Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
55/08.0TBETR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: COMPRA E VENDA
IMÓVEL
BENS DE CONSUMO
DENÚNCIA DOS DEFEITOS
PRAZO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP2012121155/08.0TBETR.P1
Data do Acordão: 12/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - À compra e venda de bens de consumo é aplicável o Decreto-Lei 67/2003, de 8 de Abril, em tudo o que seja mais favorável ao consumidor, pois, como resulta do artigo 8.°, n.° 1 da Directiva 1999/44/CE, transposta por aquele diploma, o exercício dos direitos resultantes da presente directiva não prejudica o exercício de outros direitos que o consumidor possa invocar ao abrigo de outras disposições nacionais relativas à responsabilidade contratual ou extracontratual.
II - O prazo para a denúncia de defeitos no imóvel vendido pelo empreiteiro que o construiu é de um ano, quer se aplique o artigo 5.°, n.° 3, do Decreto-Lei 67/2003, de 8 de Abril, artigo 1225.°, n.° 3, CC ou o artigo 916.°, n.° 3, CC.
III - Não obsta à caducidade do direito à eliminação dos defeitos a denúncia de defeitos feita numa carta em que se afirma que o imóvel apresenta, desde há alguns anos, defeitos que temos vindo também a denunciar, ainda que tal carta seja enviada dentro do prazo de cinco anos a contar da data da venda.
IV - Não obsta igualmente à caducidade do direito o conhecimento os defeitos pelo empreiteiro ou a sua a alegada inércia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 55/08.0TBETR.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B… e C…, residentes na Rua …, n.º .., em Estarreja, intentaram acção declarativa de condenação contra D…, Ld.ª, com sede no …, …. -…, pedindo que fosse condenada a proceder à impermeabilização da cobertura da moradia, de modo a evitar infiltração de humidades; limpar as paredes e tectos com manchas escuras de humidade, e retocar e pintar as mesmas; substituir a misturadora da cozinha; reparar as escadas exteriores da casa, viradas a nascente e substituir a tijoleira dos degraus superiores; reparar o pavimento da frente da casa de modo a eliminar a brecha existente; reparar o muro da frente que separa da casa vizinha, eliminando a rachadela existente no sentido horizontal; reparar o muro ao fundo das escadas, eliminando a brecha existente; reparar a parte inferior do pátio traseiro, eliminando a brecha existente; reparar e pintar a parede lateral do pátio, eliminando as rachadelas e as zonas escuras; reparar e pintar os muros da casa, interiores e exteriores, eliminando as manchas escuras; reparar a parte inferior da varanda traseira evitando que as águas das chuvas caiam, sem qualquer resguardo; eliminar as manchas de humidade da parte interior da porta principal da casa; reparar e/ou substituir os mecanismos das portadas verdes, os fechos de algumas portadas de vidro da moradia; reparar os portões da moradia de modo a ficarem desemperrados; substituir a caldeira de água que é insuficiente, por outro equipamento que permita uma maior comodidade no fornecimento de água em permanência nas casas de banho, bem como no pagamento da quantia de € 3.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Alegaram para tanto, e em síntese, que são donos e legítimos possuidores de uma moradia unifamiliar de R/C e 1.º andar, sita na Rua …, n.º .., Estarreja, vulgo conhecida por …, que se encontra descrita sob o n.º 3799/020797 e inscrita na matriz sob o artigo urbano 4945.
Adquiriram a referida moradia à R. em 30.01.2003, data em que começaram a habitá-la, destinando-a à sua habitação própria e permanente. No verão de 2006, verbalizaram junto dos responsáveis da R. que tinham detectado, no interior da casa, no rebordo do tecto, na parte posterior das escadas, manchas escuras de humidade; no rebordo inferior, também na parte superior das escadas, manchas e gesso esboroado; o tecto do quarto de banho dos filhos estava com manchas escuras de humidade; o canto do quarto de banho do casal tinha manchas escuras de humidade e que no quarto do casal, os rebordos junto às janelas e tectos também tinham manchas escuras e amareladas.
Mais alegam que após esta comunicação, os responsáveis da R. fizeram deslocar um pintor, por duas vezes, para proceder a nova pintura, mas tal intervenção foi feita de forma inadequada, pois pintaram por cima das manchas, sem eliminar os defeitos.
Durante o inverno de 2006/2007, os defeitos voltaram a surgir, provocados pela falta de isolamento do tecto na parte superior da moradia.
