Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
821/10.6PHMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: RECONHECIMENTO DE PESSOAS
FALSIDADE DO AUTO
ROUBO
VIOLÊNCIA CONTRA AS PESSOAS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PRISÃO
Nº do Documento: RP20120704821/10.6PHMTS.P1
Data do Acordão: 07/04/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No sentido de provar a falsidade do auto de reconhecimento no que respeita à afirmação de que a pessoa a identificar foi colocada entre outras duas que apresentam as maiores semelhanças possíveis com ela, o arguente pode juntar fotografias das pessoas em causa (se elas a tal não se opuserem) ou solicitar a sua presença em audiência.
II - A conduta do arguido que, contra a vontade da vítima, subtraiu telemóveis que esta tinha no bolso e junto ao corpo implica o uso de força física que deve ser qualificada como “violência” instrumental da subtração, integrando, por isso, a prática de um crime de Roubo, do art. 210º nº 1 do Cód. Penal.
III - Na decisão de não aplicação da pena de suspensão de execução da prisão não é aceitável que considerações ligadas à circunstância de o arguido estar desempregado e, dadas as suas habilitações escolares, serem muito reduzidas as possibilidades de encontrar uma profissão estável, sobretudo neste período de crise económica (o que torna mais elevado o risco de coltar a cometer crimes) obstem à substituição da pena de prisão, pois tal seria contrário aos princípios da igualdade e da justiça que estão na base do nosso sistema jurídico-constitucional, além de representar uma perversão dos propósitos ressocializadores que caraterizam o sistema jurídico-penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pr821/10.6PHMTS.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B… veio interpor recurso do douto acórdão do 1º Juízo Criminal de Matosinhos que o condenou, pela prática de cada um de dois crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de um ano e três meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de um ano e oito meses de prisão.
São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«I. O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática de dois crimes de roubo, na forma simples, p.e p. pelo artigo 210º nº 1 do CP.
II. O tribunal a quo considerou provado que no dia 25 de Maio de 2010 entre as 17:40 e as 18:00. «o arguido dirigiu-se ao C… e à D…, e mediante o uso da forca física, retirou-lhes:
- Ao C…, um telemóvel de marca Nokia … no valor de € 109,90 e um telemóvel de marca Sony Ericsson … no valer de € 109,90
- A D…, um telemóvel de marca Nokia … no valor de € 109,00 e um telemóvel Nokia de modelo desconhecido, no valor de € 30,00 »
III. Tal convicção assentou apenas nos depoimentos dos ofendidos C… e D… (prestado em 17 de Janeiro de 2012 e gravado em CD de 10m e 19s a 10m e 295 e de 10m e 375 10m e 435\, uma vez que nenhuma das outras testemunhas o presenciou.
IV, Acontece que, nos depoimentos dos ofendidos, que se revelaram pouco claros, imprecisos e incoerentes, tais factos não ficaram demonstrados.
V. E não ficaram claramente demonstrados, porque os ofendidos, não fizeram prova de que os telemóveis subtraídos lhes pertenciam, nem tão pouco que foram aqueles
VI. No tocante à prova por meio de prova de reconhecimento, quer por via de fotografias, quer pessoal, a mesma se impugna por não ter o reconhecimento preenchido os requisitos constantes do artigo 147º do CPP
VIL Em termos gerais, impugna-se a decisão sobre a matéria de facto no tocante aos crimes de roubo praticados nas pessoas dos ofendidos C… e D….
VIII. Mais se recorre da determinação da medida judicial das penas parcelares. et pour cause da medida da pena única aplicada.
IX. Procede-se à transcrição da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, na parte julgada relevante, a partir do respectivo registo magnético
X. Sob a epígrafe «Quanto ao facto ocorrido no dia 25 de Maio de 2010» procede-se à indicação dos pontos de facto incorrectamente julgados
XI. Contesta-se; pois, em suma, a seguinte matéria factual dada como provada: que o arguido B…, tenha estado presente nos factos ocorridos com os ofendidos C… e D… que o arguido, tenha retirado aos ofendidos, os objectos de que vem acusado
XII. Indicam-se as provas que impõem decisão diversa da recorrida, resumidamente, a circunstancia de o arguido, não ter confessado os factos praticados contra os ofendidos; o facto de o acórdão recorrido omitir o valor total apurado dos bens subtraídos aos ofendidos C… e D…, o facto de os ofendidos, nomeadamente o C…, não ter identificado o arguido em audiência e discussão de julgamento; o facto de os ofendidos C… e D…, corroborarem que o arguido apresentava um tatuagem no braço direito, sendo que na visualização das fotografias este não apresenta tatuagem nenhuma, em nenhum dos braços, não se ficando a saber se no reconhecimento pessoal as mesmas foram evidenciadas
XIII. A acusação não logrou fazer prova da prática do tipo de ilícito pelo ora recorrente nas pessoas dos ofendidos C… e D…,
XIV, A prova produzida não permite condenar o recorrente pela prática dos crimes de roubo contra as pessoas dos ofendidos C… e D…
XV. A prova produzida é manifestamente insuficiente para a decisão da matéria de facto dada por provada,
XVI. A decisão recorrida não respeitou o princípio da livre apreciação da prova, nomeadamente o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal e os princípios constitucionais da motivação e da presunção da inocência do arguido (in dubio pro reo).
XVII. A renovação da prova não parece susceptível de vir a fundamentar decisão condenatória,
XVIII. A decisão recorrida é omissa no tocante ao valor dos bens subtraídos aos ofendidos, C… e C…, montante apurado em Euros 109,90 e Euros 109,90 e C… e em Euros 109,90 e Euros 30.00
