Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
490/09.6TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP00043815
Relator: MACHADO DA SILVA
Descritores: INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL
COMPETÊNCIA MATERIAL DOS TRIBUNAIS DO TRABALHO
Nº do Documento: RP20100419490/09.6TTPRT.P1
Data do Acordão: 04/19/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO SOCIAL - LIVRO 101 FLS. 172.
Área Temática: .
Sumário: I- Invocando o Autor, na petição a celebração com o Réu, ISSS, IP, de um contrato de trabalho sem termo e a existência de créditos salariais emergentes desse contrato de trabalho, bem anteriores à data da entrada em vigor quer da Lei nº 59/2008 quer da Lei nº 12-A/2008, é competente em razão da matéria o Tribunal do Trabalho - arts. 85º, alínea b), da LOTJ, e 4º, nº 3, alínea d), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
II- A competência do Tribunal em razão da matéria tem de aferir-se pela natureza da relação jurídica, tal como é apresentada pelo Autor na petição inicial, pelos termos em que a acção foi proposta, ou seja, analisando o que foi alegado como causa de pedir e também o pedido formulado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. nº 1426.
Proc. nº 490/09.6TTPRT.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. B…………. intentou, no Tribunal do Trabalho do Porto, a presente acção, com processo comum, contra o Instituto de Solidariedade e Segurança Social, IP, pedindo o pagamento da quantia de € 3.459,85, acrescida dos juros legais de mora, desde a citação.
Para tanto, alegou ter sido admitido ao serviço do Réu, mediante a celebração de um contrato de trabalho sem termo, com início em 10.12.2001, para exercer as funções de operário qualificado – canalizador, as quais no entanto não desempenhou, por, desde o início, sempre ter exercido as funções de motorista de ligeiros.
Tal contrato constitui o documento junto pelo Autor com a petição, sob o nº 1.
A quantia peticionada corresponde ao crédito do A. emergente de trabalho suplementar prestado ao R., nos anos de 2004 a 2006, e por este não pago.
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Contestou o R., além do mais, excepcionando a incompetência do Tribunal do Trabalho, em razão da matéria, para conhecer o contrato de trabalho dos autos, sustentando que ela cabe à jurisdição administrativa.
Para tanto, referiu que o contrato de trabalho do Autor converteu-se num contrato de trabalho em funções públicas, nos termos do art. 17º, nº 2, da Lei nº 59/2008, de 11.09, automaticamente e independentemente de qualquer formalismo, tendo estas alterações entrado em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009.
Nos termos do art. 83º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, os Tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público, pelo que tendo esta disposição legal entrado em vigor, em 1 de Janeiro de 2009, nos termos do nº 7 do art. 118º da invocada Lei, daí resulta que a presente acção devia ter sido proposta junto dos tribunais administrativos.
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Findos os articulados, a M.ma Juíza “a quo”, conhecendo da excepção, julgou o tribunal do trabalho incompetente em razão da matéria, absolvendo o R. da instância.
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Inconformado com tal decisão, dela recorreu o A., formulando as seguintes conclusões:
1. Compete aos tribunais de trabalho julgarem "das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho" – alínea b) do art. 85º da LOFT;
2. Ao julgar incompetente o tribunal do trabalho em razão da matéria, o douto despacho agravado violou o estabelecido nos artigos 85º alínea b) da LOFT e ainda o disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 4º do ETAF e do artigo 9° da Lei 12­-A/2008, de 27 de Fevereiro.
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Contra-alegou o R., pedindo a confirmação do decidido.
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Nesta Relação, o Ex.mo Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer no sentido do não provimento do recurso.
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Cumpre decidir.
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2. Factos provados (além dos já referidos supra na 1ª parte):
a) A cláusula 1ª do contrato celebrado entre o A., como 2º outorgante, e o R., como 1º outorgante, tem o seguinte teor:
«O segundo outorgante é admitido ao serviço do primeiro outorgante, nos termos do art. 37º dos Estatutos anexos ao Decreto-Lei nº 316-A/2000, de 7 de Dezembro, para desempenhar com lealdade, zelo, pontualidade e assiduidade no ISSS, as funções de operário qualificado – canalizador, cujo conteúdo funcional se encontra descrito no regulamento de carreira e estatuto em vigor para o pessoal da Administração Pública».
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3. Do mérito.
A única questão a decidir tem a ver com a incompetência do tribunal “a quo” em razão da matéria, tal como foi decidido.
Para tanto, a decisão recorrida tem a seguinte fundamentação:
«Encontra-se demonstrado por acordo das partes e documentos que o réu é uma pessoa colectiva de direito público que, no exercício da sua actividade, admitiu o autor ao seu serviço para o exercício das funções de Operário Qualificado – Canalizador, mediante o contrato denominado "de trabalho sem termo", cuja cópia consta a fls. 11 a 15.
É certo que nos termos do art. 85°/b) da LOTJ (Lei 3/99 de 13/01), compete nomeadamente aos Tribunais do Trabalho conhecer em matéria cível das questões emergentes de relações de trabalho subordinado.