Menos de um ano antes da propositura da presente acção, e novamente verbalmente, denunciaram outros defeitos da casa junto dos responsáveis da R., principalmente localizados no exterior da casa.
Por último, alegam que se sentem tristes e aborrecidos com tal situação, porquanto saíram de uma casa arrendada, escolhendo morar numa casa que se situa num local privilegiado e sossegado, julgando que a mesma estivesse construída de acordo com os padrões técnicos e de qualidade exigidos.
Contestou a R., excepcionando a caducidade por a acção ter sido intentada em 2008.01.21, muito para além dos prazos legalmente previstos na lei no que tange ao exercício do direito de denúncia dos defeitos, uma vez que os defeitos existentes na parte exterior do imóvel dos AA. eram já visíveis no verão de 2005.
Mais alega que, sendo uma sociedade que tem por objecto a construção e remodelação de imóveis, existe há mais de trinta anos e construiu, no concelho de Estarreja, uma imagem de rigor e competência.
A casa dos autos foi construída com recurso às melhores técnicas, pelo que nenhum dos defeitos enumerados tem na sua origem vícios no solo, na construção do imóvel ou em erros na execução dos trabalhos.
No verão de 2005, os AA. denunciaram-lhe os factos constantes da dos artigos 6.º a 10.º da petição inicial. Em deslocação ao local, constatou e comunicou aos AA. que esses defeitos se deviam à deficiente ventilação da casa, já que a banheira e cabine de hidromassagens provoca uma enorme quantidade de vapor de água que acaba por se concentrar nos tectos.
Assim, com intuito de preservar a sua imagem, instalou no quarto de banho dos AA. um exaustor para extracção de humidade, que aqueles não utilizam para não arrefecer a casa, que é aquecida através de um sistema de convectores a água.
Para além disso, pintou toda a casa, raspando previamente as partes visíveis de humidade, sendo que a cobertura da casa não necessita de qualquer isolamento.
Quanto aos defeitos enumerados no artigo 17.º da petição inicial, refere não serem devidos pela má qualidade de construção ou dos materiais, mas sim na construção do E…, que necessitou da retirada de milhares de toneladas de terra, através de camiões, cujo trânsito era efectuado por um caminho em terra batida, que passa rente às traseiras da habitação dos AA., sendo que tal circulação, que ocorreu durante uma ano, fazia tremer o chão.
Ademais, e durante a construção do E…, foram dados dezenas de tiros de dinamite e ali trabalharam compressores potentes durante meses, o que originou abalos do solo e deslocações de ar que atingiram as estruturas dos muros e passeios exteriores da casa do AA..
Quanto à caldeira, refere apenas a sua incapacidade de proporcionar simultaneamente água quente para os convectores, cozinha e casa de banho.
No que diz respeito às portadas, portões, portas e respectivos fechos, o único causador do mau funcionamento é o pó acumulado e consequente falta de limpeza e lubrificação.
Por último, alega que a sujidade da parte interior da varanda traseira, a existir, deve--se à acumulação de pó e que os muros exteriores da casa já foram por si pintados duas vezes.
Responderam os AA pugnando pela improcedência da excepção.
Foi admitida uma ampliação do pedido, no sentido de ser a R. condenada condenar a proceder à eliminação dos defeitos já enumerados e de acordo com as propostas apresentadas no documento com o requerimento de ampliação, ou em alternativa, condenar a R. a pagar-lhes a quantia de € 19.987,50 já com IVA incluído, referente aos custos que os mesmo irão ter com as obras para proceder à eliminação desses defeitos.
Foi proferido despacho saneador tabelar, com selecção de matéria de facto relevante.
Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção improcedente.
Inconformados apelaram os AA., que apresentaram as seguintes conclusões:
«1 - Em face da conjugação e interpretação dos factos provados, a decisão do Meritíssimo Juiz a quo deveria ter sido a da improcedência da excepção da caducidade e tendo, por conseguinte, salvo o devido respeito, tendo sido feita uma deficiente interpretação dos artigos 916 e 1225 do C.C.
2 - Com a entrada em vigor do Decreto-lei 267/94 de 25/10, a interpretação dos artigos 916 e 1225 do C.C. é mais abrangente.
3 - O prazo de garantia supletivo de cinco anos a contar da entrega da obra e, durante esse prazo o empreiteiro é responsável pelos defeitos de obra que se manifestarem e lhe sejam denunciados.
