge apenas na parte final da acção e com pedido de relegação para execução de sentença. É verdade que os art.ºs 569.º do Código Civil e 471.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, permitem a formulação deste pedido. Todavia, como se decidiu no Ac. do STJ de 04/04/1974, in BMJ, 238.º, 204, a existência desta norma não dispensa a alegação de factos que revelem a extensão e existência dos danos.
É certo que o autor procura explicar a sua posição apelando às figuras do trust e do negócio fiduciário. O Sr. Prof. Castro Mendes, citando o Sr. Professor Galvão Telles, faz notar, precisamente, a similitude entre o negócio fiduciário e o trust - cfr. Teoria Geral do Direito Civil, AAFDL 1979, Vol. II, pag. 170, nota 386. Todavia, a perplexidade inicial mantém-se, isto é, não pode o autor, à face da nossa lei substantiva e adjectiva, formular o pedido de condenação no pagamento a um terceiro. E independentemente da discussão da Doutrina sobre a validade entre nós dos negócios fiduciários, em especial a fiducia cum creditore, referida pelo autor citado, na obra e locais mencionados, e recorrendo a um raciocínio comparativo, sempre pouco aconselhável no discurso jurídico, reconhece-se, seria o mesmo que o autor celebrar com uma pessoa um contrato de mandato sem representação para venda de um imóvel (o que implicaria a transferência do direito de propriedade para o mandatário), e, perante a ocupação abusiva de tal imóvel por um terceiro, propor acção contra esse terceiro para restituição do imóvel ao mandatário. O mandante pode, na verdade, substituir-se em vários casos ao mandatário, mas em seu próprio benefício e não em benefício daquele. Não se pretende aqui analisar a validade da pretensão do autor em face do direito inglês, onde a figura do trust tem existência e regulamentação próprias. O que se pretende afirmar é que tal figura não existe no direito pátrio, não podendo estruturar-se uma acção judicial com os seus quadros jurídicos, por impedimento legal, designadamente de ordem processual.
Assim sendo, deve concluir-se que o autor formula pedidos cuja procedência lhe não trará benefício ou utilidade directa, no que se refere aos três primeiros, e que não se encontram estribados em factualidade suficiente, no que se refere ao quarto, o que implica em relação aos três primeiros ilegitimidade activa, e em relação ao último uma ineptidão, pelo menos parcial, da petição inicial, por falta de causa de pedir, situação esta que consubstancia um nulidade (parcial) de todo o processo, nos termos dos art.ºs 193.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 494.º, alínea b), ambos do CPC.”
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Quanto à ilegitimidade
Temos presente que os três primeiros pedidos do autor, para os quais o despacho recorrido entende existir ilegitimidade activa são os seguintes:
1) A ver operada a resolução do contrato de intermediação financeira concluído com o R. C……….. em 1998, descrito na petição inicial;
2) A repor no activo patrimonial da sociedade E………. ou, em alternativa, na F………., mediante consignação em depósito, a importância de 2.693.496,71 euros (dois milhões seiscentos e noventa e três mil quatrocentos e noventa e seis euros e setenta e um cêntimos);
3) A pagar à mesma E………. ou a consignar em depósito nos termos do n.º anterior, o montante dos juros indemnizatórios contados, à taxa legal, desde 20.11.2003 até integral liquidação consequente à resolução contratual agora operada, os quais, até 24.04.2006, ascendem a 261.527,46 euros (duzentos e sessenta e um mil quinhentos e vinte se sete euros e quarenta e seis euros);
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Perante estes pedidos, salvo o devido respeito não perfilhamos da visão exposta na decisão recorrida.
Como dessa própria decisão se infere, todas as sucessivas sociedades e entidades que foram identificadas nos autos, à excepção do C………. (antes G……….), constituem a miríade de pessoas jurídicas ficcionadas pelos outorgantes, de um lado o autor e a 2ª ré, do outro o C………., como o fito simples e comum na actualidade económica e financeira de fugir aos impostos cobrados em poupanças/investimentos semelhantes, mas localizados no território português.
O recente colapso financeiro de bancos, instituições financeiras, seguradoras, grupos de investimento, cuja repercussão negativa no tecido social e económico é facto público e notório, veio clarificar ainda mais a natureza de contratos como o que é descrito nos autos, cujo interesse fundamental reside na fuga, e que tem sido alvo de tantos e tão variados comentários, a maioria deles no sentido da falta de ética deste tipo de poupança/investimento/fuga de capitais.
