Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
836/09.7TBLSD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
COMÉRCIO
VÍCIO DE FORMA
NULIDADE DO CONTRATO
RESTITUIÇÃO DO QUE HOUVER SIDO PRESTADO
SITUAÇÃO DE FACTO CONSTITUÍDA POR FORÇA DE UM ACTO NULO
TUTELA JURÍDICA
REGIME DE FRUTOS E BENFEITORIAS
Nº do Documento: RP20130121836/09.7TBLSD.P1
Data do Acordão: 01/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 7º DO RAU
ARTº 204º, 216º, 286º, 289º, 1269º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I- O contrato de arrendamento para comércio celebrado em Maio de 2006 é nulo por vicio de forma quando não seja celebrado por escrito.
II- O tribunal a pretexto do pedido principal, que se estribava no trespasse do estabelecimento, não pode deixar de conhecer e decretar tal nulidade se aquele pedido improcede.
III- Declarado nulo o contrato, porque tal nulidade opera retroactivamente (ex-tunc), haverá lugar à repristinação das coisas no estado anterior ao negócio, devendo ser restituído tudo o que houver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente - art. 289.º nº 1 do C. Civil.
IV- Para além disso o nº 3 do citado preceito conduz, a que se conceda tutela jurídica à situação de facto constituída por força de um acto nulo.
V- Tutela que, todavia, se mitiga o regime da nulidade, só abarca significativamente o regime dos frutos e benfeitorias, e já, não como acontece no enriquecimento sem causa, o reflexo económico do adquirente do destino dado à coisa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 836/09.7TBLSD.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, 1º Juízo
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Macedo Domingues
5ª Secção

Sumário:
I- O contrato de arrendamento para comércio celebrado em Maio de 2006 é nulo por vicio de forma quando não seja celebrado por escrito.
II- O tribunal a pretexto do pedido principal, que se estribava no trespasse do estabelecimento, não pode deixar de conhecer e decretar tal nulidade se aquele pedido improcede.
III- Declarado nulo o contrato, porque tal nulidade opera retroactivamente (ex-tunc), haverá lugar à repristinação das coisas no estado anterior ao negócio, devendo ser restituído tudo o que houver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente - art. 289.º nº 1 do C. Civil.
IV- Para além disso o nº 3 do citado preceito conduz, a que se conceda tutela jurídica à situação de facto constituída por força de um acto nulo.
V- Tutela que, todavia, se mitiga o regime da nulidade, só abarca significativamente o regime dos frutos e benfeitorias, e já, não como acontece no enriquecimento sem causa, o reflexo económico do adquirente do destino dado à coisa.
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I-RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B… intentou a presente acção de processo ordinário contra “C…, Lda.”, pedindo que esta seja obrigada a pagar-lhe, uma indemnização em montante não inferior a € 90.000,00 acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo pagamento ou, subsidiariamente, a restituir igual montante a título de enriquecimento sem causa.
Para o efeito alega, em síntese que celebrou com a Ré, em Maio de 2006, um contrato verbal de arrendamento, da fracção identificada no art. 1º da p.i. que se encontrava totalmente vazia, configurando um espaço amplo, sem divisórias.
Com vista à instalação de um estabelecimento de bar na referida fracção realizou inúmeras obras de construção, instalação de equipamentos e materiais, que orçaram o montante de € 85.000,00, quantia que pagou.
No final do mês de Setembro de 2007, decidiu encerrar o estabelecimento, tendo ficado acordado com a Ré que ambos iam tentar encontrar pessoa interessada no trespasse do estabelecimento, pela quantia de € 90.000,00, assegurando a Ré, deste modo, que o estabelecimento continuaria a funcionar, mantendo um arrendatário.
No mês de Abril de 2008, foi informado por D… que esta havia celebrado um contrato de trespasse com a Ré, tendo adquirido todo o estabelecimento comercial, com todos os seus pertences, incluindo a designação “E…”, mantendo uma relação de arrendamento com a ré, tendo esta recebido daquela, a título de trespasse o montante de € 90.000,00.
Refere, ainda, que a Ré enriqueceu o seu património à custa do seu património sem qualquer causa justificativa.
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Citada a Ré, veio contestar impugnando os factos alegados pelo Autor, referindo que o arrendamento se destinava a comércio e que aquele procedeu à realização de obras de adaptação com vista à instalação de um estabelecimento de café/bar.
Acordaram, ainda, que as obras seriam por conta do Autor e, uma vez realizadas, ficariam a pertencer ao imóvel, sem que pudesse reclamar de si o seu custo ou qualquer outra forma de compensação ou indemnização.
Refere, ainda, que quando o Autor encerrou portas retirou do locado grande parte do recheio que compunha aquele estabelecimento, tendo lá ficado apenas bens de baixo valor, ficando acordado que o réu ficaria com esse parco recheio por conta do débito da autora, a título de rendas, no valor de € 8.500,00.
Conclui, dizendo, que a acção deve ser julgada improcedente.
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A autora, na réplica, manteve os factos alegados na petição inicial.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com a observância do formalismo legal, após o que se decidiu sobre a matéria de facto, sem que tivesse sido apresentada qualquer reclamação tendo, a final, sido proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo, em consequência, a Ré dos pedidos formulados.
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Não se conformando com o assim decidido veio o Autor interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
A - Recorre-se, deste modo, da Douta Decisão “a quo” pois a mesma viola o disposto nos art. 660, nº 2 e 668, nº 1 c) e d) do C.P.C. e 473º e 479º do C.C.
B - Manifestamente verificou-se erro na apreciação da prova produzida e na aplicação do direito ao caso concreto, sendo que os fundamentos estão manifestamente em oposição com a Decisão.
C - A Decisão de que se recorre conclui, erradamente, que não se alegou a existência de qualquer recusa da ora Recorrida em restituir os referidos bens ou mesmo que aqueles já não se encontravam no local em questão, não se peticionando uma indemnização pelos prejuízos sofridos em consequência de tais factos.
D - Incorre, assim, em contradição a Decisão quando, por um lado, dá como provados tais factos e, por outro, julga improcedente a atribuição, a título subsidiário, de indemnização.
E - Tendo a Recorrente se apropriado da totalidade do estabelecimento comercial, de valor estimado em 90.000€, tendo recusado a sua restituição ao impedir o acesso ao locado e, por fim, tendo retirado todos os equipamentos ali existentes, com excepção dos referidos em 8º (que resulta de confissão da Recorrida), dúvidas não poderiam subsistir que a Recorrida enriqueceu ilegitimamente à custa do Recorrente,
F - Pelo que deveria a Recorrida ser condenada, a este título, no pagamento ao Recorrente de indemnização no montante de 90.000€.
G - Não se pronunciou o tribunal sobre as questões infra descritas, sendo que tal omissão de pronúncia é geradora de nulidade, o que se requer.
H - Apreciando erradamente a questão jurídica de fundo, designadamente o enriquecimento sem causa, não condenou a Recorrida em indemnização pelos prejuízos sofridos pelo Recorrente em consequência dos factos alegados.
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Devidamente notificada a Ré não contra-alegou.
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Após os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são três as questões no recurso:
a)-saber se a decisão está em manifesta oposição com os seus fundamentos;
b)-saber se houve omissão de pronúncia;
c)-saber se foi correcta a subsunção do direito aos factos **
A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a matéria de facto que o tribunal de 1ª instância deu como provada:

1º) - Por contrato verbal celebrado no início do mês de Maio de 2006, entre A. e R., o A. tomou de arrendamento e o R. deu de arrendamento uma fracção autónoma pertença da R, destinada a comércio, sita na ..., nº .., na freguesia …, do concelho de Paços de Ferreira. (A)
2º) - Acordaram A. e R. que o valor da renda anual seria no montante de 6.000€, a ser paga em duodécimos no montante de 500€ mensais. (B)
3º) - O A. entrou na posse do referido locado no início do mês de Maio de 2006, nele tendo instalado um estabelecimento comercial de bar, denominado “E…”. (C)
4º) - O referido estabelecimento comercial iniciou a sua actividade, abrindo ao público, no dia 4 de Maio de 2006, tendo mantido tal actividade até ao final do mês de Setembro de 2007, data em que encerrou as suas portas. (D)
5º) - Anteriormente à celebração do contrato aludido em A), a fracção autónoma encontrava-se totalmente vazia, configurando um espaço amplo, sem quaisquer divisórias. (1º)
6º) - Com vista à instalação do estabelecimento de bar, o A. realizou obras de construção. (2º)
7º) - E apetrechou o estabelecimento com todo o material e equipamentos necessários à prossecução da sua actividade, designadamente lâmpadas, copos, colunas, mesas e talheres. (3º)
8º) - O preço global despendido pelo A. na construção e instalação do estabelecimento orçou o montante de 85.000€. (4º)
9º) - No mês de Setembro de 2007 o A. decidiu encerrar o estabelecimento tendo, para o efeito, informado a R. de tal facto. (5º)
10º) - Atento o facto de o estabelecimento se encontrar completamente montado, com capacidade de funcionamento, ficou acordado entre o sócio gerente da ré, Sr. F…, o autor e seu pai G…, que os equipamentos e materiais instalados no locado e bem assim todas as construções não seriam removidos desde que o autor conseguisse trespassar o estabelecimento comercial, não pretendendo a ré exercer qualquer “preferência”. (9º e 10º)
11º) - A ré, com aquele acordo, pretendia assegurar que o estabelecimento continuaria a funcionar, auferindo a renda mensal já anteriormente acordada. (11º)
12º) - Bem sabendo que seria difícil arrendar a sua fracção, se não continuasse ali instalado o estabelecimento comercial em apreço. (12º)
13º) - A R. tentaria encontrar pessoa interessada no referido trespasse, comprometendo-se a informar o A. de qualquer interessado no negócio. (13º)
14º) - Acordaram A. e R. que o preço a anunciar seria de 90.000€. (14º)
15º) - Acordando, de igual modo, que o valor das rendas que eventualmente se fossem vencendo seriam compensadas e pagas na data da concretização do negócio. (15º)
16º) - Por causa do acordo referido em 9º e 10º, o autor continuou a deter as chaves das portas das entradas do estabelecimento com o conhecimento e autorização da ré, com o intuito de mostrar o estabelecimento a pessoas interessadas no trespasse. (16º e 17º)
17º) - Durante o mês de Março de 2008, o A. constatou que se encontravam a ser distribuídos folhetos publicitários na área de …, concelho de Paços de Ferreira, anunciando a abertura do E…, com nova Gerência. (18º)
18º) - O autor, constatando que tal folheto se referia ao seu estabelecimento comercial, contactou a ré, indagando da sua veracidade uma vez que desconhecia a existência de qualquer negócio. (19º)
19º) - Nessa data, verificou o A. que as fechaduras e chaves das portas de entrada tinham sido alteradas, não logrando o A. entrar no local. (20º)
21º) - Em data que não foi possível precisar, mas após a ocorrência dos factos referidos em 18º, o autor contactou a ré a fim de se inteirar do negócio que esta celebrou com D…, tendo a ré, através do Sr. F…, dito que ajustariam contas no mês seguinte, o que não foi feito. (24º, 25º e 26º)
22º) - No dia 9/3/2008, a referida D… mantinha-se a laborar no estabelecimento e emitia talões de venda em nome do aqui autor. (27º)
23º) - Autor e ré acordaram, aquando da celebração do contrato referido em A), que as obras de adaptação que viessem a ser efectuadas seriam por conta do autor. (28º)
24º) - Quando o autor decidiu fechar as portas, em Setembro de 2007, apenas retirou do locado uma arca, uma televisão avariada e as máquinas de tabaco, de setas e de snooker que se encontravam à consignação. (29º)
25º) - A 12/2/2008, a Ré deu de arrendamento a D… a fracção aludida em A), com início a 1 de Março de 2008 e pela renda mensal de € 750,00, com o esclarecimento que a fracção se encontrava no mesmo estado em que o autor a deixou quando encerrou as portas em Setembro de 2009. (31º)
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III. O DIREITO

Se bem entendemos as alegações recursórias, as questões que importa solucionar no presente recurso são apenas as que atrás se deixaram enunciadas.
Na verdade, embora o apelante fale em erro da apreciação da prova o certo é que, nas respectivas alegações nada refere em que se traduziu tal erro e, por lógica implicância, que pontos concretos da matéria de facto estão incorrectamente julgados.
Efectivamente, dispõe o artº 685.º-B do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto” que:
1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2. No caso previsto na al. b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º2 do art.º 522-C, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Ora, nada disso o apelante fez, razão pela qual o recurso se circunscreve as mencionadas questões, sem prejuízo, de o tribunal poder fazer um diferente enquadramento jurídico da factualidade que dos autos resultou provada.

a)- oposição entre os fundamentos e a decisão

As causas de nulidade da Sentença vêm taxativamente enunciadas no artº 668.º nº 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece:
“É nula a sentença:
a) (…)
b) (…)
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
O Prof. Castro Mendes[1], na análise dos vícios da Sentença enumera cinco tipos: -vícios de essência; -vícios de formação; -vícios de conteúdo; -vícios de forma; -vícios de limites.
Refere o mesmo Professor[2] que uma Sentença nula “não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia”.
Por seu turno, o Prof. Antunes Varela[3] no sentido de delimitar o conceito, face à previsão do artº 668.º do Código de Processo Civil, salienta que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.
Lebre de Freitas[4] considera que apenas a “falta de assinatura do juiz” constitui fundamento de nulidade, pois trata-se de “um requisito de forma essencial. O acto nem sequer tem a aparência de sentença, tal como não tem a respectiva aparência o documento autêntico e o documento particular não assinados”. A respeito das demais situações previstas na norma, considera o mesmo autor tratar-se de “anulabilidade” da sentença e respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença”.
A primeira nulidade invocada pelo apelante encontra-se referida no artº 668º nº 1, al. c) do Código de Processo Civil, segundo o qual ocorre nulidade da sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou seja quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou o acórdão expressa.
Na Jurisprudência do S.T.J. tem-se entendido que essa nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artºs. 158.º e 659.º nºs. 2 e 3 do Código de Processo Civil, de o juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor), e que não ocorre essa nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou da sua interpretação.
Ora, fazendo a leitura da decisão recorrida não se vê, como dizer, que os seus fundamentos de facto e de direito não estão em concordância lógica com a decisão.
É certo que, entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.
Esta oposição, porém, não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta. Isto é, quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.
Deste modo, afigura-se-nos, que, como acima salientámos, a discordância invocada pelo recorrente quanto à decisão, não se enquadra na apontada causa de nulidade de sentença (oposição entre os fundamentos e a decisão), antes se prendendo com a subsunção dos factos às normas jurídicas efectuada pelo Tribunal recorrido e com a qual não se conforma.
Efectivamente, o que o recorrente alega é que, dando a decisão como provada determinada factualidade, julga improcedente a atribuição, a título subsidiário, da indemnização peticionada.
Assim, essa situação não configura a alegada causa de nulidade da sentença, nomeadamente a que decorre da oposição entre os fundamentos e a decisão.
Pelo exposto, improcede nesta parte o recurso.

b)- omissão de pronúncia

Refere também o apelante que o tribunal recorrido não se pronunciou sobre determinadas questões, ao que nos é dado entender, no âmbito da formulação do pedido subsidiário.
Como refere Alberto dos Reis[5] a nulidade estabelecida na alínea d) do nº 1 do artigo 668.º do C.P.Civil, já atrás citada, está em correspondência directa com o artigo 660.º nº 2 do mesmo diploma, imponde-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação.
Acontece que, também aqui falece razão ao apelante.
Como salienta aquele Mestre[6] “Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artº 511º nº 1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (artº 664º) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas”
Resulta desta interpretação que a sentença não padece de nulidade quando não analisa um certo segmento jurídico que a parte apresentou, desde que fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito.
No caso presente, a Srª juiz do processo analisou as diversas questões colocadas pelas partes e, quanto ao aspecto que ora interessa, pronunciou-se expressamente, resultando dos termos da sentença o conhecimento e análise do pedido subsidiário formulado pelo apelante, não padecendo, assim, a sentença do referido vício.