XIX. A douta sentença ora posta em crise ignorou elementos de facto essenciais que lhe cumpria conhecer, para dar por preenchidos os requisitos do crime de roubo, e incorreu no vicio de falta de fundamentação ou motivação que ora se invoca,
XX. O tribunal a quo não cumpriu as exigências de fundamentação impostas pelo principio da motivação consagrado no artigo 374º do Código de Processo Penal, quer relativamente ao valor dos bens subtraídos, quer relativamente ao conteúdo do Relatório Social para julgamento, dando origem a verificação de causa de nulidade do acórdão - artigo 379º do Código de Processo Penal, nestes particulares.
XXI. A decisão recorrida, ao omitir os valores concretos dos bens subtraídos aos ofendidos, C… e D…, ignorou elementos de facto essenciais que lhe cumpria conhecer, para dar por preenchidos os requisitos do crime de roubo.
XXII. O acórdão recorrido padece, pois, também do vício de insuficiência na matéria de facto provada para a decisão, et pour cause, quanto à questão da determinação da medida judicial ou concreta das penas parcelares.
XXIII. É manifestamente insuficiente a prova produzida para a decisão proferida.
XXIV. A insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada impõe a sua correcção ampliativa.
XXV. A factualidade dada por apurada em audiência de discussão e julgamento, no tocante aos ilícitos cometidos contra as pessoas dos ofendidos C… e D…, apenas comportaria a condenação do arguido-recorrente pelo crime de furto na sua forma simples.
XXVI. O nº 1 do artigo 210º do Código Penal define os requisitos da sua aplicação por remissão para o disposto no nº 1 e no nº 2 do artigo 204º do mesmo diploma legal, referindo expressis verbis que lhe é «(…) correspondentemente aplicável o disposto no nº 4 do mesmo artigo».
XXVII. O nº 4 do artigo 204º do Código Penal dispõe «não há lugar a qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor», remetendo-nos, implicitamente, para a definição legal de valor diminuto, constante da alínea c) do artigo 202º do Código Penal.
XXVIII. O acórdão proferido pelo tribunal, atento o valor não provado dos objectos fruto do ilícito, viola, pois, o disposto no nº 1 do artigo 210º do Código Penal, e, consequentemente, as disposições do nº 4 do artigo 204º e da alínea c) do artigo 202º, ambos do mesmo diploma legal.
XXIX. O tribunal a quo ignorou a idade e a correlativa juventude do arguido à data dos factos, não despiciendas para efeito da determinação da medida judicial da pena.
XXX. A inconsideração da idade do arguido à data dos factos e as considerações expendidas a propósito da nulidade derivada da omissão da insuficiência da prova produzida para a decisão de facto proferida permitem concluir que o tribunal de 1ª instância violou as disposições do artigo do artigo 71º do Código Penal, ao proceder à fixação da medida judicial ou concreta das penas.
XXXI. Num juízo breve dir-se-á, pois, que o Tribunal Colectivo não ponderou adequadamente todos os factores a que a lei manda atender em sede de atenuação geral da pena violando, nesta conformidade, o disposto no artigo 71º do Código Penal.
XXXII. Se prescindir afiguram-se, em qualquer caso, excessivas as penas indistintamente aplicada na decisão da 1ª instância aos crimes de roubo simples.
XXXIII. É desproporcionada, ignorando o benefício da suspensão da execução da pena, aplicada ao recorrente pela prática dos factos.
XXXIV. Por razões de equidade, recomendarão uma redução da medida das penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes.
XXXV. O conjunto de considerações expendidas impõem a aplicação ao arguido-recorrente de pena única inferior à do acórdão recorrido.
XXXVI. Em suma, não restam dúvidas que o recorrente não praticou os crimes em que foi condenado.
XXXVII. Nos termos do supra alegado e não tendo o recorrente praticado os crimes em que foi condenado deve o mesmo ser absolvido.».
Na sua resposta, o Ministério Público pugnou pela improcedência total do recurso.
O Ministério Público junto desta instância emitiu parecer, reiterando a posição assumida pelo Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância.
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes:
- saber se no acórdão recorrido se verifica insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, por ele ser omisso quanto aos valores dos objetos subtraídos;
- saber se esse acórdão não cumpre as exigências de fundamentação quanto à prova do valor dos bens subtraídos e quanto ao conteúdo do relatório social elaborado pela Direção-Geral de Reinserção Social;
- saber se o reconhecimento em que se baseou o acórdão recorrido não pode ser valorado, por inobservância do disposto no artigo 147º do Código de Processo Penal;
-saber se a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada, por não ter sido produzida prova de que os telemóveis subtraídos eram os referidos na acusação e eram propriedade dos participantes;
- saber se a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada, por não ter sido feita prova de que o arguido tenha utilizado a força física para subtrair os objetos em causa;
- saber se, consequentemente, o arguido não deverá ser condenado pela prática de crime de roubo, por não ter feito uso de qualquer tipo de violência;
- saber se o acórdão recorrido violou os princípios da presunção de inocência do arguido e in dubio pro reo
- saber se, na qualificação jurídica dos factos, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 202º, c); 204º, nº 4; e 210º, nº 1, do Código Penal;
- saber se o acórdão recorrido errou ao não considerar a idade do arguido na determinação da medida concreta da pena;
- saber se as penas em que o arguido foi condenado são excessivas face aos critérios legais, devendo ela beneficiar de alguma pena de substituição da pena de prisão.