Contudo, nos termos do art. 4°/3-d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na redacção introduzida pela Lei 59/2008 de 11/9, a apreciação de litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas é da competência desses Tribunais.
No mesmo sentido, prescreve o art. 83° da Lei 12-A/2008 de 27/2.
Ora, o art. 88°/3 desta Lei preceitua que os actuais trabalhadores contratados por tempo indeterminado, que não exerçam as funções aludidas no seu art. 10°, como é o caso, mantêm o contrato por tempo indeterminado.
Por outro lado, a relação jurídica de emprego público pode constituir-se por nomeação ou por contrato de trabalho em funções públicas, nos termos do art. 9° daquela Lei 12-A/2008, sendo que são contratados os trabalhadores referidos no seu art. 20° e podendo o contrato ser por tempo indeterminado ou a termo (art. 12° da mesma Lei).
Além disso, de acordo com o art. 17° da Lei 59/2008 de 11/9, a transição para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas opera-se sem dependência de quaisquer formalidades.
Consequentemente, de harmonia com tal normativo, há que concluir que desde 1 de Janeiro de 2009, data em que entrou em vigor aquela Lei, o contrato que vincula autor e réu se converteu em contrato de trabalho em funções públicas.
Em conformidade, a apreciação dos litígios dele emergentes é da competência da jurisdição administrativa, pelo que o Tribunal do Trabalho é incompetente em razão da matéria para conhecer da presente acção (cf. art. 66° do Código de Processo Civil).
A incompetência em razão da matéria constitui excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância (art.s 105°/1, 288°/1-a), 493°/2 e 494°/a) do Código de Processo Civil).
Em conformidade, decide-se declarar este Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer da presente acção e, em consequência, absolver o réu da instância».
Não podemos concordar com tal decisão.
Sobre questão idêntica, envolvendo um outro trabalhador e o R., esta Relação, por acórdão de 08.03.2010, disponível in www.dgsi.pt, já se pronunciou recentemente, no processo nº 492/09.2TTPRT, (relator Ferreira da Costa), no sentido de que, tendo sido celebrado um contrato individual de trabalho, por tempo indeterminado, para o exercício de funções de motorista do ISSS, IP, era competente em razão da matéria o Tribunal do Trabalho.
A sua fundamentação foi a seguinte:
«Como é sabido, é pelo pedido do autor que se afere da competência material do Tribunal, mesmo que a acção tenha sido deduzida incorrectamente, tanto do ponto de vista adjectivo como do direito substantivo, isto é, o autor é soberano nesta sede, pois o Tribunal tem de atender ao pedido tal como ele é apresentado. Trata-se de mais uma manifestação do princípio da auto-responsabilidade das partes segundo o qual elas litigam por sua conta e risco. Por isso, se a acção for incorrectamente intentada, o seu eventual insucesso é questão que está para além da problemática da competência material do Tribunal, não lhe diz respeito – [cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1999-12-09, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 492, págs. 370-380]
Configurando o A. o contrato de trabalho dos autos como um contrato de trabalho por tempo indeterminado, de natureza privada, que não atribui a qualidade de agente administrativo e pedindo a condenação da R. a pagar uma quantia a título de trabalho suplementar, tudo apontaria no sentido de a competência, em razão da matéria, pertencer aos tribunais do trabalho, atento o disposto no art. 85.º, alínea b) da Lei Orgânica e de Funcionamento dos Tribunais Judiciais [LOFTJ], aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro. Aliás, tanto é assim, que a delimitação negativa da competência dos tribunais administrativos e fiscais, empreendida pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, aponta claramente no sentido propugnado, quando no seu art. 4.º, n.º 3, alínea d), dispõe:
Ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:
d) A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção de litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas.
Nem vale a pena alegar que a transformação legal dos contratos de trabalho em contratos de trabalho em funções públicas determinou a incompetência dos tribunais do trabalho em razão da matéria, atento o consignado nas disposições conjugadas dos art.s 17.º, n.º 2 da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro e 83.º e 88.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, uma vez que o determinante no apuramento da competência em razão da matéria é o pedido do autor, o qual in casu se estriba no contrato de trabalho por tempo indeterminado e de natureza privada».
Assim, face aos termos em que o A. configurou a presente acção, ou seja, invocando um contrato de trabalho sem termo com o Réu e a existência de créditos salariais emergentes desse contrato de trabalho, bem anteriores à data da entrada em vigor quer da Lei nº 59/2008 quer da Lei nº 12-A/2008, estando, pois, em causa uma situação em tudo idêntica à do citado acórdão, não vemos motivos para divergir do entendimento nele expresso, assim se concluindo pela procedência do recurso e pela revogação do despacho recorrido, declarando-se o tribunal do trabalho competente em razão da matéria para conhecer da presente acção.
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4. Atento o exposto, e decidindo:
Acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, nos termos supra referidos, e ordenando a sua substituição por outra que ordene a normal tramitação do processo.
Custas pela recorrida.
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Porto, 19.04.10
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa