Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0845148
Nº Convencional: JTRP00042583
Relator: PINTO MONTEIRO
Descritores: ESPECULAÇÃO
Nº do Documento: RP200905200845148
Data do Acordão: 05/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 371 - FLS 249.
Área Temática: .
Sumário: Preenche o tipo objectivo do crime de especulação tanto o acto de cobrar um preço superior ao afixado para cada unidade de determinado produto como o de exigir o pagamento de um número de unidades superior ao efectivamente fornecido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: P.º n.º 5148/08 – 4

Acordam, em conferência, na 4.ª sec. (2.ª sec. criminal) do Tribunal da Relação do Porto:

O M.º P.º deduziu acusação em processo comum singular contra o arguido B………., devidamente identificado nos autos a fls. 224, na qual lhe imputou a prática de um crime de especulação p.p. nos termos do art. 35.º, n.º 1, al. c), do D/L n.º 28/84, de 20/01.
Efectuado o julgamento na ..ª sec. do ..º Juízo Criminal do Porto, foi proferida sentença que condenou o arguido pela prática do mencionado crime na pena de 120 dias de prisão, substituída por igual tempo de multa, e em 140 dias de multa, o que perfaz a pena de multa global de 260 dias, à razão diária de €5,00.
Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o arguido, cuja motivação concluiu nos termos seguintes:
1 – A sentença em crise faz uma errada apreciação da prova produzida, tendo julgado incorrectamente os pontos de facto enunciados nas alíneas b) a d) e f) a i), que resultaram demonstrados da prova dos autos, nessa medida devendo a decisão sobre a matéria de facto ser alterada, no sentido de serem julgados como provados os seguintes factos:
a) No dia 31/07/2004, pelas 22h30, um grupo de cinco pessoas, do qual faziam parte C………., D………., E………. e F………, entraram no estabelecimento de restaurante com a denominação de “G……….”, sito na Rua ………., nº …, Porto, com o intuito de aí jantarem;
b) Ao grupo de cinco pessoas foi servido “couvert” por duas vezes, tendo sido colocadas 2 travessas de cada vez, contendo pão, manteiga, azeitonas e presunto em quantidades não determinadas, tendo o respectivo conteúdo sido integralmente consumido;
c) Os “couverts” servidos ao grupo de cinco pessoas foram preparados e servidos em travessas pelo empregado de mesa, H………., responsável pela sala onde se encontrava aquele grupo;
d) O arguido era responsável pelas três salas do restaurante G……….;
e) As pessoas atrás referidas chamaram a atenção do empregado de mesa que os tinha servido, o qual, por sua vez, solicitou a intervenção do arguido que desempenhava as funções de chefe de salas;
f) O arguido apenas tomou contacto com o grupo de cinco pessoas aquando da apresentação da reclamação, já depois de deglutido o “couvert” e apresentada a conta final pelo empregado que serviu nessa mesma mesa;
g) O arguido agiu com base nas informações que lhe foram prestadas pelo empregado de mesa, quer quanto ao conteúdo das travessas colocadas na respectiva mesa, quer quanto ao número de doses de “couvert” servidos, tendo aquele assegurado ao arguido que havia servido 10 “couverts”;
h) A prática existente no Restaurante G………. consistia em servir o “couvert” em travessas, ajustando as quantidades colocadas nas travessas em função do número de comensais visado;
i) O preço unitário do “couvert” constante da lista era de 2,00€;
j) O arguido não tem antecedentes criminais;
k) O arguido exerce a profissão de empregado de mesa auferindo mensalmente a quantia de €500,00. Paga de renda de casa a quantia de €300,00. Possui uma viatura automóvel marca “Renault”, modelo ………., do ano de 1989.
2 – A alteração da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida é imposta pelos seguintes elementos de prova: documentos de fls. 3, 4, 5 e 8; depoimentos das testemunhas I………. (registado na sessão de 27/11/2007, de 57:26 a 1:12:08 minutos), D………. (registado na sessão de 14/12/2007, de 0:34 a 9:29 minutos) e H……… (registado na sessão de 4/01/2008, de 00:10 a 19:10 minutos), nos termos melhor expostos e parcialmente transcritos supra.
3 – Ainda que se julgue manter a decisão sobre a matéria de facto, no que se não concede, os factos julgados como provados não preenchem os elementos típicos do crime de especulação imputado ao arguido, não se tendo verificado a necessária alteração do preço constante da lista do estabelecimento em apreço (vide alínea c), do n.º 1 do art. 35.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro).
4 – Igualmente sem conceder, a entender que se encontram preenchidos os elementos típicos do crime imputado ao arguido, a pena fixada pelo Tribunal a quo mostra-se manifestamente desproporcionada, quer em face da gravidade da conduta imputada ao arguido, quer em face do alegado lucro obtido pelo arguido para a sua entidade patronal, tenha-se bem presente que estão em causa 12,00€, quer sobretudo em virtude da situação económico-financeira do arguido, sempre se justificando in casu a redução do número de dias de multa, bem como a redução do respectivo valor diário, o qual deverá ser fixado pelo valor mínimo permitido pela lei penal em vigor na data dos factos, isto é, à razão diária de 1,00€ (ut arts. 40.º e 47.º do CP/95).
5 – No caso sub judice justifica-se igualmente, a manter-se a condenação ora recorrida, no que se não concede, a substituição da pena de multa por trabalho, bem como o pagamento em prestações da pena de multa, o que se requer para os devidos efeitos, em termos a fixar pelo Tribunal ad quem de acordo com o seu prudente critério (ut arts. 47.º e 48.º do CP).
6 – A sentença recorrida violou, além do mais, as disposições legais constantes dos arts. 40.º, 47.º, 48.º do Código Penal e do art. 35.º, n.º 1 al. c), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro.
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Terminou pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que o absolva.
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Na 1.ª instância respondeu o M.º P.º pronunciando-se pelo não provimento do recurso, sendo no mesmo sentido o parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste tribunal.
Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do C. P. Penal, não foi junta qualquer resposta ao processo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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Este tribunal conhece de facto e de direito – art. 428.º do C. P. Penal.
Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas delimitam o seu objecto, são três as questões suscitadas pelo arguido a merecerem apreciação, a saber: a) erro de julgamento da matéria de facto provada; b)errada qualificação jurídica da matéria de facto considerada provada; c) medida da pena.
a) É a seguinte a matéria de facto considerada provada na sentença recorrida:
A9No dia 31/07/05, pelas 22h30, um grupo de cinco pessoas, do qual faziam parte C………., D………., E………. e F………., entraram no estabelecimento de restaurante com a denominação de “G……….”, sito na Rua ………., nº…, Porto, com o intuito de aí jantarem.
b) Servida a refeição e solicitada a conta, as pessoas atrás referidas constataram que lhes tinham sido debitadas dez “couverts”, ao preço unitário de dois euros, quando na realidade, apenas tinham consumido quatro “couverts”.
c) Face a tal discrepância, chamaram a atenção do empregado de mesa que os tinha servido, o qual, por sua vez, solicitou a intervenção do arguido que desempenhava as funções de chefe de sala.
d) Confrontado com os factos, e depois de se ter apercebido de que haviam sido consumidos apenas quatro “couverts” e não os dez debitados, o arguido obrigou o grupo de cinco pessoas a pagar os dez “couverts” em vez dos quatro efectivamente consumidos e que aqueles satisfizeram, pagando os “couverts” ao preço unitário de dois euros.
e) Ao proceder da forma supra descrita, agiu o arguido em livre manifestação de vontade, bem sabendo que obtinha para a sociedade proprietária do estabelecimento em questão, um ganho ilícito de doze euros, correspondendo ao preço de seis “couverts” não consumidos, que quis e com o que se conformou.
f) O arguido sabia ainda que a sua conduta era proibida por lei.
g) O arguido não tem antecedentes criminais.
h) O arguido exerce a profissão de empregado de mesa auferindo mensalmente a quantia de € 500,00. Paga de renda de casa a quantia de € 300,00. Possui uma viatura automóvel marca “Renault” Modelo “……….” do ano de 1989.
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Formou o tribunal recorrido a sua convicção quanto à matéria de facto considerada provada nos termos que se passam a reproduzir:

INDICAÇÃO DAS PROVAS E DOS MOTIVOS DA SUA RELEVÂNCIA:

A convicção do Tribunal resultou do conjunto da prova produzida, designadamente:
Dos documentos de fls.2 a 15 e 44 que não foram impugnados;
Dos depoimentos das testemunhas C………., E………., F………. e D………., todas elas fazendo parte do grupo de cinco pessoas que nesse dia se deslocou ao restaurante, sendo os respectivos depoimentos coincidentes no tocante a terem sido colocadas apenas duas travessas, num momento inicial e, ao terem solicitado pelo menos mais dois patês, foi-lhes colocado na mesa mais duas travessas.
As indicadas testemunhas foram igualmente concordantes no tocante à circunstância de cada travessa apenas conter um pão, um patê, uma manteiga, presunto e uma taça de azeitonas, tratando-se por conseguinte de doses individuais, daí a razão de terem solicitado mais patê, pois eram cinco pessoas, e terem questionado o empregado aquando da solicitação da conta que lhes referiu, que se apenas se tratasse de uma pessoa, a dose era a mesma. Daí terem concluído que efectivamente se tratavam de doses individuais (pois se apenas se tratasse de uma pessoa a dose era a mesma e o preço mantinha-se igual) daí, terem pedido o livro de reclamações.