III – É o seguinte o teor da fundamentação do douto acórdão recorrido:
«(…)
II. FUNDAMENTAÇÃO

1. OS FACTOS

1.1. Relativos à culpabilidade

1.1.1. Factos provados

No dia 25 de Maio de 2010, entre as 17:40 e as 18 horas, no …, junto às escadas do …, o arguido dirigiu-se ao C…, nascido a 8 de Novembro de 1993, e à D…, nascida a 24 de Janeiro de 1996, e, mediante o uso da força física, retirou-lhes:
- Ao C…, um telemóvel da marca Nokia … no valor de €109,90 e um telemóvel da marca Sony Ericsson … no valor de €109,90; e
- À D…, um telemóvel da marca Nokia … no valor de € 109,90 e um telemóvel Nokia de modelo desconhecido no valor de €30,00.
Objectos esses que o arguido fez seus e integrou no seu património, colocando-se em fuga de seguida.
O arguido agiu de forma livre e consciente, com a intenção de fazer seus aqueles objectos através do uso da força física, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam, actuando contra a vontade dos seus donos, que se sentiram constrangidos a suportar a referida subtracção (por terem receado pela sua integridade física.
Sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

1.1.2. Factos não provados

Não há.

1.1.3. Motivação da decisão de facto

O arguido negou a prática dos factos.
As circunstâncias de modo, tempo e lugar do assalto sofrido pelos ofendidos (C… e D…), bem como os bens (telemóveis) que lhes foram subtraídos e respectivos valores, resultaram do teor dos seus depoimentos.
No que concerne à imputação da autoria do assalto ao arguido, a convicção positiva sobre essa realidade fundou-se nos reconhecimentos do arguido feitos pelos ofendidos durante o inquérito (fls. 123 a 130), nos quais foi observado o disposto no Artigo 147º do C.P.P.

1.2. Relativos à personalidade do arguido

1.2.1. Factos provados

O arguido teve uma vivência condicionada por perturbações no ambiente familiar durante o seu processo de desenvolvimento, com efeitos na estabilidade da inserção familiar e no processo de acompanhamento educativo.
Concluiu o 5º ano de escolaridade com 13 anos de idade e começou a trabalhar aos 14 na construção civil, como trolha.
Há cerca de onze anos estabeleceu união de facto com a companheira com quem mantém relacionamento harmonioso, do qual resultaram dois filhos, actualmente com 9 e 4 anos.
À data dos factos, tal como actualmente, o agregado familiar do arguido residia em apartamento camarário com satisfatórias condições de habitabilidade, situado em bairro social.
O arguido encontra-se profissionalmente inactivo há cerca de seis meses e inscrito no centro de emprego. A sua companheira também se encontra desempregada.
Os recursos de subsistência do agregado familiar provêm do subsídio de desemprego auferido pelo arguido no montante aproximado de 485€ e do Rendimento Social de Inserção de que beneficiam no montante mensal aproximado de 10€. Sendo uma situação económica deficiente, mal permite fazer face aos encargos fixos.
O arguido ocupa os seus tempos livres preferencialmente no convívio com amigos, em cafés que frequenta diariamente, e com os familiares.
O arguido já foi condenado pela prática dos seguintes crimes:
- Ofensa à integridade física simples, praticado em 25/6/2001, tendo sido condenado em pena de multa por decisão transitada em 5/3/2003;
- Resistência e coacção sobre funcionário, praticado em 22/6/2008, tendo sido condenado em pena de prisão substituída por multa (que veio a ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade) por decisão transitada em 4/8/2008;
- Furto qualificado na forma tentada, praticado em 14/8/2007, tendo sido condenado em pena de 1 ano de prisão (suspensa na sua execução por igual período) por decisão transitada em 9/2/2009;
- Ameaça agravada, praticado em 9/3/2010, tendo sido condenado em pena de multa por decisão transitada em 13/9/2010.

1.2.2. Factos não provados

Não há.

1.2.3. Motivação da decisão de facto

O teor do relatório social elaborado pela DGRS.
O CRC do arguido.

2. O DIREITO

2.1. Enquadramento jurídico-penal

2.1.1. O tipo de crime

É imputada ao arguido a prática de dois crimes de roubo, previstos e punidos pelo Artigo 210º, nº 1, do Código Penal (roubos simples).
Preceitua essa disposição legal que “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça de perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”.
O crime de roubo exige a intenção de apropriação (ilegítima) e o recurso à violência. Mas exige igualmente que a violência seja empregue como meio de obter a apropriação da coisa. Como tal, não basta que ocorra em simultâneo a intenção de apropriação e o uso de violência, mas sim que esta seja instrumental daquela.
Na verdade, o bem jurídico protegido pelo crime de roubo é complexo, abrangendo não só a propriedade como também outros valores iminentemente pessoais, tais como a vontade, a auto-determinação e a integridade física da vítima.
Daí que, quando o comportamento do agente atinge mais de uma pessoa, se verificam tantos crimes quantas as vítimas (cfr. o disposto no Artigo 30º do Código Penal, designadamente o seu nº 3).
No caso dos autos, o arguido dirigiu-se aos dois ofendidos e, mediante o uso da força física (violência), retirou-lhes os seus telemóveis, dos quais se apropriou contra a vontade destes, que se sentiram constrangidos a suportar essas subtracções (por terem receado pela sua integridade física).
Mais se provou que o arguido agiu de forma livre e consciente, com a intenção de fazer seus aqueles objectos através do uso da força física, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam.
Não se provou (nem foi alegado ou invocado) qualquer facto que exclua a ilicitude ou a culpa do arguido.
Ao apropriar-se de bens móveis alheios por meio de violência, a conduta do arguido preenche o elemento objectivo do tipo de crime de roubo (conduta típica – cfr. o disposto no Artigo 210º, nº 1, do Código Penal).
Ao actuar com a intenção de se apropriar dos bens através do uso da força física (violência), o arguido agiu com dolo (na modalidade de dolo directo – cfr. o disposto no Artigo 14º, nº 1, do Código Penal), preenchendo o elemento subjectivo do tipo de crime de roubo.
Por a conduta do arguido ter visado e abrangido os dois ofendidos, cometeu dois crimes (um crime por cada vítima – cfr. o disposto no Artigo 30º, nº 3, do Código Penal).
Pelo exposto, verificam-se todos os elementos constitutivos, objectivos e subjectivos, da prática pelo arguido, em 25/5/2010, como autor material, na forma consumada, em concurso efectivo, de dois crimes de roubo (simples), previstos e punidos pelo Artigo 210°, nº 1, do Código Penal, cada um dos quais é abstractamente punível com pena de prisão de 1 a 8 anos.