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Como assim, improcede também nesta parte o recurso.
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Aqui chegados, parece-nos que, com o que o apelante não concorda é com a subsunção do direito aos factos feita pelo tribunal recorrido no que tange ao pedido subsidiário, sendo isso, aliás, o que resulta quando afirma: “aquele tribunal apreciou erradamente a questão jurídica de fundo, designadamente o enriquecimento sem causa”.
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c)- a subsunção do direito aos factos

Vejamos se assim é.
Não vem posto em causa pelo apelante o seu decaimento no que tange ao pedido principal, cujo fundamento em que se estribava, trespasse do estabelecimento por banda da Ré, não ficou demonstrado.
A sua discordância em relação à decisão recorrida situa-se, pois, em relação ao pedido subsidiário por ele formulado.
Como resulta da factualidade acima descrita entre o autor e ré foi celebrado um contrato verbal de arrendamento, no início do mês de Maio de 2006, entre A. e R., da fracção autónoma pertença da R, destinada a comércio, sita na …, nº .., na freguesia …, do concelho de Paços de Ferreira pela renda mensal de 500 €, tendo o autor entrado na posse do referido locado no início do mês de Maio de 2006, instalando um estabelecimento comercial de bar, denominado “E…” (factos descritos em 1º, 2º e 3º).
O referido estabelecimento comercial iniciou a sua actividade, abrindo ao público, no dia 4 de Maio de 2006, tendo mantido tal actividade até ao final do mês de Setembro de 2007, data em que encerrou as suas portas (facto descrito em 4º).
Na decisão recorrida face este continente factual discorreu-se do seguinte modo:
“Não obstante o contrato de arrendamento em questão ter sido celebrado verbalmente, uma vez que na acção em apreço não está em causa a apreciação da validade do referido contrato de arrendamento, não nos pronunciaremos sobre tal questão”.
Não podemos concordar, salvo outro e melhor entendimento, com esta argumentação.
Efectivamente, aquela argumentação será válida quando referida à analise do pedido principal.
Acontece que, não acolhido aquele pedido, a validade ou não do contrato de arrendamento revela-se decisiva, como de seguida se analisará, para a decisão do pedido subsidiário.
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Como se sabe o estabelecimento comercial ou industrial é uma organização concreta de factores produtivos com valor de posição no mercado, organização, portanto, que, concreta como é, exige um complexo de elementos ou meios em que a mesma radica e que a tornam reconhecível. Embora não possa reduzir-se a coisa ou a coisas materiais, a algo que “cerni vel tangi esse potest” é, desta maneira, incindível de certos elementos externos, não sendo, pois, resolúvel num puro plano organizatório (apesar de consistir numa organização) ou em meros valores de acreditamento ou de fama tais como a clientela, a freguesia, etc. (apesar de ser um valor como se disse).
Trata-se, se quisermos, de um bem imaterial encarnado, radicado num lastro material ou corpóreo, que o concretiza, e, concretizando-o o sensibiliza.[7]
Todavia, importa sublinhar que o estabelecimento comercial não se confunde com o local em que funciona, já que uma coisa é o estabelecimento (a organização comercial ou industrial em que este se traduz) e outra diversa é o prédio onde o mesmo eventualmente esteja instalado (sendo certo que existem estabelecimentos que não estão instalados em prédios, os estabelecimentos ambulantes), sendo que tais diferentes (e autónomos) objectos podem ser objecto mediato de negócios distintos (venda do imóvel, locação do estabelecimento, etc., qualquer destes negócios incide apenas sobre o respectivo objecto, sem abranger o outro).
Por outro lado, é consensual o entendimento de que o tribunal é independente quanto à interpretação jurídica dos factos e aplicação das regras de direito, não estando condicionado ou limitado à denominação que as partes hajam empregue, competindo-lhe determinar o regime aplicável em consequência da interpretação que fizer das suas declarações de vontade-art.º 664.º do C. P. Civil.
Neste sentido se escreveu no Acórdão do S. T. J., de 20/3/2012[8], “(…) A definição de um contrato como pertencendo a determinado tipo contratual, necessária para determinar qual o regime jurídico aplicável, é uma operação lógica subsequente à interpretação das declarações de vontade das partes e dela dependente. Constitui matéria de direito sobre a qual o tribunal se pode pronunciar livremente, sem estar vinculado à denominação que os contraentes tenham empregue-art. 664.º do CPC-e é suscetível de conhecimento oficioso pelo tribunal…”
O nome com que as partes catalogaram o acordo firmado poderá, quando muito, servir como um elemento auxiliar, entre outros, a ter em consideração no esforço interpretativo para alcançar o real sentido das declarações de vontade, nada garantindo que a conclusão atingida coincida com o nomen utilizado pelas partes.[9]
Para o demandante obter sucesso na sua pretensão é necessário a coincidência dos factos alegados com o tipo legal que tutela o interesse feito valer como pretensão. Contudo, a qualificação jurídica que as partes atribuam aos factos não vincula o juiz (curia novit iura). Esta pertence-lhe e, nesse âmbito, actuará com plena liberdade, adoptando ou rejeitando a qualificação proposta pelas partes.