Aliás, todas as indicadas testemunhas foram unânimes em referir que não se tratou de uma questão monetária, mas reclamaram porque efectivamente sentiram que indevidamente debitadas as seis doses a mais.
Por outro lado, não conseguiu o arguido convencer, nas suas declarações, qual a razão de, tratando-se de mais de uma dose, apenas terem sido inicialmente colocados dois pães, sendo certo que, alega na sua contestação que colocaram cinco doses na mesa, num momento inicial. A ser correcta a versão do arguido, então cada dose teria que trazer um pão, pois se apenas fosse uma pessoa a jantar a dose era a mesma.
Por outro lado, a testemunha H………., empregado do restaurante “G……….” entre Junho e Julho de 2004, foi o único e contrariamente à própria versão inicial do arguido, a dizer que o pão era colocado laminado e que a dose de pão era aumentada consoante o número de clientes. Por outro lado, tal depoimento contradiz-se ao referir que era colocado um patê e uma manteiga por pessoa, o que vem corroborar a versão da acusação de terem sido apenas colocadas 4 e não 10 doses como refere o arguido.
Finalmente o arguido, asseverou ser na altura o chefe de sala, e foi a este que o empregado, a testemunha H………., chamou, aquando da reclamação da conta por parte dos clientes, sendo por isso o responsável perante os clientes naquele estabelecimento de restauração.
Cabe ainda referir que foi posta em causa, no decurso da audiência, a imparcialidade das testemunhas de acusação, designadamente das testemunhas F………. e E………. . Sobre tal questão já nos pronunciámos no nosso despacho de fls.202, para o qual remetemos.
Como já supra referimos, tais testemunhas afiguraram-se ao Tribunal, desinteressadas, coerentes entre si e, mesmo que o depoimento das indicadas testemunhas pudesse ser posto em causa sempre os depoimentos das testemunhas C………. e D………., teriam de ser valorados, sendo estes depoimentos coincidentes entre si e com a versão da acusação e prestados em sessões diferentes de julgamento.
O Tribunal baseou-se ainda no depoimento da testemunha de defesa do arguido, o seu antigo patrão e proprietário do estabelecimento, que depôs acerca da personalidade deste.
Teve ainda em conta o Tribunal o C.R.C. do arguido junto aos autos no que concerne à ausência de antecedentes criminais e bem assim as declarações do arguido no que diz respeito à sua situação sócio-económica, que se afiguraram sinceras.
Os factos dados como não provados, não foram objecto de prova convincente, pelas razões que supra se deixaram transcritas.
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Segundo o arguido, impõem decisão diversa da recorrida, quanto aos factos por si indicados como erradamente julgados, os documentos juntos a fls. 3, 4, 5 e 8 e os depoimentos das testemunhas I………., D………. e H……… .
Os documentos de fls. 3, 4, 5 e 8 são constituídos respectivamente pela comunicação da sociedade proprietária do restaurante onde os factos ocorreram, à Câmara Municipal ……….., de uma reclamação apresentada por uma das clientes do restaurante, pelo talão com a conta, pela reclamação e pela lista com a descrição das entradas, sopas e restantes pratos e respectivos preços.
De tais documentos, com interesse para esta decisão, consta o seguinte: no primeiro refere-se que na mesa foi inicialmente colocado o “couvert” adequado para cinco pessoas, que os clientes consumiram, tendo os mesmos encomendado um outro que também consumiram; que uma das clientes, aquando da apresentação da conta, reclamou o débito de 10 “couverts”; e que o arguido, na ausência do gerente, tentou resolver o problema, oferecendo o valor reclamado; no talão com a conta constam 10 “couverts” no valor total de €20,00; na reclamação consta o seguinte:
“Estorquir (sic) valor redobrado do couvert, explicação indevida e mau atendimento por parte do gerente da casa”.
“Explicação: na lista consta 2 € de couvert por pessoa e foram registados 4 por pessoa; e na lista da ementa consta, entre o mais: COUVERT: Pão do dia, azeitonas marinadas, patê, manteiga e presunto...2,00€”.
