Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
303/12.1TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: CONDOMÍNIO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA
LEGITIMIDADE PASSIVA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20140324303/12.1TJPRT.P1
Data do Acordão: 03/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 1433º, 1421º, 1422º, 596º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - A acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos deverá ser proposta contra os condóminos que, estando presentes ou representados na respectiva assembleia, votaram favoravelmente a deliberação impugnada, por serem estes os titulares da relação jurídica material controvertida.
II - O que releva para efeitos de apreciação da validade de uma deliberação da assembleia de condóminos é o circunstancialismo do momento em que a mesma é tomada. É esse circunstancialismo que o tribunal deve ter em conta para decidir da validade ou invalidade da deliberação.
III - A assembleia de condóminos só pode decidir sobre questões que digam respeito às partes comuns do edifício, não podendo interferir com a administração que cada condómino faça da sua fracção. As deliberações que tomar e que não se prendam com a administração das partes comuns são ineficazes.
IV - Os simples incómodos, desconfortos e arrelias comuns, porque não atingem um grau suficientemente elevado, não conferem direito a indemnização por danos não patrimoniais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 303/12.1TJPRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B… e C… intentaram a presente acção declarativa, sob a forma do regime processual experimental, contra D…, por si e na qualidade de administradora do condomínio do prédio sito na Rua …, nºs … a …, Porto, E…, F…, G…, H…, I…, J…, Lda., K…, pedindo que: i)sejam declaradas nulas e ineficazes as deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 12 de Dezembro de 2011 sobre os pontos primeiro, segundo e terceiro da ordem de trabalhos ou, quando assim não se entenda, serem tais deliberações anuladas; ii) os réus sejam condenados a pagar aos autores quantia não inferior a €8.000,00, a título de indemnização pelos prejuízos causados.

A fundamentar aqueles pedidos, alegam, em síntese, que, no dia 12 de Dezembro de 2011, realizou-se Assembleia Extraordinária de Condóminos, na qual estiveram presentes ou representados todos os réus, os autores e a condómina da fracção BU e Z, L…, foram tomadas três deliberações decorrentes dos três pontos da respectiva ordem de trabalhos, sendo que a primeira sob o ponto primeiro (deliberar sobre a proibição de utilização de zonas comuns, quer na escadaria, quer na garagem em benefício exclusivo de um condómino) ofende norma imperativa, sendo em todo caso anulável; a deliberação sob o ponto segundo (ratificar o teor das cartas enviadas pela Administração do Condomínio, em 12.10.2011 e 10.11.2001 para os Srs. Condóminos proprietários da fracção AD) e igualmente sob o ponto terceiro da ordem de trabalhos são ineficazes ou, em todo caso, anuláveis, porquanto a assembleia pronunciou-se sobre uma parte do prédio pertencente em exclusivo a um dos condóminos e, portanto, o assunto para que não tinha competência.
Invocaram, ainda, os autores que a acta daquela assembleia de condóminos está ferida de diversas ilegalidades, sendo certo que os réus ignoraram as explicações que o autor na assembleia lhes prestou e aprovaram as deliberações impugnadas e, com tal atitude ilícita e culposa, obrigaram os autores a impugnar as deliberações tomadas, com o que têm de suportar despesas com o pagamento de taxa de justiça e honorários de advogado, causando-lhes ainda diversos sofrimentos e incómodos.

Os réus contestaram, invocando, desde logo, a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, uma vez que o réu nesta acção deveria ser somente o condomínio, representado pela sua administradora, e não os demais réus que aprovaram as ditas deliberações; no mais, impugnaram os factos alegados pelos autores, tendo concluído pela procedência da excepção dilatória invocada e pela improcedência da acção.

Os autores responderam, pugnando pela improcedência da excepção dilatória invocada e no mais concluíram como na petição inicial.

Foi julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade dos réus, considerando-os, portanto, partes legítimas.
Por se entender que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais provas, a apreciação dos pedidos formulados, foi proferida decisão que conheceu imediatamente do mérito da causa, na qual a acção foi parcialmente procedente e, consequentemente, declarada nula a deliberação tomada na assembleia de condóminos de 12 de Dezembro de 2011 sobre o ponto 1 da respectiva ordem de trabalhos; declaradas ineficazes as deliberações tomadas na mesma assembleia de condóminos de 12 de Dezembro de 2011 sobre os pontos 2 e 3 da respectiva ordem de trabalhos.
No mais, a acção foi julgada improcedente.

Inconformados, os réus recorreram para esta Relação, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da sentença que considerou improcedente a excepção de ilegitimidade dos réus, considerando as partes dotadas de capacidade judiciária e legitimidade, bem como declarou nula a deliberação tomada na assembleia de condóminos de 12.12.2011, relativamente ao ponto 1 da respectiva ordem de trabalhos e ineficazes as deliberações tomadas na mesma assembleia sob os pontos 2 e 3 da respectiva ordem de trabalhos.
2. A decisão proferida deve ser substituída por outra que julgue os condóminos individualmente demandados (D…, E…, F…, H…, I…, J…, Lda., e K…) partes ilegítimas, nos termos da lei.
3. Foi proferido Acórdão na Relação do Porto no processo 2064/09.2TJPRT.P1, cujo teor é relevante para o caso.
4. A sentença proferida no processo nº 2064/09.2TJPRT.P1 julgou anulada a deliberação tomada sob o ponto 1 da ordem de trabalhos (Assembleia de Condóminos de 25.9.2009), porque “os autores não foram convocados para a assembleia de condóminos que se realizou no dia 25.9.2009, por carta registada, nem por qualquer outro meio escrito”. (facto provado 10).
5. A matéria em discussão nos presentes autos e a matéria apreciada no acórdão são coincidentes – proibição de utilização de espaços comuns em proveito próprio dos condóminos.
6. Os efeitos do acórdão reflectem-se obrigatoriamente nos presentes autos, o que determina a subordinação da sentença aqui proferida ao conteúdo daquele.
7. A decisão tomada quanto à nulidade do ponto 1 da ordem de trabalhos da assembleia de condóminos de 12.12.2011 deve ser substituída por outra que julgue a deliberação tomada sob aquele ponto plenamente válida e eficaz, sob pena de incompatibilidade insanável entre soluções jurídicas proferidas pelos tribunais portugueses, um dos quais é hierarquicamente superior.
8. A decisão tomada quanto à ineficácia da deliberação tomada no ponto 2 da ordem de trabalhos da assembleia de condóminos de 12.12.2011 violou o disposto nas alíneas a) e c) do nº 2 do artigo 1422º do C.C.
9. Os referidos arrumos prejudicam claramente a linha arquitectónica do edifício, porquanto o espaço de garagem se encontra dividido por meio de linhas traçadas no pavimento, sem qualquer construção no espaço delimitado pelas mesmas, nem tão pouco, nos seus limites.
10. Os referidos arrumos atribuem à fracção AD um fim diverso daquele que lhe é destinado, ou seja, além de aparcamento automóvel, a referida fracção passou a funcionar como arrecadação/arrumos.
11. A deliberação tomada sob o ponto 2 da ordem de trabalhos constitui posição tomada pela administração do condomínio, corroborada pelos condóminos, de repúdio da posição assumida pelos recorridos de pretenderem utilizar os arrumos em simultâneo com o espaço de aparcamento automóvel, apesar da diminuição que aqueles provocam neste, em termos de área útil para estacionamento, o que implica ocupação de área comum.
12. A sentença proferida deve ser revogada, nos exactos pontos em que contraria o decidido pelo acórdão da Relação do Porto, nomeadamente, nos concretos pontos explicitados anteriormente.

Os autores/apelados apresentaram contra-alegações, ocasião em que procederam à ampliação do âmbito da apelação, formulando, em síntese, com as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida não viola assim qualquer disposição legal.
2. Tendo a sentença recorrido considerada inválidas todas as deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada a 12.12.2011, mostrou-se prejudicada a apreciação das invocadas “ilegalidades da acta” daquela assembleia de condóminos, pretendendo agora os recorridos a ampliação do âmbito do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 684º-A, nº1, do C.P.C. para que este Tribunal da Relação conheça subsidiariamente dos outros fundamentos que determinavam a invalidade das deliberações tomadas.
3. A acta da assembleia de condóminos que suporta as deliberações impugnadas está ferida de diversas ilegalidades: não consta a identificação dos condóminos presentes e representados; não consta também a indicação do valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio, o que viola o disposto no artigo 1432º do Código Civil; está errada a indicação da soma das permilagens nos votos expressos; não foi considerada a correcta soma das permilagens só das fracções que integram este Condomínio (que é de 383,41), adaptando-se, para o efeito, o título constitutivo da propriedade horizontal, no qual são mencionadas todas as fracções autónomas cujo valor relativo soma 1000; a acta não foi subscrita pelos condóminos que nela participaram, tendo sido violado o estatuído no nº1 do artigo 1º do DL 268/94 de 25 de Outubro.
4. Também por estas razões, as deliberações vertidas na acta da assembleia de condóminos de 12 de Dezembro de 2011 são inválidas, devendo, ainda por este fundamento – caso venha a mostrar-se necessário – ser julgada procedente a presente acção (o que se invoca, por cautela, prevenindo a necessidade da sua apreciação neste recurso).

Os autores interpuseram recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões:
A. O presente recurso subordinado vem interposto da douta sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância, na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação dos réus no pagamento aos autores de uma indemnização de valor não inferior a €8.000,00 (formulado na P.I. sob o ponto II) alínea a)), pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que aqueles causaram a estes ao aprovarem deliberações com o único intuito de prejudicarem os autores, com pleno conhecimento e consciência da sua ilegalidade, até porque para tal haviam sido expressamente advertidos pelo autor na própria assembleia de condóminos (como resulta do texto da acta) e ao adoptarem, quer por acção, quer por omissão, diversos comportamentos ilícitos e culposos, com o único objectivo de prejudicar os direitos dos autores enquanto titulares de propriedade singular, e comproprietários das partes comuns, no prédio constituído em regime de propriedade horizontal.
B. A condenação neste pedido, cuja causa de pedir foi demonstrada nos autos, decorre da decisão de declaração de nulidade e ineficácia das deliberações proferida pelo tribunal de 1ª instância e da restante factualidade alegada e provada (sobretudo por documentos).
C. Os autores discordam da decisão de considerar os danos patrimoniais ressarcíveis em sede de reembolso de custas de parte, nos termos do artigo 25º do R.C.P., porquanto os danos ressarcíveis através desta norma legal ficam muito aquém dos verdadeiros prejuízos sofridos pelos autores.
D. De facto, os autores não podem ser reembolsados da totalidade da taxa de justiça paga, ficando dependentes da decisão da condenação em custas, na proporção do vencimento – que, no caso concreto, foi repartida em 1/5 e 4/5;
E. E, por outro lado, dado o limite legal estabelecido para despesas com honorários a mandatário judicial (cfr. Artigo 26º, nº3 c) do R.C.P.), o valor das “custas de parte” não corresponde ao montante que a parte tenha efectivamente despendido com o pagamento de honorários de mandatário judicial, mas depende do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes e fica reduzido a 50% desse montante.
F. No que se refere aos danos não patrimoniais, os recorrentes discordam, igualmente, da decisão do tribunal a quo por entenderem que alegaram factos (e não juízos conclusivos) que se subsumem à previsão da norma legal que prevê uma compensação para este tipo de danos e que os danos sofridos merecem, no caso concreto, a tutela do direito.
G. Os sofrimentos e incómodos sofridos pelos autores resultam da conduta adoptada pelos réus desde Setembro de 2009, com a aprovação da primeira deliberação impugnada, dado que as deliberações que aprovaram, nessa altura e em 12 de Dezembro de 2011, visaram unicamente prejudicar os autores (e não quaisquer outros condóminos);
H. Além disso, a administração do condomínio, que está por detrás dos condóminos e que toma a iniciativa de convocar as assembleias e aí dirigir os trabalhos, adoptou diversos comportamentos ilícitos e culposos, tais como o envio de cartas em tom intimidatório e a recusa na entrega da acta donde constam as deliberações impugnadas.
I. Os factos alegados e demonstrados nos autos – elencados nestas alegações – são demonstrativos de que a Administração do Condomínio e os Condóminos tinham pleno conhecimento e consciência da ilicitude e invalidade das deliberações tomadas e, ainda assim, aprovaram-nas, tendo como exclusivo objectivo atingir os direitos dos autores.
J. Quanto à deliberação da assembleia de Condóminos de 12 de Dezembro de 2011, tomada sob o ponto primeiro da ordem de trabalho, os condóminos ignoraram propositada e descaradamente a sentença proferida no âmbito da referida acção de impugnação da deliberação tomada em 25 de Setembro de 2009, que tinha anulado deliberação anterior idêntica e estava em vigor na ordem jurídica, da qual tinha sido interposto, pelo Condomínio, recurso com efeito meramente devolutivo, demonstrando claro desrespeito por uma decisão judicial (conduta que é altamente censurável).
K. A Administração do Condomínio recusou entregar a acta que continha as deliberações tomadas e a lista de presenças, não prestando ao autor as informações pedidas, impedindo, intencionalmente, o acesso deste a informação essencial e dificultando-lhe o exercício do direito que lhe assiste de impugnar as deliberações inválidas e ineficazes tomadas pela assembleia de condóminos;
L. A ré H… propôs que fosse submetida à votação a sua proposta de demolição dos arrumos bem sabendo que a mesma era ilegal, pois foi para isso alertada pelo autor na própria reunião (como resulta da acta), tendo os Condóminos aprovado essa “deliberação surpresa”, com plena consciência de que esse assunto não cabia no ponto da ordem de trabalhos “outros assuntos de interesse para o Condomínio”.
M. Os réus ignoraram quer as explicações do autor, quer decisão judicial anterior, e aprovaram as deliberações ora impugnadas, tendo agido com consciência da ilicitude desse acto, sendo a sua conduta censurável ético-juridicamente por não terem agido de modo diverso, porquanto dispunham de conhecimentos e informação que os habilitavam a ter adoptado um diferente comportamento.
N. Com a sua atitude ilícita e culposa, obrigaram os autores a impugnar novamente as deliberações tomadas, com o que têm de suportar despesas quer com o pagamento da taxa de justiça quer com honorários a advogado.
O. Além disso, com o seu comportamento, os réus causaram ainda aos autores diversos sofrimentos e incómodos, dada a perseguição de que têm sido alvo desde 2009, que faz com que se sintam injustamente mal-tratados, e o péssimo ambiente que foi criado pela Administração do Condomínio e por alguns Condóminos num Condomínio com poucos Condóminos em que seria desejável que houvesse relações de boa vizinhança.
P. Neste contexto, o processo contém todos os elementos e todos os meios probatórios necessários à condenação dos réus em indemnizar os autores pelos prejuízos que lhes causaram, sendo o valor indicado razoável e adequado.
Q. A douta sentença proferida nos autos, aliás cuidadosamente ponderada e fundamentada, deverá ser, nesta parte, revogada, pois viola designadamente o disposto nos artigos 25º e 26º do R.C.P., 483º e 496º, 497º, nº1, 562º, 563º, 564º e 566º do Código Civil.

