Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
247773/11.9YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REGIME DE EXCLUSIVIDADE
NÃO EXCLUSIVIDADE
REMUNERAÇÃO
TEMPESTIVIDADE DO RECURSO
MATÉRIA CONCLUSIVA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RP20140403247773/11.9YIPRT.P1
Data do Acordão: 04/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A apelação de sentença final condenatória em obrigação pecuniária pedida como objecto da acção, não obedece ao regime do artº 691º, nº 2, alínea d), do CPC anterior, mas ao do nº 1, designadamente quanto ao prazo de interposição do recurso.
II - À matéria conclusiva ou de direito inserta nos factos deve aplicar-se o regime que decorria do nº 4, do artº 646º, considerando-se a mesma não escrita ou eliminando-se.
III - Se, demandada com fundamento em contrato de mediação imobiliária, a ré alegou que já o tinha resolvido para se eximir ao peticionado pagamento da remuneração e a sentença sobre tal questão não se pronunciou, ocorre a sua nulidade.
IV - Sendo esse contrato de exclusividade, a cliente fica impedida de contratar outra mediadora para a promoção do mesmo negócio durante o período em que vigora o exclusivo, mas não de negociar directamente com algum interessado que se lhe apresente sem ser por intermédio da mediadora nem obrigada a contratar apenas com interessados indicados por esta.
V - Em qualquer dos regimes (exclusividade ou não exclusividade), a remuneração a que alude o nº 1, do artº 18º, do Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto, ainda que a empresa mediadora tenha cumprido a sua obrigação, só é devida na condição de ser concluído perfeitamente o negócio visado e este se consumar como resultado adequado da actividade daquela (nexo causal).
VI - No caso de exclusividade, a remuneração é, ainda, devida mesmo que o negócio visado não se concretize por causa imputável ao cliente da mediadora ou, concretizando-se, ele não ocorra em consequência da actividade desenvolvida por esta no caso de ter sido impedida de promover tal conclusão por conduta imputável à cliente.
VII - Valendo-se esta, além de outras ligações, da circunstância de ser sócia de uma sociedade cujo gerente é a mesma pessoa, para, ainda que em caso de não exclusividade, não concluir directamente o negócio visado e acertado com os interessados conseguidos pela mediadora e obstar ao recebimento por esta da remuneração devida, para interpor aquela como compradora e vendedora de modo a que a venda acabou por ser feita àqueles, com repartição dos proventos, é de aplicar a figura da desconsideração da personalidade jurídica da referida sociedade, abusivamente utilizada como testa de ferro, de modo a prevalecer o negócio realmente realizado entre a cliente e os interessados e a reconhecer o direito da mediadora à remuneração prevista na lei e no contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 247773 /11.9YIPRT.P1– 3.ª

Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 149)
Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto)
Des. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
A sociedade “B…, Ldª” veio, por meio de requerimento de Injunção, entregue electronicamente em 10-08-2011, solicitar a notificação de “C…, Ldª” para lhe pagar a quantia de 6.532,86€, de capital, juros, “outras quantias” e taxa de justiça, indicando, como causa do crédito, um contrato de mediação de 26-03-2009 (que identificou com o nº …. e de que alegou algumas das cláusulas), por ela celebrado com esta pelo período de 9 meses, renovável, com vista à venda de um imóvel, e expondo, como factos fundamentadores da sua pretensão, em síntese, que cumpriu as obrigações daquele derivadas mas que, no entanto, não lhe foi paga a remuneração devida, sucedendo que, a dada altura, a ré recusou proposta de compra feita por dois interessados conseguidos pela autora, declarando, em simultâneo, a resolução do contrato com justa causa mas acabando, mais tarde, por vendê-lo àqueles, através de outra sociedade interposta. Há entre esta e aquela ligações. Daí que conclua que a ré a utilizou como estratégia, aproveitando-se do trabalho por si desenvolvido, para vender o imóvel aos interessados conseguidos, sem pagar a remuneração.
Uma vez citada, em oposição, a requerida aceitou alguns dos factos, impugnou outros (nomeadamente que os adquirentes do imóvel tivessem sido pela autora conseguidos), alegou, como excepções, que o contrato de mediação já se encontrava resolvido e/ou denunciado e foi celebrado em regime de não exclusividade, por tudo isso defendendo a improcedência da acção já “no saneador”.
O processo foi, em 22-11-2011, distribuído como AECOP e, de seguida, designada data para a audiência, no início da qual foram juntos vinte documentos – e, entre eles, o contrato escrito em causa, relativamente ao qual a ré apenas observou que “não se discorre da sua utilidade porquanto tal contrato foi reproduzido nos artºs 1 a 7 do requerimento inicial”e por ela aceites no articulado. No seu decurso, foram juntos novos documentos, tomado depoimento de parte e inquiridas testemunhas.
Por fim, em audiência em que não estavam presentes, apesar de para ela notificados, qualquer dos mandatários, foi proferida, com data de 26-06-2012, a sentença que culminou com a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julgo a presente acção procedente e provada e, em consequência, condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de €. 5.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de €. 280,86, da taxa de justiça de €. 102,00 e outras quantias de €. 1.150,00. Custas a cargo da Ré.”

Com fundamento em, segundo atestado médico junto, o Exmº Mandatário da ré ter ficado impedido de exercer a sua profissão a partir de 30-08-2012, foi a instância declarada suspensa, por despacho de 06-09-2012.
Em 09-10-2012, a ré, inconformada, interpôs recurso para esta Relação, concluindo:
“1) A Apelada omitiu conscientemente na matéria que alegou na p.i., um facto que consta do Contrato, o qual, salvo melhor e douto entendimento, é desde logo, determinante para a aplicação do direito, nos presentes autos;
2) A Apelada omitiu o teor da Cáusula 4ª do Contrato relativa ao Regime da Contratação constante da “Cláusula 4ª” ou seja, o da “Não exclusividade”, razão porque a Apelante impugnou atempadamente e excepcionou tal regime na defesa que apresentou;
3) Na matéria de facto dada como provada entre os factos constantes dos nºs 4 a 7 não pode deixar de se dar também como provado o teor da “Cláusula 4ª” do contrato referido e que corresponde ao Alegado pela Apelante na sua Oposição sob o art.19º;
4) A Sra Juiz “a quo”, induzida pelo erro de julgamento da omissão daquele facto, começou logo, por fundamentar a sua decisão, com base no disposto no art.18, nº2 al.a) do DL 211/2004 de 20/08, invocando e aplicando assim os factos e do direito relativos ao contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade;
5) Quando, ao contrário do aí vertido, estamos perante um contrato de mediação de não exclusividade, em que o regime legal aplicável é o previsto no nº 1 do art.18 do DL 211/2004 de 20/08, que não aquele em que a Sra Juiz “a quo” se baseou na sua fundamentação;
6) A Sra Juiz “a quo”, entra em contradição por omissão de pronuncia, relativamente à factualidade que deu como provada sob os nºs 14º, 15º, 16º, 17º, 18º e 19º da matéria de facto;
7) É manifestamente óbvio que esta matéria de facto, na sua parte final, a que respeita o nº18 dos factos dados como provados, está em total oposição/contradição, com o facto dado como provado sob o nº16, ou seja, a carta de 24.09.2010, por força da qual, a Apelante resolveu fundadamente o contrato de mediação celebrado com a apelada/A. ou Requerente;
8) A Apelada até aceitou os fundamentos da resolução quando, por força do fax a que se refere o facto constante do nº18, aceitou a argumentação aí expendida e, procedeu à devolução das chaves, retirou a placa e recebeu o preço dos documentos que havia requerido e cujo pagamento pediu contra entrega daquelas;
9) Quando a Apelada procedeu à venda do imóvel em causa à D…, facto dado como provado sob o nº20, já o contrato em causa tinha sido resolvido e não estava em vigor;
10) Razão porque, no facto nº19, deve ser eliminada, a asserção conclusiva e que integra matéria de direito “…não obstante o contrato continuasse a vigorar pelo menos até ao fim do prazo de renovação em curso que terminaria em 25.06.2011 …”;
11) Tal comportamento não pode ter outra interpretação que não seja a da aceitação da resolução do contrato, invocada pela Apelante conforme resulta dos factos dados como provados sob os nºs 16º e 19º, expurgado este da matéria de direito e conclusiva “… não obstante o contrato continuasse a vigorar … em 25.06.2011.”;
12) Clamoroso o erro, de que padece a sentença apelada, na apreciação da matéria de facto, ao incluir na mesma, conclusões de direito, que viciam não só a apreciação daquela, mas também a solução de direito, onde a Sra Juiz “a quo” deixou de apreciar necessariamente a questão da validade da resolução efectuada pela Apelante, a que se refere o facto provado sob o nº16;
13) Ao declarar como matéria de facto, matéria de direito, o que constitui nulidade nos termos conjugados do disposto nos arts 201, 653, 655 e als b) e d) do nº1 do art.668, todos do C.P.C.;
14) Deste modo, não podia a Sra Juiz “a quo” concluir, como concluiu que não ocorreu qualquer conclusão ou perfeição do negócio de venda do imóvel por parte da Apelada/A. por facto não imputável à mesma;
15) Nunca da matéria de facto, pode resultar a conclusão de que à data em que a Apelante recebeu as chaves, os documentos e pagou o preço destes à Apelada, estava em vigor o dito contrato de mediação, que havia sido resolvido, para se imputar à Apelante a não concretização
do negócio;
16) Nada de mais errado, quer de facto, quer de direito o decidido pelo Tribunal, pois que não só não podia ter dado como existente e em vigor um contrato que tinha sido resolvido, como não podia aplicar o regime legal e previsto para o contrato de mediação em exclusividade, a uma situação de matéria de facto que, está documentalmente provado, que estamos perante um contrato de mediação de regime de não exclusividade;
17) Da conjugação da matéria de facto, dada como provada sob os nºs 9º, 10º, 11º, 12º, 13º e 14º, resulta precisamente a conclusão de que, o pretendido negócio que a Apelada pretendia levar a efeito, mais não era do que um “Embuste”, criado pela mesma, para prejudicar a Apelante, enganando-a, ardilosamente;
18) Resulta da conjugação dos factos 11º, 12º e 13º, a Apelada, entre 06.08.2010 e 24.09.2010 não comunicou à Apelante que os interessados haviam alterado a proposta de €60.000,00 para os €68.000,00, só o fazendo em 23.09.2010, por engano, ao informar da escritura para o dia seguinte;
19) Sem que houvesse da parte da Apelada qualquer perca ou redução da comissão prevista, conforme factualidade que veio a admitir, como resulta da matéria constante do facto 17º;
20) Foi com fundamento na violação dos elementares princípios da boa fé e confiança que a Apelante, ao verificar e comprovar o engano, de que estava a ser vítima, decidiu resolver o contrato com os fundamentos de facto e de direito constantes do documento – carta registada de 24.09.2010 – reproduzida no facto 16º da matéria de facto assente;
21) Resolvido o contrato por violação dos elementares princípios nenhum negócio estava a Apelante obrigada a celebrar ou outorgar através da Apelada, como mediadora;
22) Quando a Apelante, conforme resulta do facto provado sob o 20º, vendeu o prédio, objecto do contrato de mediação, este já estava válida, fundada e legalmente resolvido, por força da carta de 24.09.2010;
23) A não realização do negócio teve como impeditivo o próprio comportamento da Apelada, e foi por causa imputável a esta que o negócio não foi realizado!
24) Ainda que se entendesse que foi a Apelante que não quis por mote próprio realizar o negócio, o que não se concebe, é inaplicável ao contrato controvertido por o mesmo ser de não exclusividade!
25) A decisão recorrida violou o disposto nos arts 342, 373 e 376 do C.C., bem como o disposto nos arts 515 e 516 do C.P.C. e é nula nos termos conjugados dos arts 201, 693, 655 als b) e d) do nº1 do art.668 do C.P.C. para além da manifesta violação do disposto no art.18 do DL 211/2004 de 20/08.
Termos em que, com o mui douto suprimento de Vªs Exªs, deverá o presente recurso ser dado como procedente e, em consequência, ser a sentença apelada revogada, absolvendo-se a Apelante/Requerida da presente acção, com as demais consequências legais.
Assim decidindo, farão Vªs Exªs, aliás como sempre, Justiça.”