4 – Existência de conhecimento por parte do empreiteiro, dos defeitos da obra; a atitude passiva ou de defeituosa eliminação desses defeitos e denúncia atempada pelos recorrentes;
5 - Deverá ser feita uma leitura interpretativa da norma 1225 n.º 2 do C.C., confirmada pelo artigo 12 n.º 3 da Lei 24/96 de 31/07 (Lei do Consumidor).
Revogando-se a sentença no sentido de julgar improcedente a excepção da caducidade e condenar a ora recorrida a efectuar as expensas suas às obras peticionadas pelos recorrentes.
Far-se-á
Justiça!»
Contra-alegou a R., assim concluindo:
«1. Os autores alegaram o aparecimento de certos defeitos numa casa adquirida à ré em 2003, situando-os no Verão de 2006; no inverno que se seguiu e, ainda, um ano antes da data da propositura da acção.
2. Nenhum destes factos foi dado como provado e os autores conformam-se com isso ao não recorrerem da matéria de facto, com vista à alteração dessa resposta.
3. Certo, é o facto de os autores terem comunicado à ré, por carta de 30.10.2007,que a sua casa “apresenta, desde há vários anos, defeitos que temos vindo também a denunciar…”. A tal denúncia que não lograram provar!
4. A denúncia dos defeitos deve ser feita no prazo de um ano, após o seu conhecimento e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia, sendo que nada disto se provou e ocorreu.
5. A douta sentença fez correcta interpretação da Lei, nomeadamente dos artigos 916º e 1225º do C. Civil.
6. E os autores não demonstraram que outra interpretação serviria melhor os interesses do direito, ao que eram obrigados nos termos do artigo 685º A, nº 2 al. b) do CPC. Termos em que, confirmando a douta sentença, farão V.Exas. Inteira JUSTIÇA».
2. Fundamentos de facto
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos, que não foram objecto de impugnação.
1. Em 30 de Janeiro de 2003, F…, na qualidade de gerente e em representação da sociedade comercial D…, LDA., como primeiro outorgante, e B… e C…, como segundos outorgantes, declararam por escrito, perante notário, o primeiro que vende aos segundos, pelo preço de noventa e quatro mil setecentos e setenta e um euros e sessenta cêntimos, o prédio urbano composto de moradia unifamiliar de rés-do-chão e andar, com logradouro, sitio na …, freguesia …, concelho de Estarreja, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 3799, e inscrito na respectiva matriz sob o art. 4945, da mesma freguesia, tendo os segundos aceite esta compra.
2. O prédio urbano anteriormente descrito encontra-se inscrito a favor de B… e C…, mediante a inscrição G-04.
3. A R. levou a cabo a sua constituição, que concluiu em Setembro de 2002.
4. Em 30 de Outubro de 2007, os AA. expediram para a R., que a recebeu, a carta constante de fls. 41 a 43, cujos dizeres se dão por inteiramente reproduzidos.
5. Em 30/01/2003 os AA. começaram a habitar o prédio urbano aludido em 1).
6. No verão de 2006, existiam no interior da casa, no rebordo do tecto, na parte posterior das escadas, manchas escuras de humidade;
7. No verão de 2006, no rebordo inferior, também na parte superior das escadas, existiam manchas e gesso esboroado.
8. No verão de 2006, o tecto do quarto de banho dos filhos estava com manchas escuras de humidade.
9. No verão de 2006, o canto do quarto de banho do casal também tinha manchas escuras de humidade.
10. No verão de 2006, no quarto do casal, os rebordos junto às janelas e tectos também tinham manchas escuras e amareladas.
11. No inverno de 2006/2007, a situação referida nos pontos 6.º a 10.º, nos termos constantes das respostas dadas aos mesmos, se mantinha.
12. Tal situação (referida nos pontos 6.º a 10.º, nos termos constantes das respostas dadas aos mesmos) é devida a condensações superficiais.
13. Tais condensações se devem a uma combinação de causas, concretamente à falta de isolamento térmico, à deficiente ventilação dos espaços – razões principais -, para tanto contribuindo também a falta de aquecimento dos mesmos.
14. As 3 (três) moradias contíguas à dos AA. (do mesmo lado da estrada) apresentam também desligamento idêntico ao observado na moradia dos AA., devido a um abatimento do terreno, mas com menor gravidade.
