Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1230/12.8TBVLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
FORMA DO CONTRATO
DIREITO DE PREFERÊNCIA DOS ARRENDATÁRIOS
DIREITO DE PREFERÊNCIA DOS SUBARRENDATÁRIOS
Nº do Documento: RP201401131230/12.8TBVLG.P1
Data do Acordão: 01/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 280º, 1051º DO CÓDIGO CIVIL
ARTº 13º, 28º DO RAR (DL 385/88, DE 25/10)
Sumário: I - No caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, aos respectivos arrendatários (rurais) com, pelo menos, três anos de vigência do contrato, assiste o direito de preferirem na transmissão (artº 28º, nº 1, do RAR, e artº 31º, nº 2, do NRAR).
II - Não estando demonstrada a autorização expressa da proprietária na sua celebração, o contrato de subarrendamento rural é nulo, por se tratar de um negócio jurídico proibido pelo art. 13º, nº 1, do RAR, vigente aquando da sua celebração (cf. art. 280º, do CC).
III - O contrato de subarrendamento não é fonte do direito legal de preferência na transmissão do prédio, até porque o proprietário é terceiro em relação ao subarrendatário, que caduca com este acto (artº 1051º, c), do CC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1230/12.8TBVLG.P1 - APELAÇÃO

Relator: Caimoto Jácome (1430)
Adjuntos: Macedo Domingues
Oliveira Abreu

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1- RELATÓRIO

B…, com os sinais dos autos, intentou a presente ação, sob a forma do processo declarativo comum ordinário, contra C… e D…, E…; F… e G… e H…, com os sinais dos autos, pedindo que:
- Seja reconhecido pelos Réus o contrato de arrendamento rural existente entre “os primeiros Réus e seus antepassados e o Autor” sobre o prédio rústico composto de terra a cultura e vinha, sito no …, freguesia …, concelho de Valongo, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4826;
- Seja reconhecido ao Autor o direito de preferência “na venda” do referido prédio;
- Seja declarada a substituição dos últimos Réus, compradores desse prédio, tomando o Autor a posição que aqueles ocupam e a quem deve ser entregue o prédio livre e desocupado;
- Sejam mandados cancelar quaisquer registos sobre o prédio efectuados depois da celebração da compra e venda em causa.
Alegou, em síntese, que é arrendatário rural, desde 1992, de talhões do identificado prédio, assistindo-lhe, por essa razão, direito de preferir na transmissão do mesmo feita através de contrato de compra e venda.
No dia 7 de Junho de 2011, os réus C…, D…, E… e F… venderam o prédio aos Réus G… e H…, pelo preço de € 50.000,00, sem que previamente tivessem dirigido ao autor qualquer comunicação para exercer o dito direito.
Acrescentou que o contrato de arrendamento foi celebrado, por forma verbal, com um “representante” da proprietária e que, por diversas vezes, interpelou esse mesmo representante para reduzir o contrato a escrito, o que este foi protelando ao longo dos anos, até ter acabado por recusar com o argumento de que a senhoria não admitia que duvidassem da sua palavra.
Citados, os réus contestaram dizendo que o autor não era arrendatário, mas subarrendatário, dos referidos talhões. De qualquer modo, acrescentaram, o contrato pelo qual foi transmitido para o autor o gozo dos mencionados talhões é nulo, por não ter revestido a forma legalmente prevista.
Os réus G… e H… acrescentaram que, depois de terem adquirido o prédio, procederam à limpeza do mesmo, no que despenderam € 6.500,00. Aquando da aquisição, despenderam € 2.500,00 no pagamento do IMT, € 400,00 no pagamento do Imposto de Selo e € 311,89 no pagamento dos emolumentos relacionados com a escritura pública.
Em conformidade, pediram, a título reconvencional, que, na hipótese de procedência da acção, o autor seja condenado no pagamento da quantia de € 9.711,89. Na hipótese de improcedência da acção, o autor seja condenado a entregar os talhões que continua a ocupar.
O autor replicou.
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Saneado e instruído o processo, foi realizada a audiência de discussão e julgamento.