Contra-alegando, a recorrida defendeu que o prazo para interposição de recurso é de 15 dias e que ele se extinguiu antes da suspensão da instância, argumentou refutando a tese defendida pela apelante e pugnou pela improcedência do recurso.

O tribunal recorrido proferiu despacho (14-01-2014) a admiti-lo (considerando-o tempestivo), como de apelação, com subida imediata, nos autos, e efeito suspensivo, ordenando a sua remessa a este Tribunal onde foi distribuído em 05-03-2014.
Corridos os Vistos legais, cumpre decidir uma vez que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
Sendo as conclusões que definem o thema decidendum e balizam os limites cognitivos deste tribunal – como era e continua a ser de lei e pacificamente entendido na jurisprudência (artºs 608º, 615º, 635º, nº 4, 636º, nºs 1 e 2, e 639º) –, no caso, vistas as apresentadas, resulta que são estas as questões postas e que nos compete apreciar e decidir:

Primeira e prévia: extemporaneidade do recurso?
Segunda: Deve ser ampliada a matéria de facto provada à da cláusula 4ª do contrato sub judice?
Terceira: Deve ser expurgada do nº 19 dos factos provados, por conclusiva e de direito, a expressão “…não obstante o contrato continuasse a vigorar pelo menos até ao fim do prazo de renovação em curso que terminaria em 25.06.2011 …”?
Quarta: Há contradição entre os factos provados nos nºs 14 a 19, mormente quanto à vigência ou extinção do contrato?
Quinta: É nula a sentença, nos termos dos “artºs 201º, 653º, 655º, e alíneas b) e d) do nº 1 do artº 668º, todos do CPC”, por omitir pronúncia quanto à resolução?
Sexta: Estava extinto, por resolução, comunicada em 24-09-2010, e aceite, o contrato de mediação, quando a apelante efectuou a venda do imóvel?
Sétima: O contrato é, como se diz na sentença, de “exclusividade” e sujeito ao regime do artº 18º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei 211/2004, ou, como defende a apelante, de “não exclusividade” e sujeito apenas ao nº 1, do mesmo artigo?
Oitava: A apelada não cumpriu o dever de aproximar cliente-vendedor e, em razão disso e por causa que só a ela é imputável, é que não foi concluído, com perfeição, o negócio, promovido em regime de “não exclusividade”, com os interessados E… e F…, não lhe sendo devida remuneração nos termos do artº 18º, nº 1?

III. FACTOS PROVADOS

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos[1]:

“1.º- A Requerente, que é agente da “G…”, é uma sociedade por quotas que se dedica á actividade comercial de mediação imobiliária, detentora da licença AMI n.º …, emitida pelo Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário (IMOPPI).
2.º- A Requerida, que pretendia vender uma habitação T4 com uma área total de 125m2 sita no ..º andar do n.º .. da …, na freguesia …, do concelho de Vila Nova de Gaia, inscrita na matriz sob o artigo 1285 e descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 00165.
3.º- Em 26.03.2009, celebrou, com a Requerente, o contrato de mediação com a referência …., mediante o qual atribuiu á B… a mediação para a promoção do negócio.
Nos termos contratuais,
4.º- A Requerente obrigou-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado para a compra do imóvel em referência (clausula 2.ª),
5º- Mediante a remuneração de 5%, no mínimo de 5.000€, acrescida do correspondente IVA sobre o preço conseguido para o imóvel, que a Requerida se obrigou a pagar (clausula 5.ª).
6º- De acordo com o previsto na cláusula 2.ª, ficou estipulado que o preço de venda do imóvel seria de 77.500€ (setenta e sete mil e quinhentos euros).
7.º- O contrato de mediação imobiliária foi celebrado pelo período de 9 meses (clausula 8.ª), automaticamente renováveis por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso, entretanto, não fosse denunciado.
8.º- Após a celebração do contrato de mediação em referência a B… começou a diligenciar a promoção do imóvel através de ampla publicidade e da actividade dos seus vendedores, no sentido de obter comprador para o mesmo.
9.º- Em 21.04.2009 houve interessados que apresentaram uma proposta que a Requerida recusou e dado que durante mais de um ano não tinham surgido interessados pelo preço supra referido, em 15.07.2010, a B… sugeriu que o preço fosse revisto
10.º- Na sequência do que, em e-mail enviado em 22.07.2010, a requerente aceitou baixar o preço para 65.000€, preço que, a partir dai passou a ser divulgado para o efeito pela mediadora.
11.º- Em 04.08.2010, E… e F…, que tinham visitado o imóvel com a B…, apresentaram uma proposta de compra pelo valor de 60.000€.
12.º- Em e-mail enviado em 06.08.2010 a Requerida recusou a proposta enquanto pressionava a mediadora para reduzir a remuneração mínima constante no contrato afirmando que o valor que deveria ficar para a vendedora, liquido da remuneração da mediadora teria que ser de 62.000€.
13.º- Perante tal recusa, a Requerente conseguiu que, em 13.08.2010, os mesmos interessados propusessem o valor de 68.000€ que, muito embora ultrapassasse o valor mínimo aceite pela requerida em 22.07.2009, garantiriam os 62.000€ referidos pela vendedora.
14.º- No pressuposto de que a Requerida não teria motivo algum para recusar tal proposta a B… chegou a marcar a escritura de compra e venda para dia 24.09.2010.
15.º- De acordo com comunicação telefónica efectuada por H… a escritura não foi outorgada, alegadamente, devido a indisponibilidade de I…, legal represente da Requerida, para comparecer na mesma.
16.º- Em carta datada de 24.09.2010 a Requerida recusou expressamente a referida proposta de 68.000€, reclamando o preço previsto inicialmente de 77.500€ e declarando a “resolução do contrato… com justa causa”
17.º- Em 08.10.2010, A B… enviou, resposta á referida carta, na qual depois de rever, objectivamente, todo os factos inerentes á mediação refutava qualquer justa causa para resolução do contrato e, atendendo á delicada situação em que os interessados se encontravam, solicitava que a Requerida indicasse data para a escritura, ainda que, ela B…, tivesse de prescindir de parte da sua remuneração.
18.º- Em 14.10.2010, a Requerente recebeu um fax do advogado da Requerida na qual ficou claro que esta não pretendia celebrar a escritura de compra e venda com os interessados encontrados pela B… e, sem sequer denunciar o contrato de mediação, solicitava a entrega das chaves do imóvel objecto da mediação.
19.º- A Requerente devolveu as chaves, pelo que a partir daí, não obstante o contrato continuasse a vigorar pelo menos até ao fim do prazo de renovação em curso que terminaria em 25.06.2011, ficou impedida de mostrar o imóvel a qualquer outro interessado.
20.º- Em 10.11.2010 a Requerida vendeu o imóvel à “D…, Ld.ª”.
21.º- O que aparentemente já nada teria que vêr com o negócio mediado pela B…, não fosse o facto de, no mesmo mês, em 29.11.2010, o imóvel ter sido de novo vendido pela “D…, Ld.ª” aos interessados encontrados pela B…, E… e F… que tinham chegado a ter a escritura marcada com a CIE.
22.º- Acontece que a “C…, Ld.ª” é uma sociedade por quotas que tem como única sócia a sociedade “J…, Ld.ª”.
23.º A J…, Ld.ª é uma sociedade por quotas que tem como sócios I…, K…, H… e L….
24.º- E a “D…, Ld.ª” tem como sócios, I…, K…, H…, a J…, Ld.ª e a própria C…, Ld.ª.
25.º- Sendo sempre I…, o gerente das três sociedades.”

IV. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA

A primeira e prévia questão suscitada pela ré não tem qualquer sentido nem fundamento.

Conquanto o nº 2, alínea d), do artº 691º, do CPC[2], disponha que “cabe ainda recurso de apelação” da “decisão que condene no cumprimento de obrigação pecuniária” e, para tal hipótese, o nº 5 fixe em 15 dias o prazo para a sua interposição, afigura-se-nos óbvio que está fora daquela previsão a sentença final que, condenando numa prestação de tal espécie respeitante ao pedido e, assim, ao objecto do processo, ponha termo a este, apreciando e decidindo o seu mérito.

É regra elementar e sabida que a interpretação normativa não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo (artº 9º, nº 1, do Código Civil).

Mesmo admitindo, olhando à letra de todo o artº 691º, que de alguma interpretação careça a referida alínea, basta pensar no sistema de recursos em que aquele se insere e introduzido pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, para, logo e facilmente, se concluir que, enquanto, no nº 1, se contemplam todas as decisões finais independentemente da sua natureza (declarativa, condenatória ou constitutiva) e da espécie de prestação em causa, normalmente recorríveis segundo o regime geral, no nº 2, abarcam-se diversas outras hipóteses respeitantes a decisões interlocutórias, excepcionalmente merecedoras de recurso imediato (e não a final, como prevê o nº 3), embora com desvios.