Os réus/apelantes responderam à matéria da ampliação do recurso, concluindo que não assiste qualquer razão para arguição das apelidadas “ilegalidades da acta”.
E apresentaram contra-alegações, concluindo que deve ser negado provimento ao recurso subordinado dos autores e, nessa parte, mantida a decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
1. Os autores B… e C… são proprietários de duas fracções autónomas do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, Rua … e Rua …, freguesia …, cidade do Porto, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º 34038, a fls. 35 verso do Livro B-106:
a) Fracção autónoma designada pelas letras “BB” correspondente a uma habitação, no rés-do-chão direito, com entrada pelo nº … da Rua …, com terraço nas traseiras, onde residem;
b) Fracção autónoma designada pelas letras “AD” correspondente a um lugar para dois automóveis na garagem da sub-cave, com entrada pelo n.º … da Rua … (cfr. docs. de fls. 31 a 44);
2. Apesar de ser um só o título constitutivo da propriedade horizontal desse edifício, foram organizados três Condomínios para as três partes desse edifício que estão delimitadas e definidas fisicamente, com entradas próprias e com zonas comuns próprias; 3. O Condomínio de que fazem parte as fracções pertencentes aos autores e réus é constituído pelas fracções autónomas para habitação com entrada pelo nº … da Rua …, pelas garagens com entrada pelo n.º … da mesma artéria e pelos estabelecimentos com entrada pelo n.º … e pelo n.º … da Rua …, ou seja, pelas fracções V, W, X, Y, Z, AA, AB, AC, AD, AV, AU, BB, BC, BD, BK, BL, BT, BU, CA e CB, pelas zonas comuns a essas fracções, que são o “acesso à garagem com entrada pela Rua …, …, rampa de acesso e circulação da garagem, depósito de lixos, bombagem de água, entrada principal para acesso às habitações e garagem, com entrada pela Rua …, n.º …, caixa de escadas, elevadores e casa das máquinas” e, bem assim, pelas zonas comuns a todas as fracções do edifício: “Galeria, logradouro; na frente, fundições e coberturas”;
4. Por sua vez, os réus são proprietários das seguintes fracções:
a) A ré D… é proprietária da fracção correspondente a uma habitação no 1º andar direito (Fracção BK) e um lugar de garagem (Fracção Y);
b) A ré E… é proprietária da fracção correspondente a uma habitação no Rés-do-Chão esquerdo (Fracção BC) e um lugar de garagem (Fracção AB);
c) O réu F… é proprietário da fracção correspondente a uma habitação no 1º andar esquerdo (Fracção BL) e um lugar de garagem (Fracção X);
d) A ré G… é proprietária da fracção correspondente a uma habitação no 2º andar direito (Fracção BT) e um lugar de garagem (Fracção AA);
e) A ré H… é proprietária da fracção correspondente a uma habitação no 3º andar esquerdo (Fracção CB) e um lugar de garagem (Fracção AC);
f) A ré I… é proprietária da fracção correspondente a uma habitação no 3º andar direito (Fracção CA) e dois lugares de garagem (Fracções V e W);
g) A ré J…, Lda., é proprietária da fracção correspondente a um estabelecimento comercial na cave (onde está instalada a M…), com entrada pelo n.º … (Fracção AV);
h) A ré K… é proprietária da fracção correspondente a um estabelecimento comercial na cave (onde está instalado um Ginásio) com entrada pelo n.º … (Fracção AU);
5. Para além de autores e réus, há apenas mais um condómino: a proprietária da fracção “BU” correspondente à habitação do 2º andar esquerdo e da fracção “Z” destinada a lugar de garagem para um veículo, L…;
6. A ré D… é Administradora do Condomínio do prédio onde se situam as mencionadas fracções autónomas;
7. Os autores adquiriram as mencionadas fracções “BB” e “AD” aos seus anteriores proprietários, N… e mulher O…, por escritura outorgada no dia 29 de Agosto de 2001, no 8º Cartório Notarial do Porto, data em que passaram a residir no prédio;
8. A constituição da propriedade horizontal do prédio onde se inserem as fracções acima aludidas foi constituída em 1982 (cfr. doc. de fls. 299 a 316);
9. No dia 25 de Setembro de 2009, realizou-se uma Assembleia Extraordinária de Condóminos, na qual estiveram presentes os réus D…, E…, F…, G…, H… e I…, cujo 1º ponto da ordem de trabalhos era a “Discussão e Aprovação dos lugares de garagem e espaços comuns”, tendo sido deliberado com o voto favorável desses réus e, após análise de um “parecer” do réu F… e da Arq. P…, “que não poderão ser ocupados espaços comuns definidos pelo traçado desse pavimento” (cfr. doc. de fls. 45 e 46, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
10. Essa deliberação foi impugnada pelos autores, na acção judicial que correu termos da 3ª Secção do 1º Juízo Cível do Porto, sob o n.º 2064/09.2TJPRT, na qual foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente por provada e, consequentemente, declarou anulada a deliberação tomada na assembleia de condóminos de 25 de Setembro de 2009, sob o ponto primeiro da ordem de trabalhos, ou seja, “Discussão e Aprovação dos Lugares de Garagem e Espaços Comuns” e condenou, em consequência o Condomínio réu a eliminar a marcação efectuada no pavimento na sequência dessa deliberação inválida (cfr. doc. de fls. 49 a 64);
11. Tal decisão encontra-se pendente de recurso de apelação, interposto pelo Condomínio, tendo os autores, aí recorridos, requerido a ampliação do objecto do recurso para que o Tribunal da Relação do Porto aprecie ainda os outros fundamentos para impugnação da deliberação em causa que foram invocados pelos autores nessa acção;
12. Na sequência, por carta datada de 12.10.2009, subscrita pela administração de condomínio e referidos réus presentes naquela assembleia de condóminos de 25.09.2009, foi comunicado aos autores o resultado da discussão do ponto primeiro da ordem de trabalhos da assembleia de condóminos de 25.09.2009, designadamente de que ficara aprovado, por unanimidade dos presentes, de que “não poderão ser ocupados espaços comuns definidos pelo traçado do pavimento”, como é o caso daquele “situado em frente da dependência/arrumos das águas e onde, igualmente, se guardam outros utensílios comuns …” (cfr. doc. de fls. 47 e 48, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
13. Por carta datada de 12.10.2011, emitida pela administradora do condomínio, esta comunicou ao autor designadamente que “não autoriza a realização de quaisquer obras, seja de que natureza for, nos arrumos existentes na garagem do edifício, porquanto tais arrumos pertencem ao Condomínio”; acrescentando que “esta Administração do Condomínio nunca autorizou a sua edificação e, igualmente, não autoriza a realização de quaisquer obras nos mesmos, sejam elas de que natureza forem” (cfr. doc. de fls. 76 e 77, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
14. A administração do condomínio, por carta datada de 10.11.2011, reiterou o conteúdo da carta anteriormente enviada em 12.10.2011, designadamente afirmando que os referidos “arrumos são ilegais, visto nunca terem sido autorizados pelo Condomínio” (cfr. doc. de fls. 79, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
15. No dia 12 de Dezembro de 2011, realizou-se nova Assembleia Extraordinária de Condóminos, convocada pela Administradora do Condomínio D…, na qual estiveram presentes ou representados todos os réus, os autores e ainda a Condómina das fracções “BU” e “Z”, L…, cuja ordem de trabalhos era a seguinte:
1. Deliberar sobre a proibição de utilização de zonas comuns, quer na escadaria, quer na garagem em benefício exclusivo de um condómino;
2. Ratificar o teor das cartas enviadas pela Administração do Condomínio, em 12.10.2011 e em 10.11.2011 para os Srs. Condóminos proprietários da fracção AD;
3. Outros assuntos de interesse para o Condomínio (cfr. doc. de fls. 65 a 67);
16. No decurso da mesma Assembleia Extraordinária de Condóminos foi posto à discussão o primeiro ponto da ordem de trabalhos, na qual foi suscitada a questão do autor utilizar na fracção referente ao lugar de garagem (fracção AD) um espaço superior ao que lhe é permitido, utilizando dessa forma uma parte da zona comum;
17. O autor, para além de concordar com a proibição a que se refere o ponto primeiro da ordem dos trabalhos, disse, designadamente, que é proprietário da fracção BB há mais de 10 anos, e que, apesar de nunca ter visto a planta da garagem, aquando da compra da fracção, sempre colocou um carro no lugar de garagem, excepcionalmente dois carros;
18. Posto à votação, o ponto primeiro da ordem de trabalhos foi aprovado com os votos a favor dos réus, abstenção da proprietária das fracções “Z “e “BU” e voto contra dos aqui autores, com o fundamento constante da acta de assembleia de condóminos de que o autor “não considera que esteja a utilizar zonas comuns em benefício exclusivo próprio relativamente ao lugar de garagem de que é proprietário (fracção AD), porque não concorda com a medição do espaço desde o arrumo até à linha efectivamente marcada, sendo que, esse problema, já está ser discutido em Tribunal”;
19. Passando-se ao ponto segundo da ordem de trabalhos, a Presidente da Assembleia procedeu à leitura das cartas em causa enviadas pela administração para os autores, sendo que, após discussão, o mesmo ponto da ordem de trabalhos foi aprovado com os votos a favor dos réus, com excepção da ré G… que votou contra, tendo os autores e a proprietária da fracção “Z” e “BU” também votado contra;
20. De seguida, passou-se ao ponto terceiro da ordem de trabalhos, tendo a ré H…, “alegando o historial do problema existente com o lugar de garagem da fracção AD e os seus arrumos”, solicitado a colocação à votação a “demolição dos arrumos existentes no lugar de garagem da fracção AD”;
21. A mesma proposta veio a ser colocada à votação, tendo a mesma sido aprovada com o voto a favor dos réus, com excepção das rés E… e G…, tendo os autores e a proprietária da fracção “Z” e “BU” também votado contra;
22. De acordo com a respectiva constituição de propriedade horizontal, foi atribuída à referida fracção “AD” dos autores uma área total de 25,50 m2;
23. No local da dita fracção dos autores “AD” foram construídas na ocasião da edificação do edifício duas caixas de saneamento e uma corette técnica (de utilização comum ao edifício), elevadas cerca de 0,94 m acima do pavimento, ocupando uma área total de 4,66 m2;
24. Ainda na referida fracção “AD” foi erigido um compartimento destinado a arrumos que ocupa uma área de cerca de 7,96 m2.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do novo C.P.C.
As questões a decidir são as seguintes: legitimidade dos réus; se deve ser declarada a nulidade da deliberação tomada sob o ponto 1 da ordem de trabalhos, por atentar contra decisão judicial anterior, que versava sobre a mesma matéria; se deve ser declarada a ineficácia das deliberações tomadas sob os pontos 2 e 3 da ordem de trabalhos, por versarem sobre matéria que extravasa a esfera de competência da assembleia de condóminos; se deve ser fixada indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que os autores alegam ter sofrido.

I. Legitimidade dos réus.
Estabelece o artigo 30º do novo C.P.C., que manteve o regime do C.P.C. revogado:
1 – O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.
2 – O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 – Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
O legislador decidiu, «após madura reflexão, tomar posição expressa sobre a vexata questio do estabelecimento do critério de determinação da legitimidade das partes…», partindo de uma formulação da legitimidade assente «na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor, próxima da posição imputada a Barbosa de Magalhães na controvérsia que historicamente o opôs a Alberto dos reis». Preâmbulo ao DL 329-A/95.
A legitimidade «tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor». Miguel Teixeira de Sousa, A legitimidade Singular, BMJ 292, pág. 105.
Os apelantes defendem que os condóminos individualmente demandados (D…, E…, F…, H…, I…, J…, Lda., e K…) devem ser julgados partes ilegítimas.
Cremos que não têm razão, pois, tal como configuraram a relação jurídica material controvertida, os autores atribuem aos réus a responsabilidade pela aprovação das deliberações impugnadas, pedindo a condenação dos mesmos em indemnização pelos prejuízos que, alegadamente, terão causado, em resultado da sua actuação ilícita e culposa.
Não se vê a que título poderia o réu condomínio do prédio em causa, desacompanhado dos outros réus, ser responsabilizado pelos actos deliberativos dos condóminos.
Na verdade, se um grupo de condóminos tomou determinada decisão, será contra todos eles que devem opor-se os que com ela se sintam prejudicados.
No caso, são os réus/condóminos que votaram favoravelmente as deliberações impugnadas que têm interesse em contradizer, mormente de forma a manter aquelas em vigor.
Daí que o nº 6 do artigo 1433º do C.C. se refira às acções propostas contra os condóminos.
A representação judiciária dos condóminos nessas acções é que poderá competir ao administrador ou à pessoa que a assembleia de condóminos designar.
Os titulares da relação material controvertida são os condóminos que tomaram a respectiva deliberação e não o administrador, que até pode, caso a assembleia designe outra pessoa, não figurar como representante judiciário daqueles.
Estando em causa deliberações da assembleia de condóminos, em que quem é prejudicado pela procedência da acção não é o administrador, mas os condóminos que as votaram, estes é que são partes legítimas para serem demandados, embora representados, nos termos do nº 6 do citado artigo 1433º do C.C.
É esta posição de que a acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos deverá ser proposta contra os condóminos que, estando presentes ou representados na respectiva assembleia, votaram favoravelmente a deliberação impugnada (e só estes, e não também aqueles que estiveram presentes ou representados que se abstiveram nem os que não estiveram presentes ou representados), sendo então representados em juízo pelo administrador do condomínio ou pela pessoa que a assembleia designar para esse efeito, nos termos do disposto no art. 1433º, n.º 6, do C.C., que tem vindo a ser seguida. Cfr. Acórdãos do STJ de 02.02.2006, processo n.º 05B4296; de 20.09.2007, processo nº 07B787; de 24.06.2008, processo nº 08A1755; e de 06.11.2008, processo nº 08B2784; Acórdãos da Relação do Porto de 15.05.2012, processo nº 570/11.8TJPRT.P1; de 04.10.2012, processo n.º 1371/11.9TJPRT.P1, in www.dgsi.pt.
Conclui-se, pois, pela legitimidade dos réus.

II. Se deve ser declarada a nulidade da deliberação tomada sob o ponto 1 da ordem de trabalhos, por atentar contra decisão judicial anterior, que versava sobre a mesma matéria.
No dia 25 de Setembro de 2009, realizou-se uma Assembleia Extraordinária de Condóminos, na qual estiveram presentes os réus D…, E…, F…, G…, H… e I…, cujo 1º ponto da ordem de trabalhos era a “Discussão e Aprovação dos lugares de garagem e espaços comuns”, tendo sido deliberado com o voto favorável desses réus e, após análise de um “parecer” do réu F… e da Arq. P…, “que não poderão ser ocupados espaços comuns definidos pelo traçado desse pavimento”.
Essa deliberação foi impugnada pelos autores, na acção judicial que correu termos da 3ª Secção do 1º Juízo Cível do Porto, sob o n.º 2064/09.2TJPRT, na qual foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente por provada e, consequentemente, declarou anulada a deliberação tomada na assembleia de condóminos de 25 de Setembro de 2009, sob o ponto primeiro da ordem de trabalhos, ou seja, “Discussão e Aprovação dos Lugares de Garagem e Espaços Comuns” e condenou, em consequência o Condomínio réu a eliminar a marcação efectuada no pavimento na sequência dessa deliberação inválida.
Tal decisão, na altura em que foi proferida a sentença recorrida, encontrava-se pendente de recurso de apelação interposto pelo Condomínio.
No dia 12 de Dezembro de 2011, realizou-se nova Assembleia Extraordinária de Condóminos, convocada pela Administradora do Condomínio D…, na qual estiveram presentes ou representados todos os réus, os autores e ainda a Condómina das fracções “BU” e “Z”, L…, cuja ordem de trabalhos era a seguinte:
1. Deliberar sobre a proibição de utilização de zonas comuns, quer na escadaria, quer na garagem em benefício exclusivo de um condómino;
2. Ratificar o teor das cartas enviadas pela Administração do Condomínio, em 12.10.2011 e em 10.11.2011 para os Srs. Condóminos proprietários da fracção AD;
3. Outros assuntos de interesse para o Condomínio.
Os condóminos deliberaram acerca daquele ponto 1 da ordem de trabalhos, mas fizeram-no sobre um assunto que já havia sido objecto de uma deliberação na referida assembleia de condóminos de 25 de Setembro de 2009, deliberação que foi anulada pelo tribunal de 1ª instância.
A deliberação tomada sob o ponto 1 da ordem de trabalhos da assembleia de condóminos de 12 de Dezembro de 2011, no fundo, reitera a decisão já tomada sobre outro ponto da ordem de trabalhos da assembleia de 25 de Setembro de 2009.
Ou seja, à data em que foi tomada a deliberação em causa nestes autos, havia uma decisão judicial sobre o mesmo assunto, em sentido contrário, embora não transitada em julgado, uma vez que da mesma tinha sido interposto recurso para este Tribunal da Relação, com efeito meramente devolutivo.
É certo que, recentemente, em 28.6.2013, o Tribunal da Relação revogou a aludida sentença proferida na acção nº 2064/09.2TJPRT, mas tal não implica, como referem os apelantes, qualquer «incompatibilidade insanável entre soluções jurídicas proferidas pelos tribunais portugueses, sendo um deles um tribunal de recurso, logo, um tribunal hierarquicamente superior» (fls. 383).
Com efeito, o que releva para efeitos de apreciação da validade da deliberação é o circunstancialismo do momento em que a mesma é tomada. É esse circunstancialismo que o tribunal deve ter em conta para decidir da validade ou invalidade da deliberação.
Na altura em que a deliberação em análise foi tomada, porque sobre a mesma havia sido proferida uma sentença, a assembleia de condóminos deveria ter aguardado a sua apreciação pelo Tribunal Superior, e não, como veio a fazer, tomar uma nova deliberação, em sentido contrário àquela decisão judicial, desrespeitando-a.
Deste modo, a deliberação da assembleia de condóminos de 12 de Dezembro de 2011 é nula, uma vez que, na altura em que foi tomada, atentava contra decisão judicial anterior. Esta nulidade não implica, como se disse, qualquer incompatibilidade insanável entre soluções jurídicas e, pelo contrário, conduz a que prevaleça a deliberação da assembleia de condóminos de 25 de Setembro de 2009, única que, após a apreciação pelo Tribunal da Relação, pode regular o assunto em questão.

III. Se deve ser declarada a ineficácia das deliberações tomadas sob os pontos 2 e 3 da ordem de trabalhos, por versarem sobre matéria que extravasa a esfera de competência da assembleia de condóminos.
Como se disse, os pontos 2 e 3 da ordem de trabalhos tratavam do seguinte:
2. Ratificar o teor das cartas enviadas pela Administração do Condomínio, em 12.10.2011 e em 10.11.2011 para os Srs. Condóminos proprietários da fracção AD;
3. Outros assuntos de interesse para o Condomínio.
Na carta datada de 12.10.2011, emitida pela administradora do condomínio, esta comunicou ao autor designadamente que “não autoriza a realização de quaisquer obras, seja de que natureza for, nos arrumos existentes na garagem do edifício, porquanto tais arrumos pertencem ao Condomínio”; acrescentando que “esta Administração do Condomínio nunca autorizou a sua edificação e, igualmente, não autoriza a realização de quaisquer obras nos mesmos, sejam elas de que natureza forem”.
Na carta datada de 10.11.2011, a administração do condomínio reiterou o conteúdo da carta anteriormente enviada, em 12.10.2011, designadamente afirmando que os referidos “arrumos são ilegais, visto nunca terem sido autorizados pelo Condomínio”.
Como resulta do ponto 24 da matéria assente, na fracção AD foi erigido um compartimento destinado a arrumos que ocupa uma área de cerca de 7,96 m2.
Ora, a deliberação tomada sob o ponto 2 da ordem de trabalhos manifesta a posição da administração do condomínio de que não autoriza a realização de quaisquer obras nos arrumos, considerando que os mesmos foram construídos sem a sua autorização e que lhe pertencem.
Sob o ponto 3 da ordem de trabalhos – outros assuntos de interesse para o condomínio – foi aprovada a demolição dos arrumos existentes no lugar de garagem da fracção AD.
A propriedade horizontal pressupõe a divisão de um edifício através de planos ou secções horizontais – por forma que, entre dois planos, se compreenda uma ou várias unidades independentes – ou ainda através de um ou mais planos verticais, que dividam igualmente o prédio em unidades autónomas. Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Volume III, pág. 393.
Quanto às fracções autónomas, elas pertencem em propriedade aos condóminos e, como tais, poderão ser alienadas pelo respectivo titular, oneradas, dadas de arrendamento, etc.
No que respeita às partes comuns, os condóminos estão sujeitos, antes de mais, às regras especialmente fixadas no capítulo da propriedade horizontal.
Nos pontos em que não exista regulamentação específica, valerá o regime geral da compropriedade.
Há partes do prédio que são comuns por força de disposições imperativas da lei – artigo 1421º, nº 1 – e há outras que apenas são comuns quando os condóminos não declaram o contrário – artigo 1421º, nº 2. Só quanto aos elementos imperativamente comuns se verifica uma compropriedade necessária e permanente. Relativamente às partes comuns enumeradas no nº 2 do artigo 1421º, a comunhão poderá cessar em qualquer momento, por acordo dos condóminos.
Os elementos imperativamente comuns ou fazem parte da estrutura essencial do prédio ou estão afectados, numa relação de instrumentalidade necessária, ao serviço de todas as fracções autónomas. Eles são imprescindíveis, na totalidade, ao uso e fruição destas fracções, pelo que a lei não permite a sua divisão, nem a sua subordinação a regime diverso do da compropriedade.
O conjunto dos direitos de cada condómino sobre as partes comuns e sobre as fracções que exclusivamente lhe pertença é incindível: nenhum destes direitos pode ser alienado, onerado ou penhorado separadamente, nem é lícito ao condómino renunciar à parte comum como meio de se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição – artigo 1420º. cfr. Pires de Lima e A. Varela, ob. cit., pág. 417.
A administração das partes comuns do edifício, nos termos do artigo 1430º do C.C., compete à assembleia de condóminos e a um administrador.
À assembleia, composta por todos os condóminos, compete decidir sobre os problemas do condomínio que se refiram às partes comuns, encontrando soluções para os resolver, delegando no administrador a sua execução e controlando a actividade deste.
Ao administrador cabe o desempenho das funções referidas no artigo 1436º do C.C., próprias do seu cargo, assim como as que lhe forem delegadas pela assembleia ou cometidas por outros preceitos legais.
Isto é, a assembleia de condóminos só pode decidir sobre questões que digam respeito às partes comuns do edifício, não podendo interferir com a administração que cada condómino faça da sua fracção. As deliberações que tomar e que não se prendam com a administração das partes comuns são ineficazes.
Não consta da acta, como se refere na sentença, que a construção dos arrumos na fracção AD, incluindo a sua manutenção, se encontra vedada aos autores, quer em termos gerais, por violação de qualquer norma imperativa ou regulamento do condomínio, quer em termos especiais, designadamente por se poder enquadrar em qualquer uma das alíneas do nº 2 do artigo 1422º do C.C.
Por sua vez, o título constitutivo da propriedade horizontal diz que a fracção AD constitui um lugar para dois automóveis na garagem do edifício, mas nada impede que o proprietário daquela fracção destine um determinado espaço da mesma para arrumar ou guardar objectos, a menos que a sua actuação ponha em causa a segurança, a linha arquitectónica ou arranjo estético do mesmo edifício – artigo 1422º, nº 2, alínea a) – o que não resulta da acta, nem foi alegado.
Na fracção AD foi erigido um compartimento destinado a arrumos que ocupa uma área de cerca de 7,96 m2.
O compartimento destinado a arrumos, com a área de cerca de 7,96 m2, como resulta da matéria assente, foi erigido na fracção AD, sendo, por isso, propriedade exclusiva dos autores.
Daí que, as deliberações sobre os pontos 2 e 3 da ordem de trabalhos só podiam ser consideradas ineficazes, dado que versaram sobre matéria que extravasa a esfera de competência da assembleia de condóminos – decidir sobre os problemas do condomínio que se refiram às partes comuns do edifício.

IV. Se deve haver lugar a indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que os autores alegam ter sofrido.
Os autores alegaram que toda a atitude da ré D…, administradora do condomínio, visou conscientemente prejudicá-los e impedir-lhes o acesso a informação essencial e dificultar, assim, o exercício de um direito que lhes assiste legalmente: o de impugnar as deliberações inválidas e ineficazes tomadas pela assembleia de condóminos.
Por sua vez, a ré H… propôs que fosse submetida à votação a sua proposta de demolição dos arrumos, bem sabendo que a mesma era ilegal, pois, foi para isso alertada pelo autor na própria reunião.
Com a sua atitude ilícita e culposa, obrigaram os autores a impugnar novamente as deliberações tomadas, com o que têm de suportar, quer o pagamento da taxa de justiça, quer com o pagamento honorários a advogado.
Ora, os prejuízos derivados dos custos desta acção, com taxa de justiça e honorários, são ressarcíveis em sede de reembolso de custas de parte, nos termos do artigo 25º do Regulamento das Custas Processuais, existindo, pois, norma legal específica, no âmbito da qual tal ressarcimento patrimonial deverá ocorrer.
Não há lugar a qualquer outra indemnização por danos patrimoniais e, nesse sentido, improcede a pretensão dos autores.

No que se refere aos danos não patrimoniais, na sentença recorrida considerou-se que interessava que os autores tivessem alegado factos concretos para que o tribunal pudesse avaliar da sua consistência e gravidade em ordem a valorá-los como danos indemnizáveis, o que, porém, aqueles não fizeram.
Como refere Vaz Serra, o nº 1 do artigo 496º do C.C. tem alcance geral. «É aplicável quer se trate de danos não patrimoniais resultantes de lesão corporal, quer de outros, desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito». RLJ, 113º, pág. 96.
Para que os danos não patrimoniais justifiquem uma indemnização, é necessário que mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito, cabendo ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor de tutela jurídica.
Só são indemnizáveis os danos não patrimoniais «que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral. A gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias de cada caso concreto, afastando factores susceptíveis de sensibilidade exacerbada ou requintada, e aprecia-se em função da tutela do direito». Acórdão do STJ, de 26.6.1991, BMJ 408, pág. 538.
Os simples incómodos, desconfortos e arrelias comuns, porque não atingem um grau suficientemente elevado, não conferem direito a indemnização por danos não patrimoniais.
Encontra-se alegado que os réus, com o seu comportamento, causaram aos autores diversos sofrimentos e incómodos, dada a perseguição de que têm sido alvo, desde 2009, que faz com que se sintam injustamente maltratados, e o péssimo ambiente que foi criado pela administração do condomínio com poucos condóminos em que seria desejável que houvesse relações de boa vizinhança.
Ora, considera-se que aquela matéria alegada é manifestamente insuficiente, face ao regime estabelecido no artigo 496º do C.C., para atribuir aos autores/apelantes indemnização por danos não patrimoniais. Os factos alegados não revelam danos que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade moral dos autores e, por esse motivo, não lhes deve ser atribuída indemnização por danos não patrimoniais.
Improcedem, deste modo, as conclusões das alegações e os recursos dos autores e dos réus.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedentes as apelações e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelas apelantes.

Sumário:
I. A acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos deverá ser proposta contra os condóminos que, estando presentes ou representados na respectiva assembleia, votaram favoravelmente a deliberação impugnada, por serem estes os titulares da relação jurídica material controvertida.
II. O que releva para efeitos de apreciação da validade de uma deliberação da assembleia de condóminos é o circunstancialismo do momento em que a mesma é tomada. É esse circunstancialismo que o tribunal deve ter em conta para decidir da validade ou invalidade da deliberação.
III. A assembleia de condóminos só pode decidir sobre questões que digam respeito às partes comuns do edifício, não podendo interferir com a administração que cada condómino faça da sua fracção. As deliberações que tomar e que não se prendam com a administração das partes comuns são ineficazes.
IV. Os simples incómodos, desconfortos e arrelias comuns, porque não atingem um grau suficientemente elevado, não conferem direito a indemnização por danos não patrimoniais.

Porto, 24.3.2014
Augusto de Carvalho
Rui Moura
José Eusébio Almeida