2.2. Medida concreta das penas

A aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – Artigo 40º, nº 1, do Código Penal. Sendo certo que a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa, em caso algum – Artigo 40º, nº 2, do Código Penal.
Nos termos do disposto no Artigo 71º do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente as exemplificativamente previstas no nº 2 daquele preceito legal.
Assim, o limite máximo da pena concreta, dentro da moldura abstracta, tem como limite a culpa do agente (nulla pena sine culpa) e é dentro deste limite que deve ser fixada a pena concreta, tendo em conta as exigências de prevenção.
A ilicitude dos factos é baixa, dentro do respectivo tipo de crime, tendo em conta o reduzido valor dos bens subtraídos a cada um dos ofendidos (que em nenhum dos casos excede o montante do salário mínimo nacional em vigor à data dos factos), bem como o modo de actuação do arguido (que se reduziu ao mínimo essencial para produzir o efeito pretendido, em face da pessoa dos visados e das demais circunstâncias, não tendo chegado a ameaçar os ofendidos nem a ofender a sua integridade física).
A intensidade do dolo foi a normal neste tipo de crime.
Em matéria de prevenção geral quanto a este tipo de crime, as exigências são elevadas, obrigando a que as penas, tendo sempre como limite a culpa do arguido, seja fixada de forma a não defraudar as expectativas da comunidade, fazendo-a continuar a acreditar na eficácia do ordenamento jurídico.
Quanto às condições pessoais do arguido, são as que acima constam, das quais resulta que, apesar de não ser manifesto que se encontre socialmente desinserido, vive no limiar da integração social, por não trabalhar e o seu agregado familiar ser sustentado exclusivamente por subsídios do Estado.
Quanto à conduta anterior aos factos, há que atender ao passado criminal do arguido, que já havia cometido 4 crimes e sofrido 3 condenações (tendo o trânsito em julgado da 4ª condenação ocorrido em data posterior à dos crimes destes autos). A última condenação sofrida pelo arguido antes da prática dos crimes destes autos foi por um crime também contra a propriedade (furto qualificado na forma tentada), tendo sido condenado em pena de prisão cuja execução foi suspensa (a qual findara em 9/2/2010, isto é, cerca de 3 meses antes da prática dos crimes destes autos).
As exigências de prevenção especial são elevadas, tendo em conta os antecedentes criminais do arguido e as suas condições pessoais. Com efeito, para além de já ter sido condenado por vários crimes, a sua última condenação antes da prática dos crimes destes autos foi em pena de prisão, cuja execução fora suspensa (pelo crime de furto qualificado, na forma tentada). Os crimes destes autos são de natureza idêntica ao daquela condenação (crimes contra a propriedade), mas são mais graves (roubos). Sendo certo que o cometimento destes crimes ocorreu pouco após (cerca de 3 meses) o termo da suspensão da execução da pena de prisão em que fora anteriormente condenado. Para além disso, encontrando-se o arguido desempregado e tendo como habilitações apenas o 5º ano, são muito reduzidas as probabilidades de encontrar uma actividade profissional estável e com perspectivas de futuro, principalmente nesta época de crise. De modo que, tendo em conta a natureza dos crimes cometidos pelo arguido (roubos), os seus antecedentes criminais e a situação de carência económica em que se encontra (e a falta de perspectivas de que venha a melhorar), é elevado o risco de que volte a delinquir.
Assim, considerando a moldura abstracta das penas (1 a 8 anos de prisão), a culpa do arguido, o grau da ilicitude e a intensidade do dolo, as condições pessoais do arguido e a sua conduta anterior aos factos, a natureza do crime em causa e as necessidades de prevenção geral e especial, é justo e adequado fixar-lhe as penas de 1 ano e 3 meses de prisão pela prática de cada um dos 2 crimes de roubo.

2.3. Cúmulo jurídico das penas

De acordo com o disposto no Artigo 77º, nº 1, do Código Penal, “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”.
Essa pena única tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, tendo como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão – nº 2 do Artigo 77º.
No caso dos autos, a pena única a aplicar ao arguido tem como limite máximo 2 anos e 6 meses de prisão (soma das penas aplicadas a cada um dos crimes) e como limite mínimo 1 ano e 3 meses de prisão (pena mais elevada que foi aplicada a um dos crimes).
Quanto aos factos em causa, é de ter em consideração a natureza dos crimes praticados pelo arguido (roubos simples), bem como a sua conduta unitária (tendo em conta que embora o desvalor da acção tenha atingido 2 pessoas, a conduta se traduziu numa só acção).
Quanto à personalidade do arguido, há que atender aos seus antecedentes criminais à data dos factos, bem como às suas condições de vida (carências económicas e desocupação laboral).
Assim, ponderando em conjunto os factos e a personalidade do arguido e atenta a moldura do concurso (entre 1 ano e 3 meses e 2 anos e 6 meses de prisão), é justo e adequado fixar-lhe a pena única de 1 ano e 8 meses de prisão.