15. Nas escadas exteriores da casa, viradas a nascente, existe uma abertura, aparecendo um desligamento entre as escadas e a parede de empena da moradia, de amplitude variável – no topo é de cerca de 1 (um) cm, e no fundo das escadas não existe; nos degraus superiores existem 3 (três) tijoleiras fracturadas junto ao tubo de queda; na parte da frente da casa, existe um desligamento entre a moradia e o passeio contíguo, em todo o comprimento, com maior expressão junto à escada de acesso às traseiras da moradia; no muro da frente, separador da casa da vizinha, existe uma fissura horizontal com amplitude variável entre os 2 (dois) mm. e os 7 (sete) mm.; no muro ao fundo das escadas existe uma fissura que segue as juntas de argamassa com cerca de (dois) mm. de espessura; na parte inferior do pátio traseiro, entre o chão e o muro, existe um desligamento em todo o comprimento com cerca de 2 (dois) mm.; a parede lateral do pátio, e contígua à outra moradia, apresenta uma fissura horizontal, de pequena amplitude e com cerca de 3 mts. de extensão, e duas verticais em todo a altura, com pequena amplitude; na continuação da parede lateral do pátio e nos muros da casa, interiores e exteriores, existem manchas escuras, devido à presença de poeiras e de vegetação (esporos); na parte inferior da varanda traseira existe uma escorrência escura por uma fissura horizontal, resultante da separação do muro da laje onde assenta, aparentando ser óxido de ferro (ferrugem), sendo que em tal varanda cai a água da chuva.
16. A porta principal da casa, na parte interior, apresenta uma descoloração da madeira.
17. O mecanismo de algumas portas - comando de orientação de lamelas para ventilação e luminosidade – não funciona, com o esclarecimento de que tal facto poderá ser atribuído a falta de manutenção (lubrificação dos mecanismos).
18. A porta surra ligeiramente na parede onde está fixada a batente da mesma.
19. A caldeira da água existente é uma caldeira mural, não tem um sistema de acumulação e poderá haver uma quebra na pressão de distribuição de água quente quando há uma exigência de caudal (simultaneidade de banhos).
20. Os elementos do agregado familiar dos AA. tomam banho, um de cada vez.
21. Em data anterior a Setembro de 2005 a R. teve conhecimento da existência dos problemas/anomalias referidas nos pontos 6º a 10º.
22. As actividades de grande produção de vapor de água - banhos de jacuzzi, etc. – nas instalações sanitárias, facilmente conduzem a produções de vapor de água acima dos 800 g/h.
23. Numa das instalações sanitárias da casa foi instalado um equipamento de extracção de ar (ventaxia).
24. Tal equipamento e a não abertura dos envidraçados conduz à insuficiente ventilação do espaço.
25. A eliminação do vapor de água criado com a utilização dos banhos de hidromassagem só é possível, designadamente com um sistema de ventilação, natural e mecânica, adequados.
26. O desligamento observado na frente da moradia é devido a uma abatimento do terreno, motivado pelas seguintes causas, por ordem decrescente de importância: aterro deficientemente executado, o uso de explosivos para fazer o desmonte de rocha para edificar outras construções; transporte de terreno e rocha proveniente de escavações para a construção do E…
27. O terreno onde se ergue o dito E…, e também a casa dos AA., é rochoso e duro.
28. Quando se iniciaram as obras do dito E…, a casa dos AA. e outras três que se lhe seguem estavam já construídas.
29. O lugar onde se ergue o E…, necessitou que daí se retirassem milhares de toneladas de terra, as quais eram transportadas em camiões.
30. O trânsito desses camiões era feito por um caminho, em terra batida, que passa rente às traseiras de todas essas habitações.
31. E tal ocorreu ao longo de cerca de uma ano.
32. Para preparar o chão firme onde começou a ser erigido o E…, foram dados dezenas de tiros de dinamite e aí trabalharam compressores potentíssimos durante meses.
33. A remoção de rochas pelos compressores e pelas cargas de dinamite contribuíram para o desligamento mencionado na resposta dada ao facto 26º;
34. Esses mesmos abalos causaram os efeitos mencionados no ponto 14.º.
35. Nos projectos da rede interna de utilização de gás combustível constantes dos projectos de obras (inicial e alterações) apresentados na Câmara Municipal … com referência ao prédio dos autos, está prevista a instalação de uma caldeira.