Não é essa matéria que aqui nos ocupa, mas releva apenas para explicitar porque não podemos adoptar a posição formal de que C………., E……….., (escolhida dum catálogo de nomes, surreal!), H………., SA, I………., LTD, J……….., Ltd., (sito em ……….), e M………., são pessoas distintas com interesses próprios e até antagónicos entre si.
Como também resulta evidente da forma como o autor configura a acção, o pedido e a causa de pedir, todas essas entidades, são apenas formalidades escriturais, instrumentos materiais e jurídicos, que servem de meio à prossecução desta actividade bancária de angariar investimentos para os denominados “paraísos fiscais”.
Mas no caso dos autos, e concretamente, o angariador, o intermediário, o gestor, o administrador da dita E………., em suma, o responsável pela conta-corrente, pelas transferências, pela saída das quantias questionadas pelo autor é sempre e só, o C………. .
Se o fez cumprindo ou não as suas obrigações para com o autor é questão de mérito a apreciar depois de fixados os factos da acção.
O que se nos afigura quase denegação de justiça é ficcionar que o autor não tem legitimidade, quem tem é a E………., quando na verdade, e tal como afirma o autor na sua petição inicial, tudo quanto ele fez foi preencher os formulários que o C………. lhe apresentou, sendo o C………. investido na função de gerir e desenvolver o património objecto do investimento.
Uma vez criada a E………., tendo como únicos accionistas o autor e a 2ª ré, manteve o C………. a função de gestão da carteira de valores mobiliários, assumindo as partes a obrigação de manter uma relação de negócios sob a forma contabilística duma conta-corrente.
E de tal modo é ficcionada a existência dessa E………. que o próprio autor peticiona o pagamento das quantias que entende que lhe são devidas pelo C………. e pela ex-mulher à sociedade, ou, em consignação de depósitos na F………. - (longe do paraíso fiscal, dizemos nós…).
Em síntese, a presente acção centra-se em responsabilidade civil contratual (quanto ao C……….) e por facto ilícito (quanto à 2ª ré), uma vez que o negócio celebrado entre as partes, pode, sumariamente, ser descrito do seguinte modo:
-> O autor pretendia juntar um pecúlio pessoal que fosse bastante para a sua segurança futura;
-> Com esse objectivo aceitou a proposta do C………. de criar uma sociedade para ser a detentora da propriedade e custódia dos bens e direitos a constituir;
-> Sendo essa sociedade administrada pelo C………., que exercia as funções de gestão e aconselhamento da gestão da carteira de investimentos dos sócios, o autor e mulher;
-> Na prossecução desses objectivos o autor passou a efectuar transferências regulares para o C………. as colocar na dita “sociedade”;
-> E passou a receber do C………. uma conta corrente contabilística.
E tudo se passou num ambiente da maior confiança, até ao dia, em que, segundo o autor, o C………. e a sua ex-mulher retiraram da dita “sociedade” os valores peticionados.
Quanto a nós é despiciendo discutir se estamos perante relações jurídicas estabelecidas num ordenamento jurídico offshore não acolhido na ordem jurídica portuguesa.
Relevante é que estamos perante operações de intermediação financeira, reservadas por lei às instituições de crédito e às sociedades financeiras (art. 293º nº 1 al. a) do CVM), pelo que, o direito que as modela e rege, por se enquadrar no direito bancário, não pode deixar de ser de «clara concepção contratual».
Os contratos entre investidores e intermediários, tendo por objecto a prestação de serviços de investimento, têm a sua própria disciplina em contratos mistos de conta-corrente e de mandato – cf. artºs 344º C.Com., 304.º nº 1 e 307.º CVM, e 1.157.º ss. C. Civil, sem falar nos tipos contratuais referidos nos artºs. 298.º ss. do CVM, todos eles subtipos do mandato, susceptíveis de integrarem uma solução plausível de direito.
Assim, e tal como foi configurada a causa de pedir, nunca o autor poderia ver ressarcidos direitos que considera violados através de acção intentada pela tal sociedade, ou por ele em representação dela, primeiro porque a sociedade não passa de um escrito, depois porque a única pessoa directa e imediatamente interessada nesta acção é o autor, porque foi, segundo ele, o único prejudicado com as condutas dos réus.