Após o julgamento, proferiu-se sentença na qual se decidiu (dispositivo):
V. Nestes termos, decide-se:
1. Julgar a acção improcedente e, em consequência, absolver os Réus C…, D…, E…; F…, G… e H… dos pedidos formulados pelo Autor B…;
2. Julgar prejudicado o conhecimento da reconvenção na parte em que era pedida a condenação do Autor B… no pagamento da quantia de € 9711,89;
3. No mais, julgar a reconvenção procedente e, em consequência, condenar o Autor B… a restituir aos Réus G… e H… os talhões que ocupa do prédio rústico composto de terra a cultura e vinha, sito no …, freguesia …, concelho de Valongo, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4826.
Custas da acção a cargo do Autor B….
Custas da reconvenção a cargo do Autor B… e dos Réus G… e H…, na proporção de metade para cada.”.
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Inconformado, o autor apelou da sentença, tendo, na sua alegação, formulado as seguintes conclusões:
I- O presente recurso é interposto na sequência da decisão proferida no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, em que julgou improcedente o pedido formulado pelo Autor, absolvendo os RR. e julgado procedente o pedido reconvencional dos RR., relativamente ao pedido de condenação do Autor a restituir aos 2ºs RR. os talhões que ocupa do prédio rústico.
II. Não concorda o Autor com a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.
III. A matéria de facto foi deficientemente apreciada e a resposta aos quesitos foi, em consequência, erradamente definida.
IV. O meritíssimo Juiz motivou a sua apreciação, essencialmente, com base nas declarações da testemunha J… e, sem que apreciasse criticamente as declarações de outras testemunhas, como o caso da testemunha I…, não contou com as mesmas para aferir da consistência e verdade das feitas por aquele, que estão em absoluta contradição.
V. Assim, os quesitos dados como provados, e não provados, resultam de uma apreciação parcial da prova feita sem que a prova restante seja eliminada com qualquer motivação de convicção.
VI. Reclamou o A. da matéria de facto dada como provada e não provada e o meritíssimo não admitiu essa reclamação por intempestividade e por falta de preenchimento dos requisitos do artigo 653º, nº 4 do CPC.
VII. Ora, o A. reclamou no segundo dia após o prazo previsto e, nos termos do artigo 145, liquidou a respetiva taxa. Por outro lado, relativamente aos requisitos, o vício da contradição ocorre quando se verifica oposição entre respostas dadas a pontos de facto controvertidos ou entre tais respostas e a plataforma da factualidade dada como assente.
Finalmente, a falta de fundamentação dá-se quando o tribunal não especifica as razões em que fundou as respostas, podendo dirigir-se à completa omissão de motivação da decisão sobre a matéria de facto, como à falta de motivação quanto a determinados pontos concretos da mesma, o que ocorreu no entendimento do A.
VIII. Não foram atendidas as declarações de várias testemunhas, nomeadamente da testemunha I…, promitente comprador, nem motivado o seu não atendimento, que a ter ocorrido alteraria as respostas aos quesitos 8º, 15º, 20º e 21º e, em consequência, 11º, 12º e 13º.
IX. A senhoria, que na sequência de testemunhos que não foram apreciados – nomeadamente do referido I…, foi ter com o A. no sentido de aferir da sua disponibilidade em sair do terreno e que ouviu deste que “… o A. prescindia do direito de opção na compra do terreno na condição de ficar a cultivar o mesmo …” e, nesta sequência, …” Por causa de o A. não sair do terreno, tentou, e conseguiu, a testemunha e promitente comprador, que a senhoria descontasse €5.000,00 no valor global acordado para o negócio.
X. A senhoria, face ao referido atrás, reconheceu o A. como arrendatário e ratificou a representação do Sr. J….
XI. Aliás, pessoa tido por todos como o representante da senhoria, que acordava com todos e que recebia as rendas de todos para entregar à senhoria.
XII. Representante que só ele próprio se apresentou como arrendatário de todo o terreno e cultivador de todo o terreno quando todos as outras testemunhas, que também cultivavam o campo, só o viram cultivar um talhão e durante um ou dois anos.
XIII. Para além de, quando substituiu o anterior representante, já vários talhões serem cultivados por várias testemunhas.
XIV. A invocação da nulidade do contrato é abuso de Direito; É fazer valar a omissão de uma obrigação e vir a tirar partido dessa omissão – venire contra factum proprium- 334º do C.C.
XV. Deixar funcionar a favor dos RR, como perentória, a inexistência do contrato de arrendamento escrito, seria premiá-los por não terem usado da faculdade/obrigação de interpelação da contraparte para a redução a escrito, perpetuando uma situação de não formalização não querida pelo legislador, deixando sem alcance prático o novo regime impositivo do contrato escrito em todos os arrendamentos rurais.