Facto considerado provado nos termos do artigo 659.º, n.º 3, ex vi artigo 713.º, n.º 2, CPC:
É o seguinte o teor da carta referida no ponto 4 da matéria de facto:
«Ex.mos Senhores:
Somos proprietários de uma moradia sita na …, Rua …, Estarreja, e cuja construção e execução competiu a V.ª Ex.ª mas que apresenta, desde há alguns anos, defeitos que temos vindo também a denunciar, mas que V.ª Ex.ª, apesar de prometer que os eliminam até hoje nada fizeram.
Assim, passamos a discriminar os defeitos de que padece a nossa moradia, a que correspondem as fotografias devidamente numeradas no verso, canto superior esquerdo, conforme Relação anexa.
Assim, em face do exposto deverão V.ª Ex.ª eliminar os defeitos de que padece a construção-obra, no prazo de 15 dias, a contar da recepção desta carta, sob pena de o exigirmos judicialmente, bem como a respectiva indemnização».
E o teor do anexo é o que se segue:
«Relação / Explicação das fotografias
A - Interior da Casa
Fotografias 1 e 2 - Rebordo do tecto, na parte superior das escadas, com manchas escuras de humidade;
Fotografias 3 e 4 - Rebordo inferior, também na parte superior das escadas, com manchas e gesso esboroado;
Fotografias 5, 6 e 7 - Tecto do quarto de banho dos filhos, em cima, cheio de manchas escuras de humidade. V.ª Ex.ª enviaram, entretanto, um pintor (por duas vezes), voltando a ficar na mesma. Depreende-se que é provocado por falta de isolamento do tecto; na casa ao lado, aconteceu a mesma coisa e estiveram a colocar placas de esferovite no tecto (forro) a fim de remediarem a situação, prometendo fazer a mesma coisa na nossa casa, mais tarde. Até agora, nada fizeram.
Fotografia 8 – Canto do quarto de banho do casal: a mesma situação de manchas escuras de humidade, só não estando pior por geralmente tomarmos banho na casa de banho do rés-do-chão, para evitar a degradação do tecto, que já esteve pior, antes de ser pintado por V. ª Ex.ª.
Fotografia 9 - Rebordos, junto às janelas e tecto, com manchas escuras e amareladas, no quarto de casal.
Fotografia 10 - Misturadora da banca da cozinha, posta pelo construtor e já existente na casa, degradada.
B - Exterior da Casa
Fotografias 11, 12, 13 e 14 - Escadas exteriores da casa, viradas para nascente. Estão separadas por uma brecha que existe entre as mesmas e a parede da casa. A tijoleira dos degraus superiores encontra-se bastante partida.
Fotografias 15, 16 e 17 - Parte da frente da casa: O pavimento também se encontra totalmente separado da parede da casa, por uma brecha.
Fotografia 18 - Muro da frente, separador da casa vizinha, com uma grande rachadela, no sentido horizontal;
Fotografia 19 - Muro ao fundo das escadas, com uma grande rachadela;
Fotografia 20, 21 - Parte inferior do pátio traseiro, onde se encontra a mesma separação entre o chão e o muro;
Fotografia 22 - Parede lateral do pátio, bastante rachada e toda escura;
Fotografia 23 - Continuação da parede lateral do pátio, também cheia de manchas escuras, o que, aliás, se vê em todos os muros da casa, quer interiores, quer exteriores;
Fotografia 24 - Parte inferior da varanda traseira, cheia de manchas, pois toda a água da chuva cai por ali, sem qualquer resguardo;
C - Outros Problemas Existentes na Moradia
- Porta principal da casa, fica cheia de manchas de humidade, por dentro, no Inverno;
- A maior parte dos mecanismos das portadas verdes, assim como os fechos, encontra-se avariada, assim como os fechos de algumas portadas de vidro;
- Portões da frente da casa e de trás (excepto o da garagem), emperrados».

3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684.º, n.º 3, e 685.º A, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 660.º, n.º 2, in fine, e 684.º, n.º 4, CPC), consubstancia-se na apreciação da excepção de caducidade.
Pediram os apelantes a condenação da apelada a eliminar vários defeitos que o imóvel vendido apresenta bem como numa indemnização para danos não patrimoniais.
A sentença recorrida qualificou o contrato celebrado entre apelantes e apelada como contrato de compra e venda previsto no artigo 874.º e ss. CC, qualificação que não mereceu contestação.
Atendendo a que a apelada, para além de vendedora, foi a construtora do imóvel vendido, destinado a longa duração, aplicou o regime estabelecido no artigo 1225.º CC, previsto para o contrato de empreitada, em detrimento do regime específico da compra e venda.