Não interessa à definição do objecto-ou seja, do efeito prático que o autor pretende obter-a qualificação que o autor lhe atribui. Esse objecto mantém-se perfeitamente inalterado não obstante eventuais variações de qualificação que o autor é livre de fazer. Ou seja: não releva para nenhum efeito a qualificação jurídica apresentada pelas partes.[10]
É, aliás, esta a doutrina que mais perfeitamente se coaduna com a teoria (chamada de substanciação) que melhor se encaixa no nosso direito positivo, e que vê na causa de pedir o próprio facto jurídico genético do direito, ou seja, o acontecimento concreto correspondente a qualquer factualidade jurídica que a lei admita como criadora de direito.[11]
Ora, não estando o juiz vinculado à qualificação jurídica dada pelas partes aos factos alegados, torna-se evidente, que a Srª juiz não podia deixar de analisar a validade do mencionado contrato de arrendamento.
Efectivamente, embora a sua validade pudesse não ter relevância no âmbito do pedido principal, estribado este no eventual trespasse do estabelecimento comercial que, como atrás se referiu, tem autonomia em relação ao local onde o mesmo funciona (lastro onde incarna), todavia, não sendo acolhida tal pretensão, o tribunal não podia deixar de verificar a validade do contrato de arrendamento celebrado entre as partes tendo, sobretudo, em atenção o pedido subsidiário formulado e fundamentado no enriquecimento sem causa.
Analisando.
O arrendamento da fracção em causa ocorreu no início do mês de Maio de 2006 e destinou-se ao comércio tendo, na respectiva fracção, o apelante instalando um estabelecimento comercial de bar denominado “E…”.
Significa isto que a tal contrato não poder ser aplicado o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro e que revogou o anterior, a qual só tem aplicação aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, isto é, 120 dias depois da respectiva publicação-artigos 59.º, n.º 1 e 65.º, n.º 2 desse diploma.
Assim sendo, como dispõe o art. 110.º do RAU (D. Lei 215-B/90 de 15/10) considera-se realizado para comércio ou indústria o arrendamento de prédios ou partes de prédios urbanos ou rústicos tomados para fins directamente relacionados com uma actividade comercial ou industrial, ou seja, como ensina o Prof. Pereira Coelho[12] respectivamente, uma actividade de mediação nas trocas ou uma actividade de produção (extracção ou transformação) ou circulação de riqueza.
Portanto, no caso em apreço, dúvidas não existem de que o arrendamento era comercial-estabelecimento comercial de bar, denominado “E…”.
Como assim, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do RAU já citado “o contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito”. E nos termos do seu n.º 2, na redacção introduzida pelo Decreto-lei n.º 64-A/2000, de 22 de Abril, “a inobservância da forma escrita só pode ser suprida pela exibição do recibo de renda (…)”.
“In casu”, o contrato foi de arrendamento para comércio e foi celebrado verbalmente, pelo que, não tendo sido exibido nenhum recibo de renda, o mesmo é nulo por vício de forma, nos termos dos artigos 220.º do C.Civil-“A declaração negocial que careça de forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei”- e 286.º- “A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal” (sublinhado e negritos da nossa autoria).
E sendo nulo, como é, o contrato de arrendamento celebrado entre o apelante autor e a ré apelada, postergado fica o instituto do enriquecimento sem causa como via para obter a restituição do prestado, tendo em conta a sua natureza subsidiária-artigo 474.º do C.Civil.
Com efeito, nos termos artigo 289.º nº 1 do Código Civil, as partes devem restituir em espécie ou em valor, se aquela não for possível, o que lhes tiver sido prestado.[13]
Como acentuam Pires de Lima e Antunes Varela[14] a própria declaração de nulidade ou de anulação arrasta consigo a destruição retroactiva das atribuições patrimoniais, retroactividade que obriga à restituição das prestações efectuadas, como se o negócio não tivesse sido realizado.
Segundo Mota Pinto[15] os efeitos da declaração de nulidade operam retroactivamente, “o que está em perfeita coerência com a ideia de que a invalidade resulta de um vício intrínseco do negócio e, portanto, contemporâneo da sua formação. (...) Em consonância com a retroactividade, haverá lugar à repristinação das coisas no estado anterior ao negócio, restituindo-se tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289º, nº 1). Tal restituição deve ter lugar, mesmo que não se verifiquem os requisitos do enriquecimento sem causa, isto é, cada uma das partes é obrigada a restituir tudo o que recebeu e não apenas aquilo com que se locupletou”.
Também Diogo Leite de Campos[16] ensina que “o regime jurídico da nulidade reflecte a intenção, pelo menos de princípio, de fazer desaparecer as consequências a que o negócio directamente se dirige (...). Portanto, uma vez declarado nulo o negócio, a produção dos seus efeitos é excluída desde o início, “ex tunc”, a partir do momento da formação do negócio, e não “ex nunc”, a contar da data da declaração da nulidade. O carácter retroactivo da nulidade leva à repristinação da situação criada pelo negócio nulo, voltando-se ao “statu quo ante”.[17]
Portanto, a lei recusa automaticamente a eficácia que directa ou primacialmente deveria corresponder ao negócio, embora sem prejuízo de este poder produzir certos efeitos negociais secundários ou indirectos: ser convertido noutro negócio, ter eficácia como putativo, valer como justo título para efeitos de usucapião, por exemplo.
Como refere Rui Alarcão[18] a nulidade não exclui que de negócio emanem consequências deste género (ou outras que a lei fixe), na medida em que o negócio existe juridicamente (ao contrário do que sucederia se fosse inexistente), embora não possa produzir os seus efeitos típicos.[19]
Resulta, assim que, não obstante a nulidade do arrendamento, a verdade é que produziu efeitos fácticos, pelo que “torna-se necessário reger juridicamente o modo de repor a situação fáctica de acordo com a situação jurídica, desde o tempo da celebração do negócio ou da prática do acto jurídico, e é esta a reposição que o Código Civil se refere no art.º 289.º”[20]
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Perante o quadro factual atrás descrito vejamos, então, que prestações, que cada uma das partes efectuou no cumprimento do contrato celebrado, deverão ser restituídas e como.
