Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0011092
Nº Convencional: JTRP00028678
Relator: COSTA MORTÁGUA
Descritores: INSTRUÇÃO CRIMINAL
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
DEPRECADA
CUMPRIMENTO
GRAVAÇÃO DA PROVA
TRANSCRIÇÃO
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP200012060011092
Data do Acordão: 12/06/2000
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJ T5 ANOXXV PAG231
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO COMPETÊNCIA.
Decisão: DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA.
Área Temática: DIR JUDIC - CONFLITOS.
Legislação Nacional: CPP98 ART99 ART101 N1 ART296.
Sumário: Compete ao tribunal deprecado a transcrição do depoimento de testemunha que lhe foi solicitado em sede de instrução e a que procedeu com registo magnético.
Só depois de essas reclamações serem reduzidas a auto pelo funcionário se poderá dizer que a diligência deprecada está integralmente cumprida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Expedida pelo 3º Juízo A do Tribunal de lnstrução Criminal do Porto carta precatória ao Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão para inquirição de uma testemunha em fase de instrução, procedeu a Senhora Juiz do 2º Juízo Criminal deste Tribunal à recolha do respectivo depoimento, mas apenas através de gravação magnetofónica, após o que devolveu o resultado da diligência à entidade deprecante.
Recebida a carta precatória no Tribunal de lnstrução Criminal do Porto, a Senhora Juiz deprecante determinou a sua devolução ao Tribunal deprecado «a fim de se proceder à transcrição das cassetes nos termos dos arts. 296º, 99º e segs. do C.P.P.» (sublinhado nosso).
A Senhora Juiz do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, porém, entendendo que «não há lugar à transcrição nos casos em que o tribunal recorra à gravação magnetofónica ou áudio-visual como foi o caso», considerou que a diligência solicitada pelo tribunal deprecante se encontrava integralmente cumprida e ordenou a devolução da carta precatória sem a transcrição do depoimento gravado.
Perante esta recusa de transcrição, ordenou a Senhora Juiz do Tribunal de lnstrução Criminal do Porto a extracção e remessa a este Tribunal da Relação de certidão para resolução do conflito assim suscitado, nos termos do art. 35º do CPP.
Os despachos transitaram em julgado.
As Senhoras Juízes nada carrearam aos presentes autos.
Nesta Instância o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu notável Parecer, que integralmente sufragamos, e, cum data venia, reproduzimos no essencial, pronunciando-se pela competência do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão para a reprodução ou transcrição, em auto, do depoimento prestado pela testemunha em causa e recolhido em suporte magnetofónico.
Correram os vistos legais.
‘Muito embora não estejamos perante um conflito de competência para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido, a que se referem os arts. 34º e segs. do CPP, importa, com vista a remover o impasse assim surgido, aplicar este regime, analogicamente, ao conflito suscitado entre as Senhoras Juizes do 3º Juízo do Tribunal de lnstrução Criminal do Porto e do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão para proceder à transcrição da gravação do depoimento atrás aludido.
Está em causa uma diligência realizada no âmbito da instrução.
Contrariamente ao que sucede na fase de audiência de julgamento, na instrução, como aliás no inquérito, vigora, entre nós, predominantemente, o princípio da escrita como modo de alcançar a decisão instrutória - o juiz de instrução profere despacho de pronúncia ou de não pronúncia na base de actos processuais que, predominantemente, foram produzidos por escrito, ressalvando-se apenas deste modo de aquisição da prova o debate instrutório.
Tanto assim é que o artigo 296º do CPP dispõe que as diligências de prova realizadas em acto de instrução são reduzidas a auto.
E o art. 99º do mesmo compêndio processual penal, por sua vez, estipula, no que para o caso interessa, que o auto é o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais a cuja documentação a lei obrigar e aos quais tiver assistido quem o redige, bem como as recolher as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido perante aquele (nº 1); o auto contém, além dos requisitos previstos para os actos escritos, menção da descrição especificada das operações praticadas, da intervenção de cada um dos participantes processuais, das declarações prestadas, do modo como o foram, e das circunstâncias em que o foram, dos documentos apresentados ou recebidos e dos resultados alcançados, de modo a garantir a genuína expressão da ocorrência (nº 3, al. c)).
Em face do disposto nestas normas processuais, é indubitável que o depoimento ou as declarações da testemunha inquirida no tribunal deprecado deverão ser reduzidas a escrito, fazendo parte integrante do auto destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolou esse o acto processual.
Para esse efeito, a entidade encarregada de redigir o auto, ou seja, o funcionário de justiça que assistiu à inquirição, pode, sob a direcção da entidade que presidiu ao acto, servir-se de determinados meios auxiliares, como sejam meios estenográficos, estenotípicos ou outros diferentes da escrita comum, bem como de gravação magnetofónica ou áudio-visual (art. 101º, nº 1, do CPP).
No caso em apreço, em que as declarações (depoimento) da testemunha inquirida foram gravadas magnetofonicamente e em que, como atrás se assinalou, importa reduzir a auto essas declarações, o respectivo funcionário de justiça deverá fazer constar do auto de inquirição essas próprias declarações, devendo socorrer-se, para isso e a fim de garantir a genuína expressão da ocorrência, da gravação magnetofónica efectuada.
Em suma: esta gravação magnetofónica é um mero meio auxiliar da própria redacção do auto de inquirição de testemunha, imposta pelo art. 296º do CPP, bem podendo dizer-se que a transcrição solicitada pela Senhora Juiz do Tribunal de lnsttução Criminal do Porto se traduz na inclusão, no auto de inquirição, das declarações recolhidas durante a diligência documentada.
Só depois de a redacção do auto ter sido realizada em conformidade com os requisitos atrás enunciados - entre os quais se conta a reprodução, o mais genuinamente possível, do depoimento prestado -, se poderá dizer que a diligência deprecada está integralmente cumprida, não bastando, para tanto, que apenas tenha sido gravado esse depoimento, que o mesmo é dizer que outrem, que não assistiu à inquirição e que, por isso, não pode dotar o respectivo auto de fé pública, proceda à sua redacção integral, em conformidade com os preceitos legais atrás enunciados’.
Termos em que se atribui a competência para a reprodução ou transcrição, em auto, do depoimento prestado pela testemunha em causa e recolhido em suporte magnetofónico ao 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão.
Sem tributação.
Porto, 6 de Dezembro de 2000
António Joaquim da Costa Mortágua
Francisco Augusto Soares de Matos Manso
Manuel Joaquim Braz