A douta sentença recorrida deve, por todo o exposto, ser alterada e serem as presentes conclusões procedentes e, por via disso, obter o recurso provimento, e em consequência:
Reapreciada a matéria de facto, alterada a resposta aos quesitos por imposição das declarações não atendidas nem desvalorizadas na sentença e, em consequência, alterada a decisão de primeira instância e considerados procedentes os pedidos do Apelante, com as legais consequências.

Não houve tempestiva resposta à alegação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 2, do C.P.Civil (actualmente arts. 635º, nº 4, e 640º, nºs 1 e 2).

2.1- OS FACTOS

O recorrente insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, de fls. 151-154.
O que se mostra posto em causa pelo apelante, nas conclusões do recurso, são as respostas aos quesitos 8º, 15º, 20º e 21º e, em consequência, aos 11º, 12º e 13º.
Invocam os depoimentos das testemunhas J…, I…, K… e L….
O teor dos aludidos quesitos é o seguinte:
8.º
O Autor sempre efectuou os pagamentos referidos em 4.º, 5.º e 7.º ao Sr. J…, que era o representante da proprietária do prédio referido em A)?
11.º
Desde Fevereiro de 1989, o Autor e várias outras pessoas que cultivavam os talhões referidos em 1.º insistiram com o Sr. J… para reduzir a escrito os acordos referidos em 2.º a 7.º?
12.º
O Sr. J… informou que a proprietária era idosa e ficava aborrecida com a solicitação referida em 11.º porque parecia que estavam a duvidar dela?
13.º
Não obstante ter sido falado e entregue uma minuta, nunca foi possível até hoje reduzir a escrito os acordos referidos em 3.º a 7.º, porque a proprietária do prédio referido em A) se opôs, dizendo que se não quisessem manter a situação existente, deveriam entregar os terrenos?
15.º
Em Outubro de 2010, uma filha da proprietária juntamente com o Sr. J… e outra pessoa, deslocaram-se ao terreno referido em A) com o intuito de saber se o Autor estava interessado na aquisição daquele?
20.º
O Sr. J… usufruiu do gozo do terreno referido em A), durante anos, cultivando o mesmo mediante o pagamento de um valor anual, por acordo celebrado com a Sra. M…?
21.º
Por não conseguir cultivar o prédio referido em A), por motivos de saúde, deixou que outras pessoas o cultivassem, nomeadamente o Autor?
À matéria dos quesitos 8º, 20º e 21º o julgador a quo respondeu positivamente, com restrição, e os restantes obtiveram resposta negativa.
Vejamos.
Fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas, consagrada no artº 655º, nº 1, do CPC (actual artº 607º, nº 5), em princípio essa matéria é inalterável.
A decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nas situações previstas no artº 712º, do CPC (actual artº 662º).
O autor recorrente cumpriu o ónus imposto nos nºs 1 e 2, parte final, do artº 685º-B, do CPC (actual 640º, nº 2, al. a))?
Em rigor, não o fez.
Com efeito, quando se impugna a decisão sobre a matéria de facto exige-se que:
- se especifiquem os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados;
- que se fundamente as razões da discordância, especificando os concretos meios de prova em que funda a impugnação;
- indique a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas;
- que seja efectuada a localização exacta, na fita registadora ou CD, dos respectivos depoimentos, nos termos do n.º 2, do art. 522°-C (nº 2, do artº 685º-B, actual 640º, nº 2, al. a)).
Ora, o autor/apelante não cumpre, integralmente, estas exigências que seriam capazes de levar a Relação, reapreciando ou reexaminando, a formar uma outra convicção (prova gravada), agora, porventura, de acordo com a pretensão do apelante.
Efectivamente, o recorrente não indica, nas conclusões, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, concluindo apenas que devem ser alteradas as respostas à matéria dos mencionados quesitos da base instrutória.
Por isso, seguramente que o recorrente não observa, integralmente, nas conclusões do recurso, o estatuído naquele normativo, o que impede a reapreciação da prova gravada, por aquele indicada.
De todo o modo, apreciemos a questão.
A finalidade do citado artº 712º, do CPC (actual artº 662º), é garantir a correcção do apuramento da matéria de facto, mas tal possibilidade tem de ser feita no respeito pelas normas jurídicas e processuais adequadas.
A sindicância à convicção do julgador da 1ª instância, a realizar por este tribunal de recurso, mostra-se adequada quando a mesma se apresenta manifestamente contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.