Um deles é o do prazo, que é de 15 dias, conforme decorre do nº 5, e não o geral de 30 dias previsto nº 1, do artº 685º.

As próprias regras da gramática mostram que, ao admitir-se “ainda” (conjunção concessiva) recurso das decisões discriminadas no nº 2, do artº 691º, se têm em vista situações diversas ou fora do âmbito da previsão do nº 1, obviamente relativo à sentença final.

Olhando-se também ao elemento histórico, não restam dúvidas: o nº 1, do artº 691º, tal como a alínea h), do nº 2, contemplam o recurso da sentença final e do despacho saneador que decidem do mérito da causa (hipóteses, antes da reforma de 2007, fundamentadoras do recurso de apelação); enquanto que as demais alíneas deste número se referem àquelas, de outro tipo, de que cabia recurso então na espécie de agravo, como era o caso previsto no artº 740º, nº 2, alínea b), a que manifestamente remonta a origem da alínea d), ora e aqui em questão (“cumprimento de obrigação pecuniária”).[3]

Trata-se, pois, de decisões que cominem “obrigações pecuniárias”, sim, mas de índole processual, como agora o novo Código pôs bem a claro (alínea e), do nº 2, do artº 644º).

Assim sendo, como é sem dúvida, tendo-se em conta que a sentença foi proferida oralmente em audiência e reproduzida em acta no dia 26-06-2012; que, contado, nos termos do nº 3 do artº 685º, o prazo de 30 dias estava ainda em curso quando, no dia 30-08-2012, ficou impossibilitado de exercer a sua profissão o Exmº Mandatário da apelante; que tal implicou, nos termos e com o regime decorrente dos artºs 276º, nº 1, b), 278º, 283º, nº 3, e 284º, nº 1, b), a suspensão da instância declarada por despacho de 09-09-2012 e, por isso, o curso do prazo; e não havendo notícia nem despacho sobre a cessação do impedimento e reinício da sua contagem quando, em 09-10-2012, aquele se apresentou a interpor o recurso – conclui-se que o acto foi praticado, manifestamente, em tempo, ao contrário do que, sem razão, diz a apelada.

Improcede, pois, esta questão prévia.
*
Embora, nas suas alegações, a apelante esboce, em mistura desordenada com matéria de direito, uma ténue impugnação da matéria de facto provada sob os nºs 4 a 7 e 14 a 19 e 21, por “nem os depoimentos prestados pelas testemunhas nem os documentos juntos aos autos” sobre ela permitirem “fundamentação cabal e suficiente”, pelo que há “erro notório de apreciação da prova produzida”, a verdade é que nem tal impugnação foi levada às conclusões, como devia, nem ela, nesses termos e sem prejuízo do que a seguir se dirá quanto aos demais aspectos relativos a tal matéria, minimamente obedece às condições exigidas no artº 685º-B, para poder ser conhecida.

Tratar-se-á mesmo de expressão incorrecta e equívoca, uma vez que sendo, como parece, somente à omissão do facto relativo à cláusula 4ª do contrato, a uma pretensa contradição e ao emprego de locuções conclusivas, que quer referir-se, a tal não parece ajustada aquela alegação, tanto mais que parte da matéria referida resulta precisamente do contrato, cuja existência e teor está até consensualmente aceite pelas partes nos autos.

Assim, por falta de especificação concreta dos pontos incorrectamente julgados, dos meios probatórios que imponham decisão diversa sobre eles e de identificação precisa e separada dos depoimentos testemunhais, qualquer pretensão impugnatória que porventura a apelante tenha tido em mente e não caiba nas questões segunda, terceira e quarta a seguir tratadas, sempre seria de rejeitar.
*
b) Refere-se a segunda questão à ampliação da matéria de facto (cláusula 4ª do contrato escrito).

Nos termos do artº 712º, nº 1, alíneas a) e b), a decisão da matéria de facto pode ser alterada pela Relação, entre outras hipóteses, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre a matéria de facto em causa e se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.

Aliás, se não constarem do processo tais elementos e a Relação considerar indispensável a ampliação da matéria de facto, pode até anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida em primeira instância e a repetição do julgamento para o efeito.

Sucede que, em rigor, nem sequer seria necessária uma modificação em tais termos para que, o tribunal de 1ª instância devesse ter considerado e este possa atender, à matéria da dita cláusula – o que nem a apelada questiona.

Com efeito, no requerimento injuntivo, desacompanhado como é normal, por não exigível, de documentos, a apelada invocou como causa do seu pedido o “contrato de mediação com a referência ….” celebrado por ela com a apelante em 26-03-2009, e discriminou algumas das suas cláusulas, que não a 4ª.

Esta não só aceitou expressamente, no item 1º da sua oposição, toda aquela alegação, como invocou, no item 21º, que o contrato foi celebrado sob o regime de “não exclusividade” (estipulação precisamente objecto da cláusula 4ª), matéria excepcional a que a apelada não respondeu, antes, no fundo, corroborou.

Na verdade, apesar de confessado tal contrato e a matéria quanto a ele alegada, e de não arguida qualquer invalidade formal dele, a apelada, no início da audiência documentada a fls. 44, requereu a junção do respectivo documento “para prova” dos itens já aceites – sobre o que, em resposta, a apelante disse apenas não ver utilidade, obviamente não o impugnando.

Tal junção foi admitida e, assim, o documento, devidamente assinado, encontra-se agora junto aos autos a fls. 12. Dele se vê que é o contrato alegado pela apelante como nº …., datado de 26-03-2009, e lá consta a cláusula 4ª, epigrafada de “regime de contratação” e assinalado que o contrato é de “não exclusividade”.

O seu teor, e portanto a sua cláusula 4ª, são absolutamente consensuais e os factos respeitantes às declarações das partes nele vertidos consideram-se indiscutivelmente provados, nem sequer sobre eles sendo admissível prova testemunhal – artºs 363º, nº 1, 364º, 373º, nº 1, 374º, 376º, nºs 1 e 2, 393º e 394º, do C, Civil, e artº 19º, nºs 1 e 8, do Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto, que, alterado pelo nº 69/2011, de 15 de Junho, vigorou até que, em 01-03-2013, entrou em vigor, sobre a matéria do contrato de mediação, a nova Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, que o revogou.

Por isso, a despeito de, sequer por remissão, aquela cláusula ou o contrato como um todo, terem sido mencionados nos “factos provados” – limitando-se o tribunal de 1ª instância a transcrever, quanto a isso, o teor quase ipsis verbis do alegado no requerimento inicial – nem referidos na sua apreciação e respectiva subsunção jurídica, e apesar de se tratar de concreto facto relevante para boa decisão da causa, o certo é que ele não podia, nem pode, deixar de ser considerado, na medida em que alegado (na oposição) pela parte (apelante) que o reputa de interessante para a defesa da sua tese e respeitante a facto consensual e provado por documento, apesar de este só ter sido trazido aos autos pela apelada (artºs 516º e 659º, nº 3, do CPC).

Por isso dizíamos que nem necessária para isso seria uma formal ampliação da matéria de facto.

De todo o modo, para evitar equívocos (como aquele em que manifestamente caiu o tribunal recorrido ao apelar a um regime – o do artº 18º, nº 1, b), do citado Decreto-Lei nº 211/2004 – circunscrito aos contratos celebrados “em exclusividade” quando este, ostensiva e consensualmente, o foi no de “não exclusividade” (a ponto de a apelada, nas suas contra-alegações, dizer que não baseou naquele regime excepcional a sua “causa de pedir” mas no geral do nº 1 da referida norma), deve, na procedência da segunda questão, ampliar-se a matéria de facto, intercalando-se, no respectivo elenco, um nº 5º-A, com a seguinte redacção: “Nos termos da cláusula 4ª, foi estipulado entre Requerente e Requerida, que o contrato ficava sujeito ao regime de “não exclusividade”.
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A terceira questão respeita à pretendida expurgação do nº 19 dos factos dados como provados na sentença da expressão “…não obstante o contrato continuasse a vigorar pelo menos até ao fim do prazo de renovação em curso que terminaria em 25.06.2011 …” que a apelante considera conclusiva e de direito.

Efectivamente, depois de alegar que a escritura da venda por si promovida aos interessados E… e F… (que conseguira), pelo preço de 68.000€, suplantava o mínimo de 62.000 pretendidos pela apelante vendedora e estava marcada para 24-09-2010 mas que não se realizou por alegada indisponibilidade do representante desta, a apelada invocou – e foi dado como provado – que, por carta de 24-09-2010, a apelante recusou tal proposta e declarou a resolução do contrato com justa causa (nº 16º), que em 08-10-2012 a apelada lhe respondeu a refutar tais argumentos (nº 17), que em 14-10-2012 o advogado da apelante replicou em nova carta reiterando a resolução do contrato antes declarada e solicitando as chaves do imóvel (nº. 18) e acrescentou que lhas devolveu, “…não obstante o contrato continuasse a vigorar pelo menos até ao fim do prazo de renovação em curso que terminaria em 25.06.2011 …”.

Trata-se, clara e indiscutivelmente, de conclusão sua, unilateral, de natureza jurídica, pois uma coisa são os factos objectivos relativos à troca de comunicações entre as partes, outra é o efeito jurídico de cada uma delas resultante e que, por sinal, é controverso. Estando provadas e sendo inquestionadas tais declarações, enquanto que a apelante alegara, na oposição, que resolveu o contrato e esta produziu o efeito desvinculante, a apelada, ao invés, entende que, apesar disso, pelas razões fácticas que alegou, ele continuou a vigorar, nos termos que refere.

Se o contrato se extinguiu, em consequência da declarada resolução ou se tal efeito – jurídico – não se produziu e ele continuou a vigorar, é pois questão de direito, não devendo tal matéria constar dos factos provados, antes devendo ser resolvida em sede de apreciação e decisão de mérito, com que contende.

Lembrando-se o que ensinava o Prof. Alberto dos Reis e que, devidamente adaptado à realidade actual, continua a ser útil não esquecer – “É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; e o Juiz deve redigir os quesitos em ordem a interrogar o tribunal colectivo sobre a ocorrência de determinados factos materiais, isto é, sobre se se verificam tais e tais acontecimentos, tais e tais realidades concretas; do questionário devem excluir-se as conclusões, os juízos de valor sobre factos: - os quesitos só devem conter "factos materiais", ou seja, "as ocorrências da vida real, isto é, os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos do homem que possam ser captados pelos sentidos e que disso se possam aperceber as pessoas”[4] – não há dúvida que proposições como aquela em apreço não devem figurar no acervo dos factos provados.

Ora, como repetidamente tem ensinado o Supremo Tribunal de Justiça, “A previsão do n.º 4 do art. 646.º do CPC é de aplicar, também, analogicamente, nas situações em que esteja em causa um facto conclusivo e nas demais que se reconduzam, afinal, à formulação de um juízo de valor extraído dos factos concretos, objecto de alegação e prova, conquanto que a matéria em causa se integre nos thema decidendum”.[5]

Não se tratando embora de nulidade, como algures chega a sugerir a apelante, mas apenas de vício ou irregularidade para cujo remédio deve usar-se a referida norma do artº 646º, nº 4, CPC, na procedência, pois, desta questão, deverá considerar-se “não escrita” e, consequentemente, eliminar-se a parte do ponto 19º que diz “…não obstante o contrato continuasse a vigorar pelo menos até ao fim do prazo de renovação em curso que terminaria em 25.06.2011 …”.
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Refere-se a quarta questão à eventual contradição entre a matéria de facto vertida nos pontos nºs 14 a 19, especialmente no que tange à vigência ou extinção do contrato.

Rezam esses pontos, depois de expurgado o nº 19, conforme se preconiza a respeito da questão anterior, o seguinte:

“14.º- No pressuposto de que a Requerida não teria motivo algum para recusar tal proposta a B… chegou a marcar a escritura de compra e venda para dia 24.09.2010.
15.º- De acordo com comunicação telefónica efectuada por H… a escritura não foi outorgada, alegadamente, devido a indisponibilidade de I…, legal represente da Requerida, para comparecer na mesma.
16.º- Em carta datada de 24.09.2010 a Requerida recusou expressamente a referida proposta de 68.000€, reclamando o preço previsto inicialmente de 77.500€ e declarando a “resolução do contrato… com justa causa”
17.º- Em 08.10.2010, A B… enviou, resposta à referida carta, na qual depois de rever, objectivamente, todo os factos inerentes á mediação refutava qualquer justa causa para resolução do contrato e, atendendo à delicada situação em que os interessados se encontravam, solicitava que a Requerida indicasse data para a escritura, ainda que, ela B…, tivesse de prescindir de parte da sua remuneração.
18.º- Em 14.10.2010, a Requerente recebeu um fax do advogado da Requerida na qual ficou claro que esta não pretendia celebrar a escritura de compra e venda com os interessados encontrados pela B… e, sem sequer denunciar o contrato de mediação, solicitava a entrega das chaves do imóvel objecto da mediação.
19.º- A Requerente devolveu as chaves, pelo que a partir daí ficou impedida de mostrar o imóvel a qualquer outro interessado.”

O problema, como se retira das alegações, resulta de, no ponto 16º, estar dado como assente que, na carta de 24-09-2010, a apelante declarou a resolução do contrato com justa causa e de, no 18º, se ter incluído, como facto provado, a expressão “sem sequer denunciar o contrato de mediação”, que não passa de um comentário argumentativo, com génese na perspectiva subjectiva da apelada no sentido de desconsiderar a declarada resolução do contrato, indutor de confusão, pois que, perante a primeira comunicação, é óbvio não ter sentido que a apelante invocasse a denúncia.

Sentido só o teria se a dita resolução não for válida ou não produzir efeito, o que constitui matéria jurídica controversa, pelo que é de afastar, por descabida nos factos, a enfática expressão que, com sofisma, a apelada pretendeu neles introduzir, aliás se em rigor não contraditória, pelo menos confusa, e merecedora do mesmo destino dado à anterior e com iguais fundamentos.

Nesta ordem de ideias, embora o vício de contradição entre factos possa também fundamentar alteração da decisão nessa matéria ou mesmo a sua anulação, nos termos do artº 712º, maxime do seu nº 4, afigura-se-nos que não é dele que se trata mas de matéria conclusiva, a eliminar, conforme preconizado atrás.

Só nestes termos procede a questão em apreço.

De resto igual tratamento deverá ter a expressão, de igual jaez, constante do ponto 21º “O que aparentemente já nada teria que vêr com o negócio mediado pela B…, não fosse o facto de, no mesmo mês…”
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Deste modo, com pequenos acertos na redacção e eliminando o que nada interessa, como é o caso, das licenças da apelada e descrição completa do imóvel, fixam-se como provados os seguintes factos:

“1.º- A Requerente é uma sociedade por quotas que se dedica à actividade comercial de mediação imobiliária.
2.º- A Requerida pretendia vender um imóvel urbano sito no ..º andar do n.º .. da …, …, Vila Nova de Gaia,
3.º- Em 26.03.2009, celebrou, com a Requerente, o contrato de mediação com a referência …., mediante o qual lhe atribuiu a mediação para a promoção do negócio.
4.º- A Requerente obrigou-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado para a compra do imóvel em referência (clausula 2.ª),
5º- Mediante a remuneração de 5%, no mínimo de 5.000€, acrescida do correspondente IVA sobre o preço conseguido para o imóvel, que a Requerida se obrigou a pagar (clausula 5.ª).
5º-A - Nos termos da cláusula 4ª, foi estipulado entre Requerente e Requerida, que o contrato ficava sujeito ao regime de “não exclusividade”.
6º- De acordo com o previsto na cláusula 2.ª, ficou estipulado que o preço de venda do imóvel seria de 77.500€ (setenta e sete mil e quinhentos euros).
7.º- O contrato de mediação imobiliária foi celebrado pelo período de 9 meses (cláusula 8.ª), automaticamente renováveis por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso, entretanto, não fosse denunciado.
8.º- Após a celebração do contrato de mediação em referência, a B… começou a diligenciar a promoção do imóvel através de ampla publicidade e da actividade dos seus vendedores, no sentido de obter comprador para o mesmo.
9.º- Em 21.04.2009 houve interessados que apresentaram uma proposta que a Requerida recusou e, dado que durante mais de um ano não tinham surgido interessados pelo preço supra referido, em 15.07.2010, a B… sugeriu que o preço fosse revisto
10.º- Na sequência do que, em e-mail enviado em 22.07.2010, a Requerida aceitou baixar o preço para 65.000€, preço que, a partir dai passou a ser divulgado para o efeito pela mediadora.
11.º- Em 04.08.2010, E... e F…, que tinham visitado o imóvel com a B…, apresentaram uma proposta de compra pelo valor de 60.000€.
12.º- Em e-mail enviado em 06.08.2010 a Requerida recusou a proposta enquanto pressionava a mediadora para reduzir a remuneração mínima constante no contrato afirmando que o valor que deveria ficar para a vendedora, liquido da remuneração da mediadora teria que ser de 62.000€.
13.º- Perante tal recusa, a Requerente conseguiu que, em 13.08.2010, os mesmos interessados propusessem o valor de 68.000€ que, muito embora ultrapassasse o valor mínimo aceite pela requerida em 22.07.2009, garantiriam os 62.000€ referidos pela vendedora.
14.º- No pressuposto de que a Requerida não teria motivo algum para recusar tal proposta a B… chegou a marcar a escritura de compra e venda para dia 24.09.2010.
15.º- De acordo com comunicação telefónica efectuada por H…, a escritura não foi outorgada, alegadamente, devido a indisponibilidade de I…, legal represente da Requerida, para comparecer na mesma.
16.º- Em carta datada de 24.09.2010 a Requerida recusou expressamente a referida proposta de 68.000€, reclamando o preço previsto inicialmente de 77.500€ e declarando a “resolução do contrato… com justa causa”
17.º- Em 08.10.2010, a B… enviou, resposta à referida carta, na qual depois de rever, objectivamente, todo os factos inerentes à mediação refutava qualquer justa causa para resolução do contrato e, atendendo à delicada situação em que os interessados se encontravam, solicitava que a Requerida indicasse data para a escritura, ainda que, ela B…, tivesse de prescindir de parte da sua remuneração.
18.º- Em 14.10.2010, a Requerente recebeu um fax do advogado da Requerida na qual ficou claro que esta não pretendia celebrar a escritura de compra e venda com os interessados encontrados pela B… e solicitava a entrega das chaves do imóvel objecto da mediação.
19.º- A Requerente devolveu as chaves, pelo que a partir daí ficou impedida de mostrar o imóvel a qualquer outro interessado.
20.º- Em 15.11.2010 a Requerida vendeu o imóvel à “D…, Ld.ª”.
21.º- Em 20.11.2010, o imóvel foi de novo vendido, pela “D…, Ld.ª”, aos interessados encontrados pela B…, E… e F…, que tinham chegado a ter a escritura marcada com a CIE.
22.º- Acontece que a “C…, Ld.ª” é uma sociedade por quotas que tem como única sócia a sociedade “J…, Ld.ª”.
23.º A J…, Ld.ª é uma sociedade por quotas que tem como sócios I…, K…, H… e L….
24.º- E a “D…, Ld.ª” tem como sócios, I…, K…, H…, a J…, Ld.ª e a própria C…, Ld.ª.
25.º- Sendo sempre I…, o gerente das três sociedades.”
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A quinta questão refere-se à pretendida nulidade da sentença, por omitir pronúncia precisamente quanto à alegada resolução do contrato, nos termos, segundo a apelante, dos “artºs 201º, 653º, 655º, e alíneas b) e d) do nº 1 do artº 668º, todos do CPC”.

Na verdade, em sua defesa, a apelante alegou, na oposição, que comunicou, em 24-09-2010, através de carta registada com AR remetida pelo seu advogado, tal resolução, pelo que, quando as vendas ocorreram, já não estava pelo mesmo vinculada à apelada (cfr. itens 11, 19 e 20).

O tribunal recorrido, que apenas viu, naquele articulado, defesa por impugnação, embora dando como provadas a comunicação e a resposta (nºs 16 e 17), recortou, apenas, como questão a decidir, a (genérica) de “saber se a remuneração peticionada é devida”. Desconsiderou a referida declaração. Salientou, apenas, a posterior, de 14-10-2010, em que o advogado da apelante reiterava não pretender celebrar a escritura com os interessados conseguidos pela apelada e, assim, corroborou, no trilho do alegado por esta, que “sem sequer denunciar o contrato de mediação”, a apelante solicitou as chaves do imóvel e não ponderando que, como se viu, já antes houvera uma declaração de resolução.