No que diz respeito aos depoimentos das testemunhas I………., D………. e H………., respectivamente proprietário do restaurante, uma das pessoas que fazia parte do grupo que jantou no restaurante na data dos factos e o empregado de mesa que serviu o grupo de cinco pessoas, verifica-se que os mesmos não só não infirmam os depoimentos das testemunhas de que o tribunal recorrido se serviu para fixar a matéria de facto considerada provada, como ainda os reforçam. Com efeito, a testemunha I………. declarou não se encontrar presente no restaurante na data da prática dos factos, confirmando que o arguido exercia na altura as funções de chefe de mesa e abonando o bom comportamento deste; a testemunha D………. confirmou, no essencial, os depoimentos das testemunhas C………., E………. e F………., nomeadamente no que diz respeito às entradas que foram colocadas em cada uma das travessas, havendo discrepância apenas quanto ao número de travessas, que referiu terem sido três e não quatro, como aquelas testemunhas declararam; por sua vez o H………. confirmou ser ele o empregado de mesa que serviu as pessoas em causa e que o arguido era o chefe das salas, a quem chamou quando os clientes disseram que queriam falar com o gerente a fim de apresentarem reclamação quanto ao número de entradas (couverts) facturadas. O depoimento desta testemunha mostrou-se de alguma forma comprometido com a versão dos factos dada pelo arguido. Referiu, no entanto, que o pão era cortado em fatias antes de ser colocado nas travessas, sendo, portanto, colocado nas mesas já cortado, ao contrário do que foi referido por todas as demais pessoas ouvidas, acabando por admitir que os recipientes com o patê eram colocados nas travessas de modo aleatório, podendo, como era o caso, de se tratar de um grupo de 5 pessoas, ser colocados 4 ou 6 recipientes, o mesmo acontecendo relativamente à quantidade de pão, azeitonas, presunto ou outros produtos, sendo que na conta eram debitadas tantas entradas quantas as pessoas que se encontravam a fazer a refeição. Ou seja, segundo o seu depoimento, sendo cinco as pessoas, como era o caso, ainda que só colocassem 4 doses de patê e mais os restantes produtos, cobravam €2,00 por cada pessoa. Referiu, por último, que das travessas também constava queijo cortado às fatias, facto não confirmado por qualquer das outras testemunhas, sendo certo que tal produto não constava da ementa como fazendo parte do “couvert”.
A sua versão de que o arguido pretendeu entregar aos clientes a diferença reclamada, corroborando assim as declarações daquele, foram contrariadas pelos depoimentos das demais testemunhas, segundo as quais o arguido lhes disse que, tendo consumido todos os produtos que se encontravam nos “couverts”, era o preço facturado aquele que deviam pagar, não se propondo proceder à rectificação ou reembolso da quantia que consideravam ter sido facturada a mais, com o argumento de que ali era assim que as coisas funcionavam.
De referir por último que o arguido era o chefe das salas, tendo sido ele quem se dirigiu ao grupo de clientes para resolver o problema por estes suscitado, a solicitação do empregado de mesa, donde se conclui que, pelo menos de facto, era ele quem, na data, exercia as funções de gerente ou, pelo menos, de responsável pelo restaurante. Tanto mais que o proprietário do restaurante, como declarou, não se encontrava presente.
Deste modo, porque, de acordo com a fundamentação de facto, a matéria de facto considerada provada tem suporte nos depoimentos nela indicados e as provas que o arguido indicou como impondo decisão diversa da recorrida não infirmam aqueles depoimentos, mantém-se a matéria de facto provada tal como consta da sentença recorrida, havendo apenas a acrescentar-lhe um facto que dela não consta mas que se mostra essencial para a decisão, o que configura o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a) do n.º 2 do art. 410.º do C. P. Penal, vício este que pode ser sanado por este tribunal por a prova produzida na audiência de julgamento se encontrar gravada.
Vejamos.
Embora da matéria de facto provada conste que aos clientes do restaurante foram debitadas dez entradas, ao preço unitário de €2,00, não resulta de forma clara, embora se depreenda, que este era o preço unitário de cada entrada ou “couvert” que constava da ementa, sendo certo que da prova produzida na audiência de julgamento resulta de forma a não deixar dúvidas que era aquele o preço que efectivamente constava da ementa. Com efeito, todos os depoimentos foram no sentido de que o preço unitário das entradas era de €2,00.
Assim sendo, à matéria de facto considerada provada na sentença recorrida acrescenta-se mais o seguinte facto: Da ementa constava que o preço de cada “couvert” era de €2,00.
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b) Segundo o arguido, a matéria de facto provada não preenche os elementos constitutivos do crime por que foi condenado por não se verificar a necessária alteração do preço constante da lista do estabelecimento.
É o seguinte o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto considerada provada, feito na sentença recorrida:
2.4) ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS:
O arguido vem acusado pela prática de um crime de especulação, p.p. pelo artº 35º nº1 al. c) do D.L. 28/84 de 20/1.
Dispõe o artº 35º nº1 al. c) do D.L. 28/84 de 20/1, que, "será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem (...) vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaboradas pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço”;
Passando agora à análise dos elementos constitutivos deste tipo de crime.
Diga-se antes de mais, que o bem jurídico que se defende e protege neste tipo de crime, é o da economia nacional, ou, o que vale o mesmo, a confiança e o interesse patrimonial dos consumidores.
Elemento objectivo:
Os sujeitos do delito: O crime de especulação não é um delito próprio ou específico dos comerciantes. Qualquer pessoa, singular ou colectiva, comerciante ou não, pode cometer esta infracção.