Importa, ainda, considerar que a Relação deve, por regra, reapreciar toda a prova produzida e não apenas a indicada pelo recorrente e que, porventura, lhe seja favorável.
Saliente-se, ainda, que uma coisa é o conteúdo do depoimento das testemunhas, ou seja, aquilo que elas afirmam em audiência, outra, muita distinta, é saber se tais afirmações, depois de feita a sua análise critica, de forma isolada ou confrontadas com outros elementos de prova trazidos aos autos, podem servir de suporte para que o tribunal dê como provada determinada realidade factual.
Neste tipo de prova dada a sua reconhecida falibilidade, impõe-se uma especial avaliação crítica com vista a uma valoração conscienciosa e prudente do conteúdo dos depoimentos e da sua força probatória, devendo sempre ter-se em consideração a razão de ciência do depoente e as suas relações pessoais ou funcionais com as partes, havendo ainda, que apreciar a prova no seu conjunto, conjugando todos os elementos produzidos no processo e atendíveis, independentemente da sua proveniência, em face do princípio da aquisição processual (artº 515º, do CPC).
De todo o modo, deve ter-se presente o disposto no CPC (anterior – artº 712º, nº 3, e actual redacção – artº 662º, nºs 2, als. a) e b), e 3) no concernente à possibilidade de renovação da produção da prova, que, no caso, não se entende necessário.
Dito isto, analisemos a possibilidade de alteração das respostas dadas à matéria dos aludidos quesitos da base instrutória.
Na motivação da decisão sobre a matéria de facto, o julgador a quo baseou a sua convicção do modo seguinte:
“A decisão da matéria de facto foi adquirida com base na apreciação crítica, conjugada e concatenada dos depoimentos das testemunhas N…, O…, K…, P…, L…, Q…, I…, S…, J… (produção antecipada de prova), T… e U… e do documento de fls. 148 (certidão emitida pelo Sr. Presidente da Junta de Freguesia …).
Concretizando…
No que concerne ao facto do n.º 1, houve unanimidade entre todas as testemunhas que sobre ele depuseram, a saber: O…, K…, P…, L… e S…. Essa unanimidade não se verificou nas referências ao n.º de talhões, o que se afigura ter pouco interesse posto que tal questão não faz parte da base instrutória.
No que concerne ao facto do n.º 2, entendemos que o mesmo deve ser conjugado com o do n.º 21. e, neste particular, foi determinante o depoimento da testemunha J…, que esclareceu que começou a cultivar o prédio no ano de 1985, com a autorização da proprietária do mesmo – M… – mediante o pagamento de uma renda anual de 30 000$00. Ao longo dos anos foi permitindo que outras pessoas cultivassem talhões desse prédio, cobrando-lhes rendas. Isto foi ainda corroborado pelos depoimentos de todas as restantes testemunhas inquiridas, as quais cultivaram talhões do referido prédio.
No que concerne aos factos dos números 2 a 7 e 14, foram considerados os depoimentos das testemunhas O…, K…, P…, Q… e S… – que, como dissemos, cultivaram talhões do prédio e que demonstraram conhecimento direto do facto de o Autor também o ter feito. Referiram os montantes que pagaram como contrapartida por tal lhes ter sido permitido pelo dito J…. As menções que fizeram a este propósito tornaram plausível a alegação do Autor que foi transposta para os ditos pontos.
No que concerne aos factos dos números 8 a 10 e 20 a 25, não sendo relevante o facto de o Autor sempre ter pago pontualmente (sic.) a contra-prestação devida pelo gozo do prédio, a discussão cingia-se a saber se o dito J…, ao permitir que outros cultivassem talhões do prédio, atuou na qualidade de “representante da proprietária”.
Deixando de lado o teor conclusivo desta alegação, não suficientemente depurado na redação dada ao ponto da base instrutória, o certo é que foi patente a confusão existente na mente das várias testemunhas inquiridas a este propósito.
Assim, a primeira testemunha que se pronunciou – O… – referiu que passou a cultivar um talhão do prédio com a autorização de um tio do J…, conhecido como V…, a quem pagava uma renda. Quando este faleceu, o J… tomou conta do prédio e passou a cobrar a renda.
No mais, acrescentou que era do seu conhecimento que o prédio não pertencia ao V… nem ao J… mas a uma patroa, que nunca viu. Nada mais...