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Impunha-se, desde logo, a restituição do locado por banda do Autor apelante à Ré.
Todavia, como resulta da matéria factual atrás descrita, tal restituição carece de ser efectuada, uma vez que o Autor em Setembro de 2007 encerrou o estabelecimento, sendo que, a respectiva fracção onde o mesmo funcionava já se encontra locada a D… desde Fevereiro de 2008 (facto descrito em 25º).
Por sua vez e dentro deste âmbito estrito do contrato celebrado entre as partes, tinha também a Ré apelada que proceder à devolução das prestações pagas a título de renda por parte do autor apelante.
Acontece que, deve entender-se que não podendo ser restituído o gozo da coisa, quem dele usufruiu deve pagar a respectiva contraprestação, já que legitima ou ilegitimamente usufruiu desse gozo.
Efectivamente, o pormenor a considerar está em que, sendo o conteúdo da relação jurídica locatícia constituído por direitos e deveres incidentes sobre prestações (artigo 1022.º do C.Civil), assente que o locatário esteve no uso e fruição da coisa locada e, não sendo, evidentemente, esse uso e essa fruição passíveis de restituição “qua tale”, naturalmente que o locatário não pode deixar de entregar o valor convencionado como sendo a sua prestação da contrapartida por aquele uso.
Aliás, é nesse sentido o alcance, de certo modo paralelo, com o que se estabelece no artigo 1045.º do C.Civil.
Resulta, assim do exposto que, durante o tempo que o Autor apelante usufruiu do locado, o seja, até Setembro, a Ré não terá que lhe restituir as prestações até aí pagas a título de renda, representado as mesmas o pagamento pelo valor daquele uso.
É claro que, cessada a ocupação da fracção por banda do Autor, deixou este de estar obrigado a pagar qualquer contrapartida à Ré, face à nulidade do contrato.[21]
Isso dito quanto às prestações no âmbito restrito da relação contratual, vejamos agora se não existem, para além delas, outras situações factuais, decorrentes daquelas, que mereçam tutela jurídica.
De facto, se em consequência do acto nulo se constitui posse, são aplicáveis as disposições dos artigos 1269º e seguintes do C.Civil à situação daí decorrente.
Contudo, se não houve posse-dado que esta supõe o exercício de um direito real e o direito transmitido ou constituído invalidamente pode ter outra natureza-as disposições dos artigo 1269.º e segs. são ainda aplicáveis por analogia, tendo em conta o disposto no artigo no artigo 289.º nº 3 do C.Civil.
Portanto, o nº 3 do citado preceito conduz, a que se conceda tutela jurídica à situação de facto constituída por força de um acto nulo.
Tutela que, todavia, se mitiga o regime da nulidade, só abarca significativamente o regime dos frutos e benfeitorias, e já, não como acontece no enriquecimento sem causa, o reflexo económico do adquirente do destino dado à coisa.
Ora, resulta da factualidade atrás descrita que na fracção, o Autor apelante instalou um estabelecimento comercial de bar, denominado “E…”, sendo que, antes disso tal fracção encontrava-se totalmente vazia, configurando um espaço amplo, sem quaisquer divisórias.
Com vista à instalação do estabelecimento de bar, o A. realizou obras de construção, apetrechou o estabelecimento com todo o material e equipamentos necessários à prossecução da sua actividade, designadamente lâmpadas, copos, colunas, mesas e talheres, tendo o preço global dessa construção e instalação do estabelecimento orçado no montante de 85.000.
Em Setembro de 2007 quando o Autor encerrou o estabelecimento apenas retirou do locado uma arca, uma televisão avariada e as máquinas de tabaco, de setas e de snooker que se encontravam à consignação e, quando a Ré, deu de arrendamento a D… a citada fracção, ela estava no mesmo estado em que o Autor a deixou quando encerrou as portas em Setembro de 2007.
Face a este segmento factual, analisemos em primeiro lugar a questão das obras de construção levadas a cabo na fracção pelo Autor.
O Código de Seabra no tocante a coisas imóveis, distinguia as seguintes categorias: os imóveis (prédios rústicos ou urbanos) ou o eram naturalmente, ou mediante a acção do homem (art. 374º). E eram imóveis por disposição da lei-art. 375º nº 1 “os produtos e partes integrantes dos prédios rústicos; e as partes integrantes dos prédios urbanos que não podem ser separados sem prejuízo do serviço útil que devam prestar, salvo sendo distraídas pelo próprio dono do prédio; nº 2 “os direitos inerentes aos imóveis mencionados no artigo precedente”;nº 3 “os fundos consolidados”.
A definição de coisas imóveis no Cód. Civil de 1966 encontra-se inscrita no art. 204.º e, tal como naquele dispositivo, são coisas imóveis as partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos-art. 204º, nº 1, al. e), sendo parte integrante toda a coisa imóvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência-nº 3 do citado normativo.
Como se vê, o legislador de 1966 definiu partes integrantes em termos algo diferentes do Código de Seabra. Todavia, entende-se que as expressões usadas visam a mesma realidade, embora com cambiantes algo diferentes.