Daí concluiu, sem mais, que a celebração com aqueles do contrato de compra e venda não se consumou “por facto imputável à requerente” (apelada) e que, por isso, esta “accionou devidamente o disposto no artº 18º, nº 2, alínea a)”, norma que a própria diz não ter estado nas suas intenções, assim não se tendo a sentença debruçado, em parte alguma, sobre a referida resolução.

Ora, na decisão de questão controversa do processo, tal como da causa, e na elaboração do respectivo despacho, tal como da sentença, impõe-se ao tribunal a observação de certos requisitos, condições e limites, de índole mais formal uns, ou relativos ao seu conteúdo material outros, definidos pelos princípios e normas da lei adjectiva.

Verificando-se algum dos vícios taxativamente enumerados no artº 668º (actual artº 615º) do CPC, designadamente o de deixar de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, a sentença é nula.

A omissão de pronúncia, ensinava A. Varela[7], “consiste no facto de a sentença não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer, por força do artº 660º, nº 2”, ou seja, questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.

Tais questões são as que ressaltam do objecto do processo definido pela causa de pedir e pelo pedido. Mas também as arguidas por via de excepção. Nos termos do artº 660º, nº 2, são “... todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz[8], ou seja, as “que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal” mas que não se confundam “...com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão …”.[9]

Segundo M. Teixeira de Sousa, trata-se do “... corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º, 2.ª parte) …”, o qual “… significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões”.[10]

Também sobre o conceito se pronunciam Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto[11], no sentido de que são “questões” “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer.”[12]

Neste nosso caso, portanto, não há dúvida que ocorre a referida nulidade – a prevista na alínea d), do nº 1, do artº 668º, não a da alínea b), relativamente à qual não foi alegado nem se vislumbra o menor fundamento, nem a do artigo 201º, que não respeita à sentença e segue outro regime (sendo neste contexto descabida a referência aos artigos 653º e 655º).

Acontece, porém, que tal nulidade, nos termos do artº 715º, apenas tem como efeito, face à chamada regra da substituição do tribunal a quo pelo tribunal ad quem, que este deve conhecer dela, uma vez que é objecto da apelação, constituindo precisamente a questão imediata.
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Consiste, na verdade, a questão sexta em saber se estava extinto, por resolução, comunicada em 24-09-2010, e aceite, o contrato de mediação, quando a apelante efectuou a venda do imóvel.

O contrato só pode extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei – artº 406º, nº1, C. Civil.

Uma das formas de tal acontecer é a resolução, que pode ser fundada na lei ou em convenção – artº 432º, nº 1, C. Civil.

Nada sobre isso consta do contrato em causa (fls. 12), nem do Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto, que regulava, ao tempo, o exercício da actividade inerente, em especial nos artigos 18º e 19º.

Por isso, só nas hipóteses previstas nos artigos 801º (impossibilidade de cumprimento) ou 808º (perda de interesse ou recusa de cumprimento ou incumprimento definitivo), do CC, ela poderá ter lugar.

Ora, dos factos provados resulta que, em carta datada de 24-09-2010, enviada sob registo postal e com aviso de recepção (junta, aliás, como doc. 12 a fls. 24 do autos), a apelante – depois de, em 06-08-2010 (cfr. teor da mensagem de correio electrónico junta a fls. 21 e a que se refere o facto provado 12º), ter comunicado à apelada, em conformidade, aliás, com o nº 2 da cláusula 2ª do contrato, que reduzia o preço ao valor, líquido da remuneração a esta devida, para 62.000€ (“o valor que queremos para nós”, na sua própria expressão), superior ao proposto pelos interessados E… e F…, e de a apelada ter conseguido que estes o aumentassem para 68.000€ (facto 13º), assim cobrindo aquele valor mínimo pretendido (62.000€) e a remuneração da mediadora, e de, no pressuposto de que ela não teria, em face disso, motivo para dar o dito por não dito, a apelada ter marcado a escritura para 24-09-2010 (facto 14º) a que aquela faltou alegando telefonicamente indisponibilidade do seu sócio gerente (facto 15º) – recusou a proposta dos 68.000€, invocando como justificação o procedimento da apelada, reclamou o preço inicialmente previsto no contrato de 77.500€ e declarou à apelada “a resolução do contrato celebrado…com justa causa”.

Ora, no seu articulado de oposição, como fundamentos para tal, limitara-se ela a impugnar, designadamente, as acordadas reduções do preço, a demarcar-se do de 68.000€ conseguido, negando qualquer acordo quando a ele e com os proponentes, a alegar que o advogado que mandatou para o efeito comunicou a referida resolução e que, portanto, o contrato de mediação estava “resolvido e ou denunciado”.

Não alegou, como lhe competia fazer[13], factos susceptíveis de integrar qualquer fundamento legal de resolução. Aliás, o teor da própria carta referida (apenas junta pela apelada como meio de prova), alude a um vago “incumprimento doloso” e a uma intenção de “enganar” por parte da apelada a pretexto de o preço combinado de início ser de 77.500€ e sempre nesse valor se ter mantido – contra a realidade apurada! – mas sem qualquer tradução em factos concretos e provados.

Ao invés, a apelada não aceitou a resolução comunicada, refutou a invocada “justa causa” e insistiu pela realização da escritura, ainda que tivesse de prescindir de parte da sua remuneração, atendendo à situação dos interessados (facto 17º) – o que a apelante rejeitou (facto 18º).

Ainda que, por solicitação da apelante, a apelada lhe tivesse devolvido as chaves do imóvel (pontos 17 a 19), tal não significa que tivesse aceite a resolução e ficasse, por isso, desligada do contrato. Pelo contrário. Em resposta de 08-10-2010, refutou-a, em termos claros e expressos, e insistiu pela realização da escritura com os clientes conseguidos, dispondo-se até a prescindir de parte da sua remuneração. Não podendo, pois, opor-se àquela devolução, uma vez que à posse das chaves e como proprietária do respectivo imóvel tinha direito a apelante, e muito embora, assim, a apelada tivesse ficado impedida de o mostrar a qualquer outro interessado e prejudicada, a partir daí, a sua actividade destinada ao cumprimento da tarefa a que se obrigara, a verdade é que não pode daí retirar-se a sua concordância com a extinção do vínculo contratual.

De resto, não é despiciendo salientar que, invocando ainda a apelante, nas suas alegações, em sinal da pretensa aceitação pela apelada da declaração de resolução, a entrega que por parte desta teria ocorrido dos documentos e pagamento de despesas por ela feitas, a verdade é que nada disso consta entre os factos provados, pelo que – à falta de impugnação – tem de se considerar como matéria que o tribunal a quo incluiu no lote dos “não provados”.

Assim como deve lembrar-se que, apesar das queixas da recorrente no sentido de que a recorrida pretendeu realizar “um embuste, criado pela mesma, para prejudicar a apelante, enganando-a, ardilosamente”, nada disso fora alegado na oposição, muito menos resulta dos factos assentes, assim como não evidenciam estes a pretensa falta de comunicação do novo preço (68.000€) aceite pelos interessados (pontos 13 e 14), que permitia satisfazer o último (de 62.000€) exigido pela apelante e a remuneração da apelada, muito menos a alegada mas abstracta “violação dos elementares princípios”, designadamente o da boa fé e da confiança.

Certo que a obrigação inicial da apelada era de diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do imóvel pelo preço de 77.500€, mediante remuneração percentual a calcular sobre este mas com um mínimo de 5.000€ mais IVA de 20% - cláusulas 2ª, nº 1, e 5ª –, mas não o é menos que o próprio contrato previa a modificação: “qualquer alteração ao preço fixado ao número anterior deverá ser comunicado de imediato e ser escrito à mediadora” – cláusula 2ª , nº 2.

E foi o que aconteceu. Em 22-07-2010, a apelante aceitar baixar o preço para 65.000€, por até então não terem aparecido interessados em pagar o preço acordado inicialmente e pretendido (pontos 9 e 10). Em 06-08-2010, aceitou baixá-lo para 62.000€, mas líquido (ponto 12). Em face disso, a apelada conseguiu que os ditos interessados aumentassem a sua proposta para os 68.000€, que satisfazia aquele preço líquido e a sua remuneração (6.000€).

Foi, pois, inopinada e não se mostra justificada a atitude da apelante, não só ao recusar concluir o negócio com os terceiros como ao declarar resolvido o contrato de mediação.

Por isso, porque se não demonstrou existirem motivos para tal e porque, afinal de contas, nenhum incumprimento existe por parte da apelada (que diligenciou, como era seu dever, pela obtenção, que conseguiu, de compradores interessados, afinal, pelo preço por que a apelante se dispusera a vender) e, ainda, porque, como resulta dos factos (pontos 8, 9, 10, 11, 13, 14) cumpriu as suas obrigações decorrentes do contrato e da lei (cláusula 2ª, alterada nos termos aí previstos, e artº 2º, nºs 1 e 2, do DL 211/2004), não tinha a apelante qualquer fundamento de relevo para resolver o contrato, declaração que não produziu efeito.

E mesmo que algum tivesse, uma vez que estava garantida a satisfação das condições por ela propostas e nada justificava a recusa de contratar, sempre seria ilegítimo, por abusivo nos termos do artº 334º, do C. Civil, o exercício do direito de resolução por manifestamente contrariar a expectativa criada à contraparte pela sua aceitação e, assim, exceder os limites impostos pela boa fé.

Acresce que, embora sem nada sobre isso referir na carta de 24-09-2010, na sua oposição ainda ensaia a apelante, em termos algo equívocos e insuficientes, uma pretensa denúncia, não se percebendo se a refere como equiparada se como alternativa à resolução.

Realmente, no contrato – cláusula 8ª – estabeleceu-se como sua duração o período de 9 meses contados da data da sua celebração em 26-03-2009, “renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outros meios equivalentes, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.”

Ora, ele renovou-se em 26-12-2009 e em 26-09-2010 (data em que se perfez o segundo período), pois, mesmo a entender-se a carta de 24-09-2010 (onde apenas se fala de resolução e nunca de denúncia) como intenção desta para o fim do período então em curso, não foi cumprido o prazo de aviso prévio clausulado como condição de eficácia, pelo que a renovação automática operou até 26-06-2011. Estava, portanto, o contrato em vigor quando, em 15-11-2010 (cfr. escritura de fls. 29 e lapso do ponto 20 dos factos) a apelante vendeu o prédio à “D…” e, em 20-11-2010, a esta o compraram os interessados E… e F…, que tinham sido conseguidos pela apelada e com os quais esta chegara a marcar a escritura pelo preço de 68.000€ mas agora, em ambos os casos, pelo preço declarado de 65.000€ (fls. 29, vº, e 32).