Assim, nos termos do n.º 1 deste artigo, o prazo de garantia é de cinco anos a contar da entrega, prazo que não se encontra esgotado.
E o n.º 2 estabelece um prazo de um ano para a denúncia dos defeitos, e de um ano a contar daquela para o pedido de indemnização, acrescentando o n.º 3 que esses prazos se aplicam igualmente ao direito da eliminação de defeitos, previstos no artigo 1221.º CC.
Por outras palavras, a denúncia dos defeitos deve ser feita no prazo de um ano após o seu conhecimento, e a eliminação dos defeitos ou a indemnização pedidos no ano seguinte à denúncia, desde que não se mostre esgotado o prazo de cinco anos.
Ao comprador cabe o ónus da prova da denúncia dos defeitos (artigo 342.º, n.º 1, CC),
e ao vendedor o ónus da prova da extemporaneidade da denúncia (artigo 342,º, n.º 2, CC).
A matéria de facto provada pelos apelantes ficou muito aquém do alegado.
Assim, não lograram os apelantes provar a denúncia dos defeitos elencados nos artigos 2.º a 6.º da base instrutória, como se alcança da resposta restritiva a estes artigos que passaram a constituir os factos constantes dos pontos 6 a 10 da matéria de facto. Recorda-se que tinha sido alegado que esses defeitos tinham sido verbalizados à apelada no Verão de 2006, tendo-se apenas provado que tais defeitos existiam nessa altura.
Igualmente não provaram ter comunicado verbalmente aos representantes da apelada, há menos de um ano à data da propositura da acção, que tivessem comunicado os defeitos enunciados no artigo 14.º a 17.º da base instrutória, cujas respostas restritivas integram os pontos 15 a 18 da matéria de facto.
A única denúncia de defeitos consubstanciada nos autos consta da carta datada de 30 de Outubro de 2007, referida no ponto 4 da matéria de facto e transcrita nos termos do artigo 659.º, n.º 3, ex vi artigo 713.º, n.º 2, CPC, de que destacamos o seguinte trecho, não sublinhado no original:
Somos proprietários de uma moradia sita na …, Rua …, Estarreja, e cuja construção e execução competiu a V.ª Ex.ª mas que apresenta, desde há alguns anos, defeitos que temos vindo também a denunciar, mas que V.ª Ex.ª, apesar de prometer que os eliminam até hoje nada fizeram.
Os defeitos em causa correspondem aos supra referidos. No entanto, decorre do próprio texto da carta que os defeitos foram denunciados para além do prazo legal de um ano, o que equivale à caducidade dos direitos que os apelantes pretendiam fazer valer na acção.
Na sentença ponderou-se ainda que o conhecimento da apelada dos defeitos constantes dos pontos 6 a 10 da matéria de facto em Setembro de 2005 (cfr. ponto 21 da matéria de facto) não se equiparava à denúncia.
Os apelantes não questionam o prazo de cinco anos — que não está em causa —, nem que os defeitos do imóvel tenham de ser denunciados no prazo de um ano.
As conclusões 4.ª e 5.ª, pela sua redacção, suscitam alguns problemas de interpretação.
É o seguinte o seu teor:
4 – Existência de conhecimento por parte do empreiteiro, dos defeitos da obra; a atitude passiva ou de defeituosa eliminação desses defeitos e denúncia atempada pelos recorrentes.
5 - Deverá ser feita uma leitura interpretativa da norma 1225 n.º 2 do C.C., confirmada pelo artigo 12 n.º 3 da Lei 24/96 de 31/07 (Lei do Consumidor).
Para melhor apreensão, há que recorrer ao corpo das alegações, onde se lê:
«No caso em apreço a ré já tinha conhecimento dos defeitos, em data anterior a Setembro de 2005, o que equivale à denúncia, uma vez que já tinha conhecimento dos mesmos e que no inverno de 2006/2007 os defeitos mantinham-se. A atitude passiva do recorrido em não eliminar os defeitos ou a sua eliminação defeituosa impedem a caducidade – o facto assente, carta dirigida ao recorrido, cujo teor se dá por reproduzido e que não foi impugnada.
Aliás, terá que ser feita uma leitura interpretativa da norma do artigo 1225 n.º 2 e 917 ambos do C.C., hoje confirmada pelo artigo 12.º n.º 3 da Lei 24/96 de 31/07 – Lei do Consumidor, que dispõe no sentido de não inviabilizar o direito do dono da obra, numa atitude como esta, tomada pelo recorrido, até porque o prazo de um ano é demasiado curto».
Os apelantes pretendem equiparar o conhecimento por parte do vendedor à denúncia.
Ainda que tal equiparação fosse legítima, de nada aproveitaria aos apelantes, pois ainda é anterior à denúncia que efectuaram através da carta supra enunciada. O que significa que a denúncia foi (muito) para além do prazo de caducidade de um ano.
A inércia do apelado em eliminar os defeitos não impede a caducidade. O que impediria a caducidade seria a denúncia no prazo de um ano (e a subsequente instauração da acção no ano seguinte).
Não se pode confundir conhecimento dos defeitos com reconhecimento dos direitos do comprador.
Nos termos do nº 1 do artigo 331.º CC só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
O n.º 2 deste artigo, contudo, estabelece que, quando se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido (não sublinhado no original).
Como se entendeu no acórdão do S.T.J., de 96.04.18, C.J.S.T.J., 96,II, 29,
«efectivamente, não sendo aplicáveis à caducidade as causas interruptivas da prescrição, que são inconciliáveis com a sua motivação, que é “a rápida definição da situação jurídica, Mário de Brito, I, 431, contudo, o reconhecimento, pelo beneficiário da caducidade, do direito do seu oponente, constitui impedimento à sua operância, que foi precisamente o que sucedeu, com a R. a dar conhecimentos aos AA. de uma deliberação, que tomou de reconhecimento, indiscutido, da razão que lhes assiste e da promessa de satisfação das suas queixas, que, indubitavelmente, se exprimem no âmbito dos direitos disponíveis».
A consequência do reconhecimento do direito é a extinção da caducidade, não se abrindo novo prazo, contrariamente ao que sucede na prescrição, atenta a finalidade primeira deste instituto: consolidar determinada situação jurídica num certo prazo. A partir do reconhecimento o direito fica sujeito às regras da prescrição (Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, B.M.J. 107, n.º 118).
Ora, no caso vertente não houve nenhum reconhecimento dos direitos dos apelantes pelos apelados.
Invocam ainda os apelantes que a eliminação defeituosa impede a caducidade.
Não lhes assiste, porém, razão.
Com efeito, constitui entendimento corrente na doutrina e na jurisprudência que, frustrada uma tentativa de eliminação dos defeitos, verifica-se um segundo incumprimento, sujeito às mesmas regras do primeiro, designadamente no tocante a prazos; no entanto, no decurso desse novo prazo apenas se podem fazer valer os direitos emergentes dos defeitos da tentativa de eliminação e não os defeitos reportados ao incumprimento originário (cfr. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso em especial na Compra e Venda e Empreitada, Coimbra, pg. 427; acórdãos da Relação de Lisboa, de 2005.01.20, Salazar Casanova, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 9544/2004; da Relação do Porto, de 2008.07.14, Deolinda Varão, de 2008.07.03, Amaral Ferreira, de 2007.10.02, Henrique Araújo, de 2007.02.22, Pinto de Almeida, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0832278, 0833236, 0722346 e 0730350, respectivamente).
Como se lê no acórdão do STJ, de 2005.02.15, Azevedo Ramos, www.dgsi.pt.jstj, proc. 04A4577, «O reconhecimento inicial dos defeitos da coisa não impede a caducidade dos direitos do autor, para o tempo posterior à sua reparação, quando esta tiver lugar e for mal realizada, de tal modo que a partir da má reparação dos defeitos voltam a correr os prazos de caducidade».
Acresce que os apelantes não lograram provar a eliminação defeituosa dos vícios de que padecia o imóvel (cfr. respostas negativas aos artigos 7.º e 8.º, e restritiva ao 9.º, todos da base instrutória).
A carta em que se veicula a denúncia dos defeitos traz consigo a prova da caducidade, como já se referiu, pelo que a denúncia pelos apelantes foi intempestiva, pouco importando que a acção tenha sido intentada antes de esgotado o prazo de cinco anos previsto no artigo 1225.º, n.º 1, CC, não se percebendo com que fundamento os apelantes sustentam a tempestividade da denúncia.
Resta apreciar o último argumento, assente na Lei da Defesa do Consumidor (Lei 24/96, de 31 de Julho).
A venda de bens de consumo foi objecto de regulamentação através do Decreto-Lei 67/2003, de 8 de Abril, que transpôs para o ordenamento jurídico português da Directiva 1999/44/CE.
Embora aquele diploma tenha sido objecto de alteração pelo Decreto-Lei 84/2008, de 21 de Maio, aplica-se aqui a versão primitiva em vigor à data dos factos.
Nos termos do seu artigo 1.º, n.º 1, este diploma destina-se a assegurar a protecção dos consumidores, tal como definidos no n.º 1 do artigo 2.º da Lei 24/96, de 31 de Julho, ou seja, «considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios»
Calvão da Silva, Venda de bens de consumo, Comentário, Almedina, 2.ª edição, pg. 44, refere que
«É a consagração da noção de consumidor em sentido estrito corrente e generalizada na doutrina e nas Directivas comunitárias: pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado – uso pessoal, familiar ou doméstico, na fórmula da al. a) do art. 2º da Convenção de Viena de 1980 sobre a compra e venda Internacional de mercadorias, inspiradora da Directiva 1999/44/CE, e do § 9-109 do Uniform Commercial Code -, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, mas não já aquele que obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa – neste sentido, entretanto, acórdão do STJ, de 11 de Março de 2003 (Processo 02A4341)».
E, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, alínea c) da referida Directiva, entende-se
por vendedor qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional. Definição que se compatibiliza com a noção de fornecedor de bens referida a propósito da noção de consumidor — pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.
Daqui resulta que estamos perante uma compra e venda de bens de consumo, a que é aplicável o Decreto-Lei 67/2003, de 8 de Abril, em tudo o que seja mais favorável ao consumidor, pois, como resulta do artigo 8.º, n.º 1, daquela Directiva, o exercício dos direitos resultantes da presente directiva não prejudica o exercício de outros direitos que o consumidor possa invocar ao abrigo de outras disposições nacionais relativas à responsabilidade contratual ou extracontratual.
Como lei especial que é, este regime prevalece sobre o regime constante do CC.
No entanto, o prazo de denúncia dos defeitos que aqui está em causa é o mesmo no artigo 916.º, n.º 3, CC, no artigo 1225.º, n.º 3, CC, e no artigo 5.º, n.º 3, do Decreto-Lei 67/2003, de 8 de Abril.
Não se compreende a invocação do artigo 12.º, n.º 3, da Lei 24/96 (na sua versão originária), pois este estabelece o prazo um ano para o comprador de bens imóveis denunciar os defeitos. Prazo idêntico aos acima referidos.
Seja qual for a lei a que se apele, o prazo para a denúncia dos defeitos nos bens imóveis é de um ano.
Prazo esse que foi ultrapassado, como ficou dito supra.
Finalmente, não se alcança a que leitura interpretativa da norma do artigo 1225.º CC aludem os apelantes, face à uniformidade de prazos para a denúncia de defeitos.
Curto ou não, foi o prazo que o legislador entendeu adequado, e não pode ser afastado.
Os artigos 916.º e 1225.º CC foram devidamente interpretados pela sentença recorrida, e a apelada cumpriu o ónus de provar a extemporaneidade da denúncia.
Improcede, pois, o recurso.
4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.

Porto, 11 de Dezembro de 2012
Márcia Portela
Manuel Pinto dos Santos
Francisco José Rodrigues de Matos
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Sumário
1. À compra e venda de bens de consumo é aplicável o Decreto-Lei 67/2003, de 8 de Abril, em tudo o que seja mais favorável ao consumidor, pois, como resulta do artigo 8.º, n.º 1 da Directiva 1999/44/CE, transposta por aquele diploma, o exercício dos direitos resultantes da presente directiva não prejudica o exercício de outros direitos que o consumidor possa invocar ao abrigo de outras disposições nacionais relativas à responsabilidade contratual ou extracontratual.
2. O prazo para a denúncia de defeitos no imóvel vendido pelo empreiteiro que o construiu é de um ano, quer se aplique o artigo 5.º, n.º 3, do Decreto-Lei 67/2003, de 8 de Abril, artigo 1225.º, n.º 3, CC ou artigo 916.º, n.º 3, CC.
3. Não obsta à caducidade do direito à eliminação dos defeitos a denúncia de defeitos feita numa carta em que se afirma que o imóvel apresenta, desde há alguns anos, defeitos que temos vindo também a denunciar, ainda que tal carta seja enviada dentro do prazo de cinco anos a contar da data da venda.
4. Não obsta igualmente à caducidade do direito o conhecimento os defeitos pelo empreiteiro ou a sua a alegada inércia.