2.4. Execução da pena (não aplicação de penas de substituição)

O Código Penal traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador. Daí todo o conjunto de medidas não institucionais (penas não privativas da liberdade) que são colocadas à disposição do julgador, que devem ser preferencialmente aplicadas sempre que se mostrem suficientes para promover a recuperação social do delinquente e satisfaçam as exigências de reprovação e prevenção do crime (cfr. o disposto nos Artigos 70º e 40º do Código Penal). Há, porém, um limite intransponível: as penas de prisão superiores a 5 anos, às quais não é possível a aplicação de qualquer pena de substituição.
Deste modo, as penas de prisão não superiores a 5 anos apenas deverão ser executadas (não substituídas por outras penas não detentivas da liberdade) se tal for exigido pelas finalidades da punição: razões de prevenção geral (protecção de bens jurídicos) ou de prevenção especial (ressocialização do delinquente) – cfr. o disposto no Artigo 40º, nº 1, do Código Penal.
No caso dos autos, por se tratar de pena de prisão não superior a 2 anos, há possibilidade de substituição por: prestação de trabalho a favor da comunidade (cfr. o Artigo 58º, nº 1, do Código Penal) ou suspensão da execução da pena (cfr. o Artigo 50º, nº 1, do Código Penal).
Essas penas de substituição já foram anteriormente aplicadas ao arguido nas condenações que sofreu, tendo voltado a delinquir.
Assim, tendo em conta as elevadas exigências de prevenção especial que se verificam (pelas razões acima apontadas), não é de crer que a prestação de trabalho a favor da comunidade ou que a simples censura do facto e ameaça da prisão (consubstanciada pela suspensão da execução da pena) sejam suficientes para evitar que o arguido volte a delinquir.
Pelo que se conclui que apenas a execução da pena única de prisão acautela suficientemente as finalidades da punição, tendo em conta as exigências de prevenção especial (a ressocialização do arguido).
(…)»

IV 1. – Cumpre decidir.
Vem o arguido e recorrente alegar que no acórdão recorrido se verifica insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nos termos do artigo 410º, nº 2, a), do Código de Processo Penal, por este ser omisso quanto aos valores dos objetos subtraídos.
Não tem, porém, qualquer fundamento esta alegação do recorrente. O valor dos objetos em causa está indicado no segundo e terceiros parágrafos do elenco dos factos provados e a própria motivação do recurso faz referência a esse valor.
Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.

IV 2. – Vem, por outro lado, o arguido e recorrente alegar, invocando o disposto nos artigos 374º, nº 2, e 379º, nº 1, a), do Código de Processo Penal, que o acórdão recorrido não cumpre as exigências de fundamentação quanto à prova do valor dos bens subtraídos e quanto ao conteúdo do relatório social elaborado pela Direção-Geral de Reinserção Social.
Também não tem qualquer fundamento esta alegação do recorrente.
Quanto ao valor dos objetos subtraídos, o acórdão recorrido é bem explícito ao mencionar que se baseia, quanto a esse aspeto, no depoimento dos queixosos (ver ponto 1.1.3). E estes fazem referência a esses valores nos seus depoimentos (de 7.00 a 8.00 do depoimento gravado de C… e de 5.30 a 6.00 do depoimento gravado de D…).
Quanto ao relatório elaborado pela D.G.R.S., o acórdão recorrido também é bem explícito ao mencionar que é nele que se baseia quanto à prova dos factos relativos à personalidade do arguido e recorrente (ver pontos 1.2.1. e 1.2.3.).
Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.