Independentemente da relevância da declarada resolução para a solução final deste pleito, o que é certo é que ela foi inválida por não ter fundamento legal nem ter sido aceite voluntariamente, não produziu efeitos, pelo que o contrato permaneceu em vigor e ligando as partes, assim improcedendo a sexta questão.
*
Respeita a sétima questão à qualificação do contrato: ele é de «exclusividade» e sujeito ao regime do artº 18º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei 211/2004, ou de «não exclusividade» e sujeito apenas ao nº 1 do mesmo artigo?

Estando as partes de acordo que como contrato de mediação se qualifica o negócio celebrado entre elas, também o estão, afinal, de que a modalidade dele é a segunda («não exclusividade»).

Com efeito, embora sobre isso nada tivesse dito a apelada, conformou-se ela com o que a apelante alegou na oposição, assim como com ela está de acordo, agora, na resposta ao recurso, dizendo que a “causa de pedir” radica no nº 1 do citado artigo e esclarecendo que só a tal não se referiu por, no seu entender, tal ser desnecessário. E, como resulta do teor incontestado do contrato que já motivou a alteração da matéria de facto mediante o aditamento do ponto 5º-A, é pacífico que foi estipulado expressamente o regime de “não exclusividade”.

Tal implica que, independentemente da bondade ou não do resultado a que chegou (e a que adiante nos referiremos), tudo quanto na sentença recorrida, para a fundamentar, se refere ao contrato como “de exclusividade” e ao regime do artº 18º, nº 2, alínea a), não se ajusta a este caso, tratando-se de erro de subsunção jurídica dos factos.

Procede, pois, esta questão. Embora, como se verá, sem as consequências desejadas pela apelante.
*
Por fim, a oitava e essencial questão colocada, consiste em saber se a apelada não cumpriu o dever de aproximar cliente-vendedor e, em razão disso e ainda por motivo só a ela imputável, é que não foi concluído, directamente, com perfeição, entre a apelante e os interessados E… e F…, o negócio visado mediado pela apelada (ainda que em regime de “não exclusividade”), não lhe sendo devida remuneração, nos termos do artº 18º, nº 1.

Recorrendo ao que já se escreveu em Acórdão desta Relação de 29-05-2003[14], e citando-o, com a devida vénia, “O contrato de mediação pode definir-se como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à celebração de certo negócio, mediante retribuição [C. Lacerda Barata, Contrato de Mediação, em Estudos do Instituto de Direito do Consumo, I, 192. Sobre mediação, cfr. ainda L. Brito Correia, Direito Comercial, I, 202 e 203; Pessoa Jorge, O Mandato sem Representação, 231 e segs e M. Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial, 6, 7 e 112 e segs] - cfr. art. 2º do DL 285/92.
São assim elementos caracterizadores deste contrato: obrigação de aproximação de sujeitos; actividade tendente à celebração do negócio; imparcialidade; ocasionalidade; retribuição.
Saliente-se que a actividade do mediador consiste essencialmente na prática de actos materiais, tendentes a favorecer o encontro de eventuais contraentes e a celebração do negócio em causa. Essa actividade tem, pois, carácter necessariamente pluridireccional, dirigindo-se a um resultado que envolve, pelo menos, duas pessoas [Cfr. Lacerda Barata, Ob. Cit., 193].
Por outro lado, o mediador não age por conta do comitente, nem no interesse deste. A imparcialidade impõe ao mediador o dever de se comportar, perante os potenciais contraentes, em termos não discriminatórios e de modo a evitar danos para qualquer deles; nomeadamente deverá avisar ambas as partes quando conheça alguma circunstância, relativa ao negócio, capaz de influenciar a decisão de contratar (ou não) [Cfr. Lacerda Barata, Ob. Cit., 198].”

O exercício da actividade de mediação, ao tempo dos factos, era regulado pelo já referido Decreto-Lei nº 211/2004[15]. Esta, segundo o nº 1, “é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel” e, de acordo com o nº 2, “consubstancia-se no desenvolvimento de: a) Acções de prospecção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente; b) Acções de promoção dos bens imóveis sobre os quais o cliente pretenda realizar negócio jurídico, designadamente através da sua divulgação, publicitação ou da realização de leilões.”

A forma, os elementos e outros aspectos relativos ao contrato de mediação imobiliária estão previstos no artº 19º, estabelecendo o nº 4, que “quando a empresa de mediação é contratada em regime de exclusividade, só ela tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência”.

Porém, como decidiu o Supremo por Acórdão de 10-05-2005[16], nem a cláusula de exclusividade impedia a negociação objecto do contrato directamente pelo cliente com algum interessado que se lhe dirija sem ser por intermédio da mediadora ou a obrigava a contratar apenas com interessados que lhe fossem indicados por esta. Apenas a impede de contratar outra mediadora para a promoção do mesmo negócio visado durante o período de vigência do exclusivo, o que, a acontecer, implica violação da cláusula.

Quanto à remuneração, cujas condições devem naquele constar expressamente (artº 19º, nºs 2, alínea c), e 6), estabelece o artº 18º, no seu nº 1, que ela “só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação” e, o nº 2, que se exceptuam, além do mais, “os casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado, em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, tendo esta direito a remuneração.”

A esta luz, entendeu-se no citado Acórdão, por apelo ao princípio da boa fé que deve nortear a aplicação da regra de integração dos contratos (artº 239º, do CC) e em função do risco negocial assumido, que a negociação directa entre a cliente e outros interessados que conduza à celebração do contrato sem qualquer intervenção da mediadora não viola o pacto de exclusividade existente mas não exonera aquela de pagar a esta, desde que tenha exercido actividade de mediação, a remuneração estipulada, ainda que não tenha sido em consequência desta actividade que o negócio foi conseguido mas na medida em que, a negociação directa, impediu a mediadora de ser ela a concluí-lo e tal impedimento é imputável à cliente.

Ao invés, como decorre do citado nº 1 do actual artigo 18º, não sendo o contrato de exclusividade, ainda que a mediadora tenha desenvolvido actividade de mediação, não tem ela direito a ser remunerada se não foi em resultado desta sua acção e, portanto, das diligências por si levadas a cabo que o negócio visado se concluiu com perfeição.

Portanto, como já se referia no Acórdão do STJ, de 26-02-2002[17], “O mediador só adquire direito à comissão quando a sua actividade tenha contribuído para a celebração do negócio, determinando a aproximação do comitente com terceiros”, isto “mesmo quando o contrato de mediação é celebrado em regime de exclusividade”, de onde se conclui que tal direito depende do cumprimento das obrigações (de meios) a que a mediadora se vinculou e de que, entre ele e a conclusão perfeita do negócio, se verifique nexo de causalidade.

Por isso, “incumbe à mediadora a prova dos elementos constitutivos do direito a remuneração e da relação de causalidade entre os actos de promoção e mediação levados a cabo e a perfeição do negócio visado”.[18]

Na mesma linha, o Acórdão desta Relação de 13-04-2010[19]: “I- O mediador, no contrato de mediação imobiliária, só tem direito à remuneração convencionada com o comitente/cliente se o negócio visado vier a ser concluído/concretizado e desde que a celebração deste tenha sido o corolário ou a consequência da sua actividade. II- Compete ao mediador-autor a alegação e prova dos pressupostos do seu direito, particularmente da verificação do nexo causal entre a sua actuação (no âmbito da mediação) e a outorga do contrato visado.”

E, bem assim, o de 21-03-2013[20]: “No contrato de mediação imobiliária, o mediador só tem direito à remuneração convencionada com o cliente se o negócio visado constituir objecto legal da sua actividade de mediação, vier a ser concretizado e desde que o mesmo seja celebrado em consequência da sua actuação, competindo-lhe o ónus de alegação e prova dos pressupostos deste seu direito.”

Mais recentemente, escreveu-se no Acórdão do STJ, de 12-12-2013[21], que citamos com a devida vénia: “…neste tipo de contrato, o mediador obriga-se a procurar interessado e a aproximá-lo do comitente para a realização do negócio no sector imobiliário e este último obriga-se a remunerá-lo pelo serviço prestado. Trata-se de um contrato bilateral e oneroso.
Não constitui obrigação fundamental do mediador concluir o contrato; a sua obrigação essencial é a de conseguir interessado para certo negócio que ele próprio, raramente, conclui. É indiferente que este intervenha na fase final do negócio.
Neste sentido, considera Antunes Varela que “o contrato de mediação imobiliária é uma das modalidades do contrato de prestação de serviços, segundo o qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para certo negócio e a aproximar esse interessado da outra parte. Isto, normalmente, como é óbvio, em contrapartida de uma remuneração, uma vez que tal contrato se tem, em princípio, como oneroso”.

E mais adiante: “Explicita Pinto Monteiro que “a obrigação fundamental do mediador é conseguir interessado para certo negócio que, raramente, conclui ele próprio. Limita-se a aproximar duas pessoas e a facilitar a celebração do contrato, podendo a sua remuneração caber a ambos os contraentes ou apenas àquele que recorreu aos seus serviços. A remuneração do mediador (…) é independente do cumprimento do contrato, diversamente do que sucede com a retribuição do agente (…), podendo exigi-la logo que o mesmo seja celebrado”.
A este propósito, tem sido entendimento, neste STJ, que “o juízo positivo a formular sobre a relação de causa efeito deve assentar na verificação de um nexo de causalidade adequada: o mediador tem direito à comissão quando, embora não sendo a sua actividade a única determinante da cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido pelo comitente, contribuiu para ela.
Mais abrangentemente, Manuel Salvador, admite, como orientação que melhor acode aos interesses em causa, que o mediador adquire o direito à remuneração quando influir no resultado final, mas sem que seja necessário para isso “que tenha cooperado no desenvolvimento das negociações, pelo que basta ter-se limitado a dar o nome de uma pessoa disposta a pagar determinado negócio”.
Ou seja, o direito à remuneração implica a execução da prestação contratual a que o mediador se obrigou, nomeadamente a prática dos actos adequados a conseguir que seja atingido o objectivo do contrato – a concretização e perfeição do negócio visado com a mediação.”