Por outro lado, o sujeito passivo, (no sentido da pessoa lesada), é o adquirente, que pode ou não ser comerciante e pessoa física ou colectiva.
A acção física: Várias são as acções físicas que se incriminam nesta norma. A venda, a prestação de serviços, a alteração de preços.
Objecto material do crime: O objecto material deste crime são os bens.
O conceito de bem, por seu turno, abrange qualquer produto, mercadoria ou, na terminologia de Cunha Gonçalves in "Da compra e venda no direito comercial, pág. 93”, “qualquer coisa que seja objecto de comércio”.
Por sua vez, a venda de bens, a prestação de serviços e a elevação dos preços apenas são incriminadas quando se verifiquem determinados condicionalismos ou pressupostos.
Na modalidade da alínea b) a alteração dos preços que do regular exercício da actividade resultariam para os bens ou serviços, ou os que resultariam da regulamentação em vigor,
Na modalidade da alínea c) do citado preceito legal, a venda de bens ou a prestação de serviços por preços superiores aos que se encontrem marcados em etiquetas, rótulos, letreiros, ou listas elaborados pela própria empresa vendedora ou prestadora do serviço, constituí especulação.
Elemento subjectivo.
Com excepção feita à primeira espécie da al. b) do nº 1 do artº 35º, que não está aqui em causa, todas as modalidades deste tipo incriminador exigem apenas o dolo genérico, consistente na vontade livre e consciente de se vender os bens ou prestar os serviços por preços superiores aos fixados na lei em etiquetas, rótulos, letreiros ou listas.
O dolo supõe além do mais, o conhecimento das circunstâncias de facto que integram o tipo legal de crime, designadamente, a existência de preços tabelados, fixados por lei ou constantes de etiquetas, rótulos, etc.
Sem tal conhecimento, não há dolo, quando muito, poderá haver negligência se se provar que o agente é de algum modo responsável por tal ignorância.
Analisados todos estes elementos, importa agora apurar se no caso em análise deve aos arguidos ser imputado o crime de que vêm acusados.
Da factualidade apurada não restam dúvidas de que a conduta do arguido preencheu, objectiva e subjectivamente, o crime de que vem acusado.
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Definitivamente fixada a matéria de facto relevante para a decisão a proferir, importa agora decidir se, como concluiu o tribunal a quo, se pode subsumi-la à previsão do artigo 35.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, ou, antes, como pretende o recorrente, se deverá ter a mesma por atípica na perspectiva do ilícito em causa.
Vejamos, pois.
O artigo 35.º do citado Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, sob a epígrafe «especulação», dispõe:

«1 - Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem:
a) Vender bens ou prestar serviços por preços superiores aos permitidos pelos regimes legais a que os mesmos estejam submetidos;
b) Alterar, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços que do regular exercício da actividade resultariam para os bens ou serviços ou, independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal em vigor;
c) Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaborados pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço;
d) Vender bens que, por unidade, devem ter certo peso ou medida, quando os mesmos sejam inferiores a esse peso ou medida, ou contidos em embalagens ou recipientes cujas quantidades forem inferiores às nestes mencionadas.
2 - Com a pena prevista no número anterior será punida a intervenção remunerada de um novo intermediário no circuito legal ou normal da distribuição, salvo quando da intervenção não resultar qualquer aumento de preço na respectiva fase do circuito, bem como a exigência de quaisquer compensações que não sejam consideradas antecipação do pagamento e que condicionem ou favoreçam a cedência, uso ou disponibilidade de bens ou serviços essenciais.
3 - Havendo negligência, a pena será a de prisão até 1 ano e multa não inferior a 40 dias.
4 - O tribunal poderá ordenar a perda de bens ou, não sendo possível, a perda de bens iguais aos do objecto do crime que sejam encontrados em poder do infractor.
5 - A sentença será publicada.»

Temos para nós, na esteira do que entendemos constituir a melhor doutrina, que o crime de especulação é construído em torno «de um específico bem jurídico: a estabilidade dos preços. Por definição, a especulação implica, assim, a violação de um preço subtraído à livre disponibilidade dos operadores económicos. Preço que tanto pode resultar directamente de determinados regimes legais (v. g. alínea a) do n.º 1 do artigo 35.º) como ser indirectamente identificado através, por exemplo, da referência aos “preços que do regular exercício da actividade resultariam para os bens ou serviços” (n.º 1, alínea b)) ou aos preços inscritos nas “etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaboradas pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço”» (Manuel da Costa Andrade, A nova lei dos crimes contra a economia (Dec.-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro) à luz do conceito de «bem jurídico», em Instituto de Direito Penal Económico e Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, vol. I, 1998 [o original é de 1985], pág. 409).