IV 3. - Vem, por outro lado, o arguido e recorrente alegar que o reconhecimento em que se baseou o acórdão recorrido não pode ser valorado, por inobservância do disposto no artigo 147º do Código de Processo Penal. Alega que, quando se procedeu ao seu reconhecimento presencial, foi colocado entre dois agentes policiais bem vestidos e sem quaisquer semelhanças com ele; que o queixoso C… não o reconheceu em audiência de julgamento; e que ambos os participantes afirmaram que a pessoa que os assaltou tinha uma tatuagem no braço direito, sendo que das suas fotografias juntas a fls. 28, que serviram de base ao reconhecimento fotográfico, resulta que ele não tinha qualquer tatuagem.
Vejamos.
Estatui o artigo 147º do Código de Processo Penal:
«1. Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possa influir na credibilidade da identificação.
2. Se a identificação não for cabal, afasta-se quem deva proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter siso vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.
3. Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efetivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efetuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.
4. As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no nº 2, são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas aos autos.
5. O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efetuado nos termos do nº 2.
6. As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respetivo consentimento.
7. O reconhecimento que não obedecer ao disposto nesta artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.»
Analisando os autos juntos a fls. 26 a 28 e 123 a 130, deles resulta que os participantes C… e D… procederam, na fase de inquérito, ao reconhecimento fotográfico do arguido e recorrente, seguido do respetivo reconhecimento presencial. O douto acórdão recorrido baseou-se no teor destes autos para considerar imputada ao arguido e recorrente a autoria do assalto nele descrito. De acordo com o que desses autos consta, foram observadas as exigências do citado artigo 147º do Código de Processo Penal, designadamente no que diz respeito à exigência de que a pessoa a identificar seja colocada entre outras duas que apresentem as maiores semelhanças possíveis com ela.
O arguido e recorrente vem alegar que este último requisito não foi cumprido. Mas não basta alegar tal facto. O arguido e recorrente teria que o provar, impugnado, desse modo, o conteúdo de um documento autêntico, e invocando, pois, a falsidade deste (artigo 169º do Código de Processo Penal). Uma vez que não foram juntas aos autos fotografias das pessoas em causa, por elas nisso não terem consentido, poderia ter solicitado a presença das mesmas em audiência. Nunca o fez na fase de julgamento em primeira instância, que seria a sede própria para o fazer, não o sendo esta fase de recurso. Não pode deixar de valer como prova, nos termos do referido artigo 169º, este aspeto do conteúdo do auto de reconhecimento.
De qualquer modo, sempre se dirá que se as semelhanças físicas entre as pessoas em causa não forem as maiores ou as desejáveis, mas apenas as possíveis, tal facto não afetará a validade do reconhecimento, mas penas a sua força no plano da fiabilidade (ver, neste sentido, o acórdão do S.T.J. de 15/3/2007, in C.J.- S.T.J., I, pg. 210).
Quanto ao facto de o queixoso não ter procedido ao reconhecimento do arguido e recorrente em audiência, por ter sido inquirido na ausência deste, de modo algum tal retira validade ao reconhecimento efetuado em inquérito. De nenhum preceito legal resulta que o reconhecimento efetuado em inquérito deva ser repetido em julgamento. Tal reconhecimento vale como prova em julgamento, contra o princípio geral do artigo 355º, nº 1, do Código de Processo Penal, nos termos do nº 2 do mesmo artigo e da alínea b) do nº 1 do subsequente artigo 356º. Compreende-se que assim seja: é perfeitamente natural que o reconhecimento se dê na fase de inquérito, em princípio pouco tempo depois da prática dos factos, e já não em julgamento, eventualmente bastante mais tarde, quando se esvaneceu a memória visual da testemunha. E também se pode proceder (como se verificou neste caso) a reconhecimento na fase de inquérito evitando perturbações e constrangimentos da testemunha, nos termos do nº 3 citado artigo 147º, sem que essa testemunha tenha de ser confrontada em julgamento com a pessoa a identificar sem a possibilidade de evitar tais perturbações e constrangimentos.
Alega, ainda o arguido e recorrente o facto de os participantes terem afirmado que a pessoa que os assaltou tinha uma tatuagem no braço direito, sendo que das suas fotografias juntas a fls. 28, que serviram de base ao reconhecimento fotográfico, resulta que ele não tinha qualquer tatuagem. Na verdade, os participantes sempre aludiram a essa tatuagem, quer na participação (ver fls. 2, verso), quer nas declarações que antecederam o reconhecimento (ver fls. 125 e 129).
Há que salientar, a este respeito, antes de mais, que esta questão também não diz respeito à validade do reconhecimento, mas à sua força no plano da fiabilidade. E que a contradição apontada não é decisiva para abalar tal fiabilidade. Desde logo porque não está demonstrada (e também não é esta a sede própria para o fazer) que o arguido, apesar de não apresentar alguma tatuagem nas fotografias juntas a fls 28 (reportadas a datas muito anteriores à da prática dos factos em apreço), não apresentasse essa tatuagem quando praticou o assalto e quando foi reconhecido presencialmente.
Assim impõe-se negar provimento ao recurso também quanto a este aspeto.

IV 4. – Vem, ainda, o arguido e recorrente alegar que a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada, nos termos do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, por não ter sido produzida prova de que os telemóveis subtraídos eram os referidos na acusação e eram propriedade dos participantes.
Também não vislumbramos que fundamento possa ter esta alegação do arguido e recorrente.
Dos depoimentos dos participantes, em que se baseia neste aspeto o douto acórdão recorrido, resulta claramente que os telemóveis subtraídos eram os referidos na acusação e a eles pertenciam. A testemunha E… afirmou que tinha oferecido ao participante C… um desses telemóveis, conforme a transcrição que consta da própria motivação do recurso.
Não é razoavelmente exigível algum outro meio de prova da propriedade dos telemóveis em causa.
Sempre se dirá, mesmo assim, que bastaria que os telemóveis não fossem propriedade do arguido (o que nem ele mesmo discute), e ainda que não se provasse que eram propriedade dos participantes, para considerar que estamos perante um crime de roubo.
Assim, impõe-se negar provimento ao recurso também quanto a este aspeto.

IV 5. – Vem o arguido e recorrente alegar que a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada, nos termos do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, por não ter sido feita prova de que tenha utilizado a força física para subtrair os objetos em causa. Consequentemente, não deverá ser condenado pela prática de crime de roubo, por não ter feito uso de qualquer tipo de violência.
Vejamos.
O crime de roubo supõe a subtração de coisa móvel alheia, ou que outra pessoa seja constrangida a entregar essa coisa, por meio de violência contra uma pessoa ou de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física dessa pessoa, ou que para tal essa pessoa seja colocada na impossibilidade de resistir (ver artigo 210º, nº 1, do Código Penal).
É entendimento unânime da jurisprudência o de que a violência necessária para a qualificação de um crime de roubo não implica necessariamente lesões corporais e que basta, para tal, o uso da força em vista da subtração independentemente de contacto físico (assim, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 10/5/1995, proc nº 0039603, relatado por Dinis Alves, e de 12/7/1995, proc nº 004583, relatado por Santos Monteiro, e da Relação de Évora de 3/5/2005, proc nº 185/05-1, relatado por Pires da Graça, todos in www.dgsi.pt); que a tomada de qualquer objeto contra a vontade de quem o transporta é já um ato de violência que implica força sobre a pessoa transportadora (assim, o referido acórdão da Relação de Évora); e que retirar algo de alguém de forma brusca só pode ser considerado ato violento, pois se trata de intromissão no corpo de uma pessoa por meio de uma conduta que visa quebrar ou impedir a resistência da vítima (assim, entre outros, o acórdão da relação de Coimbra de 27/4/2011, proc nº 133/09.8GAOHP.C1, relatado por José Eduardo Martins, e o acórdão desta Relação do Porto de 12/5/2010, proc nº 361/08.3 PAVNG.P1, relatado por Paula Guerreiro, ambos in www.dgsi.pt). É esta situação que se verifica nos chamados roubos “por esticão” (ver, entre outros, os acórdão desta Relação do Porto de 13/4/1998, proc nº 0021905, relatado por Luciano Cruz, e de 16/6/2004, proc nº 0412260, relatado por Fernando Monterroso, ambos in www.dgsi.pt).
À luz desta orientação jurisprudencial, parece não haver dúvidas de que a conduta do arguido e recorrente, que subtraiu telemóveis que os participantes tinham nos bolsos e junto ao corpo, contra a vontade destes (facto que resulta com evidência das declarações das testemunhas, designadamente as que são transcritas na motivação de recurso e constam de 2.12 a 2.35, e 5.35 a 6.05 do depoimento gravado de C… e de 3.37 a 3.58 do depoimento gravado de D…) implica o uso de força física que deve ser qualificado como “violência” instrumental da subtração desses telemóveis.
Assim, não é merecedora de reparo a qualificação dos factos provados como crime de roubo p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal.
O recurso não merece provimento também quanto a este aspeto.