A segunda testemunha – K… – referiu que passou a cultivar um talhão do prédio ainda no ano de 1978, com a autorização do aludido V…, a quem pagava a renda. Mais tarde, por indicação do V…, passou a pagar a renda ao J…. Disse que ambos diziam que atuavam “pela senhora” e acrescentou ser do seu conhecimento, embora sem mencionar a razão de ciência, que tanto o V… como o J… entregavam a renda à proprietária.
A terceira testemunha – P… – afirmou que começou a cultivar um talhão no ano de 1989, com a autorização do J… a quem se referiu como o caseiro da proprietária.
A quarta testemunha – L… – disse que começou a cultivar um talhão, também mediante autorização do J…, a quem pagava. Este J… dizia ter sido incumbido pela senhoria de arrendar os talhões.
A quinta testemunha – S… – mencionou que a autorização para cultivar um talhão do prédio partiu do J…. Sabia que o prédio era propriedade de uma senhora do Porto. Desconhecia se a renda que pagava ao J… ficava parta este ou era entregue à proprietária.
A sexta testemunha – T… – aludiu ao facto de ter sido o Caseiro J… quem a autorizou a cultivar um talhão. Logo a advertiu que teria de deixar o talhão caso a proprietária se decidisse a vender o prédio.
A sétima testemunha – U… – também se referiu ao J… como o caseiro do prédio.
Neste contexto, acabou por ser determinante o depoimento de quem estava mais habilitado a esclarecer a qualidade em que o J… atuou quando permitiu que outros cultivassem talhões do prédio – o próprio J….
E este afirmou, sem qualquer rebuço, arrendou o prédio, no ano de 1985, por forma verbal e mediante a quantia anual de 30.000$00, a ser paga por alturas do W…. Mais tarde, por a saúde lhe faltar, deixou de o agricultar e passou a permitir que outros o fizessem. Cobrava o suficiente para, anualmente, pagar a renda que devia à proprietária. Este depoimento afasta a possibilidade de se encontrarem factos bastantes para substanciar a alegação de que o J… era um representante da proprietária do prédio.
No que concerne aos factos dos números 11 a 13, apenas as testemunhas N… e Q… mencionaram uma conversa, a que assistiram, entre o Autor e o J… a propósito da redução a escrito do contrato.
O primeiro situou essa conversa em Setembro de 2003 ou 2004. O segundo situou essa conversa em Setembro de 2003 e chegou à precisão de indicar o dia da semana – um sábado – e a hora – as 11 horas – a que ela ocorreu. Ambos disseram que o J… não aceitou a exigência que o Autor lhe fez. O primeiro disse que o J… justificou a recusa dizendo que a “palavra vale mais que um papel” e o segundo que o J… alegou que “a patroa é séria”.
Ademais de os dois depoimentos acabados de referir serem contrariados pela referência que testemunha J… fez ao facto de sempre ter dito àqueles a quem permitiu que cultivassem talhões que teriam de deixar o prédio se este fosse vendido – o que demonstra que sempre os alertou para a precariedade do gozo que lhes estava a permitir -, certo é ainda que os mesmos não se afiguram suficientemente para permitirem uma convicção positiva. O primeiro pelo modo evasivo como foi prestado; o segundo pela riqueza, pouco expectável, das referências às circunstâncias de tempo em que a conversa ocorreu e, sobretudo, por ter sido prestado por um cunhado do Autor que se encontra em situação idêntica à deste – ou seja, a ocupar um dos talhões do prédio, afirmando que lhe assiste direito a adotar esse comportamento, por ter a qualidade de arrendatário.
No que concerne aos factos dos números 15 a 19, as testemunhas a propósito inquiridas – Q… e I… – afirmaram que a venda do prédio foi comentada aquando do passeio sénior organizado pela Freguesia … no ano de 2011, evento em que participaram juntamente com o Autor.
Tendo presente a data em que esse passeio ocorreu – 20 de setembro de 2011, cf. certificado pelo Sr. Presidente da Junta de Freguesia … no documento de fls. 148 – não custa aceitar que a alegação do Autor no sentido de que apenas tomou conhecimento do concreto negócio no dia 23 de Setembro de 2011. De qualquer modo, não estando invocada a caducidade da ação de preferência – e não sendo esta do conhecimento oficioso – não se percebe bem a razão pela qual estes factos ficaram a constar da base instrutória.
No que concerne ao facto do n.º 26, a resposta negativa foi o resultado da total ausência de prova acerca dele.”