Isto era já assim ainda à luz da legislação anterior à vigência do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro. Sublinhando tal ideia, Jorge de Figueiredo Dias/Manuel da Costa Andrade (Problemas de especulação e sucessão de leis no contexto dos regimes de preços controlados e declarados, em Instituto de Direito Penal Económico e Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ob. cit., vol. II, 1999 [o original é de 1981], pág. 138-139, nota 7), escreviam nos inícios da década de oitenta do século passado que a «incriminação e punição [da especulação] se perspectivou sempre pela tutela da estabilidade dos preços», sendo-lhe «estranhas, quaisquer considerações dirigidas a desestimular ou punir os lucros excessivos ou “imorais”» (id., ib.; sublinhados e interpolação nossos).
No entanto, como alertavam os mesmos autores, identificando uma tendência que, a nosso ver, não deixaria de se reflectir, ainda mais fortemente, na conformação legislativa da incriminação constante do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, «esta infracção deixou (…) de se limitar a sancionar as acções perturbadoras da concorrência ou do curso normal das forças do mercado», tendo a «par destas condutas (…) passado também a integrar a factualidade típica da especulação as acções susceptíveis de contrariar ou frustrar a política estadual de conformação dos preços» (id., ib.; a interpolação é nossa).
E, acrescentaríamos nós, à luz de uma norma como a da alínea c) do n.º 1 do preceito legal em referência, também aquelas acções que ponham em causa o «regime» de preços que o próprio participante no mercado defina por si e para si e a que dê oportuna e adequada publicidade através de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas: uma vez definido e divulgado, nos moldes legalmente previstos, os preços dos seus produtos ou serviços, a entidade vendedora ou prestadora dos mesmos não pode, sem razão justificativa ponderosa, alterá-los unilateralmente, agravando-os e forçando os consumidores a pagar por eles valores superiores aos assim fixados.
O que desta forma parece pretender o legislador, pois, é que as flutuações dos preços no mercado – quaisquer preços, ao não fazer a esse respeito qualquer distinção – resultem do jogo objectivo das leis da procura e da oferta, de forma transparente e motivada, e não apenas dos eventuais interesses subjectivos dos actores económicos que, aproveitando-se da sua posição de (maior ou menor, mas sempre) supremacia em relação ao consumidor dos seus bens e serviços, possam, a cada momento, manipular, a seu favor, o preço (o valor monetário que tenham de receber pelo fornecimento ou prestação) dos mesmos.
A lei não impede, portanto, todos e quaisquer aumentos de preços após a sua definição (e publicitação) por parte do fornecedor de bens ou prestador de serviços, mas apenas aqueles que, objectivamente, não encontrem razão justificativa no funcionamento das regras do mercado e, por isso mesmo, surjam como arbitrários e caprichosos. Só estes aumentos, expondo os participantes no mercado a flutuações porventura irrazoáveis dos preços, pretendeu o legislador punir.
Ao entrar em transacção económica com outrem que tenha definido de forma expressa e pública os preços dos produtos ou serviços que fornece ou presta, o participante no mercado – no caso que nos interessa, o consumidor – tem assim uma garantia de que não será surpreendido pela exigência de preços diversos daqueles com que contou quando se decidiu, no conhecimento do valor devidamente publicitado da contraprestação exigida, a contratar a aquisição dos mesmos produtos ou serviços.
Sendo a auri sacra fames, de que falava Virgílio na sua Eneida, mais ou menos irrelevante para a caracterização típica do crime de especulação, não é preciso, portanto, que o agente actue motivado por qualquer vontade de obter um lucro ilegítimo, mas apenas de beneficiar objectivamente de uma contraprestação patrimonial pelos seus produtos ou serviços a que não teria direito face ao preço que foi fixado.
Precisamente por isso, não colherá a objecção de que o que o arguido nos presentes autos fez não consistiu na venda, por preço superior ao fixado, de determinadas unidades de couvert, mas, antes, na cobrança – respeitando formalmente o preço fixado para cada uma dessas unidades – de um número de unidades de couvert superior ao que efectivamente foi consumido.
Com efeito, de um ponto de vista substancial, não existe qualquer diferença entre cobrar, de entrada, um preço superior ao exposto para cada unidade dos bens ou serviços implicados (no caso dos autos, por exemplo, a cobrança de €5,00 por cada unidade de couvert que efectivamente foi vendida e consumida), ou cobrar uma quantia por bens ou serviços que não foram vendidos ou prestados (naturalmente, tendo o agente disso consciência, como se assentou que sucedeu no caso em apreciação), implicando o pagamento de um valor superior ao fixado com o consequente lucro daí derivado (como terá sucedido no caso dos autos).
Em ambas as situações o agente, na prática, cobra, por cada unidade de bens efectivamente fornecida, um preço – uma contraprestação pecuniária – que não é aquele que ele próprio fixou para a mesma.
Na óptica do consumidor – que é quem mediatamente a tutela penal da estabilidade dos preços visa proteger – o resultado é sempre o mesmo: o que lhe deveria (lançando mais uma vez mão das circunstâncias do caso concreto) custar €2,00 importará em €5,00; para si, o preço dos bens realmente adquiridos, e com o qual contava, será assim inapelavelmente superior ao fixado. Para o preenchimento do tipo de ilícito sob consideração, portanto, interessa mais, em nosso entender, o efectivo resultado final da transacção económica realizada do que o aparente respeito pelo preço formalmente fixado para a mesma.
Revertendo agora ao caso concreto sob apreciação, temos então que o arguido, enquanto exercia as funções de chefe de sala do restaurante «G……….», sito na Rua ………., n.º …, no Porto, cobrou, ou fez cobrar, a clientes de tal estabelecimento comercial, €20,00 por quatro unidades de couvert cujo valor unitário, tal como anunciado na lista do restaurante (e que este é legalmente obrigado a manter), era de, apenas, €2,00.
Ao actuar da forma indicada, o arguido sabia – não podia ignorar – que obtinha para a sua entidade patronal, que, no exercício das suas funções, representava na altura, um benefício – indevido – de €12,00.
Actuando de forma livre, deliberada e consciente, e não podendo ignorar, como não ignorava, o carácter ilícito do seu comportamento, preencheu assim o arguido a totalidade dos elementos objectivos e subjectivos do ilícito típico de que se encontra acusado, razão pelo qual não podia deixar de ser, como foi, condenado pela sua prática.
Improcede, pois, o recurso sob apreciação, na parte em que pugna pela declaração de atipicidade da conduta do arguido.
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O arguido, para o caso de não ser decretada a sua pretendida absolvição do crime de especulação por que foi condenado em 1.ª instância, põe ainda em causa a pena que no Tribunal a quo lhe foi imposta pela prática de tal ilícito.
Alega ele que, «a pena fixada pelo Tribunal a quo mostra-se manifestamente desproporcionada, quer em face da gravidade da conduta imputada ao arguido, quer em face do alegado lucro obtido pelo arguido para a sua entidade patronal, tenha-se bem presente que estão em causa 12,00€, quer sobretudo em virtude da situação económico-financeira do arguido, sempre se justificando in casu a redução do número de dias de multa, bem como a redução do respectivo valor diário, o qual deverá ser fixado pelo valor mínimo permitido pela lei penal em vigor na data dos factos, isto é, à razão diária de 1,00€». Recordemos que o arguido foi condenado na pena de 120 dias de prisão substituída por igual tempo de multa e em 140 dias de multa, à razão diária de €5,00.
O crime cometido pelo arguido é punido, como se viu já, com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias.
Ao condenar o arguido numa pena de 120 dias de prisão, pois, a sentença proferida na 1.ª instância não respeitou a moldura legal prevista para o crime em questão, já que condenou em 4 meses de prisão (120 dias) quem, por força do regime legalmente vigente, teria de ser condenado num mínimo de 6 meses (ou seja, 180 dias de prisão).
Não tendo a sentença proferida sido impugnada nessa parte, por via de recurso, pelo Ministério Público, e não podendo este Tribunal condenar em pena de medida superior à aplicada em 1.ª instância no âmbito de um recurso interposto pelo arguido, sob pena de violação do princípio da proibição da reformatio in peius, há que manter, portanto, o decidido, sendo certo que, nestas circunstâncias, a queixa, por parte do mesmo arguido, de que foi condenado em pena superior à que se justificaria, ao menos no tocante à pena de prisão que lhe foi aplicada, não faz qualquer sentido.
De qualquer modo, e como decidiu este Tribunal no seu acórdão de 10/12/2008, de que foi relator o destes autos (que pode ser consultado na base de dados de jurisprudência deste tribunal mantida pelo Instituto das Tecnologias de Informação na World Wide Web, no endereço www.dgsi.pt/jtrp.nsf, sob o número de processo 0845246), havendo lugar à substituição da pena de prisão por pena de multa – como entendeu a 1.ª instância dever suceder neste caso, decisão que nessa parte nos merece total concordância –, a medida desta é fixada livremente, dentro da moldura legalmente fixada para a pena de multa, de acordo com os critérios previstos no artigo 71.º do Código Penal, e portanto sem qualquer exigência de correspondência automática entre o período de prisão fixado e o número de dias de multa a impor.