IV 6. – Vem o arguido e recorrente alegar, ainda, que o acórdão recorrido violou os princípios da presunção de inocência do arguido e in dubio pro reo.
Também quanto a este aspeto, a alegação do recorrente não tem fundamento.
A decisão em apreço baseia-se num juízo de certeza (independentemente do sentido da mesma), não em qualquer juízo dubitativo. É o que dela resulta com clareza.
Assim, também quanto a este aspeto o recurso não merece provimento.

IV 7. - Vem o arguido e recorrente alegar, por outro lado, que o douto acórdão recorrido, na qualificação jurídica dos factos, violou o disposto nos artigos 202º, c); 204º, nº 4; e 210º, nº 1, do Código Penal.
Também quanto a este aspeto, a alegação do recorrente não tem qualquer fundamento.
O douto acórdão recorrido qualifica os factos em apreço como crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal. Não considera qualquer circunstância agravante modificativa do crime de roubo nos termos do nº 2 desse mesmo artigo, o qual remete para o disposto nos artigos 202º, c), e 204º, nº 4, do mesmo Código. Só se assim fosse, seria estes preceitos aplicáveis em caso de não apuramento do valor dos objetos subtraídos (o que também não se verifica, como vimos).
Assim, o recurso não merece provimento também quanto a este aspeto.

IV 8. – Vem o arguido e recorrente alegar, por outro lado, que as penas em que foi condenado são excessivas e que deveria ter sido considerada a sua idade na determinação da medida concreta dessas penas.
Vejamos.
O crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, por que o arguido foi condenado, é punível com pena de um a oito anos de prisão.
Na determinação da medida concreta da pena dentro desta moldura, há que considerar as seguintes disposições do Código Penal.
De acordo com o artigo 40º, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (nº 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2).
Nos termos do nº 1 do artigo 71º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (alínea f)).
Por cada um dos dois crimes de roubo que praticou, foi o arguido e recorrente condenado em um ano e três meses de prisão, medida muito próxima do mínimo da moldura legal respetiva (cujo limite máximo ascende a oito anos. O douto acórdão recorrido considerou (e bem), como circunstâncias atenuantes, o valor reduzido dos objetos subtraídos e o reduzido grau de violência utilizado. Mas não podia deixar de considerar (como não o fez), como circunstância agravante, os antecedentes criminais do arguido (foi condenado em multa, por ofensa à integridade física simples, em 2003; foi condenado em multa substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, por resistência e coação sobre funcionário, em 2008; foi condenado em um ano de prisão suspenso na sua execução, por furto qualificado na forma tentada, em 2009; e foi condenado em multa, por ameaça agravada, em 2010, já depois da prática dos factos ora em apreço).
Atendendo a estas circunstâncias, não podem considerar-se, de modo algum, desajustadas, excessivas ou desproporcionada as penas em que o arguido foi condenado por cada um de dois crimes de roubo, muito próximas do limite mínimo legal.
E também não é desajustada, à luz do artigo 77º do Código Penal, a pena de um ano e oito meses de prisão resultante do cúmulo jurídico dessa duas penas (um ano e oito meses de prisão, numa moldura situada entre um ano e três meses e dois anos e seis meses).
Vem o arguido e recorrente alegar que na determinação da medida concreta dessas penas deveria ter sido considerada a sua idade.
À data da prática dos factos em apreço, o arguido tinha completado vinte e seis anos de idade. De acordo com o relatório social junto aos autos, vive maritalmente desde há onze anos e dessa união tem dois filhos, um com nove e outro com quatro anos de idade. Estamos perante uma pessoa que já há muito atingiu a idade adulta e já há muito superou a idade que o poderia fazer beneficiar do regime especial dos jovens (Decreto-Lei 401/82, de 23 de setembro). Não é, por isso, merecedor de reparo que o douto acórdão recorrido não tenha considerado a idade do arguido na determinação da medida concreta das penas em que este foi condenado.
Assim, e quanto a este aspecto, o recurso em apreço também não merece provimento.

IV 9. - Alega, por último, o arguido e recorrente que deveria beneficiar de alguma substituição das penas de prisão em que foi condenado designadamente da suspensão de execução dessas penas.
Vejamos.
Nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal, o tribunal suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Preside ao instituto da suspensão da execução da pena de prisão um propósito de favorecimento de penas mais adequadas à prevenção especial positiva (reinserção social, ou não desinserção social do agente) do que a pena de prisão. É seu pressuposto uma prognose social favorável o arguido, isto é, a prognose de que a censura do facto e a ameaça de eventual cumprimento da pena de prisão sejam suficientes para o afastar da criminalidade.
Mas não é só essa perspetiva da prevenção especial que deve ser tida em conta. É também pressuposto da suspensão da pena de prisão que esta satisfaça outros fins da pena (artigo 50º, nº 1, in fine, do Código Penal). De acordo com o citado artigo 40º, nº 1, do mesmo Código, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. A “protecção dos bens jurídicos” corresponde, fundamentalmente, à prevenção geral positiva, isto é, ao reforço da confiança comunitária na validade da ordem jurídica e na protecção que esta assegura aos bens que estruturam a vida social. Diante da violação da ordem jurídica e da agressão a esses valores, a consciência jurídica comunitária poderá ficar abalada se o sistema jurídico-penal não reagir, fechar os olhos a tal violação, ficando comprometida a referida confiança. A pena exerce, assim, uma função pedagógica de interpelação social que veicula uma mensagem cultural de chamada de atenção para a relevância de valores e bens jurídicos e, nessa medida, traduz-se numa forma de protecção desses bens jurídicos e da ordem jurídica em geral. Ora, a suspensão da pena pode ser interpretada pela consciência comunitária como uma forma de desvalorização de bens jurídicos a que dá particular importância e como um sinal de prática impunidade, uma mensagem contraditória com um propósito de tutela desses bens. Haverá que verificar se no caso concreto isso se verifica, podendo até optar-se pela não suspensão da pena de prisão mesmo quando a pena, por ser inferior a cinco anos, o permitiria e essa suspensão fosse aconselhada pelas exigências da prevenção especial e as necessidade de não desinserção social do arguido.
Nos termos do artigo 58º, nº 1, do Código Penal, a pena de prisão não superior a dois anos deverá ser substituída por trabalho a favor da comunidade sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Também a opção por esta pena obedece a um propósito de favorecimento de penas mais adequadas à prevenção especial positiva do que a pena de prisão. As finalidades da punição a ter em conta nessa opção incluem, como vimos, além das de prevenção especial, as de prevenção geral, em especial as de prevenção geral positiva, com o sentido acima indicado.
O douto acórdão recorrido justificou a não substituição das penas de prisão em que o arguido foi condenado com os seus antecedentes criminais (já lhe foram anteriormente aplicadas penas de substituição e voltou a cometer crimes) e com o facto de ela estar desempregado e, dadas as suas habilitações escolares, serem muito reduzidas as possibilidades de encontrar uma profissão estável, sobretudo neste período de crise económica (o que torna mais elevado o risco de voltar a cometer crimes).
Deve, desde já, sublinhar-se não ser aceitável esta última consideração. Não podem ser condições sociais desfavoráveis e independentes da vontade do arguido a obstar à substituição de uma pena de prisão. Tal seria contrário a fundamentais princípios de igualdade e justiça que estão na base do nosso sistema jurídico-constitucional, além de representar uma perversão dos propósitos resocializadores que caraterizam o nosso sistema jurídico-penal.
Mas já se compreende que os antecedentes criminais do arguido possam obstar à substituição das penas de prisão em que foi condenado.
Impõe-se, porém, reconhecer que nenhuma das condenações anteriores se reveste de acentuada gravidade. Antes da prática dos factos ora em apreço, o arguido havia sido condenado em duas penas de multa (foi condenado uma outra vez em pena de multa já depois dessa prática). Já tem outro significado o facto de ter sido condenado em um ano de prisão suspensa na sua execução por igual período e de este período ter cessado pouco tempo antes da prática dos crimes ora em apreço.
Este último facto (a prática do crime pouco tempo depois de ter cessado o período de suspensão da execução de uma pena de prisão) impede que se confie em que uma nova suspensão de execução da pena venha a afastar o arguido da criminalidade, tal como impede que se considerem satisfeitas com essa nova suspensão de execução da pena as exigências de prevenção geral positiva.
Afigura-se-nos, porém, que o mesmo não poderá dizer-se da substituição das penas de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade.
A prestação de trabalho a favor da comunidade reveste-se de um alcance sancionatório efetivo de que não se reveste a suspensão da execução da pena de prisão. A comunidade, e o próprio condenado, não a interpretarão, como muitas vezes interpretam a suspensão de execução da pena de prisão, como sinal de permissividade ou de indiferença diante da violação dos bens jurídicos em causa. E se é verdade que estamos perante um crime de roubo, com o que isso implica de particulares exigências de prevenção geral, não podemos ignorar que os crimes em concreto não se revestem de acentuada gravidade (tanto que as penas respetivas se aproximam muito do mínimo legal).
Assim, justifica-se a substituição das penas de prisão em que o arguido foi condenado por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58º do Código Penal.
Atendendo ao disposto na parte final do nº 3 deste artigo, o arguido deverá prestar quatrocentos e oitenta horas de trabalho.
Essa substituição fica condicionada ao consentimento do arguido (artigo 58º, nº 3, do Código Penal). Esse consentimento deverá ser prestado em face do plano de execução elaborado pelos serviços de reinserção social, nos termos do artigo 496º do Código de Processo Penal.
Assim, nesta medida, deverá ser concedido provimento parcial ao recurso.

Não há lugar a custas (artigo 513º, nº 1, a contrario, do Código de Processo Penal)

V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento parcial ao recurso, substituindo, nos termos do artigo 58º do Código Penal, a pena de um ano (1) e oito (8) meses de prisão em que o arguido foi condenado por quatrocentos e oitenta (480) horas de trabalho a favor da comunidade e mantendo-se, no restante, o douto acórdão recorrido.
Essa substituição fica condicionada ao consentimento do arguido, o qual deverá ser prestado em face do plano de execução elaborado pelos serviços de reinserção social, nos termos do artigo 496º do Código de Processo Penal.

Notifique

Porto, 4/7/2012
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Maria Godinho Vaz Pato
Eduarda Maria de Pinto e Lobo