Pois bem.
Ouvimos os depoimentos de todas as testemunhas.
Desde já se adianta que, com excepção da resposta negativa dada à matéria do quesito 15º, concordamos com o decidido pelo julgador da 1ª instância, bem como a motivação exposta na decisão de fls. 151-154.
Dos depoimentos das testemunhas, nomeadamente do relatado, de modo credível, pela testemunha J…, ficamos convencidos que o arrendatário (caseiro) do prédio rústico objecto da compra e venda em causa, desde meados da década de oitenta do século passado até à concretização do negócio (27/06/2011), era o referido J…, por acordo (contrato) verbal feito com os senhorios.
As restantes pessoas, autor/apelante incluído, que fabricavam talhões daquele prédio, pagavam a respectiva renda ao citado J…, o que evidencia uma situação de subarrendamento (verbal). Este nunca foi representante/procurador da anterior senhoria (M…), falecida em 24/03/2009) mas, no seu dizer, “simples caseiro”.
As testemunhas P…, T… e U… referiram-se a J… como o “caseiro” do prédio.
Resulta dos relatos das testemunhas que a primitiva senhoria, M…, que residia no Porto, muito raramente visitava o terreno e os seus filhos e herdeiros, ora réus, ainda menos ou nunca, enquanto a mãe foi viva. Só após o falecimento de M… é que se provou (depoimento credível de I…, que esteve para comprar o prédio em causa) que a ré C… esteve no local (…-Valongo), com o autor e as testemunhas J… e I…, a conversarem sobre a venda do imóvel.
Do depoimento de I…, não decorre, explicitamente, que a ré C… tenha reconhecido o autor como inquilino do prédio. O facto de, eventualmente, aquela ter proposto a venda do imóvel ao autor não significa, a nosso ver, que o considerava arrendatário.
Os depoimentos das testemunhas não evidenciam, com a necessária consistência, que o autor ou qualquer outra pessoa que fabricava os talhões (13/14) em que se dividiu o terreno, fosse arrendatário, reconhecido(s) como tal pela senhoria M… ou, depois, pelos herdeiros desta.
É esta a nossa convicção.
Numa apreciação distante, objectiva e desinteressada, esta é a única conclusão lícita a retirar, reflectindo a fundamentação dos factos provados e não provados a essencialidade da prova produzida.
Aceita-se, pois, a convicção do julgador da 1ª instância, adequadamente expressa no despacho de fls. 151-154, a que aderimos, que serviu de base à decisão sobre a matéria de facto, sendo esta consonante com as regras da experiência e da lógica, com excepção do respondido ao indagado no nº 15, da base instrutória.
Quanto a este quesito entende-se, com base no depoimento do I…, que se prova que, no Outono de 2010, a ré C…, juntamente com o Sr. J… e a testemunha I…, deslocaram-se ao terreno referido em A) com o intuito de saber se o autor estava interessado na aquisição daquele.
Deste modo, considera-se assente a seguinte matéria de facto:
1. Por escritura pública datada de 27 de Junho de 2011, do livro de notas 12A, fls. 131 a 133, lavrada no Cartório Notarial de X…, sito na Rua …, …, primeiro andar, freguesia …, concelho de Valongo, na qual os Réus C…, casada com D…, E…, divorciada e F…, solteiro, maior, figuram como primeiros outorgantes; D…, figura como terceiro outorgante; e G… e mulher H…, figuram como segundos outorgantes, declararam "os primeiros outorgantes que, pela presente escritura, pelo preço de cinquenta mil euros, já recebido vendem aos segundos outorgantes o seguinte imóvel; Prédio rústico composto por terra a cultura e vinha, sito no …, freguesia …, concelho de Valongo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o número quatro mil, oitocentos e vinte e seis - …, aí registado a favor de M…, já falecida, pela inscrição Ap.8 de 2008/01/24, inscrito na matriz sob o artigo 2221, com o valor patrimonial de IMI €228,97 e IMT€1050,66...
Que o referido prédio lhes pertence por fazer parte da herança aberta por óbito da indicada M…, falecida no dia 24 de Março de 2009, na freguesia …, concelho do Porto... ", conforme documento de fls. 13 a 18, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (alínea A) dos factos assentes).