Com interesse, ainda, se sintetiza no de 27-05-2010: “I - A contraprestação a pagar pelo comitente à entidade mediadora depende da conclusão e perfeição do negócio a celebrar entre aquele e o terceiro angariado, devendo a actividade mediadora ser causal do resultado produzido, de modo a integrar-se de forma, idoneamente, determinada na cadeia dos factos que deram origem ao negócio” – que, como se refere no texto, “funciona como condição legal ou imprópria do pagamento”. E “II - Tendo sido contratado entre as partes um regime de não exclusividade, com a faculdade da não renovação do contrato, e celebrando-se este com uma entidade terceira, por iniciativa dos comitentes, inexiste o reclamado direito de remuneração pela comissão de mediação, nem o direito de indemnização pelo incumprimento contratual ou pela revogação unilateral tácita do contrato ou, finalmente, a título de responsabilidade pré-contratual, por culpa in contrahendo”.[22]

Noutro aresto: “O comitente só fica constituído na obrigação de remunerar o mediador se o negócio tido em vista pelo incumbente for concretizado em virtude da actividade do mediador, ou seja, a obrigação de meios que lhe incumbe há-de desembocar no resultado pretendido – a celebração do negócio para que foi mandatado o mediador – sob pena de se considerar que o contrato não almejou a perfeição e, não surtindo efeito útil a actividade do mediador – o risco, a álea negocial – não há lugar à remuneração (comissão), nem ao pagamento de despesas se o contrato for celebrado pelo incumbente com terceiro, que não se interessou pelo negócio por causa da actuação do mediador.” [23] E, citando Carlos Lacerda Barata, aí se sufragou o entendimento de que: ““O direito à retribuição depende da celebração do contrato prometido embora seja independente do cumprimento do mesmo. Só com a verificação de um “resultado útil” – a realização do negócio – da actuação do mediador, este ganha o direito à retribuição. Está em causa mais do que a mera exigibilidade; é da própria constituição do direito que se trata. Pode-se, assim, afirmar que o direito à retribuição está sujeito a condição suspensiva: a celebração do negócio. Naturalmente, que só o negócio cuja celebração advenha (exclusivamente ou não) da actuação do mediador relevará, para este efeito. A prestação do mediador terá de ser causal, em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro…. Em matéria de direito à retribuição, o momento relevante é o da constituição do contrato promovido, pelo que as ocorrências supervenientes que incidam sobre a execução ou o conteúdo do contrato serão, em regra, indiferentes”.

Ora, voltando aos factos, está assente que o contrato, datado de 26-03-2009, foi celebrado em regime de “não exclusividade”; que a apelada, logo após, começou “a diligenciar a promoção do imóvel através de ampla publicidade e da actividade dos seus vendedores, no sentido de obter comprador para o mesmo” (ponto 8); em 21-04-2009, conseguiu “interessados que apresentaram uma proposta” mas que a apelante recusou.

Provado está também que, “dado que durante mais de um ano não tinham surgido interessados pelo preço” (ponto 9) inicialmente combinado, sob sugestão da apelada, “em 22.07.2010, a Requerida aceitou baixar o preço para 65.000€, preço que, a partir dai passou a ser divulgado para o efeito pela mediadora” (ponto 10); que “Em 04.08.2010, E… e F…, que tinham visitado o imóvel com a B…, apresentaram uma proposta de compra pelo valor de 60.000€” (ponto 11), mas que, todavia, “Em e-mail enviado em 06.08.2010 a Requerida recusou a proposta enquanto pressionava a mediadora para reduzir a remuneração mínima constante no contrato afirmando que o valor que deveria ficar para a vendedora, liquido da remuneração da mediadora teria que ser de 62.000€” (ponto 12), na sequência do que “Perante tal recusa, a Requerente conseguiu que, em 13.08.2010, os mesmos interessados propusessem o valor de 68.000€ que, muito embora ultrapassasse o valor mínimo aceite pela requerida em 22.07.2009, garantiriam os 62.000€ referidos pela vendedora” (ponto 13).

Provado, ainda, que “No pressuposto de que a Requerida não teria motivo algum para recusar tal proposta a B… chegou a marcar a escritura de compra e venda para dia 24.09.2010” (ponto 14).

Não obstante tudo isso, o certo é que tal escritura não se realizou nesse dia por alegada indisponibilidade telefonicamente comunicada do seu legal representante I…, acabando a apelante por, na mesma data, recusar a proposta, declarar a resolução, atitude que, embora refutada pela apelada, reiterou em 14-10-2010, vindo, depois, em 10-11-2010, a vender o imóvel à sociedade “D…”.

Nada se prova que à conduta da apelada seja imputável e que tenha constituído obstáculo à consumação do negócio proposto.

Daqui se conclui que esta desenvolveu a sua actividade, cumpriu, no essencial ou fundamental, a sua obrigação, logrou conseguir interessados que estavam dispostos a pagar um preço (68.000€) que garantia à apelante o recebimento do valor líquido a que acabou por reduzir a sua pretensão e o pagamento da remuneração da apelada e, para tal, chegou a marcar a escritura, convocando ambas as partes para a outorgarem.

Nesta medida, improcede a alegação de que a apelada não cumpriu o dever de aproximar cliente-vendedor e, em razão disso e por causa que só a ela é imputável, é que aquele não foi concluído, com perfeição.

Contudo, sendo o contrato de não exclusividade e tendo-se concluído o negócio, não com aqueles, mas com uma sociedade “terceira” (a “D…”) relativamente à qual a acção exercida pela apelada aparenta ser indiferente, nos termos do artº 18º, nº 1, parece não lhe ser devida remuneração alguma, faltar o aludido nexo de causalidade e a necessária condição para adquirir e poder exigir a remuneração.

Parece…mas é preciso vermos se o que parece realmente é (e se é assim de facto, de direito e de justiça), uma vez que, afinal de contas, quem, por último, acabou por comprar o imóvel propriedade da apelante, embora por via do negócio celebrado com a interposta “D…” foram precisamente os mesmos interessados E… e F… que a apelada conseguira e aproximara da apelante, deste modo ocorrendo o resultado (conclusão e perfeição do negócio projectado de início) conexionado com a sua actividade numa espécie de causalidade indirecta.

Ora, a este propósito, alegou a apelada (item 26 da pi) que tal foi conseguido mediante utilização de uma estratégia consistente na interposição da “D…”, assim tirando a apelante proveito do trabalho desenvolvido pela apelada e que, portanto, aquela deve ser responsabilizada através do mecanismo da “desconsideração da personalidade jurídica”, face à promiscuidade entre as sociedades e o legal representante da apelante e das demais envolvidas em resultado do que ela se aproveitou para defraudar o direito da apelada.

Tendo-se a apelante limitado a impugnar, de facto e de direito, tal tese, mas tabelarmente, ainda assim resultou provado que:

-Depois de, em 24-09-2010 e 14-10-2010, a apelante ter recusado celebrar o negócio visado directamente com os interessados E… e F…, conseguidos pela apelada, pelo preço de 68.000€, declarou a resolução do contrato e pediu a devolução das chaves;
-No entanto, em 15-11-2010, vendeu o imóvel à sociedade “D…” (cfr. escritura junta como doc. 15, a fls. 29), da qual consta que I…, nela outorgou em simultâneo na dupla qualidade de representante da apelante vendedora e da compradora;
-Esta, cinco dias depois, em 20-11-2010, conforme documento nº 16, junto a fls. 31, representada pelo mesmo I…, vendeu, então, o dito imóvel, aos referidos interessados E… e F…;
-O preço de ambas as vendas foi igual (65.000€);
-Em ambas foi declarado que não houve intervenção de mediador imobiliário;
-A apelante tem como única sócia a sociedade “J…, Ldª” (cfr. fls. 34 e seguintes);
-Desta são sócios o referido I… e ainda K…, H… e L…;
-Estes, a J…, Ldª e a própria apelada são os sócios da “D…”;
-As três sociedades têm a mesma sede;
-E o mesmo sócio gerente (I…).

No fundo, o negócio não se concretizou aparentemente entre a apelante e os terceiros interessados por motivo a ela própria imputável (decidiu vender à “D…” e não àqueles) ou, noutra perspectiva, concretizou-se realmente, apesar da sua opção em fazer intervir a dita sociedade mas acabando por ser aqueles a comprar, ficando a aplicação do nº 1, do atº 18º (já que o contrato é «não exclusivo»), e, por isso, a remuneração da apelada pela sua actividade, dependente de no Direito se encontrar solução para alcançar a Justiça do caso.

Perante isto e o alegado no requerimento inicial pela apelada, o tribunal recorrido decidiu condenar a apelante a pagar a remuneração acordada à apelada.

Afigurando-se que decidiu bem, terá sido certo o caminho trilhado?

Como se viu, além de discorrer teoricamente sobre o tipo negocial, partiu do pressuposto errado de que se tratava de contrato de exclusividade, entendeu que, face à conduta da apelante, esta inviabilizou a concretização do negócio, e que nesta consistiu a causa de pedir, referindo:

“Considerando o teor da matéria de facto dada como provada, verifica-se que não ocorreu qualquer conclusão e/ou perfeição do negócio perspectivado, de venda do imóvel, sendo, no entanto, certo que foram realizadas diligências determinantes à respetiva venda por parte da A.
Em 14.10.2010, a Requerente recebeu um fax do advogado da Requerida na qual ficou claro que esta não pretendia celebrar a escritura de compra e venda com os interessados encontrados pela B… e, sem sequer denunciar o contrato de mediação, solicitava a entrega das chaves do imóvel objecto da mediação.
Tal factualidade dada como provada é significativa de que a perfeição do negócio por parte da A. não se concretizou por facto não imputável à requerente.”
[…]
“…a requerente encetou diligências e só não concluiu o negócio por facto que não lhe é imputável, antes, porém, à actuação da requerida.”
[…]
“"In casu", não foi realizado qualquer negócio, mas há direito à remuneração por parte da Autora, atenta a explanação fáctica constante da presente decisão.”

Isto, não sem antes ter afirmado – contra o que a própria apelada defende – que “Em face do exposto, verifica-se que a requerente acionou devidamente o disposto no artº. 18º., nº. 2, al. a) do DL nº 211/2004, de 20-08, tendo direito em ingressar na sua esfera juridica a percentagem de 5%.”, o que, como se disse, pressupôs a consideração do regime de «exclusividade» que não foi o acordado.

Tratando-se de subsunção jurídica em que, conforme dispunha o artº 664º, CPC (e continua a dispôr o actual artº 5º, nº 3), pontifica a liberdade de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, afigura-se-nos que a decidida procedência da acção e a respectiva condenação são de manter, mas por razões não coincidentes.

Com efeito, concordando-se, como resulta do atrás exposto e se diz na sentença, que “para ter direito ao recebimento da comissão (remuneração), a mediadora terá de provar que a venda foi feita em virtude da acção por ela desenvolvida” e que “Não é suficiente que a mediadora faça diligências no sentido de aproximar os interessados na realização do negócio, sendo, em princípio, necessário que o contrato previsto seja realizado”, só ignorando a interposição da “D…” e os negócios de que esta aparece formalmente como protagonista – e que, como salta aos olhos, foram ficcionados – será possível concluir, mas com um diferente sentido, que “só não se concluiu o negócio”, directamente entre a apelante e os interessados conseguidos pela apelada, “por facto que não lhe é imputável, antes, porém, à actuação da requerida”, ou seja, que, no fim de contas, ele se concluiu entre essas duas partes de modo perfeito na realidade, embora assim não se mostre na aparência, e que, portanto, a remuneração é devida com fundamento no nº 1, do artº 18º, e não no seu nº 2, alínea b).

É patente, em face das circunstâncias fácticas apuradas e do que elas permitem razoavelmente compreender com base nas regras de experiência comum, que a “D…” foi instrumentalizada, por acção do sócio I…, para, como marioneta em suas mãos, aparecer, ora a outorgar o negócio primeiro de compra, ora, escassos dias depois, o de venda, sem que tal correspondesse à sua vontade real e aos interesses próprios do seu escopo societário. Foi abusada, uma vez que nada justifica a sua intervenção numa compra e venda do bem imóvel apenas para conservar a sua propriedade durante 5 dias, actos que geram custos, a não ser que cobertos por proventos.

É óbvio que tal estratagema foi congeminado com o fim de evitar a celebração do contrato de compra e venda directamente da apelante para os interessados E… e F…, com a colaboração destes (ignora-se se intencionada) e, assim, aquela se eximir da obrigação de pagar à apelada a remuneração devida e impedindo que esta a exigisse, por, na aparência, sendo o contrato de mediação celebrado no regime de não exclusividade, não se mostrar preenchido o requisito do nº 1 do artº 18º.

Trata-se de confusão e manipulação da personalidade jurídica da “D…” e da própria apelante – já que nem esta queria na realidade vender àquela, nem a mesma comprar-lhe – propiciada pela participação social das mesmas pessoas numa e noutra e, sobretudo, pela posição de gerente comum de I… e pela supremacia dele no domínio da formação e manifestação das vontades respectivas.

Com efeito, depois de a apelante aceitar o preço líquido de 62.000€, com o concurso de E… e F…, à custa da subtracção à apelada da possibilidade de receber 5.000€ de comissão mínima acordada + 1.000€ do IVA (taxa de 20%), acabou por auferir mais 3.000€ para si e poupou àqueles (que se tinham disposto a pagar 68.000€) igual quantia.

O sócio-gerente comum I… exercitou abusivamente os seus direitos e os das duas sociedades, fazendo participar, intercalada e ficticiamente, a “D…” (que tem como sócia a própria apelante), simulando uma cadeia de transmissões, violando a boa fé, ao recusar concluir o negócio nas condições antes pela apelante propostas e aceites e pela apelada conseguidas, na mira de, pelo estratagema ao seu alcance, e com a participação daqueles interessados compradores, a prejudicar e obter benefício que, de outro modo, não esperava conseguir.

Justifica-se, para pôr a nu a realidade assim mascarada e encoberta e alcançar a justa aplicação do direito, evitando defraudar a lei (artº 18º, nº 1), considerar eliminada a participação meramente formal da “D…” enquanto “testa de ferro”, desconstruindo a cadeia de negócios através desta engendrada, por forma a que a compra e venda, para o efeito que aqui interessa, emerja, como realmente ela aconteceu, enquanto conclusão perfeita do único negócio directo (fim último desejado) mediado pela apelada entre a apelante e E… e F…, como, afinal, está claramente à vista de qualquer pessoa de normal entendimento e mediana experiência de vida, colocada nas descritas circunstâncias.

As vontades que I… ficticiamente exprimiu em nome da “D…”, ora no sentido de adquirir ora no de dispor, como que se fundem ou anulam numa só (a de a apelante vender aos terceiros), implicando, portanto, a desconsideração daquela enquanto pessoa jurídica autónoma e da vontade à mesma imputada.

A fraude à lei, a simulação, o abuso e a má fé que ressumbram de tais negócios têm guarida na figura da “desconsideração da personalidade jurídica das sociedades” construída pela doutrina e aceite pela jurisprudência, exactamente como meio de tutelar posições jurídicas de terceiros afectados por aqueles e que, sem ela, seria impossível ou muito difícil justamente salvaguardar.

A outorga de contratos sucessivos, com abuso da personalidade colectiva, para fugir a responsabilidades e atentar contra direitos de terceiros é precisamente uma das manifestações a que tal doutrina é aplicável.

Como se escreveu em Acórdão desta Relação, de 02-06-2011[24] “Quando a personalidade colectiva seja usada de modo ilícito ou abusivo, para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios, é possível proceder ao levantamento da personalidade colectiva: é o que a doutrina designa pela desconsideração ou superação da personalidade jurídica colectiva. Pode dizer-se que a desconsideração da personalidade jurídica da pessoa colectiva, imposta pelos ditames da boa fé, se traduz no desrespeito pelo princípio da separação entre a pessoa colectiva e os seus membros. Nos casos de desconsideração, a própria sociedade (pessoa colectiva) desvia-se da rota que o ordenamento jurídico lhe traçou, optando por um comportamento abusivo e fraudulento que não pode ser tolerado na utilização funcional da sociedade ou de que aquela conduta não é substancialmente da sociedade mas do ou dos seus sócios (ou ao invés). A sociedade é, assim, utilizada para mascarar uma situação; ela serve de véu para encobrir uma realidade.”

De modo a obstar a situações de flagrante injustiça que ferem a consciência jurídica dominante, “I - A desconsideração da personalidade colectiva foi originada para ocorrer a situações abusivas de actuação que ponham em causa a boa fé negocial, pondo em risco a harmonia e credibilidade do sistema. II - O seu fundamento jurídico encontra-se no art. 334º do CC.”[25]

Enfim, louvando-nos na vasta Jurisprudência[26] e na Doutrina[27] sobre a matéria, entendemos que, tendo a apelada cumprido a obrigação a que se comprometeu e tendo sido, nos termos referidos e reais, concluído perfeitamente o negócio visado por ela mediado entre a apelante os terceiros, se mostram preenchidos os pressupostos do nº 1, do artº 18º, do Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto, e que, por isso, lhe é devida a remuneração peticionada.

De modo que, improcedendo a oitava questão, deve confirmar-se, embora com estes diversos fundamentos, a decisão apelada.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela apelante – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).

Notifique.

Porto, 03-04-2014

José Amaral
Teles de Menezes
Mário Fernandes
_____________
[1] Elenco provisório, dependente do que, sobre esta questão, se vier a decidir adiante.
[2] O anterior e ao caso aplicável e que aqui será sempre tido em conta.
[3] Neste sentido, A. Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3ª edição, 2010, páginas 200 e 201. E, ainda mas elucidativo, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, página 157.
[4] Código Civil Anotado, volume III, páginas 206/209.
[5] Acórdão de 11-07-2012 (Relator: Consº Fernandes da Silva). Com interesse na matéria, cfr., ainda, Acórdãos daquele Tribunal de 24-02-2011, 15-12-2011 e 19-04-2012 (todos relatados pelo Consº Pinto Hespanhol), de 23-09-2009 (Bravo Serra) e de 12-03-2014 (M. Belo Morgado) e desta Relação do Porto de 07-10-2013 (Eusébio Almeida) e de 03-02-2014 (Carlos Gil).
[6] Corrigindo-se, ao abrigo do artº 249º, do CC, o lapso manifesto de datas relativas às escrituras mencionadas nos pontos 20º e 21º, em face das respectivas cópias juntas como documentos 15 e 16, a fls. 29 e 31, respectivamente, bem como, no ponto 10º, a alusão a “requerente” onde, como é óbvio, se pretendeu escrever “Requerida”.
[7] Manual de Processo Civil, 2ª edição revista, página 690.
[8] A. Varela, na RLJ, Ano 122.º, pág. 112.
[9] J. Alberto dos Reis, no “Código de Processo Civil Anotado”, volume V, página 143.
[10] Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, 1997, págs. 220 e 221.
[11] Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 2.ª edição, pág. 704.
[12] Idem, página 680.
[13] Nesse preciso sentido, cfr. o Acórdão do STJ, de 26-06-2012 (relator: Consº Garcia Calejo).
[14] Relator: Pinto de Almeida.
[15] Tal regulação iniciou-se com o Decreto-Lei nº 285/92, de 19 de Dezembro, revogado e substituído, sucessivamente, pelo Decreto-Lei nº 77/99, de 16 de Março, pelo Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto (alterado pelo Decreto-lei nº 69/2011, de 15 de Junho), vigorando, desde 01-03-2013 e presentemente, a Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro.
[16] Relator: Consº Silva Salazar. Decidiu-se na vigência do DL 77/99, mas em face de normas iguais às do DL 211/2004.
[17] Relator: Consº Moitinho de Almeida.
[18] Acórdão da Relação de Lisboa, de 14-06-2012 (Aguiar Pereira).
[19] Relator: M. Pinto dos Santos.
[20] Relator: Fernando Samões.
[21] Relator: Consº Granja da Fonseca.
[22] Relator: Consº Hélder Roque.
[23] Acórdão do STJ, de 28-04-2009 (Relator: Consº Fonseca Ramos).
[24] Relatado pelo 1º Adjunto deste.
[25] Acórdão da Relação do Porto, de 22-06-2009, relatado por Maria de Deus Correia.
[26] Por exemplo: Acórdãos do STJ, de 19-02-2013 (Pinto Hespanhol), 10-01-2012 (Salazar Casanova), 12-05-2011 (João Bernardo), 03-02-2009 (Paulo Sá), e desta Relação do Porto, de 16-04-2012 (Fernanda Soares), de 02-06-2011 e 25-03-2010 (ambos relatados pelo 1º Adjunto deste), de 22-06-2009 (Maria de Deus Correia) e 25-10-2005 (Henrique Araújo).
[27] Vastamente citada nos arestos anteriores e aí melhor identificada, de onde se destacam Menezes Cordeiro, Brito Correia, Bernardo da Gama Lobo Xavier (e Outros), Pedro Romano Martinez, Pedro Cordeiro, Ricardo Costa. Cfr., ainda, Catarina Serra, para uma visão panorâmica sobre as origens da figura, sua evolução, estado e tendência, e, para uma Sinopse Doutrinária e Jurisprudencial, na Revista Julgar, nº 9, páginas 111 e seguintes, e 131 e seguintes respectivamente.