Manuel Andrade[22] ensinava que “as partes integrantes não chegam a ser elemento da própria estrutura do prédio, que sem elas não deixaria de existir completo e imprestável para o uso a que se destina. Só que aumentam a utilidade do mesmo prédio, enquanto servem para o tornar mais produtivo, ou para sua maior segurança, comodidade ou embelezamento. Estão postos ao serviço do prédio”. E exemplificava alguns casos típicos de, partes integrantes, como “os engenhos de tirar água e os pára-raios”.
O ilustre Mestre seguia o ensinamento de Guilherme Moreira[23] que alinhava ainda outros exemplos, como “a canalização da água e do gás e os muros de vedação de um prédio rústico”.
Para Cabral de Moncada[24] integrantes são também as partes componentes, mas não necessariamente inerentes à própria natureza das coisas, isto é, que podem facilmente ser distraídas destes sem a desnaturação da sua substância e do seu fim económico-social». E exemplificava: “São partes integrantes de prédios rústicos, os muros de vedação, os tanques, os aquedutos, as bombas para tirar a água dos poços, etc.; dos prédios urbanos, os pára-raios, as canalizações, as instalações eléctricas, os maquinismos fixados nas paredes”.
Cunha Gonçalves[25] (Tratado de Direito Civil, Vol. III pág. 87) ponderava neste sentido: “em relação aos imóveis, as partes integrantes de que se trata só podem ser as separáveis e as pertenças que a doutrina antiga e os escritores estrangeiros designam por imóveis por destino. As partes integrantes propriamente ditas, porém, prossegue o ilustre tratadista não são imóveis só por disposição da lei, mas sobretudo pela acção do homem, que as imobiliza para completar a coisa, que, sem elas ficaria inapta para o seu destino”.
Dias Marques[26] dá-nos esta definição, aliás bem clara: “As partes integrantes vêm a ser, portanto, coisas móveis por natureza, que não obstante gozaram certa autonomia, se encontram pelo proprietário ligados com permanência a um prédio rústico ou urbano, a fim de lhe aumentarem a utilidade”.
No Cód.Civil de 1966-art.204º nº 3-é, como vimos, parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência.
Postos estes ensinamentos, torna-se evidente que todas as obras de construção feitas pelo Autor na fracção, serão de considerar, em princípio, partes integrantes da mesma (lastro que incorporava o estabelecimento) [artigo 204º nº al. c) e nºs 2 e 3 do C.Civil].
Ora, em relação a essas obras estamos perante benfeitorias, ou seja, em melhoramentos feitos na coisa pelo Autor que a ela estava ligado em consequência de uma relação locatícia que, como se viu, padecia de nulidade.
O conceito de benfeitorias é-nos dado pelo artigo 216.º, nº 1, do C.Civil, ao estipular que se consideram como benfeitorias “todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa”.
No fundo, pode dizer-se que as benfeitorias são melhoramentos de uma coisa, ou seja, alterações introduzidas numa coisa feitas com a intenção de a beneficiar, por quem a ela está ligada por uma relação ou vínculo jurídico, aspecto este importante para a diferenciar de uma figura muito parecida, como é a da acessão.[27]
Porém, como é sabido e resulta do nº 2 do citado artº 216.º, consoante o benefício efectivamente obtido, as benfeitorias distinguem-se em necessárias, úteis e voluptuárias.
Grosso modo, pode dizer-se que as primeiras (as necessárias) destinam-se a evitar o detrimento ou perda da coisa, as segundas (as úteis) a aumentar as potencialidades do gozo da mesma e as últimas (voluptuárias) têm mais como fim servir de recreio ou deleite a quem as utiliza.[28]
Aliás, é isso mesmo que resulta da caracterização legal consagrada no nº 3 do referido artº 216.º onde se estatui que “são benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem aumentando o seu valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante”.
Por sua vez dispõe o artigo 1273.º do C.Civil (preceito aqui aplicável por remição do artigo 289.º nº 3 do C.Civil nos termos já atrás referidos) “que tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm o direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela” (nº 1) e que “quando para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado o segundo as regras do enriquecimento sem causa” (nº 2).
Da conjugação das normas que compõem este preceito legal resulta que, no caso de benfeitorias necessárias o seu possuidor, quer seja de boa ou má fé, tem sempre direito a ser indemnizado por elas, porém, no caso de se tratarem de benfeitorias úteis a regra é de que o possuidor (de boa ou má fé) benfeitorizante tem direito só, em princípio, a levantá-las. Só assim, porém, não sucederá se o seu levantamento causar detrimento da coisa (benfeitorizada) e o dono dela, invocando esse detrimento, se opuser a tal levantamento, situação em que, a troco de ficar com elas, fica então obrigado a indemnizar o possuidor dessas benfeitorias, segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Ora, as obras de construção levadas a cabo pelo Autor na fracção, integram-se dentro do conceito de benfeitorias úteis, tendo em conta que tal fracção se encontrava totalmente vazia, configurando um espaço amplo, sem quaisquer divisórias, ou seja, tais benfeitorias vieram valorizar o imóvel, sendo sintomático dessa valorização, o facto de a Ré ter arrendado a fracção a D… onde se encontra a explorar o estabelecimento de bar.
Não obstante, tal classificação, não evidencia os autos se tais benfeitorias podem ou não ser levantadas sem o detrimento da coisa, circunstância que terá de ser apurada em momento posterior, no incidente de liquidação-artigo 378.º nº 2 do C.P.Civil.
No que tange aos equipamentos que se encontravam na fracção e que o Autor aí instalou com vista o funcionamento do bar, não serão, em princípio, de classificar como benfeitorias nos termos atrás expostos.