2. O prédio referido em 1. tinha "barracos" de madeira dispersos pela propriedade (alínea B) dos factos assentes).
3. Os trabalhos de limpeza do terreno referido em 1., com a remoção dos barracos referidos em B), foram efectuados por uma empresa contratada pelos segundos Réus e orçou em €6.500,00 (alínea C) dos factos assentes).
4. Os segundos Réus pagaram (i) a quantia € 2500,000 de IMT; (ii) a quantia de € 400,00 a título de Imposto de Selo e (iii) a quantia de € 311,89 (, pela escritura de compra e venda (alínea D) dos factos assentes).
5. Há mais de 1, 2, 5, 10, 20, 30 anos que os Réus, por si e antepossuidores, vêm possuindo, usando e fruindo o prédio referido em 1. à vista e com conhecimento de toda a gente, de forma ininterrupta e pacifica, sem oposição de ninguém, fazendo obras, cultivando e colhendo os frutos, nomeadamente milho, batata, erva, vinho e outros produtos, derrubando árvores, ramadas e pagando os inerentes impostos (alínea E) dos factos assentes).
6. O prédio referido em 1. tem 15.000 m2, sendo que o Autor ocupa 1500 m2 do mesmo, junto ao rio ... (alínea F) dos factos assentes).
7. O prédio identificado em 1) está dividido em talhões / parcelas (resposta ao n.º 1 da base instrutória).
8. Há mais de trinta anos que várias pessoas cultivam os talhões referidos (resposta ao n.º 2 da base instrutória).
9. Desde o ano de 1985, o Sr. J… passou a cultivar o prédio identificado em 1., com a autorização da D. M… e tendo como contrapartida o pagamento a esta da quantia anual de 30.000$00 (resposta ao n.º 20 da base instrutória).
10. Ao longo dos anos, o Sr. J… foi permitindo que outras pessoas, entre elas o Autor, conforme referido em 11.13., cultivassem talhões daquele prédio (resposta ao n.º 21 da base instrutória).
11. Em data não concretamente apurada do ano de 1989, o Autor passou a cultivar um dos mencionados talhões, mediante o pagamento da quantia anual de 2500$00, o que continuou a fazer de forma ininterrupta até aos dias de hoje (resposta aos números 3 e 4 da base instrutória).
12. Em 1992, o Autor passou a cultivar outro talhão / parcela (resposta ao n.º 5 da base instrutória).
13. Em 2008, passou a cultivar um terceiro talhão / parcela resposta ao n.º 6 da base instrutória).
14. Passou a pagar pelos três talhões o montante anual de € 37,50 (resposta ao n.º 7 da base instrutória).
15. O Autor sempre entregou as quantias referidas nos pontos anteriores ao Sr. J… (resposta aos números 8 e 9 da base instrutória).
16. Todas as pessoas que cultivavam os talhões referidos, tratavam das questões relacionadas com a utilização daqueles com o Sr. J… (resposta ao n.º 10 da base instrutória).
17. Os Réus vendedores informaram o Sr. J… do facto referido em 1. (resposta ao n.º 23 da base instrutória).
18. Aquando do referido em 1., os primeiros Réus comunicaram ao Sr. J… as condições do negócio e a identidade do comprador (resposta ao n.º 24 da base instrutória).
19. Na sequência da comunicação referida no ponto anterior, as pessoas que cultivavam o prédio, com excepção do Autor e outro, deixaram de cultivar o mesmo (resposta ao n.º 25 da base instrutória).
20. O Autor teve conhecimento do referido em 1. no dia 23 de Setembro de 2011 (resposta ao n.º 23 da base instrutória).
21. No Outono de 2010, a ré C…, juntamente com o Sr. J… e a testemunha I…, deslocaram-se ao terreno referido em 1., com o intuito de saber se o autor estava interessado na aquisição daquele.

2.2- O DIREITO

O apelante começa por suscitar o que designa de questão prévia, a saber, o indeferimento da reclamação sobre a decisão de facto, deduzida pelo autor/reconvindo, a fls. 157-160, por intempestividade e por falta de preenchimento dos requisitos do artigo 653º, nº 4, do CPC.
A nosso ver, mesmo que se considerasse tempestiva a reclamação, justifica-se o seu indeferimento porquanto, como bem observado no consequente despacho, a mesma não se funda em qualquer deficiência, obscuridade ou contradição da decisão sobre a matéria de facto, como exige o estatuído no nº 4, do artº 653º, do CPC, mas antes na discordância acerca do decidido pelo julgador, o que, aliás, resulta do objecto do recurso (impugnação da decisão relativa à matéria de facto). Acresce que a decisão sobre a matéria de facto mostra-se adequadamente motivada.
Assente a matéria de facto, diremos, no tocante ao mérito da acção, acompanhando a fundamentação vertida na sentença recorrida que, em face da matéria de facto apurada, se impunha a decisão da 1ª instância.
As razões de tal entendimento mostram-se adequada e desenvolvidamente expostas na sentença recorrida.
Na verdade, reitera-se, transcrevendo sinteticamente, o essencial da fundamentação constante da sentença da 1ª instância:
- O arrendamento rural é o contrato pelo qual se permite a outrem o gozo de todo ou de parte de um prédio rústico para fins agrícolas, florestais, ou outras actividades de produção de bens ou serviços associadas à agricultura, à pecuária ou à floresta, tendo como contrapartida o pagamento de uma renda (artº 1º, nº 1, do Regime do Arrendamento Rural (RAR), aprovado pelo DL n.º 385/88, de 25/10, e 2º, nº 1, do Novo Regime do Arrendamento Rural (NRAR), aprovado pelo DL n.º 294/2009, de 13/10 (Este último diploma apenas se aplica, aos contratos de arrendamento rural existentes à data da sua entrada em vigor (13 de Janeiro de 2010), a partir do fim do prazo do contrato, ou da sua renovação, em curso – ver artº 39º, nº 2, a)).
- No caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, aos respectivos arrendatários com, pelo menos, três anos de vigência do contrato assiste o direito de preferirem na transmissão (artº 28º, nº 1, do RAR, e artº 31º, nº 2, do NRAR).
- Competia ao autor/apelante a alegação e prova da qualidade de arrendatário do prédio rústico objecto da compra e venda (artº 342º, nº 1, do Código Civil(CC), o que o demandante/reconvindo não logrou fazer.
- O que ficou provado foi a existência de um contrato de arrendamento rural efectuado entre os senhorios e o Sr. J…, nos anos oitenta do século passado, em vigor à data da referenciada compra e venda.
- A alegada relação de representação (J… enquanto “representante” da proprietária) é um facto constitutivo do contrato de arrendamento e da eficácia deste perante a proprietária do prédio, pelo que o ónus de provar os factos reveladores da mesma recaía sobre o autor (artº 342º, nº 1, do CC), não tendo este demonstrado a pertinente factualidade.
- Ao permitir que o autor cultivasse parte do prédio mediante o pagamento anual de uma quantia em dinheiro, o Sr. J… celebrou com ele um contrato de subarrendamento, que não é fonte do direito legal de preferência na transmissão do prédio – até porque o proprietário é terceiro em relação ao subarrendatário – e que caduca com este acto (artº 1051º, c), do CC).
- Não estando demonstrada a autorização expressa da proprietária na sua celebração, o contrato de subarrendamento é nulo, por se tratar de um negócio jurídico proibido pelo art. 13º, nº 1, do RAR, vigente aquando da sua celebração (cf. art. 280º, do CC).
Não demonstrado aquele pressuposto básico (contrato de arrendamento rural), a pretensão do autor não pode ser acolhida, sendo, logicamente, desnecessário apreciar as outras questões suscitadas nas conclusões do recurso, designadamente a questão da nulidade, por vício de forma, do contrato de arrendamento verbalmente celebrado entre os senhorios e, alegadamente, o autor.
Improcede, assim, o concluído na alegação do recurso.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
*
Anexa-se o sumário.

Porto, 13/01/2014
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
Oliveira Abreu
________________
SUMÁRIO (ARTº 713º, nº 7, do CPC, actual artº 663º, nº 7):
I- No caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, aos respectivos arrendatários (rurais) com, pelo menos, três anos de vigência do contrato, assiste o direito de preferirem na transmissão (artº 28º, nº 1, do RAR, e artº 31º, nº 2, do NRAR).
II- Não estando demonstrada a autorização expressa da proprietária na sua celebração, o contrato de subarrendamento rural é nulo, por se tratar de um negócio jurídico proibido pelo art. 13º, nº 1, do RAR, vigente aquando da sua celebração (cf. art. 280º, do CC).
III- O contrato de subarrendamento não é fonte do direito legal de preferência na transmissão do prédio, até porque o proprietário é terceiro em relação ao subarrendatário, que caduca com este acto (artº 1051º, c), do CC).

Caimoto Jácome