E tudo isso é matéria de mérito, a discutir depois de instruída a acção e julgados os factos alegados.
Também se nos afigura que em nada sai afectada a sua legitimidade pelo facto de ter outorgado o contrato de intermediação financeira ao lado da sua então mulher, e vir agora pedir a sua resolução contra a agora ex-mulher, além do Banco. Os factos relatados na acção pelo autor e o facto de a sua então mulher ser agora ex-mulher são mais do que esclarecedores da mudança de lado negocial das partes no negócio.
E, considerando o disposto no artº 26º nº 3 do Código de Processo Civil, do qual resulta que “a legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor”, concluímos que o autor, contrariamente ao que consta da decisão recorrida é o único que tem interesse directo nesta acção, porque é o único que dela pode obter alguma utilidade.
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De todo o modo, na perspectiva da decisão agravada da existência efectiva da sociedade E………., sempre assistiria legitimidade ao autor para intentar esta acção.
Nessa perspectiva, reconhecido pelas partes que o autor seria accionista em mais de 5% do capital, sempre poderia intentar a acção social ut singuli «a favor da sociedade», porque o artº 77º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais lhe atribui legitimidade para exercer em nome próprio um direito de outrem (a sociedade) para garantir o conteúdo do seu direito de participação social.
Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/02/2009, com o nº convencional 08A399, e publicado em ITIJ - Bases Jurídico-Documentais, www.dgsi.pt/jstj:
«A lei concede aos sócios que reúnam as condições referidas no n.º 1 do art.º 77.º legitimidade para instaurarem a acção uti singuli, não só no interesse da sociedade, como no seu próprio interesse, na medida em que este ficaria indirectamente lesado por a sociedade não intentar a acção social ut universi.
A indemnização que por este meio seja obtida ingressará no património da sociedade, pois, como expressamente refere o art.º 77.º, n.º 1, a acção tem em vista a “reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido” (COUTINHO DE ABREU e ELIZABETE RAMOS, Responsabilidade Civil de Administradores e de Sócios Controladores, p. 17).
O facto de a indemnização dever ser entregue à sociedade justifica-se apenas como modo de garantir por igual o interesse de todos os accionistas e de evitar uma multiplicação de acções ut singuli e a utilização destas como meio de antecipar a entrega de valores patrimoniais a que os accionistas só têm direito como quota de liquidação (RAUL VENTURA e BRITO CORREIA, estudo e suplemento citados, p. 429).
Na acção uti singuli, os sócios não actuam como representantes legais da sociedade: os sócios exercem em nome próprio um direito de outrem (da sociedade) para garantir o conteúdo do seu direito de participação social. Por isso, a lei exige a presença da sociedade na acção, através dos seus representantes legais, para que esta possa ser ouvida.
Como explicam RAUL VENTURA e BRITO CORREIA (idem, p. 435), para “a acção social ut singuli poder ser considerada procedente é necessário que o autor alegue e prove que o administrador é responsável para com a sociedade, mas a acção deve basear-se em qualquer dos factos constitutivos dessa responsabilidade: acto ou omissão, acto próprio ou acto de outrem, doloso ou negligente, ilegal ou antiestatutário, etc. O administrador pode opôr ao accionista as mesmas excepções que poderia invocar contra a sociedade, inclusivamente o cumprimento de uma deliberação da assembleia geral e os factos extintivos da responsabilidade (renúncia, transacção, aprovação da gestão).”»
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Quanto à ineptidão da petição inicial
O 4º pedido formulado pelo autor, que o tribunal recorrido reputou de inepto por falta de alegação de factos é o seguinte:
O autor pede que os réus sejam, solidariamente condenados “a ressarcir o A. dos prejuízos que vier a sofrer pela perda do recurso atempado à aplicação do regime de regularização tributária criado pelo art. 5.º da Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho, os quais serão liquidados em execução de sentença”.
E com efeito, na petição inicial o autor nada mais disse sobre esta matéria. Ou seja, constata-se uma insuficiente concretização de factos, necessários a completar a causa de pedir.
Agora, em sede de alegações, veio muito sumariamente concretizar que se achava impedido de apresentar até 16 de Dezembro de 2005 a declaração de regularização tributária relativa à comprovação da titularidade e ao depósito ou registo dos elementos patrimoniais que não se encontrassem no território português em 31 de Dezembro de 2004.
Dispõe-se no artº 193º nºs 1 e 2 al. a) do Código de Processo Civil que é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial, e esta diz-se inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.
Por sua vez, no artº 494º al. b) do mesmo Código prevê-se que a nulidade de todo o processo constitui excepção dilatória.
Porém, esta ineptidão, não foi, como tal entendida nem suscitada pelas partes, e não foi dada qualquer oportunidade ao autor de corrigir o apontado vício.
Também não consideramos que exista o apontado vício de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir. O que se verifica é insuficiência de concretização da matéria de facto alegada.
Insuficiência que pode ser corrigida, convidando-se o autor para o fazer, como se impõe, e como resulta das regras conjugadas dos artºs 508º nº 3, 265º e 266º, todos do Código de Processo Civil.
Temos presente que o princípio dispositivo a que se reporta o artº 264º já não encerra o significado que tinha para a concepção privatística, contratualista ou quase contratualista, de as partes disporem do processo [Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1963, 347 ss], e aparece agora temperado pelo poder de direcção do processo e pelo princípio do inquisitório - art. 265.º.
No n.º 2 deste preceito concretiza-se este princípio – “o juiz providenciará mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los” - erigido em nova filosofia do direito adjectivo, em que a o apuramento da verdade e a justa composição do litígio se sobrepõem à verdade intrínseca ou formal.
Por isso confere-se ao tribunal o dever de suprimento oficioso da falta de pressupôs processuais, o que, aliás, expressamente se volta a prever no artº 508º nºs 1 al. b) e 3, do Código de Processo Civil:
1— Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado a:
(…)
b) Convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes.
(…)
3— Pode ainda o juiz convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
(…)

Como consta do preâmbulo do DL n.º 329-A/95:
«Para além de se reforçarem os poderes de direcção do processo pelo juiz, conferindo-se-lhe o poder-dever de adoptar uma posição mais interventora no processo e funcionalmente dirigida à plena realização do fim deste, eliminam-se as restrições excepcionais que certos preceitos do Código em vigor estabelecem, no que se refere à limitação do uso de meios probatórios, quer pelas partes, quer pelo juiz, a quem, deste modo, incumbe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente e sem restrições, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer».
Perfila-se, desta forma, uma nova filosofia adjectiva, no centro da qual se confere ao juiz uma margem de manobra ampla, em ordem à descoberta da verdade material.
Por isso, impunha-se ao juiz recorrido ordenar providências, ainda que oficiosamente, com vista ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada susceptíveis de sanação, no que concerne ao quarto pedido formulado.
Poderia e deveria tê-lo feito no momento do saneador - artºs 265º nºs 2 e 3 e 508º nº 3, ambos do CPC.
O artº 508º do CPC constitui exemplo paradigmático de que na actual lei adjectiva civil se procurou colocar o acento tónico na supremacia do direito substantivo sobre o processual, nos princípios da cooperação e da descoberta da verdade material e justa composição do litígio, designadamente despindo-se esse princípio da cooperação dos seus anteriores rigores formais.
Consubstancia tal normativo um poder/dever do tribunal que se insere no poder mais amplo de direcção do processo e princípio do inquisitório, previstos no artº 265º CPC, impedindo que razões de forma impeçam a obtenção de direitos materiais legítimos das partes.

III – DECISÃO

Nestes termos acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento a este recurso de agravo, e, em consequência revoga-se a decisão recorrida, que vai substituída por outra com o seguinte teor:

“1º - Julgam-se improcedentes as suscitadas excepções dilatórias de ilegitimidade activa.
2º - Ao abrigo do disposto no artº 508º nºs 1 al. b) e 3, do Código de Processo Civil, considerando-se insuficiente a concretização de factos quanto ao quarto pedido formulado, convida-se o autor a apresentar nova petição inicial devidamente corrigida”.

Custas pelo agravado.

Porto, 19 de Novembro de 2009
(acórdão elaborado em computador, deixando em branco as folhas no verso, e revisto pela 1ª signatária - artigo 138º nº 5, do C.P.C.)
Joana Salinas Calado do Carmo Vaz
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo