Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
476/09.0PBBGC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: VIOLAÇÃO
VIOLÊNCIA
Nº do Documento: RP20110413476/09.0PBBGC.P1
Data do Acordão: 04/13/2011
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O crime de Violação, previsto no artigo 164.º, n.º 1, do CP, é um crime de execução vinculada, i.é., tem de ser cometido por meio de violência, ameaça grave ou acto que coloque a vítima em estado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir.
II – O agente só comete o crime se, na concretização da execução do acto sexual, ainda que tentado, se debater com a pessoa da vítima, de forma a poder-se falar em “violência”.
III – A força física destinada a vencer a resistência da vítima pressupõe que esta manifeste de forma positiva, inequívoca e relevante a sua oposição à prática do acto.
IV – A recusa meramente verbal ou a ausência de vontade, de adesão ou de consentimento da ofendida são, por si só, insuficientes para se julgar verificado o crime de Violação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 476/09.0PBBGC.P1
1ª secção

Acordam na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I- RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Colectivo que corre termos na 1ª Vara Criminal do Porto com o nº 476/09.0PBBGC, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo a final sido proferido acórdão depositado em 01.07.2010 que condenou o arguido como autor material de um crime de violação p. e p. no artº 164º nº 1 do C.Penal, na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova. Foi ainda o arguido condenado a pagar à assistente/demandante C… a quantia de € 30.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Inconformados com a decisão condenatória, dela vieram o Ministério Público, a assistente e o arguido interpor recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes conclusões:
A) Recurso do Ministério Público:
1. O pressuposto básico do instituto da suspensão da pena é a existência de factos que permitam um juízo de prognose positivo. Ou seja, será necessário que o tribunal se convença de que a censura expressa na condenação e a ameaça de execução da pena de prisão aplicada serão suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais e para o futuro;
2. Ora, o arguido, numa atitude absolutamente concordante com o retrato psicológico constante dos autos (“é uma pessoa com tendência egocêntrica, com pouca sensibilidade à gravidade das situações que podem afectar outrem, traço este da personalidade que torna mais difícil a percepção dos outros de forma empática, não apenas em relação aos pontos de vista como também às emoções dos outros, acarretando dificuldades no reconhecimento dos desejos e experiências subjectivas revelando dificuldade em assumir uma atitude crítica e com emoção), sempre negou a prática dos factos;
3. Ou seja, nenhuma assunção de culpas, total ausência de juízo crítico e, consequentemente, falência de qualquer sentimento de arrependimento;
4. O arguido evidenciou traços de personalidade que nos fazem antecipar um justo receio de que só a prisão efectiva poderá fazê-lo pensar no desvalor das suas atitudes, no sofrimento que infligiu a uma mulher grávida que, terrivelmente fragilizada psicologicamente, procurou nos seus serviços profissionais a cura para tantas angústias e, assim, afastar-se de novos cometimentos criminosos;
5. As justas expectativas da sociedade, o almejado restabelecimento da paz jurídica, e as necessidades de prevenção especial, no caso concreto, não são alcançadas, com a suspensão da execução da pena;
6. Na verdade, o crime praticado pelo arguido é particularmente grave, o mais grave dos crimes contra a autodeterminação sexual, gerador de elevado alarme social, potenciado pela relação médico-doente que ligava arguido e vítima;
7. A sua relação com a vítima foi sempre construída de uma forma ardilosa e astuciosa (cfr. os constantes devaneios de cariz sexual, as massagens, a instigação a manobras masturbatórias…), profundamente reveladora da premeditação do seu comportamento e da absoluta incapacidade de controlar os seus impulsos sexuais e a extravagância da sua lascívia;
8. A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão da pena: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes não se obtém, neste caso concreto, atenta a personalidade do arguido, bem como a ela se opõem necessidades de reprovação e prevenção do crime;
9. Citando o Prof. Figueiredo Dias, diremos com ele “…Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto da suspensão da pena”;
10. Foi violada a norma do artº 50º do Código Penal.
Conclui pela manutenção da condenação do arguido como autor material do aludido crime de violação na pena de 5 anos de prisão efectiva, revogando-se na parte em que se decidiu pela suspensão da respectiva execução.
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B. Recurso da assistente/demandante C…:
1. Os factos dados como provados no douto acórdão sublinham a existência de danos não patrimoniais de enorme gravidade, sofridos e a sofrer pela demandante, para cujo ressarcimento é manifestamente insuficiente o valor de 30.000,00 €;
2. Tais facto, sublinha-se, incluem:
● que como consequência directa e necessária de tais condutas, a demandante experimentou sentimentos de profunda vergonha e humilhação, estando o seu pensamento ainda hoje dominado pelos supraditos acontecimentos, que a vexaram e traumatizaram, e continuam a motivar-lhe sofrimento emocional;
● que a actuação do arguido agudizou o seu estado de saúde e causou-lhe forte trauma;
● que a demandante continua com tratamento mas sente-se amargurada e incapaz de esquecer o que se passou;
● que a demandante encontrava-se grávida de 34 semanas, era uma pessoa deprimida, ansiosa, psicologicamente doente e, em consequência da conduta do arguido viu o seu estado de saúde mais afectado ainda, com mais elevados níveis de ansiedade;
● que ficou envergonhada e profundamente deprimida, chegando mesmo a dizer que não queria viver;
● que não mais vai poder esquecer os factos de que foi vítima;
3. O Tribunal recorrido considerou ainda que:
● fora o homicídio, o crime praticado sobre a demandante é o mais grave dos cometidos contra as pessoas;
● considerando a especificidade do crime cometido pelo arguido, dinheiro nenhum alguma vez poderá reparar o sofrimento causado;
● no caso em apreço, a indemnização peticionada tem em vista ressarcir (reparar) os danos não patrimoniais (morais) que a vítima sofreu em consequência da conduta delituosa do arguido;
● os factos provados consubstanciam indubitavelmente danos morais que pela sua gravidade merecem a tutela do direito;
4. Em face de tais pressupostos, atento tudo o doutamente considerado do Acórdão recorrido, a douta decisão deveria ter reflectido uma condenação do demandado em valor superior, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pela demandante;
5. Sendo o homicídio, de facto, o mais grave dos crimes cometidos contra as pessoas, não pode deixar de se considerar que, no caso da morte, os danos da vítima cessam com aquela;
6. Isto ao contrário dos danos não patrimoniais do demandante, que, como se provou, vão perpetuar-se. Para esta, nascida em 28 de Fevereiro de 1979 e com trinta anos à data dos factos, o trauma sofrido e a sofrer traduz danos que vão perdurar a vida inteira, perseguida para sempre pelo estigma de ter sido violentada na sua vontade e no seu corpo;
7. Desta forma, mesmo tendo em conta que o crime de homicídio é o mais grave dos crimes contra as pessoas, não pode deixar de se considerar que os danos causados por uma violação como a sofrida pela demandante têm obrigatoriamente de ser ressarcidos em valor substancialmente superior;
8. Sendo adequado o valor peticionado de 100.000,00 €;
9. Mesmo que assim se não considerasse, mas atendendo sempre à natureza e grau dos danos, sofridos e a sofrer, não pode deixar de se considerar que o valor a atribuir à demandante nunca poderá ser inferior a uma compensação equivalente, no mínimo, à do dano morte;
10. Para o que deve ser tido também em conta que a função da indemnização por facto ilícito é também a de reprovar o dano não patrimonial da vítima, atendendo sobretudo ao elevadíssimo grau de culpa do lesante, como é o caso dos autos;
11. Pelo que, neste caso, o valor da indemnização adequada a determinar nunca poderá ser inferior a 70.000,00 €;
12. Foram violados os artºs. 496º, 562º, 563º, 564º e 566º, todos do Código Civil, aplicáveis por força do artº 129º do C.P.
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C. Recurso do arguido B…:
1. O recorrente considera que foram incorrectamente julgados os seguintes factos, que o douto acórdão recorrido julgou provados e que, ao invés, deveriam ter sido e devem ser declarados como não provados:
“Cerca das 15:30 horas, no decurso da consulta e devido ao seu estado de fragilidade emocional, a ofendida começou a chorar, tendo-lhe o arguido dito para se deitar na marquesa (ou divã) – ao que esta acedeu;
O arguido começou então a massajar-lhe o tórax e os seios e a roçar partes do seu corpo no corpo da ofendida;
Esta levantou-se do dito divã e sentou-se no sofá. O arguido foi então escrever uma receita. Quando voltou com ela, aproximou-se da ofendida, exibiu-lhe o seu pénis erecto e meteu-lho na boca, para tanto agarrando-lhe os cabelos e puxando-lhe para trás a cabeça, enquanto dizia “estou muito excitado” e “vamos querida, vamos”;
A ofendida reagiu, levantou-se e tentou dirigir-se para a porta de saída; no entanto, o arguido, aproveitando-se do estado de gravidez avançado que lhe dificultava os movimentos, agarrou-a, virou-a de costas, empurrou-a na direcção do sofá fazendo-a debruçar-se sobre o mesmo, baixou-lhe as calças (de grávida) e introduziu-lhe o pénis erecto na vagina até ejacular;
O arguido tinha perfeita consciência de que a ofendida […] se encontrava emocionalmente fragilizada devido à doença depressiva de que sofre;
Não obstante agarrou-a, desnudou-a nos moldes descritos, contra a vontade desta, forçando-a a suportar os supra descritos actos com o intuito de concretizar os instintos libidinosos;
Como consequência directa e necessária de tais condutas, a ofendida C… experimentou sentimentos de profunda vergonha e humilhação, estando o seu pensamento ainda hoje cominado pelos supraditos acontecimentos, que a vexara e traumatizaram, e continuam a motivar-lhe sofrimento emocional;
O arguido sabia que ao agir de tal forma actuava contra a vontade da ofendida, e que aquele seu comportamento é contrário aos sentimentos gerais de moral sexual;
Procedeu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, sabendo que tais condutas são contrárias à Lei Penal, e criminalmente puníveis;
Em consequência da conduta do arguido a assistente/demandante sujeitou-se a exames médicos no ….;
O que lhe sucedeu foi conhecido de algumas das pessoas que trabalhavam nesse …, local onde a assistente é conhecida por ser filha de uma enfermeira que aí presta serviço há muitos anos;
Também o foi junto de amigos, familiares e conhecidos da assistente, o que lhe causou vergonha;
A actuação do arguido agudizou o seu estado de saúde e causou-lhe forte trauma;
Passou dias na mais profunda depressão, profundamente angustiada com o temor de que o seu estado de saúde pudesse afectar a saúde do filho que estava para nascer, como veio a suceder duas semanas depois;
A assistente continua em tratamento mas sente-se amargurada e incapaz de esquecer o que se passou”
2. Entre outras, são as seguintes as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, pelas razões que ficaram desenvolvidas no texto desta motivação:
- declarações da Assistente, prestadas na sessão do julgamento que teve lugar no dia 20.4.2010, que foram gravadas entre as 15:54:03 e as 17:05:43 horas, com particular realce para os segmentos acima transcritos, registadas na gravação às rotações 31:52 a 34:33; 48:42 a 49:49 e 56:17 a 59:09;
- declarações da testemunha D…, prestadas na sessão do julgamento que teve lugar do dia 20.4.2010, que foram gravadas entre as 17:31:33 e as 18:04:39 horas, com particular realce para os segmentos acima transcritos, registadas na gravação às rotações 23:25 a 24:20;
- declarações da testemunha E…, prestadas na sessão do julgamento que teve lugar no dia 20.4.2010, que foram gravadas entre as 18:04:40 e as 18:42:14 horas, com particular realce para os segmentos acima transcritos, registadas na gravação às rotações 13:50 a 16:01 e 30:55 a 32:16;
- declarações das testemunhas F…, G… e H…;
- fotografias juntas ao processo no decurso da audiência;
- relatório pericial de fls. 33 e segs.;
- auto de exame pericial a telemóvel de fls. 176;
3. Da análise destes meios probatórios, que ficou feita no texto e para onde, com a vénia devida, se remete, resulta que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por incorrecta avaliação e valoração da prova e ofensa irreparável das regras da experiência comum, afastando-se dos e violando os critérios da livre apreciação, tal como estão prescritos no artº 127º;
4. Nos termos do disposto na al. b) do artº 431º, pode e deve a Relação modificar a decisão recorrida e julgar não provados os factos referenciados no antecedente nº 1;
5. Sendo essa, como se espera, a decisão deste colendo Tribunal, resulta claríssimo que o Recorrente tem de ser absolvido, por não se verificar nenhum dos elementos constitutivos do crime p. e p. pelo artº 164º nº 1, CP, que lhe foi imputado e pelo qual foi condenado, nem de qualquer outro crime;
6. Ainda, porém que por absurdo, assim não fosse – quer-se diser: ainda que ficasse inalterada a decisão da matéria de facto impugnada – não poderia, nem poderá ser diferente a solução em sede de subsunção jurídica: os factos, não preenchendo, como não preenchem, qualquer outro tipo legal de crime, também não se enquadram naquele específico tipo do artº 164º, 1, CP (em resumo, porque não integram violência física adequada para vencer a auto-determinação sexual da Assistente -, ameaça grave ou colocação da vítima em estado pré-ordenado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir);
7. Mesmo nessa hipótese – que se repudia com vigor -, o Arguido deveria ter sido e terá de ser absolvido, sob pena de se manter a violação do disposto no artº 164º, 1, CP, em que incorreu o Tribunal a quo.
Conclui pela procedência do recurso e consequente absolvição.
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Em resposta às motivações de recurso do Mº Pº e da Assistente, alega o Arguido em suma que:
● Não assiste qualquer razão ao Recorrente Ministério Público nas motivações apresentadas;
● Não ficou demonstrado qualquer facto que densifique quaisquer reservas em matéria de prevenção geral ou especial impeditivas da suspensão da pena de prisão que eventualmente se mantenha ao Arguido;
● Não tem qualquer base sólida a argumentação do Recorrente segundo qual o Arguido se mostra indiferente à gravidade dos factos e respectivas consequências;
● Pelo contrário, tudo de concita no sentido de se tornar evidente, por um lado, que a comunidade em geral e o meio em que o Arguido e Ofendida se inserem nem reagiram com alarme ao caso concreto nem manifestaram sentimentos que justifiquem particulares exigências de prevenção geral e, por outro lado, que o Arguido se encontra socialmente enquadrado, conta com o apoio da família e tem a seu cargo a educação dos seus filhos adolescentes, permitindo um prognóstico favorável sobre a sua ressocialização;
● Ou seja, é possível concluir-se, com elevado grau de segurança, que a ameaça de uma pena de prisão assegura com eficácia os fins da pena de prisão, em especial a plena reintegração social do Arguido;
● Impõe-se, pois a manutenção da suspensão da pena de prisão que eventualmente possa ser aplicada;
● Por sua vez, também não assiste razão ao recurso interposto pela Assistente quanto ao quantum indemnizatório;
● Tal quantia poderá pecar por excesso e nunca por defeito, devendo, e bem, na ponderação da mesma ter presente os valores atribuídos pela jurisprudência para a perda do direito à vida;
● Pois no caso concreto não se verifica nenhuma situação extrema, particularmente dolorosa e da qual resulte uma incapacidade permanente elevada que possa, eventualmente, ser ponderada a possibilidade de igualar o valor da indemnização por danos não patrimoniais para a perda do direito à vida;
● Pelo exposto, não assiste qualquer razão aos recorrentes nos recursos interpostos, aos quais deverá ser negado provimento.
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Em resposta às motivações de recurso do Arguido responde o Sr. Procurador da República, alegando em síntese que:
● O Tribunal teve, na sua essencialidade, como bom e credível o depoimento prestado pela ofendida C…, o qual, apesar do evidente sofrimento que a lembrança dos factos lhe causava, foi absolutamente claro, livre, coerente, sentido e merecedor de total credibilidade. Essa credibilidade resultou não só do que disse mas também da forma como o disse; Não foram só as palavras que falaram, ela também “falou” com a sua postura corporal, os seus olhos e a simplicidade dofrida da sua expressão, que nenhum registo áudio consegue transmitir;
● A provar que as transcrições parciais só nos dão uma visão – a desejada por quem escolhe – está a circunstância de na mesma sessão do dia 20.04.2010, entre as 15:54:03 e as 17:05:43 agora nas rotações 06:18 a 06:50, quando estava a ser ouvida pela Srª Juíza que presidiu, ter sido afirmado o seguinte:
Juíza Presidente: “Continue, D. C… … (a ofendida estava a descrever os factos de que foi vítima naquele dia 02/09)
Assistente: “Deitou-me na marquesa e a certa altura começa a roçar a perna dele na minha, e eu, de imediato, levantei-me e sentei-me no sofá”
● Repare-se que este relato é o que espontaneamente foi feito pela ofendida no primeiro momento em que, em julgamento, é confrontada com os factos do dia 02 de Setembro de 2009;
● O arguido/recorrente enfatiza particularmente a questão da marquesa versus sofá, para, na sua argumentação, pretender atacar a versão da ofendida, isto é, ela falaria numa marquesa porque, considerando a altura desse móvel em comparação com um divã, bem mais baixo, seria mais verosímil os factos que descreve, designadamente o roçar de partes do corpo do arguido no seu próprio corpo;
● Ora, todo este afã do recorrente cai se se ouvir o que disseram outras testemunhas, doentes do arguido, que ao referirem-se ao tal móvel também lhe chamam marquesa. A título de exemplo, veja-se o depoimento da testemunha Dr. H…, na sessão do dia 18/05/2010, entre as 15:55:14 e as 16:05:20, rotação 01:41 a 02:05
Advogado: “Sr. Dr., a pergunta é esta: se conhece o consultório do Sr. Dr. E se reconhece nessas fotografias o consultório e os móveis.”
Testemunha: Sim, isto é o consultório, aqui está a marquesa, estes são os sofás”.
● Na avaliação da violência (para efeitos do disposto no artº 164º nº 1 do CP) não se pode deixar de considerar as circunstâncias particulares da vítima, designadamente que estava bastante deprimida (por isso andava nas consultas bissemanais de psiquiatria há 5 meses), se encontrava no final de uma gravidez, e que foi surpreendida pelo seu médico assistente;
● Quanto à invocada falta de lubrificação, resta saber como chega o recorrente a esta conclusão de todo precipitada. Seguramente faz confusão entre lubrificação decorrente de um estado de excitação com a lubrificação vaginal que pode ocorrer em determinadas alturas do ciclo menstrual da mulher e durante a gravidez;
● A violência que é elemento do tipo do crime de violação não tem de ser uma violência mutiladora ou com um grau de intensidade aniquilante da vítima. Ao contrário, bastará um comportamento que, atentas as circunstâncias da vítima, seja incapacitante para esta se opor com êxito aos desígnios do agressor;
● Ora, estando a C… no final da gravidez, com a consequente diminuição da capacidade de movimentação, num estado de grande fragilidade anímica, profundamente deprimida e sendo surpreendida por uma pessoa a quem confiara a sua cura, é notório que a sua capacidade de reacção estava profundamente diminuída, pelo que os comportamento do arguido (puxar os cabelos, agarrar a cabeça e empurrão de encontro ao sofá) encerraram a violência física necessária e suficiente para impedir a reacção da ofendida.
● Entende, por isso, que o acórdão não merece censura, excepto quanto à suspensão da execução da pena, pelo que o recurso interposto pelo arguido deve improceder.
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Neste Tribunal da Relação os autos foram com vista ao Sr. Procurador-Geral da República, nos termos do artº 416º nº 2 do C.P.P.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, procedeu-se a audiência a requerimento do Arguido/Recorrente, com observância do legal formalismo.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: (transcrição)
«A ofendida C…, que padece de doença depressiva, iniciou, em 31 de Março de 2009, acompanhamento médico junto do arguido, médico psiquiatra, no consultório deste, sito na Rua …, …, …, Porto.
No decurso de tais consultas, a ofendida C… ficava sozinha com o arguido no interior do aludido consultório que era também e simultaneamente a residência deste e onde não existia qualquer funcionário.
Em 2 de Setembro de 2009, a ofendida, que então se encontrava na 34ª semana de gravidez, compareceu no consultório do arguido, cerca das 14.30 horas, para uma consulta.
Cerca das 15.30 horas, no decurso da consulta e devido ao seu estado de fragilidade emocional, a ofendida começou a chorar, tendo-lhe o arguido dito para se deitar na marquesa (ou divã) - ao que esta acedeu.
O arguido começou então a massajar-lhe o tórax e os seios e a roçar partes do seu corpo no corpo da ofendida.
Esta levantou-se do dito divã e sentou-se no sofá. O arguido foi então escrever uma receita. Quando voltou com ela, aproximou-se da ofendida, exibiu-lhe o seu pénis erecto e meteu-lho na boca, para tanto agarrando-lhe os cabelos e puxando-lhe para trás a cabeça, enquanto lhe dizia” estou muito excitado” e “vamos, querida, vamos”.
A ofendida reagiu, levantou-se e tentou dirigir-se para a porta de saída; no entanto, o arguido, aproveitando-se do estado de gravidez avançado que lhe dificultava os movimentos, agarrou-a, virou-a de costas, empurrou-a na direcção do sofá fazendo-a debruçar-se sobre o mesmo, baixou-lhe as calças (de grávida) e introduziu o pénis erecto na vagina até ejacular.
O arguido tinha perfeita consciência de que a ofendida era sua paciente, que estava em estado de gravidez avançada e se encontrava emocionalmente fragilizada devido à doença depressiva de que padece.
Não obstante agarrou-a, desnudou-a nos moldes descritos, contra a vontade desta, forçando-a a suportar os supra descritos actos com o intuito de concretizar os instintos libidinosos.
Como consequência directa e necessária de tais condutas, a ofendida C… experimentou sentimentos de profunda vergonha e humilhação, estando o seu pensamento ainda hoje dominado pelos supraditos acontecimentos, que a vexaram e traumatizaram, e continuam a motivar-lhe sofrimento emocional.
O arguido sabia que ao agir de tal forma actuava contra a vontade da ofendida, e que aquele seu comportamento é contrário aos sentimentos gerais de moral sexual.
Procedeu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, sabendo que tais condutas são contrárias à Lei Penal, e criminalmente puníveis.
Mais se provou que:
Em consequência da conduta do arguido a assistente/demandante sujeitou-se a exames médicos no ….
O que lhe sucedeu foi conhecido de algumas das pessoas que trabalhavam nesse …, local onde a assistente é conhecida por ser filha de uma enfermeira que aí presta serviço há muitos anos.
Também o foi junto de amigos, familiares e conhecidos da assistente, o que lhe causou vergonha.
A actuação do arguido agudizou o seu estado de saúde e causou-lhe forte trauma.
Passou dias na mais profunda depressão, profundamente angustiada com o temor de que o seu estado pudesse afectar a saúde do filho que estava para nascer, como veio a suceder duas semanas depois.
Verbalizou desejo de não continuar a viver.
De seguida rejeitou tratamento psiquiátrico, sobretudo se o médico fosse homem, só mais tarde conseguindo os seus familiares levá-la para ser acompanhada por um médico de …. Contudo precisou de ser acompanhada a estas consultas por uma pessoa sua amiga.
A assistente continua com tratamento mas sente-se amargurada e incapaz de esquecer o que se passou.
Ainda se provou, relativamente ao percurso de vida do arguido e às suas condições pessoais:
O arguido é a mais velho de 4 filhos de um casal de condição socioeconómica e cultural favorecida, sendo os progenitores médicos especialistas, o pai em estomatologia e a mãe em pediatria, com exercício profissional, em exclusividade, nos sectores privado e público, respectivamente.
O seu processo de desenvolvimento decorreu dentro dos padrões normais, integrado no agregado de origem, numa dinâmica familiar positiva e marcada por laços de afectividade, adoptando os progenitores um modelo educativo consertado, orientado pelos valores tradicionais, incentivando os descendentes para investimento na formação académica e no trabalho.
Ingressou na escolaridade em idade regulamentar, tendo concretizado os objectivos da aprendizagem e revelado comportamento adequado. Refere ter tido sempre como objectivo a licenciatura em medicina, ancorado na tradição familiar, donde destacou o avô materno, figura que também identifica como modelo de referência. O arguido refere que associa a medicina à prestação de cuidados, valorizando no seu exercício principalmente as relações humanas que esta proporciona, quer na relação de ajuda quer de amizade, também com colegas.
Como ocupação dos tempos livres durante a adolescência praticou judo e karaté. Também foi catequista, integrado em congregação religiosa jesuíta, até ao início da idade adulta, bem como o convívio com a família e amigos do seu meio sócio-escolar em actividades próprias da idade.
Findo o ensino secundário, como a sua média não o permitisse, ingressou no Curso de …, requerendo transferência para o curso de … que frequentou durante três anos, altura em que ingressou no curso de …, que concluiu em 1988.
Em 1989 concluiu, também, o curso de …, na Universidade do Porto. Iniciou actividade profissional, que manteve durante cerca de três anos, com consultório em Macedo de Cavaleiros, de onde é oriunda a família materna. Após conclusão do internato geral de medicina, candidatou-se à especialidade de Psiquiatria que concluiu no Hospital … em 1996.
Durante este período refere ter desenvolvido interesse pela Psicanálise, a que se submeteu durante os 5 anos exigidos para o seu exercício. Salienta que foi seleccionado, na primeira candidatura que efectuou à …, tendo estado sujeito a supervisão até 2002, deslocando-se semanalmente para a cidade de Lisboa.
Em 1996 trabalhou, com contrato a termo certo, pelo período de um ano, no Hospital de …, em regime de prestação de serviços, situação que também manteve durante o ano de 1997, no Hospital de …. Em 1998 ingressou no actualmente denominado … e da Toxicodependência, exercendo, desde então, actividade como médico psiquiatra no …, no Porto. Em paralelo, segundo o próprio, manteve a prática de clínica privada, em Lisboa e Porto, que interrompeu durante o período compreendido entre 2002 e 2006, altura em que a retomou, com consultório no seu domicílio, tendo efectuado inscrição na Entidade Reguladora da Saúde.
Em termos afectivos aos 18 anos de idade iniciou relacionamento de namoro que culminou em casamento aos 27 anos de idade, após conclusão do curso de medicina. Desta união resultou o nascimento de dois filhos, presentemente com 20 e 17 anos de idade.
Problemas na relação conjugal motivaram um processo de divórcio litigioso, consumado em 2002, sendo que prosseguiu acentuado litígio, quer relativamente à regulação do exercício do poder paternal dos filhos, que foram confiados à guarda do arguido em 2003, quer relativamente à divisão dos bens comuns do casal, que perdura.
Ao longo deste processo o arguido vem contando com o apoio incondicional da família de origem e amigos.
Estabeleceu outros relacionamentos afectivos significativos, dois com vivência conjunta, entre 1997 e 2004 e, desde 2006, que mantém relação estável.
B… e familiares descrevem que registou sucesso económico com o seu desempenho profissional até 2002, coincidente com o divórcio, data a partir da qual abandonou o exercício de clínica privada, em Lisboa, para poder estar mais presente no acompanhamento educativo dos filhos, e também encerrou o consultório de que era proprietário no Porto, na sequência do litígio pela partilha dos bens comuns do casal
De acordo com o arguido e familiares, o litígio que se instalou, alimentado pelo ex-cônjuge nomeadamente relativamente ao exercício da parentalidade, teve repercussões negativas também na situação pessoal e profissional do arguido que, segundo referiram, passou a canalizar todos os seus esforços para salvaguardar os interesses dos filhos e para se defender de acusações movidas tanto pelo ex-cônjuge como pela mãe daquela, na origem de processos crime e no meio profissional, nos quais referem foi sempre ilibado de todas as acusações.
Nos contactos estabelecidos junto de superiores hierárquicos do …….., resultou a informação de que B… registou ali um período em que foi avaliado negativamente, pelo elevado absentismo, consubstanciado em 16 meses de ausência ininterrupta por atestado médico (entre Fevereiro de 2002 e Junho de 2003), no não cumprimento de horários e frequentes dispensas parciais para estar presente em audiências em tribunais.
Esta realidade, que foi então avaliada como prejudicando a qualidade do seguimento terapêutico dos utentes a seu cargo e a restante equipa técnica, e denúncias para ali endereçadas, algumas através de cartas, estiveram na origem de participações disciplinares que lhe foram movidas pelo então director daquela unidade, que o suspendeu de funções clínicas no serviço de Consulta Externa, no período compreendido entre Junho e Dezembro de 2003, data em que retomou as funções normais, por deliberação exarada pelo Conselho de Administração do …..
Desde então, e actualmente, o arguido é descrito como tendo melhorado a assiduidade e o respeito pelos horários, assumindo atitude positiva nas reuniões da equipa técnica. Prevalecem críticas sobre o seu desempenho, nomeadamente no relacionamento com os utentes, sendo percepcionado como um profissional com atitude distante, com base em queixas transmitidas pelos doentes, pela pouca atenção que consideram que lhes dispensa durante as consultas, não se privando de atender chamadas telefónicas particulares. Por outro lado, existe, ainda, a percepção de que cede às solicitações dos utentes em termos de prescrição farmacológica.
O arguido não se revê nas críticas que lhe são dirigidas, enquadrando o período prolongado de ausência ao serviço por atestado médico em problemas que lhe foram diagnosticados num pé, que motivaram intervenção cirúrgica e fisioterapia por período prolongado.
À data dos factos na origem do presente processo B…, como presentemente, mantinha relacionamento afectivo estável e contactos diários com os descendentes (de 20 anos e a frequentar o 2º ano do curso de … e 17 anos a frequentar o 11º ano de escolaridade), os quais residem em casa dos avós paternos. Segundo o arguido e familiares, aquele assume a condução do processo educativo dos filhos, sendo descrita e valorizada a ligação afectiva que se verifica entre pai/filhos.
Residia sozinho na actual morada, em apartamento de tipologia 1 situado em zona nobre da cidade, onde também exercia clínica privada em horário pós-laboral, e mantinha funções de médico psiquiatra no …...
Na sequência do presente processo judicial, foi suspenso do exercício da actividade médica pela IGAS (Inspecção Geral das Actividades em Saúde), de acordo com as fontes institucionais, foi colocado na sede administrativa do ….., com a actividade profissional orientada para a investigação e formação, com o objectivo de construção de instrumentos orientadores de boas práticas na área do tratamento.
A família descreve o arguido como pessoa inteligente, sensível e afectuosa, que preserva os valores da família e amizade, sendo salientado a atitude solidária que lhe tem sido dispensada e retribuída, também pelos amigos. É unânime a opinião de todas as fontes contactadas de que se revela educado e correcto no relacionamento interpessoal, não sendo conotado com manifestações expressas de comportamentos de agressividade ou conflitualidade.
No contexto profissional foram destacadas algumas características de personalidade menos adaptativas, traduzidas na dificuldade de integrar/interiorizar a crítica, tendendo a assumir atitude de vitimização.
No meio sócio-comunitário o arguido é conhecido pela actividade profissional como psiquiatra, tendo dado conhecimento informal ao seu condomínio sobre a utilização do domicílio para prática de clínica privada, a quem informou que a mesma seria restringida a pessoas com quem mantinha relacionamento de amizade, realidade que nunca interferiu com o bom funcionamento do condomínio, sendo positiva a imagem que projecta.
O arguido presentemente apresenta como rendimentos mensais um total de €2032,71 para fazer face a uma despesa fixa mensal estimada em €1700,00, das quais se destacam as referentes à amortização do empréstimo bancário para aquisição da habitação e despesas escolares do filho mais novo que frequenta estabelecimento de ensino privado. Refere que a sua situação económica desde 2002 vem sendo fortemente condicionada pelos gastos inerentes aos processos judiciais em que vem estando envolvido e que a suspensão do exercício de funções no sector privado de que foi alvo lhe acarretou um decréscimo substancial dos rendimentos, que estima entre os €1200/1500,00 por mês. Nesta conformidade aponta a necessidade de gestão criteriosa dos seus recursos, vindo a contar com o apoio dos progenitores, nomeadamente nas despesas inerentes aos filhos.
Como ocupação dos tempos livres o arguido refere a leitura direccionada para o estudo de matérias relacionadas com a prática Psicanálise e da Psicoterapia, bem como o convívio com a família, com a namorada e amigos.
Da avaliação psicológica efectuada ao arguido destaca-se:
Ao longo da avaliação, o arguido B…, apesar de adoptar uma postura colaborante, teve sempre subjacente um posicionamento defensivo que se veio a reflectir, não apenas no seu discurso, no qual foi comum o uso de termos técnicos ligados à psicanálise ou linguagem de jargão técnico, como também nos resultados das diversas provas de avaliação psicológica a que foi submetido.
O arguido apresenta-se de forma cuidada, compatível com o seu estatuto sócio-profissional e cultural, aparentando uma idade superior à da sua idade cronológica, aspecto fatigado e humor disfórico.
Trata-se de uma pessoa com uma postura vigilante, atenta e preocupada com a transmissão de uma imagem de acordo com os valores sociais tradicionais, verbalizando com pormenores extensos e com um discurso impressionista, determinados aspectos da sua história de vida recente, nomeadamente, aqueles que se prendem com o divórcio e o litígio consequente.
Do ponto de vista intelectual, todo o seu percurso de vida, nomeadamente, o sucesso obtido em termos académicos e qualidades comunicacionais apresentadas nas entrevistas apontam para um indivíduo com um rendimento intelectual acima da média, sem alterações de memória, destacando-se a capacidade de narrar /organizar os seus acontecimentos de vida de forma adequada com precisão na ordem cronológica.
As provas de personalidade aplicadas e os dados obtidos nas entrevistas clínicas realizadas apontam para a inexistência de perturbações psicopatológicas da personalidade, evidenciando-se, contudo, determinadas características de funcionamento psicológico que se passam a enunciar: Nas provas de personalidade aplicadas, o arguido demonstrou uma atitude de pouca sinceridade, de desconfiança, tentando apresentar uma imagem sobrevalorizada de si próprio. Com efeito a escala de validade do teste de personalidade MMMPI 2 - Escala de Mentira (L) - apresenta um valor elevado - 71, valor acima da média que se situa entre os 50/60 pontos. De igual modo, também no teste Millon III, os resultados apresentados na Escala de Desejabilidade Social de 75 pontos constitui um valor acima da média que se situa nos 50/60 pontos, o que aponta para a tendência do arguido simular uma boa imagem, tentar esconder rasgos de personalidade ou defeitos de conduta negando qualquer problemática.
Em conclusão, evidencia uma personalidade com enorme preocupação e necessidade de dar respostas que vão de encontro ao esperado socialmente, tratando-se de uma pessoa com imagem valorizada sobre si próprio, defendendo-se de conteúdos que o possam contradizer, facto para o qual, também, contribuem os seus conhecimentos profissionais na área da psiquiatria e da psicopatologia.
Além da necessidade de se mostrar socialmente atractivo, moralmente virtuoso ou emocionalmente ajustado, a tendência narcísica é outra característica que surge destacada na personalidade do arguido.
De facto, os resultados na prova de personalidade MILLON III apontam para a Escala do Narcisismo como a mais elevada, com resultados de 86 pontos nesta escala, valor acima da média que se situa entre os 50/60 pontos. Trata-se de um sujeito egocêntrico, com dificuldade em percepcionar o ponto de vista do outro ou as consequências dos seus actos nos outros, carecendo de empatia e considerando-se superior aos demais.
O arguido B… é uma pessoa pouco ansiosa, que tende a reprimir a hostilidade, a não ser franco e a não reconhecer perante outrem as suas próprias faltas, podendo parecer optimista mas irrealista evitando assim situações desagradáveis ou não prazenteiras, sem inibição social.
Estas características e atitudes do arguido parecem estar organizadas em função da manutenção da auto-estima, através da aprovação do exterior, podendo-se falar de uma organização narcísica da personalidade na qual predominam mecanismos de defesa, tais como a sobrevalorização de si próprio, a desvalorização dos outros, havendo um centramento em si próprio, por oposição à dificuldade em compreender o ponto de vista dos outros.
Em termos de relações interpessoais, estas caracterizam-se pela ausência de interesse e empatia pelos outros, com pouca profundidade afectiva, não chegando assim a compreender as necessidades e as emoções dos outros ao mesmo tempo que ambiciona atenção e aprovação. Esta atitude pode levar a uma ausência de preocupação pelas consequências negativas que as suas acções podem ter em terceiros e, consequentemente, a inexistência de remorsos.
A sua personalidade revela preocupação em dar uma boa imagem de si próprio; tal implica necessidade de organização, dando origem, consequentemente, à sua tendência para o perfeccionismo e para a necessidade de controlar o exterior.
Salientam-se ainda as eventuais consequências negativas decorrentes da conflitualidade vivenciada ao longo dos últimos anos, eventualmente inerentes ao processo de divórcio, uma vez que a exposição a uma situação de stress contínua pode conduzir a maior vulnerabilidade.
Por outro lado, constatou-se, também, ser um indivíduo que, devido a tais traços de personalidade e no contexto de maior fragilidade na mediação racional entre o impulso e o acto, poderá agir de forma impulsiva, com dificuldades no controlo dos impulsos por necessidade de satisfação dos mesmos.
Os dados recolhidos sobre a história pessoal, enquadramento familiar e estilo de vida do arguido B…, associados aos apurados através dos instrumentos de avaliação utilizados, permitem destacar o facto de se estar perante um indivíduo que apresenta grande necessidade de dar boa impressão de si próprio, de acordo com o socialmente esperado e desejado, por forma a preservar a sua auto-estima. O arguido B… manifesta assim necessidade de representar uma imagem sobrevalorizada.
O arguido B… é uma pessoa com tendência egocêntrica, com pouca sensibilidade à gravidade das situações que podem afectar outrem, traço este da personalidade que torna mais difícil a percepção dos outros de forma empática, não apenas em relação aos pontos de vista como também às emoções dos outros, acarretando dificuldades no reconhecimento dos desejos e experiências subjectivas revelando dificuldade em assumir uma atitude crítica e com emoção.
B… possui um nível cognitivo superior, com boa compreensão dos costumes e das normas sociais, tratando-se por isso de um sujeito com um bom desempenho e inteligência que se traduziu nas elevadas competências académicas que possui.
Neste sentido, B… tem capacidade para compreender a ilicitude dos seus actos assim como para efectuar uma adequada valoração positiva ou negativa das suas atitudes.
O arguido revela capacidade de discernimento e não possui dificuldades que interfiram no exercício da mesma, devendo por isso ser responsável pelos seus actos.
Do exame efectuado e, tendo em conta o seu estado, não se detectaram nem ao nível intelectual nem ao nível da personalidade, sinais de patologia de personalidade.
Por último, ainda se provou que o arguido é primário e que é considerado e respeitado pelos seus familiares, amigos e colegas de profissão».
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O tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos: (transcrição)
«Não se provou que o arguido não permitisse a permanência de acompanhantes dos seus pacientes no hall de acesso do prédio.
Não se provou que o arguido tivesse pedido à assistente para lhe acariciar o pénis.
Não se provaram mais factos para além dos dados como provados.
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa.
Não se provaram, para além dos acima dados como provados, os demais factos alegados no PIC, sendo que alguns deles, concretamente os constantes dos artigos 33º, 34º e 35º, porque não estão directa e necessariamente relacionados com os factos em apreço não se consideraram positivamente.
Não se provaram outros factos para além dos dados como provados nem quaisquer outros com interesse para a boa decisão da causa».
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A decisão sobre a matéria de facto encontra-se motivada nos seguintes termos: (transcrição)
«Os factos provados que acima se elencaram resultaram da análise crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência, segundo os critérios que se encontram plasmados no artigo 127º do C.P.P.
Assim começou o Tribunal por ouvir as declarações que o arguido quis prestar.
Começou então dizendo não se reconhecer na acusação que lhe era feita, por não reflectir o que se tinha passado no seu consultório. Disse que o ocorrido tinha sido coisa diversa da qual, no entanto, se penalizava. Passou então a explicar que consultava a ofendida desde Março com periodicidade bi-semanal em consultas de psicoterapia, às quais, inicialmente, se referiu como sendo “entrevistas”. Mais adiante confirmou que as consultas decorriam na sua própria casa onde trabalha e recebe, sozinho, as pessoas que o consultam. Referiu ainda que no dia dos factos se atrasou um pouco e que a ofendida lhe enviou um SMS a dizer que já tinha chegado.
Depois começou a relatar o modo como tinha decorrido aquela concreta consulta – referindo aqui que durante essa sessão tinham falado da necessidade de reavaliarem a necessidade de continuar o acompanhamento porque se estava a aproximar o termo da gravidez e ele, arguido, entendia que era necessário fazer essa avaliação, falou das queixas que a ofendida lhe apresentava – ligadas essencialmente com os seus medos relativamente ao estado do bebé – e, sobre o se passou entre eles disse (aqui o arguido falou um pouco em círculos voltando a referir o seu atraso, a necessidade de reavaliar a necessidade de continuar com o tratamento – dizendo a este propósito e taxativamente “ (…) um sentimento entre o fim de uma psicoterapia e uma… uma circunstância de alguma vontade de continuar, não estava dito que ia terminar (…) havia um sentimento em que prevalecia – ou pelo menos senti como tal, já se passou algum tempo mas foi…é o que registo um sentimento de desejo de estar e ao mesmo tempo uma penalização por eu ter chegado tarde (…) (…) e nesse contexto há uma circunstância em que era desde o início referido que tinha a ver com a amamentação (…) “ aqui o arguido volta a falar das preocupações que assolavam a ofendida e que se prendiam com a gravidez e com uma verbalizada dificuldade de amamentar e, passado mais algum tempo discorrendo a propósito, e de novo ipsis verbis “(…) quando, de uma forma que reconheço em erro, a C… põe-me a questão que é se poderi… quando diz se poderia dar de mamar ou não, há uma altura em que me põe a questão de se poderia ter leite ou não para amamentar. Eu poderia ter parado por aqui (…) fui numa circunstância em que num primeiro momento não admiti que fosse um erro como hoje à posteriori seguramente sei que foi, há uma exposição… a C… coloca uma …um seio (…) Neste contexto há um envolvimento em que depois de uma palpação mamária que é um exame que normalmente um psiquiatra não faz e que é um exame de rotina em qualquer contexto, não tem… dou-me conta de houve alguma envolvên… alguma envolvência emocional e que houve um processo ou uma relação com alguma, com alguma ternura, com alguma excitação, que foi muito menos, creio eu que de parte a parte. Ou seja, não é um contexto de uma sedu… quer dizer de sedução, não tem a ver com isso, pelo menos eu não registei dessa forma. Nesse contexto, apesar de fazer clínica há 21 anos, cometi um erro que me traz, que me traz aqui, que é envolvi-me com a paciente e tivemos nessa altura uma, tivemos nessa altura um acto, portanto que não devíamos ter tido, um acto sexual que não devia ter tido, é mais ou menos isto (…)”.
Foi desta forma que o arguido, sem ter sido interrompido, dispondo do tempo que quis, relatou o sucedido.
Depois o Tribunal colocou-lhe questões, pediu-lhe concretizações, precisões, às quais o arguido foi respondendo.
“(…) Fiz a palpação mamária a C… levantou-se eu também me levantei, estávamos sentados, e faço essa palpação mamária sem estar a pensar que pudesse acontecer mais nada do que isso” e, mais adiante, “(…) a paciente abraça-me, põe aqui…está com uma barriga grande, eu estou deste lado, a C… está aqui à minha frente, ou estava, e eu… a C… põe-me mas de uma forma carinhosa, põe-me os braços assim aqui por cima do pescoço, estivemos assim, não posso dizer alguns segundos (…) e eu digo «está grávida» ou quer dizer, há ali um momento em que eu não estou…não é uma recusa, mas é uma notação (…) e a C... diz qualquer coisa do género «eu quero» ou «eu quero estar consigo» (…) entre uma situação de ternura e algum erotismo (…)”. Só em resposta a outras perguntas que lhe foram colocadas no sentido de concretizar como e em que circunstância se tinha realizado cópula é que o arguido refere que depois de ter dito «está grávida» “(…) A C… voltou-se de costas para mim, segurou no sofá onde estava (…) despiu-se da cinta para baixo, eu também infelizmente e houve uma coisa muito rápida”.
Mais à frente o arguido negou ter introduzido o pénis na boca da ofendida.
Disse ainda que, depois dos factos terem ocorrido, se sentaram ambos, ficaram em silêncio, seguido depois de um momento em que disse à ofendida que o que se passou não deveria ter acontecido e que faltava pouco para acabar a consulta, tendo ido, de seguida passar uma receita de Risperdal Constam e que a C… sai do seu consultório. Alude posteriormente ao facto de a ofendida lhe ter enviado depois dois SMS aos quais refere não ter respondido por não se ter apercebido deles – embora tenha referido ser essa a sua atitude caso os tivesse visto - nos quais a ofendida se sentia culpabilizada, sentimento que disse também partilhar “(…) A C… ficou como eu também fiquei culpabilizado, culpabilizada”
Mais adiante e a perguntas do MºPº o arguido ainda referiu que quando se despediu da C… nesse dia, o fez apertando-lhe a mão, como faziam sempre para logo de seguida dizer “(…) nunca demos um beijo um ao outro a não ser nessa circunstância”.
Concretamente instado a este propósito referiu que nunca, antes deste dia, tinham tido envolvimento físico ou contacto mais íntimo afirmando que nunca a relação entre os dois tinha sido erotizada a não ser naquele dia. Negou que alguma vez tivesse efectuado manobras masturbatórias como técnica de relaxamento, dizendo que quanto a relaxamento o que tinha sugerido à ofendida é que fosse para uma piscina.
Estas são na nossa perspectiva e para o que aqui importa os segmentos fundamentais do depoimento do arguido, que de seguida mais detalhadamente analisaremos
De seguida ouviu-se a assistente C… que, em síntese, declarou:
No dia 2 de Setembro foi ao consultório do Dr. B… muito perturbada. Estava grávida e estava muito perturbada por continuar a fumar e tier medo de que os medicamento que tomava fizessem mal ao bebé.
Antes de engravidar já tinha acompanhamento psiquiátrico.
No dia 2 estava muito perturbada, chorava. O Doutor mandou-a deitar na marquesa.
Já antes ele tinha feito por duas vezes a masturbação, dizendo que era uma técnica de relaxamento, que já na Suiça havia clínicas próprias para isso. Deitou-a na marquesa e começou a roçar as pernas dele na dela. Levantou-se. Pediu uma receita médica. Ele veio com uma receita e tirou o pénis para fora e meteu-o na sua boca. Reagiu, gritou e levantou-se, ele agarrou-a por trás, baixou-lhe a calças empurrou-a para o sofá e introduziu o pénis por trás. No fim, deu-lhe um guardanapo para se limpar. Não lhe disse nada. Ela chorava, gritava, só queria sair dali para fora.
Não lhe fez qualquer tipo de palpação mamária.
Espontaneamente referiu que o arguido muitas vezes lhe formulava perguntavas sobre se ela fazia sexo com o marido, se faziam sexo oral e se ele ejaculava.
Sentia muita ansiedade relativamente ao bebé reafirmou.
Depois de sair dali, antes de falar com os pais, enviou dois SMS. Entrou no carro chorosa, muito perturbada. Quando concretamente lhe foi perguntado para explicar a razão que a levou a enviar, depois do sucedido, mensagens do seu telemóvel ao arguido, respondeu, de modo contrito, que foi pelo acto em si.
A perguntas do Tribunal respondeu que nunca sentiu que houvesse qualquer relação de carinho entre ela e o arguido e, logo a seguir, referiu que ele até passava por ela na rua e nem sequer a cumprimentava.
Diz que contou à mãe que ele a masturbava e que a mãe, ao vê-la tão ansiosa, lhe disse para o fazer se isso lhe fazia bem.
Referiu que nunca se apercebeu de alguém à espera para ser atendido e apenas uma vez viu um rapaz a sair do consultório (da casa).
As consultas decorriam numa saleta. Tinha dois sofás, a marquesa, uma estante com livros e um outro móvel.
A marquesa estava logo a seguir ao sofá do Drº B…. Explicou ainda que não era com frequência que se deitava na marquesa, isso apenas acontecia quando estava mais em baixo e era para relaxar. Ele (o arguido) ficava logo ali ao lado.
Reiterou que disse à mãe das vezes que o arguido a masturbou e disse-o porque não se sentia confortável. Explicitou ainda que ninguém pôs em causa o que lhe dizia o médico porque era um nome conhecido, tinha-lhe sido indicado por outra rapariga que, segundo dizia, estava muito melhor.
Ele estava de pé e roçou o pénis na perna. Ele disse que não era normal acontecer mas que estava excitado.
Perguntada sobre a razão do envio da primeira mensagem de telemóvel a dizer que já lá estava, respondeu que isso era normal, que tinha apenas como intenção dar a conhecer que já tinha chegado porque já tinha havido uma outra vez em que veio à consulta e ele não a atendeu por ter faltado.
Referindo-se ao facto de ele a masturbar e de a assistente lhe dizer que não se sentia bem, o arguido desvalorizava dizendo-lhe para não ter vergonha porque ele era o seu médico e ele é que sabia.
Perguntada sobre a razão pela qual enviou as mensagens respondeu que estava chocada com o acto em si, que tinha medo de perder o marido. Diz que mandou as mensagens porque estava muito revoltada. – mas disse-o com o mesmo tom de voz em que verbalizou tudo o resto – Ficou lá mais 10 minutos do que o normal. Disse não ter dúvidas de que durante a consulta ninguém tocou à campainha. Reiterou que a receita lhe foi passada antes de o arguido ter introduzido o pénis na boca – explicitando que isso aconteceu quando ele veio trazer a receita, altura em que lhe exibiu o pénis.
Depois de ter dito aos pais o sucedido foi para o …. Conhecia toda a gente no …, onde a mãe trabalha há 37 anos, sendo conhecida de toda a gente. Sentiu-se muito envergonhada. Em …, que é um meio pequeno, toda a gente que a conhece soube do sucedido o que a fez sentir-se muito mal. Passado duas semanas teve o bebé. Depois do parto continuou a ter consultas de psiquiatria. Diz que primeiro teve consultas com uma médica porque era uma mulher e depois “lá a conseguiram levar a um médico em Espanha” mas sempre acompanhada por uma enfermeira, amiga da mãe, que a acompanhava e era ela quem falava.
Diz que ficou arrasada e que teve imenso receio que o marido a deixasse. Chegou a pensar em suicídio.
Nunca em momento algum fantasiou, imaginou, uma relação afectiva com o arguido.
A perguntas da defesa disse que não conseguiu fechar a boca quando o arguido lhe introduziu o pénis porque ele lhe puxou a cabeça para trás. De seguida referiu que ele lhe disse que era uma nova terapia.
Nos episódios de masturbação ele baixava-lhe a roupa.
No carro o pai ia a conduzir, a assistente estava ao lado e a mãe estava atrás e viu-a a enviar os sms e perguntou o que estava a fazer e ela disse que eram para o médico.

Se, com tanto detalhe, nos atemos aos depoimentos do arguido e da ofendida é porque estamos a julgar um crime de violação, um crime muito especial, que se perpetra, por regra, em privado, sem a presença de quaisquer testemunhas.

De seguida ouviram-se os depoimentos das diversas testemunhas, depoimentos que, por súmula, passaremos a expor:

D…, pai da assistente, disse conhecer de vista o arguido de levar a filha à consulta.
Começou por referir que filha ficou doente e que depois de a terem levado a vários psiquiatras e psicólogos a filha de uma colega da mulher que trazia uma filha em tratamento no arguido indicou-o. Não via muitas melhoras. Não lhe perguntava nada das consultas porque sabia que não era de vontade dele que se falasse do que se passava nas consultas.
Dizia que a filha tinha confiança plena no médico que a tratava.
No dia 2 de Setembro quando saiu da consulta viu-lhe os olhos de chorar, achou-a mais perturbada.
Pararam em Vila Real, aí ela falou com a mãe. Só em Mirandela é que ela lhe disse o que tinha acontecido, que o médico tinha abusado dela que tinha tido relações com ela. A C… chorava, ele e a mãe também choravam.
Diz que de seguida mal entrou no carro ligou para o arguido e ele negou tudo e dizia que isso “era para se falar na próxima consulta”. Num primeiro momento disse que estava numa consulta e que não podia falar mas depois ligou-lhe e voltou a negar que algo se tivesse passado e que teriam de falar sobre o assunto na próxima terça feira, na próxima consulta.
Passou a dizer o modo como a C… lhe relatou os factos – que ele lhe tentou meter o pénis na boca, que ela se levantou e que ele a agarrou por trás e a violou ali –.
E…, mãe da assistente, disse conhecer o arguido por ter acompanhado a sua filha à primeira consulta. Começou por dizer que a filha ficou muito doente e que lhe disseram que havia um médico muito bom na … e que querendo tratá-la procurou-o. Levavam a filha todas as terças feiras da parte da tarde e ficavam para quarta e depois voltavam para ….
Disse que a filha uma vez lhe disse que o médico a masturbou e que lhe perguntou se entendia isso e ela lhe respondeu “que poderiam ser técnicas novas”. Disse que a filha lhe referiu que o médico lhe tinha dito que era uma técnica nova de relaxamento, que até havia clínicas na Suiça especializadas só nesse tipo de tratamentos.
Quando pararam em Vila Real a filha agarrou-se a ela a chorar e disse: “mãezinha o médico teve relações comigo”.
Pensa que a filha mandou as mensagens do telemóvel depois de lhe ter contado o que tinha acontecido.
Mesmo depois do nascimento da filha que aconteceu a 25 de Setembro a B… continuava a dizer que queria morrer.
Só cerca de dois meses depois é que conseguiu que a filha fosse a outro médico.
Disse que a filha lhe relatou que ele tentou meter-lhe o pénis na boca e que ela se levantou e tentou sair dali e que ele a agarrou por trás e que a violou.
Ainda referiu que falou com uma médica amiga, anestesista, a quem referiu a “técnica de masturbação” e que mesmo essa médica lhe referiu que poderia ser uma “coisa nova”.
I…, esta testemunha conhece a assistente, é amigo da família. Sabia que a assistente andava em tratamento com um médico no Porto. Soube que os factos ocorridos com ela, dos quais veio a tomar conhecimento algum tempo depois, a afectaram muito. Soube também que durante muito tempo ela dizia que não queria viver.
J…, enfermeira de saúde materna e amiga da mãe da C…. Conheceu de modo mais estreito a C… desde que esta teve o parto. Diz que a C… foi para o serviço de obstetrícia, muito triste, muito preocupada com o bebé. Diz que ela falava muito pouco, não se queixava de dores, só revelava preocupação com a filha.
Disse que depois falaram com a Drª K… (de nacionalidade espanhola) e que esta a encaminhou para um outro médico, ao qual a C… não quis ir sozinha. Entrou com medo na consulta e durante toda a consulta revelou imensa insegurança. Diz que a C… só muito “de longe” lhe falou do sucedido mas que aludia ao que tinha sucedido de modo indirecto, com frases do género: “pensamos que certas coisas só acontecem aos outros”.
L…, médica no …, ginecologista/obstetra, conhecia a C… por ser filha da enfermeira E…, e foi ela que recebeu a C… no dia 2 de Setembro no …. A C… estava chorosa, angustiada, referindo que tinha sido violada pelo médico que a seguia no Porto. Sabia que ela andava deprimida mas em momento algum pareceu que estava a contar uma “história”, que relatou, a muito custo que tinha havido uma tentativa de sexo oral e que depois tinha havido coito, por trás. Estava um caos. Pensa que será uma coisa que lhe custará muito a passar.
M…, médico anestesista, a prestar serviços no …, que disse conhecer de vista o arguido e a assistente.
Esta testemunha estava de serviço na …, deparou-se com a mãe da assistente a quem esta terá transmitido o que tinha acontecido à filha – que teria sido abusada pelo médico que a assistia no Porto – e esta testemunha foi chamar as médicas que vieram a efectuar a colheita de sémen. Esteve algum tempo a falar com o pai da assistente que estava muito afectado.
N…, médica no …, que conhece bem a mãe da assistente por ser enfermeira no mesmo …. Foi esta médica que elaborou a perícia que se encontra a fls. 33 a 37 dos autos tendo-se referido a ela.
A um pedido de esclarecimento por parte da defesa do arguido respondeu que a “violação” foi um episódio único. Perguntado se a assistente lhe tinha dado queixa de situações anteriores, disse que sim, que esta lhe transmitiu que em duas outras ocasiões o arguido tinha efectuado com ela manobras masturbatórias. A agressão física que lhe foi reportada foi de que o arguido terá agarrado a C… pelos cabelos.
O…, médica obstetra, conhecia o arguido da faculdade mas já não o vê há mais de 30 anos. Acompanhou a assistente durante a gravidez. Quando das primeiras consultas que fez com a assistente já esta estava deprimida e já tinha marcado consultas com o arguido. Disse que nunca a assistente lhe referiu quaisquer queixas relativamente às mamas. Sabia que ela estava medicada com ansiolíticos e anti-depressivos (Valium, Cipralex e Risperdal), através do que a assistente lhe transmitiu. Disse ainda que a assistente confiava no médico psiquiatra que a acompanhava e estava ciente, tanto quanto lhe transmitia, que ia ser curada da sua patologia psíquica. Pelo que conheceu da sua doente e da vontade que tinha de que tudo corresse bem com a gravidez, custa-lhe a crer que ele tomasse qualquer fármaco que não lhe tivesse sido prescrito.
Depois soube que ela tinha sido violada pelo médico que a acompanhava. Viu-a nessa altura, no …, estava muito triste, chorosa, inconsolável. Estava muito preocupada com o bebé, tiveram até que efectuar uma ecografia para que ela visse que tudo estava bem. Não falava, só chorava e foi muito difícil que ela dissesse de modo espontâneo o que lhe tinha sucedido. Depois disso viu-a semanalmente e ela vinha às consultas sempre muito triste, pouco falava. Depois do parto viu-a, passado um mês, constatou que continuava deprimida e aconselhou-a a consultar um médico psiquiatra mas ela rejeitava esse tipo de acompanhamento, sobretudo por parte de um médico homem.
Desde o início do acompanhamento da gravidez sempre viu a assistente muito deprimida e não lhe observava muitas melhoras, não obstante a mãe e ela própria dizerem que estava melhor.
Perguntada se em algum momento lhe pareceu efabulado aquilo que a assistente relatou ter-lhe acontecido disse que não. Ela (a assistente) estava sobretudo muito triste e revoltada por ter confiado no médico.
K…, médica, que assistiu a assistente em 6 de Outubro, disse que a viu apática, pouco expressiva, e que esta lhe contou o que lhe tinha acontecido com o médico psiquiatra que a assistia. Nessa altura estava a ser medicada com Lorenin, Aldol, Cipralex. Quando a observou estava num estado de ansiedade grande e nervosa. Tinha medo de enfrentar os dias e não queria viver. Só queria dormir. Consultou-a duas vezes e depois, face ao quadro grave de ansiedade que apresentava, recomendou-lhe uma consulta com um médico psiquiatra de …, mas ela demonstrava grande resistência em ser observada por médicos homens. Acha que a assistente está melhor mas ainda está em tratamento.
Disse ainda que quando a recebeu no consultório alterou as doses de medicação que estava a tomar, diminuiu-as, porque entendeu estarem muito altas.
A instâncias da defesa a testemunha clarificou não saber quem tinha alterado a medicação à assistente entre os dias 2 de Setembro e 6 de Outubro.
P…, médica, que conhece a assistente desde os 8 anos de idade. Falou sobre o seu carácter e personalidade, sabendo que foi uma adolescente sem quaisquer problemas, muito certinha e muito sensata. Tanto quanto sabe só teve um namorado, que foi com quem veio a casar. Soube dos problemas que teve, das depressões e medos que a levaram a consultar o médico no Porto, no qual a C… confiava completamente.
A dada altura, a mãe da assistente, consigo, uma conversa, perguntando-lhe se achava normal o médico psiquiatra aconselhar a filha a masturbar-se, como forma de a curar a ansiedade, coisa que até lhe referiu que o médico fazia. Perante esta pergunta, a testemunha disse que respondeu à mãe da assistente, que não sabia se isso fazia ou não parte de um tratamento porque, não sendo da especialidade, não podia opinar sobre o assunto.
Depois, teve conhecimento do sucedido porque a mãe da assistente lho contou. Viu a assistente depois do sucedido e ela estava muito agitada, completamente transtornada.
Na sua opinião, o sucedido agravou-lhe bastante o estado de saúde psíquica. Pela mãe da assistente soube que esta sentiu dificuldades em aceitar novo tratamento psiquiátrico com um médico homem.
A instâncias do MºPº voltou a explicar que não achou estranho o facto de lhe ter sido transmitido que o médico dizia à assistente para se masturbar e mesmo que “ensaiasse técnicas masturbatórias” porque, não sendo a sua área, não sabe o que é ou não é normal nesse tipo de tratamentos.
Q…, inspector da Policia Judiciária da Brigada dos Crimes Sexuais. Psicólogo. Disse conhecer o arguido do âmbito da investigação.
Deu conta de algumas diligências efectuadas no âmbito do inquérito.
De essencial disse que, ao longo da investigação, o arguido foi adequando os seus relatos à informação que ia tendo do evoluir da investigação. Formou a sua convicção de que o arguido tem uma personalidade auto-justificativa, insensível perante o sofrimento dos outros. Algumas das explicações que, pelo arguido, foram dadas do sucedido, eram perfeitamente mirabolantes.
No que respeita à assistente, falou com ela e tentou compaginar a linguagem verbal com a linguagem não verbal. Apercebeu-se que era uma pessoa deprimida, “nota-se perfeitamente que é uma pessoa doente e descompensada, sendo natural que procure objectos de segurança, que podem ser qualquer pessoa, o pai, um médico, o amigo”. Disse ainda que as pessoas descompensadas são facilmente manipuladas, porque acreditam piamente no que se lhes está a dizer. Portanto é muito fácil, “conduzi-las” para onde se quiser, podendo mesmo levar a comportamentos que contendem com a sua auto-determinação sexual. Pareceu-lhe que a assistente revelava um quadro típico de uma pessoa que tinha sido alvo de uma agressão sexual, sobretudo pela suas reacções não verbais – choro, silêncios prolongados, ideação suicida -.
S…, inspector da P.J. que teve contacto com a assistente logo depois do sucedido. Inquiriu a assistente, mas foi muito difícil que ela falasse porque estava muito transtornada e apenas conseguiram que ela falasse com a ajuda da mãe. No final da inquirição sentiu necessidade de falar com os seus pais pois ficou bastante preocupado porque ela lhe disse, por repetidas vezes, que não valia a pena continuar a viver, tendo-lhes então referido que seria necessária acompanhá-la de muito perto. Pareceu-lhe, do que disse, que estava a relatar factos ocorridos.
T…, enfermeira, só conhecia o arguido de nome, por ser o médico da assistente, pessoa de quem é amiga há 10 anos.
Disse que a C… confiava no médico. Disse que a assistente comentou com ela que o médico a masturbou pelo menos por duas vezes.
Depois viu-a no dia em que ela estava no … e ela disse-lhe que tinha sido violada pelo médico que a assistia. Disse ainda que, no meio em que vivem, muitas pessoas souberam do facto.
Sabe que a assistente ainda agora se sente mal e pensa que muito dificilmente ultrapassará o sucedido. Ainda referiu que apenas lhe conheceu um namorado, o seu actual marido.
U…, médico, conheceu o arguido há vários anos, no Hospital da …. Conhece a assistente porque o procurou numa clínica privada para a acompanhar na gravidez, mas apercebeu-se de que ela deveria ser assistida por um psiquiatra. Era uma pessoa deprimida, que tinha angústias, medos e encaminhou-a para uma consulta dessa especialidade. Viu-a durante a gravidez, foi-a observando. A mãe ia dizendo que a filha estava melhor, a ele parecia-lhe que as melhoras não eram muitas, porque ela continuava muito apática mas, não dizia nada, porque não se queria imiscuir no tratamento. Soube depois do que sucedeu mas não falou com ela a esse propósito. No entanto quando a viu ela estava muito pior do que alguma vez a tinha encontrado, muito mais prostrada.
A perguntas da defesa acabou por referir que a mãe da assistente é que lhe relatou o episódio da masturbação.

Depois foram ouvidas as testemunhas seguintes à defesa do arguido.
F…, chefe de polícia. Disse conhecer o consultório do arguido porque o foi procurar por causa da morte de um irmão que tinha nos Estados Unidos. Disse conhecer bem o consultório e o prédio onde reside o arguido. Viu as fotografias do consultório/residência que foram juntas ao processo e descreveu o que estava vendo.
Disse ainda que, no dia 2 de Setembro foi ao consultório do arguido que lhe disse para estar lá por volta das 4 horas da tarde. E disse que chegou meia hora antes, que tocou à porta, entrou para o hall e esteve sentado nas escadas. Depois disse ter-se apercebido de uma senhora com cerca de 30 anos, sair do consultório, grávida, que saiu com uma receita na mão e que saiu de modo perfeitamente normal.
Disse ainda que se ouve quando as pessoa estão a falar dentro da casa e que tal acontece sem necessidade sequer de se gritar.
Depois a instâncias do MºPº veio a concluir-se que as “consultas” que seriam para a mãe que vivia em …..
Também se percebeu que esta testemunha, que disse ter estado no consultório do arguido de outras vezes, em nenhumas outras ouviu nenhum barulho vindo do interior da residência do arguido, não tendo assim sido explicado a razão porque tinha afirmado de modo categórico que se ouvia, no exterior da residência o que se passava dentro dela. Ainda referiu ter dado conta da entrada de pessoas no prédio.
Esta testemunha não foi capaz de explicar em que contexto consultou o arguido, pois disse que não era amigo dele – e que não foi por isso que foi a casa dele – mas também não era uma consulta médica -.
Também não foi capaz de explicar porque dizia que os factos se passaram no dia 2 de Setembro.
G…, disse que conhece pouco o arguido, apenas por ter trabalhado para o condomínio do prédio onde este reside. Disse que estava a efectuar obras de reparação no apartamento situado no mesmo andar (do rés-do-chão) do outro lado.
A instâncias da defesa disse que nada ouviu – nenhum barulho – vindo do apartamento do arguido. Disse ainda que no dia 2 de Setembro o arguido lhe veio pedir para que, quando saísse, não deixasse entrar ninguém que não tivesse chave.Contra instada, a testemunha acabou por dizer que nunca ouviu nada – nenhuma voz, nenhum ruído – vindas do interior do apartamento do arguido. Também disse que não viu ninguém sentado no hall, nos dias em que lá trabalhou. Referiu ainda que, para as escadas situadas em frente do apartamento do arguido, existe uma porta que está normalmente fechada.
V…, esta testemunha foi paciente do arguido durante dois anos. Viu as fotografias juntas ao processo, confirmando a “geografia” da entrada do prédio e do apartamento, bem como do mobiliário que as fotografias documentam e confirmou que sempre o conheceu daquela forma. Disse que nas consultas que decorriam ao fim da tarde se apercebia de ruídos – de movimentos – vindas de outros apartamentos.
A instâncias da acusação referiu que, por regra, não esperava pelas consultas – chegava à hora marcada e entrava logo na residência do arguido – mas, quando teve de o fazer, quedava-se no hall de entrada do prédio. Das vezes em que tal sucedeu nunca ouviu nenhum ruído vindo do apartamento.
A perguntas do advogado da assistente disse que enquanto estava dentro do apartamento, na sua consulta, nunca receou que cá fora se ouvisse o que dizia no interior.
W…, médica, disse conhecer o arguido, por ser seu amigo há 27 anos. Viu as fotografias que foram juntas aos autos confirmando a sua “geografia” e a disposição dos móveis.
X…, médico, professor catedrático de psiquiatria, disse que conhece muito bem o arguido, que foi seu aluno na área de psicodrama.
Diz que teve cerca de vinte anos consultório em casa e que isso é uma certa tradição na sua área de actividade. Concretamente perguntado se quando atende pacientes que estão medicados com neuroléticos se as consultas decorrem com o paciente deitado no sofá, a testemunha disse que isso dependia de cada caso, que era uma opção do psicoterapeuta, mas diz que não o vê deitado no sofá.
A testemunha foi confrontada com o documento de fls. 269, confirmando que a assistente estava a tomar um neurolético – Risperdal -.
Depois foi confrontado com os textos das mensagens enviadas pela ofendida ao arguido, tendo-lhe sido perguntado se o seu conteúdo seria compatível ou incompatível com uma violação.
A testemunha fez questão de ler em voz alta as mensagens. Disse que, na sua opinião, a mensagem compatível com a violação seria “Bandido violaste-me”. Aqueles textos são antes compatíveis com a ocorrência de algo que a deixou, desgostosa, magoada, chocada, com um profundo mau estar, inexistindo, nos textos, qualquer “indício” de ter sido violada. Perguntado se as mensagens deixavam ver algum tipo de arrependimento respondeu afirmativamente e se deixavam perceber que o que se tinha passado tivesse sido contra a vontade da ofendida, respondeu que isso não estava dito nas mensagens. Disse que se as mensagens tivessem provindo de uma pessoa violada, seriam diferente, do género: “maldito, violaste-me”. Pensa que uma pessoa violada seria mais violenta, mais agressiva e pondo a conotação de violaste-me de forma mais acentuada.
Disse ainda que a depressão é muito marcada pela culpa. O choro, silêncios prolongados, ideação suicida, é muito mais conforme, na sua opinião, com um quadro de depressão do que com um quadro de agressão sexual.
Falou do arguido, que foi seu aluno de psicodrama, como uma pessoa sensata sem perturbações de personalidade, calma, tranquila, no limite, com alguma tendência depressiva.
Perguntado pela acusação se a reacção de uma pessoa profundamente deprimida será a mesma de uma pessoa saudável, respondeu que a pessoa deprimida se sentiria mais revoltada ainda (do que a pessoa saudável). Diz que não vê uma pessoa deprimida incapaz de reagir. Que as mensagens que leu revelam alguém que acha que fez qualquer coisa indigna e que dessa coisa indigna houve cumplicidade do médico que ela rejeita. Nas mensagens não vê que ela diga que toda a responsabilidade tenha sido do médico.
Perguntado se a reacção de uma pessoa que está a ser tratada por um médico há vários meses é, ou seria, igual àquela que teria uma pessoa que se confrontasse com uma violação cometida por um médico que a estivesse a observar pela primeira vez, diz que seria muito mais fácil não haver reacção por parte da pessoa que se deslocasse ao consultório pela primeira vez!
Perguntado se conhecia alguma terapia que envolvesse a prática de masturbação – disse que no campo da sexologia pura isso é possível e que sabe até que existem clínicas na Suíça que ensinam a prática da masturbação. Respondeu não saber se o arguido é sexólogo.
A perguntas do Advogado da assistente, disse que o arguido é psiquiatra, mas concretamente perguntado se estava habilitado a fazer psicanálise responde não conhecer o exacto estatuto profissional do arguido.
Foi-lhe de novo perguntado, a propósito da interpretação que fez das mensagens, qual seria o quadro típico de uma pessoa violada e se alguma vez tinha acompanhado alguma pessoa violada, tendo respondido nunca ter feito o acompanhamento de uma pessoa que tivesse acabado de ser violada.
Passou então a lucubrar sobre a primeira mensagem, onde a assistente diz que já chegou, referindo que achou que a mesma revelava capacidade reivindicativa porque estando o médico atrasado apenas 3 minutos, a mensagem tinha sido enviada, evidenciando, disse, que a assistente não estava morta…, tendo-se sido colocada a questão por parte do Tribunal se a sua conclusão assentava em algum conhecimento sobre, se, por hipótese, o envio desse tipo de mensagem estaria combinado entre a assistente e o médico (o que evidentemente alteraria os dados observados) disse que “romances policiais não eram o seu domínio”. Disse que não tinha falado com o arguido sobre as mensagens e o seu conteúdo.
Pelo tribunal foram-lhe colocadas perguntas sobre eventuais reacções de vítimas de violação, ao que a testemunha respondeu que não falava sobre abstracções. Perguntado sobre se já tinha ouvido falar do fenómeno de dissociação o qual poderá ser sentido por vítimas de violação, voltou a dizer que sobre abstracções não falava e: “teorias existem muitas”!
H…, Juiz Desembargador, que disse conhecer o arguido por ter sido por ele consultado. Esta testemunha foi confrontada com as fotografias juntas ao processo, reconhecendo nelas o consultório e as suas cercanias. Os móveis e a sua disposição, é aquela que conheceu quando ali esteve. Perguntado quanto às condições acústicas do consultório, disse que, se se estivesse atento, poder-se-ia, dentro da casa, ouvir o que se passava cá fora. Só a determinada altura, quando houve obras no prédio, é que o ruído dessas obras incomodava um pouco.
A perguntas do MºPº respondeu que tinha uma hora pré-combinada com o psiquiatra e quando chegava, se o fazia algum tempo antes de hora, esperava fora do prédio, mas que tal ocorreu muito poucas vezes.
Y…, Juíza Desembargadora, foi cliente do arguido, sensivelmente desde Julho de 2008. Também foi confrontada com as fotografias do consultório, confirmando que era aquela a configuração do espaço e o modo de disposição dos móveis. Respondeu não saber se se ouvia ou não o que se dizia dentro do consultório.
Disse ainda que, por regra, o arguido era pontual, mas que algumas vezes se atrasou (nunca mais de 30 minutos) e que, quando isso acontecia, esperava na parte de fora do prédio. Recorda, no entanto que, por duas ou três vezes, o arguido abriu a porta e esperou dentro do hall. Nessa ocasião não ouviu nenhum barulho vindo do interior da casa.
Z…, médico, psiquiatra, conhece o arguido há muitos anos porque foi seu professor.
Começou por lhe ser perguntado se os sintomas revelados pela assistente (choro, silêncio, ideação suicida) são sintomas de agressão sexual, respondendo que, na sua análise, seriam mais indiciadores de um quadro depressivo. Perguntado se estes resultados “afastariam” um quadro de agressão sexual diz que não é incompatível, mas desconhecer qualquer estudo que aliasse essa tríade de sintomas a abuso sexual, enfatizando, porém, que pode haver quem, por ter trabalhado muitos casos de abuso, tenha o “feeling” de que esses sintomas se encontrem aliados a esse tipo de agressão.
Disse, a instâncias da defesa, que consequência comum nas depressões é uma lentificação do pensamento. Referiu que os antidepressivos têm, por regra, efeitos colaterais desagradáveis como a diminuição da libido (acrescentando mais à frente noutra parte do seu depoimento que não tem de ser assim inevitavelmente)
Colocada perante a medicação que estava ser ministrada à assistente (Valium, Risperdal e Cipralex) e o tempo durante o qual ela a tomava, concluiu não lhe parecer muito possível que a “toma destes medicamentos” pudessem alterar de modo significativo o seu processo volitivo.
Explicou que entre o médico e doente tem de se estabelecer uma relação de aliança terapêutica – tem de existir uma relação de confiança para que o tratamento tenha sucesso – coisa diversa do processo de transferência (em que o doente passa para o médico um conjunto de sentimentos) e contra-transferência que é suposto o terapeuta saber controlar, sendo neste jogo, que o processo terapêutico se vai gizando. Na relação médico/doente (e por maioria psiquiatra/doente) existe uma relação que não é simétrica e onde o médico tem uma situação de poder sobre o doente.
Perguntado qual a leitura que faria perante a conclusão de que a ofendida não apresentava, quando foi sujeita a exame médico, depois do sucedido, nenhuma lesão física, apesar de ter referido não ser perito na matéria, disse que esse facto pode indiciar que houve lubrificação vaginal.
Pedido para se pronunciar sobre o teor dos SMS “Já estou aqui à sua espera” – levaria a pensar numa personalidade ansiosa, mas mais à frente, contra instado, acabou por dizer que se tal procedimento estivesse já instituído entre o médico e doente, já a conclusão teria de ser diversa. Mais acrescentou que a existência deste SMS demonstra a sua possibilidade, ou seja que a doente sabia que podia dirigir-se directamente ao médico dessa forma, pois, como referiu, no que a si respeita, os seus doentes, não o abordam directamente, mas através da sua secretária – dando conta, p. ex. de que estão retidos no trânsito e que poderão chegar mais tarde -.
Do segundo, enviado por volta das 17:00 horas, onde a assistente refere “o que aconteceu não devia ter acontecido”, em sua opinião, baseada em 30 anos de função, esta formulação demonstra que quem a envia, ao menos tem uma margem de determinação relativamente ao que aconteceu. “Sinto-me suja” –
“Não quero voltar mais aí, acabaram-se as sessões para mim” – parece que seria redundante ser dita por alguém que foi violada, antes mais consentânea com o discurso de quem fez alguma coisa de que se arrepende.
“Sempre fui certinha” – parece a formulação de alguém que teve alguma coisa a ver com o que se passou.
Não lhe parece lógico que alguém que fosse violado estivesse a avisar o violador que não voltava mais ao seu contacto porque isso seria o expectável. Em sua opinião o teor das mensagens são mais reveladoras de alguém que tem para com outrem uma “relação” e que está a acabar com essa relação, pois ainda que tenha admitido que estes SMS traduzem agressividade, num registo de violação, seria mais espectável que fossem ainda mais agressivos.
Perguntado, pelo MºPº, se uma vítima que é surpreendida por uma relação de abuso por parte de uma pessoa de quem gosta e relativamente a quem tem (ou teve) uma relação de dependência, se poderia entender este tipo de reacção, acabou por concordar (aflorou as situações comummente conhecidas como Síndroma de Estocolmo mas a propósito destas fê-las surgir como mais plausíveis numa relação prolongada e não numa situação isolada). Colocada ainda a questão se, por causa da relação estabelecida e prolongada no tempo, o tipo de reacção, a uma hipotética situação de violação, poderia ser aquele que as mensagens demonstram (sem a agressividade esperada) disse que as mensagens não o excluíam – e concretizou dizendo que se lhe fossem dadas as mensagens para analisar e lhe fosse pedido que elaborasse um relatório, não concluiria pela evidência de uma não violação.
Perguntado se imagina, como técnica terapêutica, para tratamento de uma depressão o incentivo à masturbação excluiu-o em absoluto.
Mais adiante e inquirido sobre se admite a possibilidade de que alguém – que efectivamente tenha sido violada, não se “aperceba” de imediato, logo depois do sucedido, de que, o que se passou realmente, tenha sido uma violação, aceitou essa possibilidade, explicitando que pode haver um contexto em que o que vai aconteceu aparece num contexto de uma actuação “sediciosa” (foi mesmo esta a palavra empregue pela testemunha) de tal forma que a pessoa, só a posteriori se apercebe de que foi violada.
O facto é que ao ler “eu fui sempre certinha” essa asserção pode também comportar a hipótese de ter sido escrita por uma pessoa que, violada, tenha o receio de que a vejam como não sendo, depois do sucedido, certinha.
AB…, psicólogo, que disse conhecer o arguido há vários anos, por ter trabalhado com ele no …….
Esta testemunha foi confrontada com o teor do Relatório que foi junto ao processo (referindo que teve conhecimento do mesmo sem ser de modo profundo). Foi-lhe pedido que se referisse aos traços de personalidade do arguido. Enquanto amigo e colega de trabalho disse ter do arguido a ideia de uma pessoa afável, de trato fácil, interessante, com quem se pode manter uma conversa com interesse. Perguntado se alguma vez se apercebeu que o arguido tinha dificuldades em aceitar críticas, disse que não, pese embora terem tido “discussões acesas ” mas que estava pronto a mudar de opinião quando se apercebia que não tinha razão. Perguntado ainda se vislumbrou na personalidade do arguido alguma tendência para não ser “franco”, referiu que muitas vezes o arguido o procurou para tirar dúvidas que o assolavam o que, no entendimento da testemunha, contraditava esse “traço de personalidade”. Perguntado se o arguido é uma pessoa com pouca sensibilidade perante o sofrimento de terceiros, disse que o viu muitas vezes preocupado (com os filhos e com os utentes).
Questionado sobre se os testes usados na avaliação psiquiátrica do arguido estão aferidos para a população portuguesa disse que não, razão pela qual deles não se podem retirar conclusões. Referiu, no entanto, que podem servir de “indicação clínica”.
De seguida foi-lhe perguntado sobre o que consta dos SMS e se os mesmos são ou não compatíveis com uma violação recente, disse que lhe é difícil de conceber, a partir deles, essa possibilidade. Da ideia que tem desses SMS pareceu-lhe que eles transmitiam uma certa culpabilidade e que quem sente culpabilidade imiscuiu-se no acto, revelando arrependimento ou culpa. Estava à espera de SMS mais violentos, de mais raiva, o que acha que seria “mais normal”
Concretamente perguntado pelo advogado da assistente que partes do SMS é que seriam reveladores de arrependimento referiu que seria o segmento: “o que aconteceu não devia ter acontecido”.
Também referiu que em situações traumáticas, pessoas diferentes reagem de modos diferentes e que as coisas não são lineares.
Perguntado ainda se “a culpa” pode aparecer associada a uma violação – ou seja se quem é vítima desse acto pode sentir-se culpada dele -, disse que sim, mas que normalmente não imediato sendo antes algo que surge mais afastado no tempo.
Ainda falou sobre a preparação que tem de existir e existe na formação de um analista para lidar com “transferências e contra transferências” que existem num processo terapêutico deste tipo, o qual foi descrito como sendo de grande proximidade afectiva.
AC…, psicólogo clínico, ……… (desde Setembro de 2006), conhece o arguido há cerca de 12 anos, como colega, apesar de nunca ter trabalhado directamente com ele.
Perguntado disse que, enquanto director de serviços, não teve conhecimento de problemas disciplinares com o arguido. Soube que antes, por volta de 2002, o arguido foi alvo de um processo disciplinar, que foi posteriormente arquivado e que o próprio director que suspendeu o arguido também não era uma pessoa muito fácil.
Tendo-lhe sido pedido que caracterizasse o arguido, referiu-o como uma pessoa afável, bom conversador, participativa, com facilidade em fazer amigos, disponível e que estabelece bom relacionamento com utentes e colegas. Soube que ele passou um mau bocado sob o ponto de vista pessoal aquando da sua separação.
Perguntado se alguma vez surpreendeu traços de carácter no arguido de insensibilidade perante a dor alheia, disse que não. Disse que acha o arguido uma pessoa sensata.
AD…, empresário, amigo do arguido há 33 anos. Disse que o arguido é um bom amigo, uma pessoa que se preocupa com as outras, um excelente pai. Perguntado se tem do arguido a ideia de que é uma pessoa pouco sensível às críticas disse que não. Contou até um caso passado com a testemunha – relacionado com um problema de saúde da sua mulher – em que o arguido mostrou ser muito solidário e preocupado. Na sua opinião o arguido não revela tendência auto-desculpabilizante. Disse ainda que o arguido tem muitos amigos, sendo uma pessoa respeitada e respeitadora.
AE…, jornalista, amigo do arguido há 25 anos. Esta testemunha disse ter a ideia de que o arguido é uma pessoa inteligente, preocupada com os filhos, que gosta de estar com os amigos, relativamente reservada. Disse que não lhe reconhece, como traços da sua personalidade, insensibilidade à dor alheia ou má reacção às críticas. Disse ainda que é uma pessoa bem inserida socialmente e com muitos amigos.
Ainda:
A análise dos documentos juntos aos autos, a saber: Perícia de Natureza Sexual de fls. 33 a 37, auto de exame pericial a telemóvel de fls. 176; perícia do TNML- GML de …, a fls. 218 e ss; Relatórios Periciais de Criminalística Biológica, de fls. 223 e de fls. 134 e ss; Relatório de Psiquiatria Forense, de fls. 234 e ss; relatório social elaborado para julgamento e junto a fls. 552 a 559, para se dar por assentes os factos pessoais e o percurso de vida do arguido; relatório de perícia psicológica efectuada ao arguido e junta a fls. 645 a 653
*****
Depois de aturado e atento cotejo de toda a prova produzida o Tribunal formou a sua convicção sobre os factos que acima se deram como provados porquanto:
Por regra, nos crimes sexuais, a prova exaure-se com as declarações do(a) arguido(a) e da(o) ofendida(o), com a apreciação de alguma prova pericial que se tenha no processo, com o depoimento das testemunhas indicadas pela acusação e pela defesa as quais, não sendo, por regra e pela natureza do crime, presenciais, aportam ao tribunal factos meramente indiciadores do que cada um percepcionou como sendo reveladores da culpabilidade ou da inocência do acusado, da verdade ou da falsidade do que foi denunciado pela vítima.
No caso em apreço, depois das declarações do arguido e da assistente, depois de se ouvirem as testemunhas arroladas pela acusação e pela assistente, o arguido trouxe ao processo, para deporem como testemunhas, médicos, reputados especialistas na área da psiquiatria e da psicanálise, psicólogos, tendo estes, sobretudo, vindo a Tribunal, fazer a exegética de mensagens enviadas pela assistente ao arguido algum pouco tempo depois do ocorrido.
Analisando o conteúdo das referidas mensagens de texto quase todos propenderam para a conclusão de que aquele era incompatível com o que diria uma pessoa a outra que a tivesse acabado de violar.
Ao invés, retiraram dos textos, e das proposições que os compunham, a comprovação de que a ofendida daquela forma, como que estaria a «terminar uma relação “afectiva”, “amorosa”», dando assim consistência à versão do arguido de que a relação sexual, que confessadamente manteve com a ofendida, tinha sido, por ela, consentida.
Mas neste esforço hermenêutico houve algo de tautológico; uma proposição só é verdadeira se traduzir a realidade do sucedido. Ou seja o que está escrito não é em si, ou por si só, verdadeiro ou falso.
Não é pelo facto de se enviar a alguém o texto dizendo: «bandido, violaste-me!» que se prova que uma violação existiu.
Chamando à colação uma obra que foi para nós, noutro tempo, objecto de interessado estudo, o “Tratado Lógico-Filosófico” de Ludwig Wittegenstein, aí se respiga o seguinte: “A proposição é a descrição de um estado de coisas. Tal como a descrição de um objecto é feito segundo as suas características externas, assim a proposição descreve a realidade segundo as suas propriedades internas. A proposição constrói um mundo com a ajuda de um andaime lógico, e por isso se pode também ver na proposição, como tudo se relaciona logicamente se ela é verdadeira. É possível tirar inferências de uma proposição falsa”. (sublinhados nossos) (…) “A imagem representa o que representa, independentemente da sua verdade ou falsidade. A concordância ou não concordância do seu sentido com a realidade, constitui a sua verdade ou falsidade.”
E quando aqui se fala de verdadeiro e de falso, entendemos nós, e assim deve ser entendido o que estamos dizendo, quando tem correspondência com a realidade ou quando esta correspondência falece.
O que fizeram os exegéticos foi partir do pressuposto que as proposições eram a realidade e não a imagem que a ofendida, num contexto pessoal muito próprio, criou dela. Elas revelam tão só o modo como a assistente falou do sucedido. De modo pouco lógico? Talvez. Mas daí partir para a sua inexorável inadequação ao sucedido é que é temerário, coisa que nenhuma das testemunhas, em abono da verdade, se abalançou a fazer de modo categórico. Excepção apenas para o depoimento prestado pela testemunha X…, reputado e Ilustre Professor Catedrático de Psiquiatria, o qual, salvo o devido respeito que é muito e que não verberamos apenas de modo formal, prestou o depoimento mais assertivo, mais concludente mas, também, o menos credível de todos os que, a este propósito foram ouvidos. Desde logo porque se aprestou a comentar o conteúdo das mensagens, dizendo ao Tribunal que as estava a ler pela primeira vez, que nunca antes as tinha visto, que delas sequer tinha falado com o arguido e perante as quais, apenas numa primeira leitura, sem mais, conseguiu concluir pela incompatibilidade total do seu teor com a versão da ofendida. Por vezes, até aos mais reputados técnicos, faz falta ouvir a voz dos poetas que nos dizem, na singela profundidade que apenas a poesia é capaz de acolher: “ Olhar para as coisas é fácil e vão// por dentro das coisas é que as coisas são”.[1] Mas, de todas as testemunhas ouvidas, esta foi a que, como dissemos, menos credibilidade mereceu, exactamente por dizer desconhecer o que seguramente conhecia, quer no que respeita a estes concretos factos (não é expectável que o arguido sequer tivesse tido uma conversa com a testemunha e lhe tivesse referido a existência e o conteúdo destes SMS), quer ainda e muito particularmente, estudos e posições acerca da problemática da violação e das diversas reacções das vítimas que, qualquer “curioso” na questão, seguramente conhece. Assim, na sua proficiência, concluiu esta testemunha que se os SMS dissessem “bandido violaste-me” estaria feita a prova do crime! Quem dera que a vida e a realidade das coisas fosse assim tão simples!.
Mas olhemos a realidade de outro prisma; agora da perspectiva das coisas tal como a elas se referiu o arguido. É certo que ele não estava “obrigado” a dizer nada, poderia ter-se quedado pelo silêncio; é-lhe permitido por lei. Mas o facto é que falou e o que disse não pode ser olvidado. Refutou quaisquer abordagens de cariz sexual nas outras consultas anteriores que duravam há já cinco meses (tais como conversas, toques, perguntas, sugestões…). Descreveu então uma situação única, anómala e descontextualizada de tudo o mais que entre médico e paciente durante cinco meses de consulta se teria passado, casual, que lhe coube viver, durante uma consulta com a paciente (aqui ofendida), numa altura determinada em que, apalpando-lhe as mamas, para ver se tinha algum problema que a impedisse de amamentar – este seria um dos medos verbalizados pela ofendida que, ao arguido, como seu médico, incumbia arredar - diz que sentiu um clima de excitação mútua, que levou a que ambos se levantassem, e que a ofendida lhe colocasse as mãos à volta do pescoço, momento em que lhe terá retorquido – “estás grávida”-. Ao ouvir isto a ofendida virou-se de costas encostou-se a um sofá e tiveram relações. E esta sua versão dos factos não foi aquela que, de modo espontâneo, verbalizou da primeira vez em que os referiu. A concretização dos factos foi-a fazendo, à medida que lhe foram sendo colocadas questões. Houve até um momento no seu depoimento em que lhe foi perguntado como é que se despediu, nesse dia, da assistente, depois do sucedido, tendo respondido que se cumprimentaram de mão, como sempre, que nunca se beijaram a não ser nesta situação... Porém, nunca no seu relato, nem o que fez primeiramente de modo espontâneo, nem aquele que foi dando à medida que lhe foram sendo colocadas questões, o arguido se referiu a beijos…
Ora, mesmo despidos de todos os complexos ou pré-juízos de cariz sexista, como entender o comportamento de uma mulher, que nunca teve qualquer conversa, abordagem, envolvimento com um homem, homem esse que vê e com o qual se relaciona num contexto estritamente profissional que, para mais, se encontra em avançado estado de gravidez, deprimida e em tratamento prolongado a essa depressão, medicada com fármacos que, comprovadamente, actuam sobre a libido, diminuindo-a, e se vira de costas para ter uma relação sexual, pela primeira vez que entre os dois existe (admitamo-lo) um clima de excitação mútua? Será este um comportamento explicável à luz da normalidade das coisas? E mesmo se assim fosse seria normal que a relação, a ter sido gerada neste contexto, terminasse sem nada mais? Sem que o arguido “convidado” a esse envolvimento e tendo a ele acedido, nada mais dissesse à ofendida, com a qual se tinha acabado de relacionar, pela primeira vez, de modo tão íntimo, não se esquecendo de lhe entregar uma receita médica, que testemunha providencialmente colocada perto da porta de saída da casa ainda viu na sua mão? E apenas se chama à colação a “normalidade das coisas” porque foi com base em “critérios de normalidade” que a interpretação dos textos foi sendo feita pelas diversas testemunhas arroladas pelo arguido.
Da análise das declarações da assistente temos um relato mais consistente, mais compreensível, mais “lógico” sobre o modo como as coisas se passaram, razão pela qual, o Tribunal lhe deu total credibilidade.
Vejamos:
Aquele dia de consulta não foi o primeiro em que o arguido efectuou uma abordagem de cariz sexual à sua paciente. Já por outras vezes a tinha tocado intimamente, pretextando técnicas de relaxamento perante o quadro de aflição e de ansiedade que apresentava e que o arguido, dessa forma dizia “estar a tratar”. Dizia-lhe para se masturbar em casa e chegou a fazê-lo ele próprio no consultório referindo-lhe para não ter qualquer problema com ele porque era o seu médico. De modo perfeitamente espontâneo, sem ter sido, a propósito formulada qualquer questão, a assistente disse que o arguido, de outras vezes, em outras consultas, lhe colocava questões sobre a sua vida sexual perguntando-lhe se tinha sexo oral com o seu marido e se ele ejaculava…contando depois o sucedido naquele dia.
Fez esse relato revelando ainda forte abalo emocional ao reviver a situação. A forma como contou as coisas, os pormenores anódinos que espontaneamente introduziu no discurso tais como: virou-me, puxou-me as calças e ejaculou, disse, sabendo nós que houve penetração (porque o admite o próprio arguido e porque o revelou os exames e as perícias a que se sujeitou a assistente), mas à qual sequer alude e, mais adiante; “depois nada disse, deu-me um guardanapo para me limpar…,” revelam espontaneidade no seu relato e conferiram ao que disse credibilidade.
O arguido perante a evidência dos exames periciais acabou admitindo ter tido relações sexuais com a assistente mas continuou a negar os anteriores avanços de cariz sexual, os contactos corporais (massagens, masturbação).
Contudo fazendo o cotejo entre as declarações prestadas pela assistente e o depoimento de algumas das testemunhas ouvidas sustentam e credibilizam a versão da assistente.
Desde logo o depoimento prestada pela mãe da assistente e a Drª P…, ao referirem ter tido conhecimento, antes do sucedido, de que o arguido incentivava a assistente a masturbar-se e que ele próprio o tinha feito, a primeira porque lho disse a sua filha, a segunda porque lho tinha dito a mãe da assistente, aconselhando-se com ela e perguntando-lhe se tal seria normal evidenciam que o comportamento do arguido se foi desenvolvendo num crescendo de abordagens de cariz sexual.
Também os depoimentos das testemunhas médicas, que atenderam a assistente, quando esta deu entrada no …, deram conta que o relato que fez do sucedido, no essencial, foi sempre o mesmo. Todas elas referiram o profundo sofrimento revelado pela assistente, a sua “apatia” e choro, a dificuldade em verbalizar o que com ela tinha acontecido.
Ainda muito importante o depoimento prestado pela testemunha Q…, inspector da P.J. que teve a seu cargo a investigação do processo, que de modo totalmente isento, coerente e credível disse que, durante a investigação em momento algum colocou em dúvida a versão da assistente referindo que o arguido foi adequando o seu comportamento aos dados que iam sendo conhecidos no processo, demonstrando ser uma pessoa muito “auto-centrado, justificando o seu comportamento com o comportamento das outras pessoas”, depoimento que, em larga medida, o exame de avaliação psicológica efectuado ao arguido veio confirmar.
Por último importa ainda referir que a defesa do arguido veio juntar ao processo fotografias do interior da sua residência, onde o arguido dava as consultas. Aceite pela assistente que a disposição dos móveis era aquela com que se deparava quando aí era consultada, colocou, a defesa do arguido, o enfoque particularmente no facto de, sendo o local onde as consultas decorriam a sala da residência de tipologia T1, para a qual se acede directamente da porta de entrada (não existindo, portanto qualquer hall no interior), estando os sofás onde arguido e assistente se sentavam muito próximos da porta, a assistente não teria gritado, não se teria debatido porque, se o tivesse feito, ouvir-se-ia no exterior.
Trouxe o arguido duas testemunhas – um agente policial e um trabalhador da construção civil – dizendo, o primeiro, que tinha estado sentado nas escadas interiores do prédio – naquele dia preciso - que se situam em frente da entrada do apartamento do arguido, esperando ser por ele atendido. Contudo, o depoimento desta testemunha não mereceu qualquer credibilidade. Antes de mais porque a testemunha não conseguiu dizer porque é que sabia que tinha estado naquele dia no consultório, mas também pela forma atrabiliária como justificou a “consulta” que afinal não era mas antes uma conversa; depois porque a assistente disse que, naquele dia, durante o tempo em que esteve no interior da residência do arguido ninguém tinha tocado à campainha, e, nesta parte não há qualquer razão para colocar em dúvida as suas declarações. Acresce que, antes das escadas, existe, como se vê claramente nas fotografias, uma porta, que normalmente está fechada (como também o documentam as fotografias), tanto mais que a própria assistente que durante cinco meses ali se deslocou sequer sabia que, por detrás dela, existiam escadas, não se compreendendo portanto, como é que esta testemunha, que não se deslocava ali habitualmente, as descobriu para ali se sentar. Acresce ainda que foram ouvidas outras testemunhas que se consultavam com o arguido, não havendo uma única que referisse ter tido de esperar tanto tempo para ser atendido e ter usado essas escadas para ali se sentarem enquanto esperavam, mesmo aquelas que admitiram tê-lo feito algumas vezes no hall interior do prédio.
Quanto ao trabalhador da construção civil ouvido, referiu que estava a trabalhar num outro apartamento do rés-do-chão e que nada ouviu, o que sequer é de estranhar, mal fora que ouvisse…pois estava dentro de outro apartamento, ocupado no seu ofício.
O que se ouvia, quando se estava dentro da residência do arguido e que todas as testemunhas instadas a este propósito referiram, são os barulhos que, em todos os apartamentos se ouvem quando estão situados paredes meias com a caixa do elevador, como era o caso. As portas do elevador a abrirem, pessoas a falarem enquanto esperam pela sua chegada, alguns ruídos mais intensos vindos dos apartamentos que se situam por cima. Porém todas referiram que nunca tinham tido a sensação de estarem as suas consultas a ser devassadas por quem se colocasse no exterior.
Mas há um aspecto, nada despiciendo, que as fotografias evidenciam; é que o arguido não podia, encontrando-se ambos sentados como ele próprio referiu, fazer a palpação mamária como disse ter feito porque, estando sentado no sofá que se situa junto da porta e a assistente no sofá colocado em frente deste, isso era-lhe fisicamente impossível, não poderia, sentado, chegar com as suas mãos às mamas da assistente sendo este um elemento mais para descredibilizar a versão dos factos por si apresentada. Por último ainda referir que o arguido juntou também uma fotografia onde se coloca de pé junto da referida marquesa (ou divã) querendo desta forma evidenciar que a versão da assistente era inverosímil quando disse que, estando ali deitada sentiu o pénis do arguido roçando-lhe as pernas, pois o sofá é bastante mais baixo. A assistente da primeira vez que, de forma espontânea relata este facto, diz que sentiu as pernas do arguido e que se apercebe que está excitado e se levanta. Há um pormenor que se está a olvidar, é que a assistente diz que o arguido estava a massajar-lhe os seios, estando ela deitada. Ora para isso, o arguido tinha de estar inclinado, baixado sobre a assistente porque, de outra forma, como das fotografias decorre, também não lhe chegaria com as mãos.
Por último referir ainda que, ouvidas todas as testemunhas que conhecem o arguido, nenhuma delas foi capaz de, de forma segura dizer se o arguido estava ou não habilitado a fazer psicanálise. Todos referiram que o arguido é sócio da sociedade portuguesa de psicanálise que já tinha feito aulas de psiquicodrama, etc, falando cada uma das testemunhas ouvidas sobre o assunto com alguma dúvida sobre o verdadeiro estatuto profissional do arguido. Mas desvalorizamos esta questão, como também não demos demasiado relevo às conclusões do relatório de análise psicológico elaborado ao arguido, apenas o valorando na parte em que, algumas características de temperamento aí referidas foram confirmadas por outra via (concretamente testemunhal).
Assim depois de analisada ponderadamente toda a prova produzida, segundo as regras de experiência comum, se concluiu, para além da dúvida razoável, ter o arguido praticado os factos que acima se deram como provados.
No que concerne aos factos do Pedido de Indemnização Civil eles resultaram provados em função dos depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas (E…, O…, P…, T… e U…).
Os factos não provados foram-no porque relativamente a eles não se fez prova sendo que determinados segmentos constantes da acusação não se deram como provados por serem conclusivos.»
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III – O DIREITO
Tendo sido documentada a prova produzida em audiência de julgamento, os poderes de cognição deste tribunal abrangem a matéria de facto e de direito (art.º 428.º do C.P.P.).
No entanto, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[2], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[3].
Pese embora a ordem por que foram apresentados os requerimentos de interposição de recurso - sendo o do arguido apresentado em último lugar -, determinasse a respectiva ordem de apreciação neste Tribunal, impõe-se que se dê preferência ao recurso do arguido, na medida em que a sua eventual procedência, designadamente quanto à impugnação da matéria de facto, poderá tornar inútil o conhecimento dos restantes.
No requerimento de interposição de recurso, o arguido impugna a forma como o tribunal recorrido efectuou a apreciação da prova produzida em julgamento, alegando que o depoimento da assistente (com base no qual o tribunal recorrido alicerçou essencialmente a sua convicção) apresenta discrepâncias e contradições que lhe retiram credibilidade, e que o mesmo conflitua com o depoimento prestado pelo pai e pela mãe da assistente, que foram as primeiras pessoas com as quais aquela contactou, e de imediato, após ter saído do consultório do arguido.
É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[4].
No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do C.P.Penal.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa[5].
Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P.Penal:
«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.).
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.). É nesta exigência que se justifica, materialmente, o alargamento do prazo de recurso de 20 para 30 dias, nos termos do artigo 411.º, n.º4.
Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008[6], a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º][7].
Como se constata da leitura quer da motivação, quer das conclusões do recurso, o recorrente cumpriu escrupulosamente o regime prescrito nos n°s 3 e 4 do citado preceito legal.
Alega o recorrente que a divergência entre a versão constante da acusação e a que foi “vazada” no acórdão recorrido, “deixa a descoberto errâncias e devaneios da assistente, que socavam, de modo irreparável, a credibilidade do seu depoimento”.
Ora, como vem sendo entendido de modo uniforme pela jurisprudência dos tribunais superiores: “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”[8].
Consequentemente, a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do Recorrente sobre a prova produzida.
Efectivamente, o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”[9].
Essa apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera dúvida gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; tem como valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.
Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da “liberdade para a objectividade[10].
Também a este propósito, salienta o Prof. Figueiredo Dias[11] “a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo”.
É na audiência de julgamento que tal princípio assume especial relevo, tendo, porém, que ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, o que resulta do art. 374° n° 2 do Código de Processo Penal.
Assim, a livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido de responsabilidade e bom senso.
O tribunal superior pode verificar se na sentença se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum[12], mas, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1ª instância que está em melhores condições para fazer um adequado uso do princípio de livre apreciação da prova. O art. 127° do Código de Processo Penal indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova[13].
É que uma coisa é ouvir, ver, apreciar gestos, as hesitações ou o tom de voz e outra, bem diferente, é ouvir uma gravação.
E é de tal envergadura a importância do princípio da oralidade que o Prof. A dos Reis afirmava[14] “A oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema da prova legal.... Ao juiz que há-de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar”.
E estes factores têm de ser tidos em conta mesmo no caso dos presentes autos, em que as provas se encontram gravadas.
Vejamos, então, se o acórdão proferido pelo Tribunal a quo assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova, com especial incidência sobre a prova testemunhal, na medida em que, como se sabe as testemunhas são, na expressão de Bentham, “os olhos e os ouvidos da justiça. É por meio delas que o juiz vê e ouve os factos que aprecia”[15].
Cabe, assim, ao tribunal de recurso verificar, controlar, se o tribunal “a quo”, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio de livre apreciação da prova, aferindo da legalidade do caminho que prosseguiu para chegar à matéria fáctica dada como provada e não provada, sendo certo que tal apreciação deverá ser feita com base na motivação elaborada pelo tribunal de primeira instância, na fundamentação da sua escolha – ou seja, no cumprimento do disposto no artº 374º nº2 do C.P.Penal, face à documentação da audiência.
Nos crimes de natureza sexual, por força das circunstâncias e do ambiente de secretismo que rodeia o seu cometimento, a prova é particularmente difícil, na medida em que escasseia a prova testemunhal directa e, regra geral, só o arguido e a vítima têm conhecimento da maioria dos factos.
Daí que muitas vezes o único elemento de prova existente se resuma às declarações do arguido e da própria vítima e de alguns elementos instrumentais (designadamente exames periciais) que, conjugados entre si e com recurso às regras da experiência comum, permitem chegar à prova plena.
No caso sub judice, aliás, o tribunal recorrido reconhece precisamente essa limitação da prova, referindo na fundamentação de facto do acórdão que “se, com tanto detalhe, nos atemos aos depoimentos do arguido e da ofendida, é porque estamos a julgar um crime de violação, um crime muito especial, que se perpetra, por regra, em privado, sem a presença de quaisquer testemunhas”.
Ponderando as referidas limitações, cumpre verificar, ponto por ponto, se os erros concretos de julgamento, indicados pelo recorrente, de facto existem e, na afirmativa, proceder à sua correcção.
Sustenta o recorrente que o Tribunal recorrido não poderia ter considerado provado que “o arguido começou a roçar partes do seu corpo no corpo da ofendida”, uma vez que tal asserção não corresponde ao depoimento prestado pela assistente, depoimento esse em que o tribunal alicerçou a sua convicção.
Por outro lado, (e ainda como sustenta o recorrente) ao contrário do que consta do acórdão, a assistente não afirmou que “para lhe introduzir o pénis na boca, o arguido lhe agarrou os cabelos”. A assistente disse apenas que o arguido lhe agarrou a cabeça.

Por se revelar de crucial relevo para a apreciação da matéria em causa, importa, antes de mais, efectuar uma análise comparativa da descrição factual constante da acusação deduzida pelo Mº Público e a matéria de facto que o tribunal colectivo considerou provada, essencialmente no que respeita à prática dos factos imputados ao arguido, tendo presente que tal materialidade se poderá entender como constituindo actos materiais distintos, embora subsequentes.
Ou seja, num primeiro momento e segundo a versão vertida na acusação, «… o arguido disse-lhe para se deitar na marquesa, ao que a ofendida acedeu; o arguido começou então a massajar-lhe o tórax e os seios, e, exibindo-lhe o pénis erecto, disse-lhe para o acariciar. Como a ofendida se negou, o arguido agarrou-a pelos cabelos e, puxando-lhe a cabeça, tentou introduzir-lhe o pénis na boca, enquanto lhe dizia “estou muito excitado” e “vamos, querida, vamos”».
Num segundo momento (e ainda de acordo com a acusação) «a ofendida levantou-se e tentou dirigir-se para a porta de saída; no entanto, o arguido agarrou-a pelas costas, e desceu-lhe as calças que então envergava; face à resistência da ofendida que, chorando, lhe pedia que a deixasse sair, e se debatia, tentando libertar-se … o arguido imobilizou-a, agarrando-a pelas ancas com as ambas as mãos … e introduziu o pénis erecto na vagina da ofendida por repetidas vezes, até ejacular no seu interior».

No acórdão recorrido o tribunal colectivo considerou provado que os factos decorreram em três momentos distintos, ou seja:
1 – “… a ofendida começou a chorar, tendo-lhe o arguido dito para se deitar na marquesa (ou divã) – ao que esta acedeu; o arguido começou então a massajar-lhe o tórax e os seios e a roçar partes do seu corpo no corpo da ofendida”;
2 – “Esta levantou-se do dito divã e sentou-se no sofá; o arguido foi então escrever uma receita; quando voltou com ela, aproximou-se da ofendida, exibiu-lhe o seu pénis erecto e meteu-lho na boca, para tanto agarrando-lhe os cabelos e puxando-lhe para trás a cabeça, enquanto lhe dizia “estou muito excitado” e “vamos, querida, vamos”;
3 – “A ofendida reagiu, levantou-se e tentou dirigir-se para a porta de saída; no entanto o arguido … agarrou-a, virou-a de costas, empurrou-a na direcção do sofá fazendo-a debruçar-se sobre o mesmo, baixou-lhe as calças (de grávida) e introduziu o pénis erecto na vagina, até ejacular”.

A explicitação dos factos imputados ao arguido, constante da acusação e do acórdão recorrido não teria interesse, de per si. Contudo, a sua relevância decorre da circunstância de cada uma daquelas peças processuais se basear em diferentes descrições factuais efectuadas pela ofendida, em primeiro lugar aquando da apresentação da denúncia na PSP de … (cfr. fls. 23 e ss) e, finalmente, em audiência de julgamento.
Com efeito, efectuando uma análise comparativa entre a versão apresentada pela assistente aquando da apresentação da queixa e a descrição feita em audiência de julgamento – através da audição do suporte magnetofónico junto aos autos - conclui-se que existem alterações significativas, susceptíveis de abalar a credibilidade das declarações da assistente.
Como resulta do auto de denúncia a fls. 23 vº, a assistente (então na qualidade de denunciante) referiu que “o médico a mandou deitar numa marquesa existente naquele consultório ao que acedeu de livre vontade. (…) O médico começou por lhe fazer pequenas massagens na zona do tórax, alongando estas massagens aos seios (…). No decurso das massagens, o médico levantou-se, ficando de pé, momento em que dizia à denunciante para lhe acariciar o pénis. Em face deste comportamento, a denunciante levantou-se da marquesa, sentando-se, pedindo-lhe para lhe passar a receita para se ir embora. Entretanto o Dr. passou-lhe a receita e quando lha ia entregar, tirou o pénis para fora das calças e pediu-lhe para dar uns beijos no pénis (…). Como a denunciante não acedeu de livre vontade, obrigou-a a beijar-lhe repetidamente o pénis (…)”.
Ora, em audiência de julgamento, quando descreve ao Tribunal a forma como os factos ocorreram, a assistente refere: “Deitou-me na marquesa e, a certa altura, começa a roçar as pernas dele na minha. E eu imediatamente me levantei e sentei-me no sofá porque precisava de uma receita médica. Ele passou a receita e quando veio entregar a receita médica, ele estava de pé, eu estava sentada, tirou o pénis para fora e meteu-mo na boca à força, agarrando-me na cabeça”.
Ou seja, enquanto na denúncia a assistente não refere que o arguido tenha roçado qualquer parte do respectivo corpo no corpo da denunciante, dizendo-lhe antes para lhe acariciar o pénis e, no momento em que o retira para fora das calças, pediu à denunciante para lhe dar uns beijos no pénis, na audiência de julgamento a assistente não refere qualquer pedido de carícias ou de beijos, mas antes que o arguido meteu o pénis, à força na boca dela agarrando-a na cabeça.
Por outro lado, a instâncias do Sr. Procurador, a assistente refere, não que o arguido tenha roçado as pernas dele na perna dela, mas sim que roçou o pénis na sua (dela) perna. Transcrevendo o interrogatório, para melhor apreensão:
(…) Sr. Proc.: Continue, D. C…, continue. Tocou-lhe no peito, tocou-lhe nas mamas… E nessa altura tentou tocar-lhe em mais alguma parte do seu corpo?
Assist: Simplesmente roçou o pénis dele nas minhas pernas.
Sr. Proc.: Tocou o pénis. Como é que ele fez, estando de pé? Ele deitou-se em cima de si? Como é que ele fez?
Srª Juíza (interrompendo): Estava vestido, o que é … roçou, não é?
Assist: Exacto.
Sr. Proc.: Portanto, ele estava de pé e roçou o pénis na sua perna, não é?
Assist. De imediato, me levantei.
Sr. Proc. O pénis estava erecto?
Assist: Sim.
Sr. Proc.: E a Srª o que é que lhe disse?
Assist. Ele disse que não era normal isso acontecer, como médico, mas que estava excitado.
Sr. Proc.: E nessa altura, quando a Srº sente que ele se roça em si com o pénis erecto, ele já o tinha tirado para fora das calças, ou não?
Assist. Não, estava dentro.

Embora possa parecer que constituem meros pormenores, tais divergências ou discrepâncias (consistente na variação da descrição dos factos) assumem particular relevo face ao valor probatório que o tribunal recorrido atribuiu às declarações da assistente. Por outro lado, não se encontrando a denúncia abrangida pela proibição de valoração a que aludem os artºs. 355º a 357º do C.P.P.[16], não estava o tribunal recorrido impedido de a apreciar a fim de verificar a dis/semelhança das versões da assistente – ainda que, com o seu teor, não tenha sido confrontada em audiência – como não está proibida uma tal verificação a este Tribunal de recurso, por não se tratar de documento processualmente novo.
Perante as apontadas discrepâncias na descrição dos factos por parte da assistente, fica-se sem saber se, efectivamente, quando massajava o tórax e os seios da assistente, o arguido começou por roçar as pernas dele na perna daquela ou qualquer outra parte do corpo ou, antes, se lhe pediu para lhe acariciar o pénis.
Assim sendo, não podia o Tribunal recorrido ter concluído (como concluiu) que o arguido “roçou partes do seu corpo no corpo da ofendida”.
Impõe-se, assim, proceder à correcção do parágrafo 5º dos factos provados (v. fls. 2 do acórdão recorrido) que passará a ter a seguinte redacção:

“O arguido começou então a massajar o tórax e os seios da ofendida”.
*
Alega ainda o recorrente que o terceiro facto que o acórdão considerou provado está em contradição com o depoimento da assistente, na medida em que ao contrário do que consta do acórdão, a assistente não afirmou que, para lhe introduzir o pénis na boca, o arguido lhe agarrou os cabelos, disse apenas que o arguido lhe agarrou a cabeça.
Tendo-se procedido à audição das declarações prestadas pela assistente em audiência, através do suporte magnetofónico, verifica-se que, a instâncias da Srª Juíza Presidente, a assistente refere:
“Ele passou a receita e quando veio entregar a receita médica, ele estava de pé, eu estava sentada, tirou o pénis para fora e meteu-mo na boca à força, agarrando-me na cabeça.”
E a instâncias do Sr. Procurador, a assistente declara o seguinte (transcrição):
Sr. Proc.: Nessa altura, a Srª sai da marquesa e vai para onde?
Assist.: Para o sofá.
Sr. Proc.: E ele?
Assist.: Ele vai passar-me a receitinha que eu precisava para os medicamentos.
Sr. Proc.: Onde é que ele passava a receita?
Assist.: No tal móvel.
Sr. Proc.: Que era uma secretária, então?
Assist.: Sim, ficava atrás do sofá.
Sr. Proc.: Passou-lhe a receita e depois?
Assist.: Ao entregar-me a receita, quando eu estava mais baixa e ele bastante mais alto, tirou o pénis dele e meteu-mo na boca.
Sr. Proc.: E a Srª recusou, claro?
Assist: Claro!
Sr. Proc.: Mas ele fez algum gesto que a forçasse a manter o pénis dele na sua boca?
Assit. Sim, com a cabeça. Agarrando-me na cabeça.
E, mais adiante, a instâncias do ilustre mandatário do arguido:
Adv. do arguido: D. C…, vamos àquele episódio do pénis na boca. A Srª. estava sentada, o Dr. introduziu-lhe o pénis na boca. O Dr. disse-lhe que era uma nova terapia. Isso foi antes ou depois de lhe introduzir o pénis na boca?
Assist. Depois.
Adv. do arguido: Porque é que a Srª não fechou a boca, um gesto tão simples?
Assist: Não consegui.
Adv. do arguido: Não conseguiu porquê?
Assist. Porque ele me agarrou.
Adv. do arguido: Pela cabeça, já o disse. E isso impedia-a de fechar a boca?
Assist: Sim.
(…)

Da transcrição a que se procedeu resulta que, em momento algum, a assistente declara que o arguido lhe agarrou os cabelos e, muito menos, que lhe puxou para trás a cabeça.
O que se depreende das declarações da assistente é que o arguido lhe meteu o pénis na boca tendo, para esse efeito, agarrado na sua cabeça.
É certo que a testemunha E…, mãe da assistente, no seu depoimento faz alusão ao “puxar os cabelos”, quando a instâncias do Sr. Procurador, refere (transcrição):
Sr. Proc.: Ouça, a Srª começou por dizer que retinha o essencial e o essencial foi que ele abusou dela.
Test.: Pois. Mas eu, na minha memória, claro que eu tento esquecer o assunto, mas sei aquilo que a minha filha me contou. Que a deitou na marquesa, que lhe tirou o pénis e queria que lhe fizesse …
Sr. Proc.: Sexo oral?
Test.: Sim. E ela que se levantou e ele que lhe puxou pelos cabelos e depois que a agarrou por trás (…).
Contudo, constituindo o depoimento da testemunha E…, na parte acabada de transcrever, um depoimento indirecto (por relatar o que ouviu dizer à sua filha, assistente), não resulta das actas de audiência que o tribunal tenha observado nessa parte o formalismo previsto no artº 129º nº 1 do C.P.P., chamando de novo a assistente para a confrontar com o depoimento da testemunha sua mãe.
Assim sendo, não podia o depoimento da testemunha, nessa parte, ter servido como meio de prova, uma vez que não foi confirmado, em audiência, pela pessoa que lhe terá transmitido aqueles factos, neste caso a sua própria filha e assistente.
Conclui-se assim que o acórdão recorrido não espelha, nessa parte, a prova produzida em audiência de julgamento, impondo-se por isso a alteração do parágrafo 6º do acórdão (cfr. fls. 2) que passará a ter a seguinte redacção:

“Esta levantou-se do dito divã e sentou-se no sofá. O arguido foi então escrever uma receita. Quando voltou com ela, aproximou-se da ofendida, exibiu-lhe o seu pénis erecto e meteu-lho na boca, para tanto agarrando-lhe a cabeça, enquanto lhe dizia “estou muito excitado” e “vamos, querida, vamos”.
*
Alega ainda o arguido/recorrente que as condições acústicas do imóvel permitem que sejam audíveis, no hall do prédio, quaisquer ruídos, vozes ou barulhos provenientes do interior e que, tendo o arguido conhecimento desses factos, exporia a sua conduta à mais do que provável detecção por terceiros.
Contudo, os factos relacionados com as condições acústicas do imóvel mostram-se completamente inócuos, na medida em que o acórdão recorrido não considerou provado que a assistente tenha proferido gritos ou qualquer expressão em tom de voz elevado e, muito menos que os mesmos fossem audíveis na parte exterior do consultório.
Acresce que o conjunto da prova produzida em audiência não permite extrair a conclusão de que, sendo conhecedor das alegadas condições acústicas, o arguido não tivesse previsto a possibilidade de qualquer grito que fosse proferido e pudesse ser ouvido no exterior e se tivesse ou não conformado com esse facto.
Relativamente à alegada ausência de lubrificação vaginal da assistente que, na opinião do arguido, não permitiria a cópula vaginal na posição descrita no acórdão, concordamos com o alegado pelo Sr. Procurador da República no seu articulado de resposta quando refere que o recorrente “faz confusão entre lubrificação vaginal decorrente de um estado de excitação com a lubrificação vaginal que pode ocorrer em determinadas alturas do ciclo hormonal da mulher e durante a gravidez”.
Acresce que, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, de acordo com as regras da experiência, a ausência de lubrificação não tem de estar necessariamente associada à ocorrência de lesões físicas, tanto mais que a assistente é uma mulher de 30 dias de idade e grávida, ou seja, não se trata de uma adolescente púbere.
Quanto ao teor das mensagens enviadas pela assistente ao arguido em momentos subsequentes à ocorrência dos factos, face à interpretação dúbia passível de lhes ser atribuída (veja-se a propósito o depoimento da testemunha Z…, que acaba por referir que, pelo teor das mensagens, não concluiria pela evidência de uma não violação), entende-se não se impor a alteração da matéria de facto nos moldes pretendidos pelo recorrente.
*
Impõe-se, porém, referir que a descrição da matéria de facto constante do acórdão recorrido contém factos conclusivos que, não tendo como suporte factos objectivos e concretos donde emergem tais asserções, não podem ser considerados, devendo, consequentemente ser eliminados.
Com efeito, o tribunal recorrido considerou provado que “A ofendida reagiu …”. Contudo, não descreve os factos objectivos e concretos donde emerge tal asserção, limitando-se a proferir uma conclusão, um juízo de valor desacompanhado das premissas, donde aquela se pudesse extrair. Essa conclusão deveria antes ser o resultado da indagação da factualidade correspondente, sendo certo que o próprio texto da acusação (que nessa parte o acórdão recorrido considerou como não provado) continha descrição de factualidade suficiente para alicerçar a referida conclusão, na medida em que naquela peça se alegava que “Face à resistência da ofendida, que, chorando, lhe pedia que a deixasse sair, e se debatia, tentando libertar-se - mau grado o seu estado de gravidez avançada, que lhe dificultava os movimentos — o arguido imobilizou-a, agarrando-a pelas ancas com ambas as mãos” e “serviu-se da força física para a desnudar e imobilizar …”
Ao não considerar provada essa parte descritiva da acusação, o tribunal recorrido omitiu a factualidade susceptível de concretizar a “reacção/oposição” da ofendida aos actos que imputa ao arguido.
Afirmar-se apenas que “a ofendida reagiu”, traduz um juízo conclusivo que não se encontra alicerçado na imputação de factos concretos praticados pela ofendida.
Como é sublinhado no Ac. do STJ de 18.10.2007[17] “os factos genéricos e conclusivos não podem sustentar uma acusação e, muito menos, uma condenação, pois impedem que o arguido exerça o direito de defesa que lhe assiste e impossibilitam o tribunal superior de fiscalizar o acerto da decisão”.
Como se refere no Ac. do STJ de 12.07.2007[18] a propósito da reincidência, mas também aplicável ao caso em apreço, “Constatando-se que as instâncias incluíram no número dos factos provados uma mera conclusão, (…) não há senão que considerar como não escrita essa conclusão, ao abrigo do disposto no art. 646.º, n.º 4 do CPC, subsidiariamente aplicável por força do art. 4.º do CPP”.
Ora, não constando da factualidade descrita no acórdão recorrido e da respectiva redacção consequente à procedência parcial da impugnação de facto, que o arguido tenha praticado os aludidos actos com recurso à violência e contra a vontade (pelo menos, expressa, de algum modo) da ofendida, têm de ser eliminados da matéria de facto provada os factos subsequentes que pressupunham aqueles.
Assim, elimina-se o parágrafo 11º dos factos provados do acórdão recorrido, passando os parágrafos 7º, 9º e 12º a ter a seguinte redacção:

Parágrafo 7º: “A ofendida levantou-se e tentou dirigir-se para a porta de saída; no entanto, o arguido, aproveitando-se do estado de gravidez avançado que lhe dificultava os movimentos, agarrou-a, virou-a de costas, empurrou-a na direcção do sofá fazendo-a debruçar-se sobre o mesmo, baixou-lhe as calças (de grávida) e introduziu o pénis erecto na vagina até ejacular.
Parágrafo 9º: “Não obstante agarrou-a e desnudou-a nos moldes descritos”.
Parágrafo 12º: “Procedeu o arguido de modo livre, voluntário e consciente”.
*
Quanto à qualificação jurídica dos factos provados, tendo em consideração a alteração dos mesmos nos termos supra referidos:
O arguido foi condenado como autor material de um crime de violação p. e p. no artº 164º nº 1 do Cód. Penal.
Sustenta o recorrente que a matéria de facto constante da decisão recorrida – ainda que se mantenha inalterada – não preenche o específico tipo do artº 164º nº 1 do C.P. nem qualquer outro tipo legal, pelo que deveria ter sido absolvido.
Desde já adiantamos que lhe assiste razão.
Vejamos porquê:
No crime de violação, previsto no art.º 164.º do Cód. Penal está em causa a liberdade sexual, a autoconformação da vida e prática sexuais da pessoa, afrontada pelo constrangimento daquela a suportar ou praticar os actos descritos nos seus n.ºs 1 e 2.
A liberdade sexual decorre do direito do indivíduo a dispor do seu corpo, parte integrante da sua autonomia pessoal; a liberdade sexual é ainda um elemento fundamental do direito à intimidade e vida privada.
A sexualidade é, para Daniel Borrilo[19], apresentada como o “locus” privilegiado da autonomia da vontade do ser humano. Daí que, no que à sexualidade diz respeito, se assista a uma, cada vez maior, tendência no sentido de limitar a intervenção penal.
Aliás, uma das proposições político-criminais fundamentais de maior actualidade é a de que o direito penal é um direito de tutela subsidiária de substratos de interesses socialmente relevantes e como tal juridicamente reconhecidos, intimamente associado aos princípios de intervenção mínima e intervenção subsidiária do Estado, ou seja assente na ideia de que o Estado deve interferir o mínimo possível nos direitos e liberdades das pessoas e que só está autorizado a fazê-lo como ultima ratio da política social.
Ou dito de outra forma, “O direito penal deve intervir para regular a vida em ordem à protecção da pessoa, dos seus direitos e liberdades, mas respeitando sempre o livre arbítrio do cidadão”[20].
Daí que este ramo do direito não deva tutelar valores morais ou de uma qualquer moral.
Considerando a evolução das proposições político-criminais, os crimes sexuais foram sofrendo profundas alterações ao nível de conceitos, interesses a proteger e penas, passando a ser configurados como crimes contra as pessoas e não como crimes contra os sentimentos comunitários de moralidade sexual [crimes contra a honestidade e os costumes (CP de 1852 e CP 1886), contra os valores e interesses da vida em sociedade (CP 1982), protecção da liberdade e autodeterminação sexual (revisão de 1995)].
Porém, no que especialmente respeita ao crime de violação, o legislador sempre integrou “o uso de violência” como uma das formas de execução da acção.
Assim, já o Código Penal de 1852 dispunha no seu artigo 394º: “Aquelle que tiver cópula illicita com uma mulher, posto que não seja menor, nem honesta, contra sua vontade, por meios de violência, ou por meios fraudulentos tendentes a suspender o uso dos sentidos, ou a tirar o conhecimento do crime, será degradado por toda a vida pelo crime de violação”.
Por outro lado, o artº 393º do Código Penal de 1886 estabelecia que: “Aquele que tiver cópula ilícita com qualquer mulher, contra sua vontade, por meio de violência física, de veemente intimidação, ou de qualquer fraude, que não constitua sedução, ou achando-se a mulher privada do uso da razão, ou dos sentidos, comete o crime de violação, e terá a pena de prisão maior de dois a oito anos”.
Entretanto, o Cód. Penal de 1982, na sua primitiva redacção, veio dispor no artº 201º: “1. Quem tiver cópula com mulher, por meio de violência, grave ameaça ou, depois de, para realizar a cópula, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir ou ainda, pelos mesmos meios, a constranger a ter cópula com terceiro, será punido com prisão de 2 a 8 anos”.
O Dec-Lei nº 48/95 de 15.03 veio dar nova redacção ao crime de violação, estabelecendo-se no artº 164º: ”1. Quem tiver cópula com mulher, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para realizar a cópula, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, ou, ainda, pelos mesmos meios, a constranger a tê-la com terceiro, é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos; 2. Com a mesma pena é punido quem, nos termos previstos no número anterior, tiver coito anal com outra pessoa, ou a constranger a tê-lo com terceiro”.
Em 02 de Setembro de 1998, a Lei nº 65/98 alterou o artº 164º do Cód. Penal, passando a dispor: “1 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos”.
A redacção do artº 164º do Cód. Penal em vigor à data dos factos, foi introduzida pela Lei nº 59/2007 de 04.09: “1- Quem, por meio de violência, ameaça grave,
ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa:
a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou
b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos;
é punido com pena de prisão de três a dez anos”.

Na vigência do Cód. Penal de 1886 a jurisprudência do STJ chegou a defender (na esteira da jurisprudência francesa) que “deve entender-se que existe o elemento violência sempre que o acto é praticado contra ou sem a vontade da vítima”[21], equiparando-se assim a violência à ausência de vontade da vítima ou à oposição por parte desta. Contrariamente, no Ac. R. Lisboa de 27.03.1968[22] chegou a defender-se que “para que exista o crime de violação é necessário que a violência física, a veemente intimidação, a fraude ou a privação do uso da razão ou dos sentidos provocada pelo agente para conseguir a cópula consistam num acto, num comportamento do agente”.
Porém, actualmente, na estrutura do nosso Código Penal, no que diz respeito à liberdade e autodeterminação sexual, o legislador introduziu uma importante distinção entre a protecção pura e simples da liberdade sexual, ou seja, do direito de cada um participar em qualquer actividade de cariz sexual, como sujeito activo ou passivo, apenas se e quando o quiser, e a protecção, para além desta liberdade, do livre desenvolvimento dos menores na área sexual. Ali protege-se a liberdade do adulto em tudo quanto se reporte à área sexual. Aqui protege-se o menor, também, da sua própria imaturidade em relação à sexualidade. Como aponta Figueiredo Dias, “se na Secção II o bem jurídico protegido é também, como na Secção I, a liberdade e autodeterminação sexual, é-o quando ligado a outro bem jurídico, a saber, o do livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual”[23].
Enquanto que nos crimes contra a autodeterminação sexual, a vontade do menor é considerada de nenhum ou escasso relevo, porque o que o que verdadeiramente se protege não é um contrariar da vontade da vítima, pelo contrário, nos crimes contra a liberdade sexual, essa vontade ligada às coisas do sexo, que se quer livre, constitui exactamente o bem protegido.
Assim, no caso de adultos, só são criminalizadas as actividades sexuais obtidas por meios que afectem a livre vontade de aceitação da vítima nomeadamente, quando o agente aja «por meio de violência, ameaça grave ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral».
Não tem sido inteiramente pacífico, na doutrina, o conceito de “violência”.
Assim, para o Professor Figueiredo Dias[24], “não basta nunca à integração do tipo objectivo de ilícito (…) que o agente tenha constrangido a vítima a sofrer ou a praticar” acto de violação, “isto é, que este acto tenha tido lugar sem ou contra a vontade da vítima (contrariamente a uma jurisprudência muito difundida dos nossos tribunais tanto a propósito da violação como do atentado ao pudor com violência, que considerava existir “sempre” violência quando o acto tivesse sido praticado contra ou sem a vontade da(o) ofendida(o) − sic. Ac.R. Coimbra de 17-2-93, CJ I-1993-70 − ou sempre que o consentimento não tivesse sido “livre” − sic. Ac.R. Porto de 6-3-91, CJ 2-1991-287. Actos sexuais súbitos e inesperados praticados sem ou contra a vontade da vítima, mas aos quais não preexistiu a utilização de um daqueles meios de coacção, não integram o tipo objectivo de ilícito”.
E acrescenta este ilustre mestre que “meio típico de coacção é pois, antes de tudo, a violência, existindo esta quando se aplica a força física (como vis absoluta ou como vis compulsiva), destinada a vencer uma resistência oferecida ou esperada”.
Em sentido não inteiramente coincidente, refere o Juiz Sénio Alves[25] que, na falta de referência expressa do artigo 164.º, n.º 1, à violência física, parece ser de concluir que tanto a violência física como a moral, se determinaram a cópula, são elementos constitutivos do tipo de violação. «É que a violência moral (consistente, v.g., no perigo de um mal maior para a vítima ou sua família) pode determinar a cópula e, a não ser que se reconduzissem factos deste tipo à noção de “ameaça grave” (com as dificuldades inerentes á determinação do que é “grave” e à respectiva prova), ela ficaria impune. (…) A “grave ameaça” é algo diferente, de um ponto de vista qualitativo. Consiste, penso, no colocar a vítima perante a iminência da verificação da violência (física ou moral) provocando-lhe um tal temor que a determine à cópula».
Contrariamente ao que anteriormente defendia, o Juiz Mouraz Lopes[26], considera que após a reforma de 2007 “o legislador nacional optou por criminalizar, nos casos de coação sexual e na violação, apenas as situações de atentados à liberdade sexual que atentam gravemente contra a liberdade da vontade do sujeito, através de coacção grave ou violência e não os casos de prática de actos sexuais de relevo apenas praticados sem o consentimento da vítima maior de idade – Figueiredo Dias, nas Actas da Comissão Revisora, na discussão do tipo de crime de coacção sexual, expressamente refere que «não basta a simples falta de consentimento, sendo preciso, por exemplo, a violência ou ameaça grave»”.
Também a jurisprudência se vem pronunciando nesse sentido, citando-se a título exemplificativo o Ac. do STJ de 25.11.1992[27] nos termos do qual “A violência, quando a mesma é exigida para a verificação do crime de violação, e também no de atentado ao pudor, não pode ser dirigida contra as coisas, mas sim contra as pessoas, e tem de se traduzir na prática de actos que tenham como resultado o constranger a vítima a suportar uma conduta que não quer, numa construção da figura em que o constrangimento corresponde a um ter de suportar uma determinada actuação, contra a vontade e sem possibilidade do exercício de uma reacção com recurso aos meios normais de defesa contra tal.
Contrariamente, o legislador espanhol previu expressamente a tipificação do crime de abuso sexual para os casos que “sem violência ou intimidação e sem que haja consentimento, realizar actos que atentem contra a liberdade sexual de outra pessoa – artº. 179º; também o legislador italiano, na reforma de 1996, previu como conduta penalmente relevante – artigo 609 bis primeiro parágrafo - “o induzir alguém a cometer ou suportar acto sexual”, como complemento ao crime cometido com violência ou ameaça estabelecido no corpo do artigo, reconduzindo-se assim a esse crime as condutas tipificadoras de práticas de actos sexuais abusivos[28].
Volvendo ao caso sub judice, e tendo necessariamente em consideração a matéria de facto provada, logo se intui que não se verifica em concreto o requisito do uso de violência com vista ao constrangimento da ofendida.
Na verdade, atendendo aos actos materiais que, para esse efeito relevam, temos que:
«O arguido começou a massajar o tórax e os seios da ofendida.
Esta levantou-se do dito divã e sentou-se no sofá. O arguido foi então escrever uma receita. Quando voltou com ela, aproximou-se da ofendida, exibiu-lhe o seu pénis erecto e meteu-lho na boca, para tanto agarrando-lhe a cabeça, enquanto lhe dizia “estou muito excitado” e “vamos, querida, vamos”.
A ofendida levantou-se e tentou dirigir-se para a porta de saída; no entanto, o arguido, aproveitando-se do estado de gravidez avançado que lhe dificultava os movimentos, agarrou-a, virou-a de costas, empurrou-a na direcção do sofá fazendo-a debruçar-se sobre o mesmo, baixou-lhe as calças (de grávida) e introduziu o pénis erecto na vagina até ejacular».
No entendimento da decisão recorrida, os factos “provam uma acção física violenta exercida pelo arguido sobre a ofendida, de modo a constrangê-la quer ao coito oral, quer à cópula”.
Ora, no que respeita ao coito oral, apesar de ter considerado provado que, para lhe introduzir o pénis na boca, o arguido agarrou os cabelos da ofendida, puxando-lhe para trás a cabeça, no enquadramento jurídico da decisão, o tribunal apenas refere que “o arguido introduziu o seu pénis na boca da ofendida, agarrando-lhe a cabeça”.
Ou seja, a versão que o tribunal acabou por considerar ao enquadrar juridicamente a conduta do arguido, coincide, afinal, com a versão acima referida após procedência parcial da impugnação de facto pelo recorrente.
Contudo, não se vislumbra como é possível considerar o acto de agarrar a cabeça como traduzindo o uso de violência de modo a constranger alguém à prática de um acto contra a sua vontade. A não ser que se admitisse que o mero acto de agarrar a cabeça provoca inevitável e automaticamente a abertura da boca.
Se a força física utilizada tem de ser, como atrás se disse, a destinada a vencer uma resistência oferecida ou esperada, o que pode afirmar-se é que, no que respeita ao coito oral, não se provou qualquer tipo de resistência por parte da vítima. Ou, pelo menos, uma resistência que o arguido tivesse tido necessidade de vencer através do uso de violência.
No que respeita à cópula, e considerando a matéria de facto provada, a violência utilizada pelo arguido, na economia da decisão recorrida, reconduz-se ao facto de ter agarrado a ofendida, empurrando-a contra um sofá, referindo ainda que o arguido usou apenas da força necessária para “quebrar” qualquer possibilidade de resistência por parte da ofendida, que o arguido sabia deprimida, pouco defensiva relativamente às suas abordagens anteriores.
Como se disse anteriormente, a violência exigida pelo artº 164º tem de traduzir-se na prática de actos de utilização de força física (como vis absoluta ou como vis compulsiva) contra a pessoa da vítima de modo a constrangê-la a não adoptar qualquer atitude de resistência às intenções do agente ou a vencer a resistência já oferecida. O simples desrespeito pela vontade da ofendida não pode ser qualificado de violência[29].
Ora, os factos provados não permitem concluir que, ao empurrar a ofendida contra o sofá, o arguido visou coarctar-lhe a possibilidade de resistência aos seus intentos ou se, com esse acto pretendeu apenas o arguido concretizar a cópula que, de outra forma não conseguiria, dado o avançado estado de gravidez da vítima – 34 semanas. Para que o empurrão na ofendida integrasse o conceito de violência, visado como elemento objectivo do crime de violação, teria de traduzir um “plus” relativamente à força física normalmente utilizada na prática de um acto sexual (i.e. a vis haut ingrata que acompanha frequentemente ou quase necessariamente o tracto sexual).
Refere-se na decisão recorrida “quem melhor que o arguido conhecia as fragilidades da ofendida, as suas debilidades, os seus constrangimentos, a sua vulnerabilidade, a sua imensa credulidade (ingenuidade mesmo) perante os avanços de cariz sexual que paulatinamente foi tendo, sabendo assim como actuar, como actuou, como adequar, como adequou, a violência do seu comportamento ao estritamente necessário a quebrar a resistência desta concreta vítima?”
Trata-se, porém, de considerações que não têm suporte factual na materialidade provada, para além do conhecimento do arguido do estado de gravidez avançada e da fragilidade emocional em que a ofendida se encontrava devido à doença depressiva de que padecia. Tudo o mais, i.e., “as debilidades, os constrangimentos, a vulnerabilidade, a imensa credulidade perante avanços de cariz sexual” são circunstâncias que não constam da matéria de facto provada, não podendo por isso fundamentar a decisão de direito.
Aliás, como acima se realçou, o acórdão recorrido “deixou cair” os factos constantes da acusação pública, os quais, a provarem-se, seriam susceptíveis de integrar o conceito de violência, necessária para o preenchimento típico do crime de violação p. e p. no artº 164º nº 1 do Cód. Penal.
Tudo para concluir que, não se enquadrando os actos praticados pelo arguido na conceito de “violência” que atrás traçámos, será inútil aferir da ausência de vontade ou de consentimento da ofendida, na medida em que o crime de violação previsto no nº 1 do artº 164º do C.P. é um crime de execução vinculada, i. e., tem de ser cometido por meio de violência, ameaça grave ou acto que coloque a vítima em estado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir.
Vale dizer, omnicompreensivamente que o agente só comete aquele crime quando a concretização da execução do acto sexual, ainda que tentado, tem de se debater, de alguma forma, com a pessoa da vítima, só então se podendo falar em violação hoc sensu pelo violador, passe a tautologia, pois que “os conceitos de violência física e de veemente intimidação [conceitos do artº 393º do CP de 1886] supõem uma resistência a vencer”[30].
Debate esse, do agente vs. vítima cuja existência não emergiu no decurso da audição das decisivas declarações de arguido e de assistente/autora civil, quando, lembra-se, “nos crimes contra a honestidade ou sexuais, as declarações da ofendida constituem, em regra, a peça central da acusação. Mas, para que essas declarações mereçam fé mister se faz que sejam uniformes e verosímeis, além de concordantes com outros elementos da prova, de modo a afastar a hipótese de simulação”[31] de violação hoc sensu que o teor dos SMS’s das 17.02.39 e das 17.22.47 enviados pela ofendida não permitem confirmar, nem sequer infirmar.

A fls. 51 do acórdão recorrido afirma-se «Mas convenhamos a reacção da vítima, a necessidade de se debater, não faz parte do tipo».
Obviamente que não faz, nem poderia fazer parte do tipo, na medida em que os elementos objectivos do tipo são configurados pelo legislador na perspectiva da actuação do agente.
O que, sem dúvida, faz parte do tipo é a necessidade de o agente ter de se debater contra a resistência da vítima.
Como esclarecedoramente sublinham Simas Santos e Leal Henriques[32] «a violência constitui uma forma de actuação em que para a realização do acto pretendido se usa da força física sobre a vítima de modo a coagi-la à prática do mesmo. Pressupõe, assim, falta de consentimento do sujeito passivo. “O dissenso (ausência de permissão) da vítima deve ser sincero e positivo, manifestando-se por inequívoca resistência. Não basta uma platónica ausência de adesão, uma recusa meramente verbal, uma oposição passiva ou inerte. É necessária uma vontade decidida e militantemente contrária, uma oposição que só a violência física ou moral consegue vencer. Sem duas vontades embatendo-se em conflito” não há violação. “Nem é de confundir a efectiva resistência com a instintiva ou convencional relutância ao pudor ou com o jogo de simulada esquivança ante uma vis grata …” (Nélson Hungria, op. cit. Vol. VIII, pág.118 e 119).
Rodriguez Devesa, ponderando a mesma questão, ajuíza assim: “A violação consuma-se, como ensinou Carrara, no concurso de duas vontades em conflito. Por isso é característico deste delito não apenas o emprego da vis physica” (ou de outros processos coactivos), “mas também uma resistência séria e mantida por parte da vítima durante o curso da acção violenta».
Caso não ocorra “resistência” a passividade da vítima é susceptível de ser, erradamente, tomada pelo agressor como consentimento, o que excluiria o dolo, não sendo o crime de violação do artº 164º nº 1 punível a título de negligência.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias[33] “o tipo subjectivo do ilícito exige o dolo, em qualquer das suas formas. (…) Se o agente actua convencido de que a objecção da vítima − maxime, porque ela se exprime, durante todo o processo, apenas por palavras, mas não por qualquer resistência corporal − não é séria, o dolo não deve ser afirmado”.

Por outro lado e, admitindo que no conceito de “relação de dependência hierárquica” se inclui a relação entre o médico e o paciente, a nossa concordância com a decisão recorrida, fica-se por aqui, na medida em que a matéria de facto provada não permite concluir que o arguido tenha abusado da situação de autoridade que, naquela qualidade, tinha sobre a vítima, para a constranger à realização da cópula.
A conduta do arguido, atentos os factos provados, também não se integra na previsão da parte final do nº 1 do artº 164º do C.P., ou seja, “colocando a vítima na impossibilidade de resistir para a constranger à prática da cópula. Para que tal acontecesse exigia-se que a situação de impossibilidade de resistência tivesse sido criada pelo arguido, não relevando, para a verificação deste requisito, o facto de a ofendida apresentar uma personalidade fragilizada.
Tendo o legislador optado, como se disse, por criminalizar, nos casos de coacção sexual e na violação, apenas as situações de atentados à liberdade sexual que atentam gravemente contra a liberdade da vontade do sujeito, através de coacção grave ou violência e não os casos de prática de actos sexuais de relevo apenas praticados sem o consentimento da vítima maior de idade, não configurando o “empurrão” sofrido pela ofendida por acção física do arguido um acto de violência que atente gravemente contra a liberdade da vontade da ofendida, impõe-se a absolvição do arguido, na medida em que a matéria de facto provada (com as modificações introduzidas) não preenche os elementos objectivos do tipo do crime de violação.

Tudo o que foi dito não exclui, naturalmente, a censurabilidade da conduta do arguido em termos deontológicos, éticos e até sociais.
Porém aqui e agora, só releva o juízo de censura penal que, em face da matéria de facto provada, não é passível de realização, sob pena de se pôr definitivamente em causa a fragmentaridade da tutela penal e, pior ainda, a sua necessidade.
*
Face ao exposto, ficam prejudicadas as questões suscitadas nos restantes recursos, em especial no recurso da assistente/demandante, na medida em que, atento o princípio da adesão consagrado nos artºs 71º e 377º do C.P.P., sendo o arguido absolvido da acusação em relação ao crime de violação, o pedido cível formulado só podia ser considerado se existisse ilícito civil, o que não é o caso em discussão.
*
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido B… e, em consequência, alterando-se a matéria de facto nos termos supra referidos, revogam o acórdão recorrido, absolvendo o arguido do crime por que foi condenado, bem como do pedido cível formulado pela assistente/demandante C….
Custas pela assistente/recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC’s.
*
Porto, 13 de Abril de 2011
(Elaborado e revisto pela 1ª signatária)
Eduarda Maria de Pinto e Lobo
José Manuel da Silva Castela Rio
José Manuel Baião Papão (vencido conforme declaração de voto junto)
__________________
[1] Poesia de Carlos Oliveira – 19201/1981-
[2] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" Vol. III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[3] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[4] Cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 3ª ed., 334 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 72 e ss.
[5] Sobre estas questões, v. os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, disponíveis em www.dgsi.pt.
[6] Proferido no Proc. nº 07P4375, disponível em www.dgsi.pt
[7] Também neste sentido, v. Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível em www.dgsi.pt.
[8] V.Acórdão da Relação de Coimbra de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44; no mesmo sentido, os acórdãos da mesma Relação de 19.06.2002 e de 04.02.2004, 18.09.2002, e 16.11.05, disponíveis em www.dgsi.pt
[9] Cfr. Prof. Cavaleiro Ferreira, em Curso de Processo Penal, 1986, 1° vol., pg. 211.
[10] Rev. Min. Públ., 19°,40.
[11] In Direito Processual Penal I, 202.
[12] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pg. 289.
[13] V. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.2.08, no proc. 07P4729, em www.dgsi.pt
[14] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 566.
[15] José da Cunha Navarro de Paiva, in Tratado Theorico e Prático das Provas no Processo Penal, p. 33, citado pelo Prof. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, Vol. II, 4ª edª., pág. 162.
[16] Como refere Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edª. pág. 890 «A disposição não abrange a prova documental e os meios de obtenção de prova. Com efeito, não é inconstitucional a interpretação conjugada dos artigos 127º, 355º e 165º nº 2 do CPP, segundo a qual a formação da convicção com documentos juntos com a acusação, constantes dos autos, não lidos nem explicados na audiência, não viola o princípio do contraditório “quer na modalidade do princípio da oralidade, quer da imediação” (acórdão do TC nº 87/99)»
[17] Proferido pelo Sr. Cons. Santos Carvalho e disponível em www.dgsi.pt
[18] Relatado pelo Sr. Cons. Rodrigues da Costa e disponível em www.dgsi.pt
[19] In “Droit des Séxualités”, Paris, Puf, 1998, in Colection de Notre Droit, pág.123.
[20] Cfr. Ana Rita Alfaiate, in A Relevância Penal da Sexualidade dos Menores, Coimbra Ed., pág. 71.
[21] Cfr. Acs. do STJ de 07.10.1964 in BMJ 140/318; de 05.05.1965 in BMJ 147/93 e de 05.07.1967 in BMJ 169/141.
[22] In JR, 1968, 280.
[23] In “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, pág. 442.
[24] In Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 453/454.
[25] In Crimes Sexuais, Notas e Comentários aos artigos 163.º a 179.º do Código Penal, Livraria Almedina, Coimbra – 1995, pág.32 e ss.
[26] In Os Crimes Contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual no Código Penal, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 49 e ss.
[27] Relatado pelo Cons. Sá Nogueira e disponível em www.dgsi.pt
[28] Cfr. José Mouraz Lopes, in ob. cit., pág. 50.
[29] Cfr., neste sentido, o Ac. do Tribunal Colectivo do 2º Juízo Criminal de Cascais de 19.03.1996, in CJ, 1997, Tomo II, pág. 284.
[30] V. Ac.R.Lx. de 15.05.1968, in JR, 1968-559 – in “Direito e Processo Penal, Compilação de Jurisprudência, 1953-1980”, Vol. II, pág. 535, de Cons. Francisco Castelo Branco Galvão e Ana Maria Castelo Branco Galvão (advª).
[31] V. Acs.R.Coimbra de 17.04.1968 e de 23.04.1969, in JR 1968-529 e 1969-525, ob. cit. na nota 30 supra, Vol. I, pág. 508.
[32] Em anotação ao artº 201º do Cód. Penal de 1982, in Código Penal Anotado, pág. 61.
[33] In Comentário Conimbricense do Código Penal, Vol. I, pág. 456
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DECLARAÇÃO DE VOTO

Discordo da parte em que a decisão que fez maioria eliminou do elenco dos factos provados qualquer referência ao facto de o arguido ter actuado sabendo que o fazia contra a vontade da ofendida.
Entendo, por mim, que os factos que subsistem como provados e as regras da experiência conduzem à conclusão contrária.
Se a eliminação do termo “reagiu”, no segmento “A ofendida reagiu” (cfr. § 7º), a aceito estritamente como supressão de um conceito conclusivo que, enquanto tal, não deve constar de uma enumeração de factos, já o que resta no § 7º (“A ofendida levantou-se e tentou dirigir-se para a porta de saída, …”, isto após a prática do coito oral) configura, a meu ver, uma clara e objectiva manifestação de vontade de repúdio do acto antecedente e de recusa de qualquer outro acto de tipo libidinoso.
Esta manifestação de discordância da ofendida esteve ao alcance da percepção directa do arguido, o qual, não obstante o seu egocentrismo e pouca sensibilidade à gravidade das situações que podem afectar outrem, tinha capacidade para valorar as suas atitudes, compreender a natureza lícita ou ilícita dos seus actos e conhecer as consequências do seu comportamento.
Afigura-se-me, assim, quanto à eliminação do parágrafo 11º dos factos provados do acórdão recorrido, haver erro na apreciação da prova.
Com efeito, a medida de credibilidade conferida, e bem, à assistente, e a soma de padecimentos morais que foram consequência causal da conduta do arguido − médico psiquiatra em quem ela confiara para tratamento de uma depressão e a cujo consultório se dirigira naquela data −, justificaria até a conclusão de que tudo o que se passou, a partir do momento em que o mesmo dela se aproximou e lhe exibiu o seu pénis erecto, se passou efectivamente num registo contrário à vontade da mesma.
Como quer que seja, a eliminação do conhecimento desse facto por parte do arguido do elenco dos provados, afastando embora a imputação das modalidades mais graves do dolo, não pode ter por implícito que também se não verificou o dolo eventual.
Com o que haveria ainda que indagar, e responder, sobre se o arguido, ao menos, representou como consequência possível da sua conduta a ofensa da liberdade de determinação sexual da assistente e se, tendo-o representado, se conformou com tal eventualidade.
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Isto posto, deixo ainda consignada a minha divergência relativamente à forma como a decisão maioritária interpretou e configurou algumas das situações de facto dadas por provadas.
A págs. 62 do acórdão afirma-se: “…, não se vislumbra como é possível considerar o acto de agarrar a cabeça como traduzindo o uso de violência de modo a constranger alguém à prática de um acto contra a sua vontade” (sublinhado nosso), isto no que respeita ao coito oral.
Por nós, temos por lógico que ao manietar a cabeça da ofendida o arguido a impediu de se furtar ao contacto com o pénis erecto, e que por essa via, através do emprego de força física, que ele logrou concretizar o pretendido coito oral.
Se a isto acrescentarmos que a ofendida, grávida de 34 semanas e por isso fortemente limitada na sua agilidade, estava sentada no sofá, e que ele lhe apareceu assim, descomposto, de sopetão, no contexto de uma consulta de psiquiatria, temos por nós que o arguido usou da sua força física na medida requerida pelas circunstâncias para poder constranger a assistente a suportar o coito oral.
Seguidamente a assistente levantou-se e tentou dirigir-se para a porta de saída, a qual não conseguiu alcançar por ter sido agarrada pelo arguido, que em seguida a virou de costas e a empurrou na direcção do sofá, fazendo-a debruçar-se sobre o mesmo, baixou-lhe as calças de grávida e introduziu o pénis erecto na vagina até ejacular.
Mais uma vez o emprego de força física na medida requerida pelas circunstâncias para conseguir constranger a assistente, desta vez a suportar a cópula.
As regras da experiência comum conduzem-nos a considerar que a capacidade de resistência da assistente estava aqui, neste episódio, acrescidamente diminuída por estar praticamente no último mês de gravidez (o parto veio a ocorrer à 37ª semana, por cesariana – cfr. doc. a fls. 237 dos autos), período em que se aconselha à mulher que na prática de relações sexuais observe o maior cuidado para evitar o risco da precipitação do trabalho de parto.
O conceito de violência ínsito a uma violação conhece gradações que vão até à brutalidade física e à crueldade, mas que podem partir de um ponto em que “o ofensor usa apenas a força necessária” para atingir o objectivo da conquista sexual e controlar a vítima ou “que considerar necessária para superar a resistência da vítima e para a tornar indefesa” − cfr. “Caracterização do Violador Português” de Maria Francisca Rebocho, ed. Almedina, págs. 61/62.
Acresce que a aparentemente fruste resistência da assistente é inteiramente compatível com o estado de fragilização em que então se encontrava, decorrente da sua doença depressiva e do seu avançado estado de gravidez.
Não se concede que este tipo de resistência concordante com uma tal fragilização pudesse ter sido interpretada erradamente como “consentimento” pelo médico psiquiatra assistente da ofendida, que acompanhava a sua doença e as preocupações da mesma relacionadas com a gravidez, desde há vários meses.
Também não posso acompanhar a afirmação que consta a págs. 63 da decisão que fez vencimento, de que − “Para que o empurrão na ofendida integrasse o conceito de violência, visada como elemento objectivo do crime de violação, teria de traduzir um “plus” relativamente à força física normalmente utilizada na prática de um acto sexual”, − desde logo porque no caso em apreço estamos perante uma situação verdadeiramente abnorme, de a assistente ali se ter dirigido para mais uma consulta de psiquiatria para tratamento da sua depressão, ou seja, buscando ajuda médica especializada para compreender o seu estado de doença e desenvolver a sua auto-estima.
A forma como o arguido perverteu esta finalidade e converteu a consulta num processo de satisfação de impulsos libidinosos, impede-me de avaliar as comprovadas atitudes e comportamentos de ambos os intervenientes segundo um padrão de normalidade.
Acresce que a força física necessária e suficiente para lograr constrangê-la actuou não apenas por via de um empurrão, já que foi ele que a agarrou, a virou, a empurrou e fez debruçar-se.
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Na conformidade de tudo o exposto, decidiria pela confirmação do acórdão recorrido quanto à questão da culpabilidade e conheceria do mérito do recurso interposto pelo Ministério Público quanto à questão da determinação da sanção.
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Finalmente, perante a decretada absolvição penal e face ao preceituado nos artigos 377º nº 1 do CPP e 483º do Código Civil, considerando que a conduta do arguido envolve uma grave violação de deveres deontológicos e disciplinares e que a mesma foi causal de danos morais relevantes para a assistente/demandante, creio que se justificaria analisar a responsabilidade civil no plano da culpa e, com isso, o mérito do recurso da demandante.

José Manuel Baião Papão