Na verdade, como supra se referiu à noção de benfeitoria, não obstante a sua natureza acessória, não será estranha uma ideia de incorporação na coisa principal, como decorre da definição constante do nº 3 do art. 216.º do C.Civil.
Ora, na generalidade dos casos estes equipamentos são até portáteis, dispensando especial instalação no local onde vão ser utilizados, sendo que, a citada instalação acaba, muitas vezes, por se resumir a fazer simples buracos de fixação nas paredes onde são colocados.
Como assim, se tais equipamentos não estiverem, ligados materialmente à fracção com carácter de permanência, não passando, por isso, a fazer desta parte integrante-art. 204, nº 3, do C.Civil-deverão ser restituídos ao Autor, apurados quais sejam em sede de liquidação-artigo 661.º nº 2 do C.P.Civil.
Acontece que, se houver aquela ligação com carácter de permanência à fracção nos termos sobreditos, então terão tais equipamentos de ser havidos como benfeitorias úteis, já que, valem aqui, mutatis mutandis, as mesmas considerações feitas em relação às obras de construção levadas a cabo pelo Autor na fracção.
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Destarte, impõe-se, pois, alterar a decisão recorrida em conformidade com o supra exarado.
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IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em revogar a decisão recorrida e, declarando-se nulo o contrato de arrendamento celebrado entre o Autor apelante e Ré apelada condena-se esta:
a)- a restituir ao Autor todos os equipamentos que à data do encerramento do estabelecimento por referência à data de Setembro de 2007 aí se encontrassem, devendo previamente em sede de liquidação determinar-se;
a.1)-os equipamentos aí existentes por referência aquela data;
a.2)-se os mesmos estão ou não ligados à fracção com carácter de permanência e sendo esse o caso se podem daí ser retirados sem detrimento daquela;
b)- ou apurando-se que tais equipamentos estão ligados à fracção com carácter de permanência e daí não possam ser retirados sem detrimento da mesma, a pagar ao Autor o valor de tais equipamentos a calcular segundo as regras do enriquecimento sem causa, por referência à data de Setembro de 2007, valor esse também a apurar em sede de liquidação;
c)- a restituir ao Autor as obras de construção levadas a cabo na fracção também a apurar em liquidação de execução de sentença;
d)- ou caso tais obras não possam ser levantadas sem detrimento da fracção deverá então a Ré pagar ao Autor o respectivo valor a calcular segundo as regras do enriquecimento sem causa, por referência a Setembro de 2007, tudo igualmente a apurar em sede de liquidação.
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Custas em ambas as instâncias por apelante e apelados em partes iguais (artigo 446.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 21-01-2013
Manuel Domingos Alves Fernandes
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
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[1] In “Direito Processual Civil”, Vol. III, pg. 297.
[2] Obra citada pág. 308
[3] Manual de Processo Civil”, pág. 686.
[4] In “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, págs. 668 e 669.
[5] Código de Processo Civil Anotado Vol. V, pág. 142 e ss.
[6] Obra citada pág. 143.
[7] Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, Coimbra 1977, pág. 192, nota 2.
[8] In www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Acórdãos do STJ de 20/3/2012 e de 19/4/2012 in www.dgsi.pt.
[10] Cfr. nesse sentido A. Anselmo de Castro, Lições de processo Civil, coligidas por Abílio Neto I, Coimbra, 1964, pág. 354
[11] Cfr. nesse sentido Leite de Campos, Subsidiariedade da Obrigação de Restituir o Enriquecimento, Almedina, págs. 521/522. [12] Arrendamento, 1988, pág. 41.
[13] Assento n.º 4/95, de 28/3/1995, DR, I Série-A: “Quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º1 do artigo 289.º do C. Civil”.
[14] Código Civil anotado”, Vol. I, pág. 266
[15] Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., pgs. 616 e 617.
[16] Obra citada pág. 196.
[17] No mesmo sentido, cfr. também, entre outros, os Acórdãos do S.T.J., de 5/6/2001 e de 18/9/2003, ambos consultados na “internet” em www.dgsi.pt.
[18] In A Confirmação dos negócios jurídicos anuláveis, I, Coimbra, 1971, pág. 35.
[19] No mesmo sentido Enzo Roppo, “O Contrato”, 1988, 203/4, afirma “É que o negócio nulo não produz nenhum dos efeitos jurídicos em vista dos quais as partes o concluíram. Por isso, vedado está a qualquer das partes exigir o cumprimento do mesmo, accionando a respectiva eficácia. Ainda que o negócio exista como acto realizado (mas nulo); negando-se, no entanto, ao evento os efeitos a que se dirige”.
[20] Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral de Direito Civil, 3.ª Edição, pág. 584.
[21] Cfr. neste sentido Henrique Mesquita, Rev. Leg. e Jur. , 125, pág. 159.
[22] Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I, pág. 237.
[23] Instituições, Vol. I, pág. 346.
[24] Lições de Direito Civil, Vol. II, pág. 28.
[25] Tratado de Direito Civil, Vol. III pág. 87.
[26] Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, 336.
[27] Vide, a propósito, e entre outros, o Prof. Oliveira Ascensão in Direitos Reais, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 111/112; estudo do conselheiro Quirino Soares in CJ, Acs do STJ, Ano IV, Tomo, I págs. 11 e ss e Ac. da RC de 30/5/1982, in CJ ano Ano VII, T2, pág. 94).
[28] Cfr., entre outros, o Prof. Oliveira Ascensão, in Ob. cit., pág. 112