E sendo assim, a pena de 120 dias de multa em substituição de uma pena de prisão que deveria ter sido fixada, no mínimo, em 6 meses, não se afigura como excessiva, como não se afigura tal pena excessiva se, para além do valor objectivo da contraprestação ilegítima que o arguido logrou obter para a sua entidade patronal – em que pretende ele fixar exclusivamente a atenção desta Relação, como se nenhum outro elemento fosse de ponderar na aplicação da sanção criminal – considerarmos o bem jurídico, os interesses sociais, que a incriminação da especulação visa proteger: uma pena que não permita reprimir adequadamente actividades comerciais censuráveis, deixando o consumidor totalmente à mercê de agentes económicos menos escrupulosos, é de rejeitar, como é de rejeitar uma pena que não permita reafirmar contrafacticamente as expectativas comunitárias relativamente à validade da norma jurídico-criminal violada pelo arguido com a sua conduta.
Como também não se antolha exagerada a fixação da pena de multa que cumulativamente tem de impor-se ao arguido em 140 dias, apenas 40 dias acima do limiar mínimo de tal sanção (que é de 100 dias), nos termos do n.º 1 do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro.
De qualquer modo, há sempre que ter em consideração que a culpa não se oferece num valor fixo e definido da moldura legal aplicável, antes admite, legitimamente, uma tradução numérica variável quanto ao máximo da sanção que pode ser aplicada, no âmbito do que jogam então as exigências de prevenção – geral e especial – postas pelo caso.
O número de dias de multa a impor ao arguido, fixado na 1.ª instância – cento e vinte no tocante à pena de prisão que se substituiu por sanção pecuniária, e cento e quarenta no tocante à sanção pecuniária cumulativa –, está, a nosso ver, ainda dentro da «moldura da culpa» que se pode construir no caso vertente e, portanto, não ultrapassa o limite intransponível que a culpa lhe assinala, bem como se mostra de acordo com as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.
E sendo assim, a decisão da 1.ª instância também não merece, por isso, a nosso ver, censura nesta parte.
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O arguido insurge-se, ainda, contra o montante diário de multa que foi fixado na sentença recorrida, entendendo que o mesmo não deveria ter ultrapassado o limite mínimo que para o mesmo previa a legislação em vigor à data em que ocorreram os factos aqui sob escrutínio.
Em 31/07/2005 não havia, na verdade, entrado ainda em vigor a reforma operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, que fixou em €5,00 o mínimo diário da pena de multa; naquela data tal mínimo estava, por isso, fixado em €1,00.
No entanto, a taxa diária de €5,00 fixada na sentença recorrida não se afigura excessiva.
Por um lado, há que ter em consideração que a fixação da taxa diária da pena de multa no seu mínimo legal, como repetidamente tem salientado a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, designadamente a desta Relação, deverá ser reservada para as situações em que os arguidos se encontrem em situação económico-financeira de verdadeira penúria, pois que também nesta matéria há que assegurar a realização da igualdade de todos os cidadãos perante o ordenamento jurídico, tratando de forma desigual o que é desigual.
Se a um arguido que exerce regular actividade profissional e, por isso, aufere, mensalmente, rendimentos fixos superiores ao salário mínimo nacional, se aplicar a mesma taxa diária que se aplicaria a quem se encontra desempregado e não tem quaisquer rendimentos, ou a quem se limita a auferir o salário mínimo nacional, violar-se-ia o dever de respeitar o princípio de igualdade em matéria de punição criminal, pois que se estaria a impor uma pena mais pesada a quem tem menos possibilidades económicas e mais leve a quem tem maiores possibilidades económicas.
A pretensão do arguido, de reduzir a taxa diária fixada em 1.ª instância ao mínimo legalmente previsto à data em que actuou, afigura-se, assim, totalmente carente de fundamento.
Já a taxa diária aí encontrada, por outro lado, também se nos não afigura excessiva, se tomarmos em consideração que a sanção criminal há-de representar, para o condenado, uma efectiva pena, um castigo, e que o próprio legislador, ao prever várias formas para a sua respectiva oblação (como o pagamento em prestações ou através da prestação de trabalho a favor da comunidade), não pretende que a sua medida seja fixada em função da quantia de que o arguido possa, de imediato e sem qualquer sacrifício da sua parte, dispor.
Também nesta parte, portanto, improcede o recurso interposto pelo arguido.
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O arguido defende, ainda, que «no caso sub judice justifica-se igualmente, a manter-se a condenação ora recorrida (…), a substituição da pena de multa por trabalho, bem como o pagamento em prestações da pena de multa».
Trata-se aqui, no entanto, de matéria que excede os poderes de cognição desta Relação, ao contender exclusivamente com o regime de execução da pena fixada. São matérias – como o próprio arguido acaba por reconhecer – que terão de ser decididas na 1.ª instância, a quem compete a execução das penas fixadas (cfr. o artigo 470.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), razão pela qual delas aqui não tomaremos conhecimento.
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Deste modo, nega-se provimento ao recurso.
Condena-se o arguido na taxa de justiça que se fixa em 6 (seis) UC.
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Porto, 2009/05/20
David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira