Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1785/11.4TBVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
NULIDADE
Nº do Documento: RP201305021785/11.4TBVFR.P1
Data do Acordão: 05/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- A declaração de nulidade do contrato de mútuo, por falta de forma, tem como consequência a restituição, pelo mutuário, de tudo o que tiver sido prestado pelo mutuante, nos termos dos art.º 289.º, n.º 1, do Código Civil, e não por via do enriquecimento sem causa.
II- Na sequência dessa declaração de nulidade, por serem verdadeiros frutos civis, são também devidos juros de mora, contados desde a citação e até integral restituição.
III- Por força da declaração de nulidade, não pode deixar de ser devolvido ao mutuário o que ele pagou ao mutuante a título de juros devidos pelo valor mutuado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Apelação nº1785/11.4TBVFR.P1
Tribunal recorrido: 1º Juízo Cível de Santa Maria da Feira
Relator: Carlos Portela (471)
Adjuntos: Des. Joana Salinas
Des. Pedro Lima Costa


Acordam na 3ª Secção (2ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto



I. Relatório:
B…… e mulher C….., residentes na Rua …, nº ..., freguesia de …., em Santa Maria da Feira, propuseram a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra D….., casada, residente na Rua …., nº …., Lugar de …., …., em Santa Maria da Feira, pedindo se declare a nulidade do contrato de mútuo que celebraram com a Ré e a condenação desta a restituir-lhe tudo o que recebeu em virtude de tal contrato, acrescida dos frutos civis e dos juros de mora que se vencerem desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Alegaram para tanto e em síntese, que por documento escrito datado de 11 de Novembro de 2003 concederam à Ré um empréstimo no montante de € 25.000,00, que a Ré até à data não devolveu, apesar de interpelada pelos Autores nesse sentido, sendo que tal contrato é nulo por falta de forma uma vez que não foi celebrado por escritura pública.
Devidamente citada para o efeito veio a Ré contestar, alegando que a quantia emprestada não foi para seu benefício pessoal, mas de uma sua irmã, e invocando a excepção do abuso de direito por parte dos Autores, na modalidade “venire contra factum proprium”, por os Autores terem recebido durante todos estes anos os juros convencionados no contrato em questão e só agora terem suscitado a questão da invalidade de tal contrato.
Os Autores vieram então responder, pugnando pela improcedência da excepção deduzida.
Os autos prosseguiram acabando por ser proferido despacho saneador, no qual e atenta a simplicidade da causa se dispensou a selecção da matéria de facto assente e controvertida.
Produzida a prova realizou-se a audiência de discussão e julgamento no culminar da qual foi emitida sentença que julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência absolveu a Ré do pedido contra si formulado.
Inconformada com esta decisão dela veio recorrer o Autor.
O seu recurso foi considerado tempestivo e legal, admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
O Autor/Apelante alegou mas não foram produzidas contra-alegações.
Recebido o processo nesta Relação foi proferido despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao seu conhecimento, cumpre apreciar e decidir o recurso em apreço.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
A presente acção foi proposta em 8.04.2011.
Assim sendo e atento o disposto nos artigos 11º, nº1 e 12º, nº1 do D.L. nº303/2007 de 24 de Agosto, ao presente recurso devem ser aplicadas as regras processuais postas a vigorar por este último diploma legal.
Ora como é por demais sabido o objecto deste recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo teor das conclusões vertidas pelo Autor/Apelante nas alegações (cf. artigos 660º, nº2, 684º, nº3 e 685º-A, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor das mesmas:
1. Os AA/ Recorrentes emprestaram à Recorrida a quantia de € 25.000 em 11.11.2003.
2. O referido empréstimo não foi titulado por escritura pública, em violação do artigo 1143.º do Código Civil.
3. A falta de forma exigida por lei importa a nulidade do contrato nos termos do artigo 220.º do Código Civil.
4. Os AA/Recorrentes viram as suas poupanças minguarem, precisavam do dinheiro que emprestaram à Recorrida, chegando ao ponto de terem que recorrer a empréstimos de familiares para suprir as suas necessidades pessoais.
5. Os AA/ Recorrentes dirigiram-se à Recorrida e pediram que lhes devolvesse o dinheiro, tendo a Recorrida recusado proceder à devolução do dinheiro.
6. Os mandatários dos AA/Recorrentes, através de carta registada junta aos autos, datada de 10.02.2011, solicitaram de novo à Recorrida que entregasse o dinheiro aos AA/ Recorrentes, carta que a Recorrida ignorou.
7. Os AA/ Recorrentes em face da postura da Recorrida e confrontados com as suas próprias dificuldades financeiras viram-se obrigados a recorrer à via judicial.
8. Só em 08.04.2011, ou seja, dois meses depois de terem remetido carta registada à Recorrida em que pediram a restituição do dinheiro emprestado, sem resposta, deram entrada à acção judicial.
9. O pedido de declaração de nulidade do contrato deduzido pelos AA./ Recorrentes na presente acção declarativa – sendo uma opção dos seus mandatários – foi a única solução plausível por ser a única que respeita a lei.
10. Não está na disponibilidade das partes conferir validade a um negócio que ab initio está ferido de nulidade.
11. Não fossem os AA/ Recorrentes a requerer que fosse declarada a nulidade do contrato, o mais provável teria sido ser o próprio Tribunal a declará-la.
12. Seria muito temerário que os AA. viessem defender a validade do contrato pois não poderiam os AA/Recorrentes provar que as partes quiseram um contrato válido em manifesta violação de disposição legal.
13. A declaração de nulidade do contrato não traz mais prejuízo à Recorrida tanto mais que foi precedida de contactos com a Recorrida no sentido de solicitar a restituição do dinheiro, contactos que a Recorrida ignorou.
14. Da mesma forma, esta solução – pedido de declaração de nulidade – não traz quaisquer benefícios ilegítimos para os AA/Recorrentes.
15. Não se alcança em que é que o exercício do direito por parte dos AA/ Recorrentes pode ser interpretado como claramente ofensivo do direito ou das expectativas da Recorrida.
16. Com o comportamento dos AA/Recorrentes não foi beliscada a confiança depositada pela Recorrida no negócio realizado. O que parece ter posto em causa a confiança da Recorrida foi ver-se confrontada com o pedido de restituição do dinheiro por parte dos AA/Recorrentes.
17. O comportamento dos AA/Recorrentes foi correcto, leal e consciencioso não podendo ser considerado em caso algum abusivo.
18. O Tribunal ao penalizar os AA/Recorrentes por uma opção jurídica que nada tem a ver com a atitude dos AA/ Recorrentes - que foram humildes e conscienciosos dirigindo-se à Recorrida e pedindo o dinheiro, pedindo aos seus mandatários para entrar em contacto com a Recorrida, o que estes fizeram por carta - nada mais faz do que, suportando-se numa questão estritamente académica, premiar a Recorrida por uma conduta indigna.
19. A crença que a Recorrida tinha, e que foi destruída, era a crença de que nunca teria que entregar o dinheiro aos AA/Recorrentes e a Recorrida ficou surpreendida com o exercício do direito por parte dos AA/Recorrentes.
20. Nem se vê em que é que a declaração de nulidade invocada pelos AA/Recorrentes, opção ponderada e consciente dos seus mandatários, possa ter causado danos irreversíveis à Recorrida. O que podia ter causado danos à Recorrida seria ter confiado que esse dinheiro lhe tinha sido oferecido, ter orientado a sua vida com base nesse dinheiro, e ver-se agora confrontada com o pedido de restituição.
21. Não é o pedido de declaração de nulidade em si, analisado isoladamente, que pode pôr em causa a boa fé dos AA/Recorrentes, tanto mais que se trata de uma opção jurídica sem qualquer benefício especial para os AA/Recorrentes ou prejuízo clamoroso para a Recorrida.
22. Nenhum dos pressupostos do abuso de direito se encontra demonstrado no caso dos autos: objectivamente a conduta processual dos AA/ Recorrentes – pedindo a restituição do dinheiro pela via da declaração da nulidade do negócio – é a conduta esperada por qualquer pessoa de bem que recebeu dinheiro emprestado e que sabe que um dia terá que o restituir.
23. Não há confiança defraudada. Se os AA/ Recorrentes emprestaram o dinheiro a conduta natural é pedirem a sua restituição, o que os AA/ Recorrentes fizeram através desta acção. Se a Recorrida recebeu dinheiro emprestado a atitude saudável é saber que um dia terá que o restituir.
24. O eventual investimento dessa confiança como orientação de vida se existiu é imputável à Recorrida. Os AA/Recorrentes permitiram à Recorrida orientar a sua vida com o dinheiro deles durante alguns anos mas neste momento precisam do dinheiro e por isso pediram-no à Recorrida, que se recusou a entregá-lo. Qualquer pessoa de boa fé teria que ter consciência que o dinheiro emprestado um dia terá que ser restituído. No caso da Recorrida é manifesto que investiu tanto nessa confiança como orientação de vida que acreditou que nunca teria que restituir o dinheiro pois só assim se compreende que se tenha recusado a restituí-lo.
25. No pedido de restituição daquilo que pelos AA/Recorrentes foi entregue os AA/Recorrentes agiram de boa fé, pautaram-se estes por uma atitude correcta, leal e conscienciosa dirigindo-se à Recorrida e pedindo-lhe a entrega do dinheiro, atitude que tiveram previamente ao recurso à via judicial e que confessaram em juízo, o que foi dado como provado.
26. A Recorrida recusou-se a entregar o dinheiro aos AA/Recorrentes, o que revelador da sua má fé. Má fé que mais se evidencia na forma como se defende na sua contestação pois, por um lado, defende a sua boa fé no negócio e, por outro lado, sustenta que o dinheiro emprestado pelos AA/Recorrentes não se destinava à Recorrida mas a uma sua irmã.
27. E é este comportamento cheio de má fé que foi coroado de êxito na sentença recorrida ao considerar que abusivo foi o comportamento dos AA./ Recorrentes.
28. Com a presente acção, e concretamente com o pedido de declaração de nulidade, os AA/Recorrentes não pretendem obter qualquer benefício ilegítimo para si.
29. Nem pretendem causar qualquer prejuízo à Recorrida (a não ser que a Recorrida tivesse confiado que o dinheiro lhe tinha sido dado e tivesse orientado a sua vida na base de uma doação que nunca lhe foi feita).
30. Os AA/Recorrentes nenhuma garantia têm de que conseguiriam provar a validade de um contrato celebrado contra legem nem a garantia de que a nulidade não fosse invocada pela Recorrida ou que a nulidade não fosse conhecida oficiosamente.
31. A caracterização da conduta dos AA. como venire contra factum proprium como fez o Tribunal a quo, parece, com o devido respeito, completamente desajustada da realidade dos autos pois se alguma conduta pode ser caracterizada como de má fé é a conduta da Recorrida que deliberadamente se recusou a entregar aos AA/Recorrentes o dinheiro que estes lhe emprestaram.
A douta sentença agora posta em crise violou os artigos 220.º, 285.º, 286.º, 289.º, 334.º e 1143.º do Código Civil.
Deve, por isso, a douta sentença ser revogada e substituída por outra que julgue a acção inteiramente procedente, fazendo-se assim inteira JUSTIÇA
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O Tribunal “a quo” teve como provados os seguintes factos:
1- Em 11 de Novembro de 2003 os Autores emprestaram à Ré a quantia de € 25.000,00;
2 - A Ré assinou a declaração que se encontra junta aos autos a fls. 9 e da qual consta “Eu, abaixo assinada, D……, Casada, residente na Rua (…), declaro que pedi a quantia de 25.000,00 (…) ao Sr. B….., casado com C….., residente (…). Mais declaro, que concordo com a taxa de juro de 04% ao ano, a pagar anualmente no dia do seu vencimento. (…)”;
3 - A Ré abordou os Autores dizendo que precisava de dinheiro, tendo os Autores acedido a emprestar-lhe;
4 - Os Autores viram as suas poupanças minguarem, chegando ao ponto de terem de recorrer a empréstimos de familiares para suprir as suas necessidades pessoais, precisando do dinheiro que emprestaram à Ré;
5 – Os Autores dirigiram-se à Ré e pediram que lhe devolvessem o seu dinheiro, tendo a Ré recusado proceder à devolução do dinheiro;
6 – Através dos seus mandatários, agora através de carta registada, de novo os Autores exigiram à Ré que procedesse à restituição da mencionada quantia, sem resposta;
7 – O empréstimo não foi realizado por escritura pública;
8 – Desde a celebração do mútuo que os Autores recebem todos os anos, até Novembro de cada ano, € 1.000,00 a título de juros vencidos, conforme estabelecido no contrato de mútuo;
9 – Valores que os Autores receberam até Novembro de 2010;
10 – Do contrato não consta prazo de vencimento do mútuo;
11 – A Ré pagou juros na consciência de que os devia;
12 – Os Autores receberam montantes a título de juros na consciência de que o negócio era válido e de que tinham direito a eles;
13 – Os montantes entregues aos Autores pela Ré não se destinaram nunca ao pagamento parcial do empréstimo.
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Não tendo sido impugnada a decisão sobre a matéria de facto proferida e não havendo razões para alterar a mesma, impõe-se fazer consignar que os factos provados a ter em conta na decisão aqui a proferir são apenas e só aqueles que acabamos de enumerar (cf. art.713º, nº6 do CPC).
Deste modo e face ao antes exposto, resulta claro que a questão que cabe apreciar e decidir no âmbito deste recurso é a de saber se existem fundamentos para revogar a decisão proferida e, em consequência para condenar a Ré nos pedidos que contra si foram formulados pelo Autor.
Ora como bem se considerou na sentença recorrida, da matéria de facto tida como provada resulta que entre os Autores e Ré foi celebrado um contrato de mútuo, por via do qual os primeiros concederam à segunda um empréstimo de € 25.000,00, com uma taxa de juro de 4% ao ano.
O artigo º 1142º do Código Civil prescreve que “mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.
Já segundo o art.º 1143º do mesmo código e quanto à forma do mesmo contrato determina-se que “o contrato de mútuo de valor superior a 20.000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública, e o de valor superior a 2.000 euros se o for por documento assinado pelo mutuário”.
Por outro lado e de acordo com o preceituado no art.º220º do Código Civil, “a declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei”.
Deste modo sendo o mútuo um negócio consensual ou formal, consoante o seu valor, o mesmo só é válido se for celebrado por escritura pública (sendo o seu valor superior a 20.000,00 €) ou por documento assinado pelo mutuário (sendo o seu valor superior a 2.000,00 € e inferior a 20.000,00 €).
Caso o contrato deva ser celebrado com tal forma e o não seja, estará ferido de nulidade.
É sabido que a declaração de nulidade de mútuo, por falta de forma, tem como consequência a restituição, pelo mutuário, de tudo o que tiver sido prestado.
Isto por força do que decorre do disposto no artigo 289º, nº1 do Código Civil, e já não por via do enriquecimento sem causa.
Transpondo tais considerações para o caso dos autos, verificamos que em 11.11.2003 a Apelada solicitou aos Apelantes do que estes lhe emprestassem 25.000,00 €.
Mais acordaram fixar em 4% ao ano a taxa de juro correspondente a tal empréstimo, nada definindo no entanto, relativamente a prazos de pagamento bem como ao seu vencimento.
Perante o acabado de expor, impõe-se concluir que estamos em face de um contrato de mútuo, nulo pró falta de forma, uma vez que, atento o seu valor, devia o mesmo ter sido reduzido a escritura pública.
Essa inobservância da forma legal implica, como já vimos, a nulidade do contrato (cf. art.º 220º do Código Civil).
E esta nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (cf. art.º 286º do Código Civil).
A ser assim e salvo sempre melhor opinião, impunha-se ao Tribunal “a quo” que declarasse a nulidade deste contrato de mútuo, daí retirando toda as necessárias consequências.
Ora à luz já antes referido art.º 289º nº1 do Código Civil, não sofre dúvidas que, anulado um contrato ou declarada a sua nulidade, as partes devem restituir em espécie ou em valor, se aquela não for possível, o que lhes tiver sido prestado, constituindo doutrina e jurisprudência maioritárias as de que, no caso de contrato de mútuo nulo por falta de forma, a restituição das quantias mutuadas deve ser feita com base, directamente, no estabelecido no art.º 289º do Código Civil e não como também já dissemos, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, o qual tem, aliás, carácter subsidiário (cf. os artigos 479º e 480º do Código Civil).
E compreende-se que assim seja, pois no enriquecimento sem causa, o enriquecido restitui apenas aquilo que corresponde ao empobrecimento do lesado (ou seja, só restitui aquilo que o enriqueceu mas que também empobreceu a contra-parte, já que bem pode suceder que a medida do enriquecimento seja superior à medida do empobrecimento), enquanto no regime do artigo 289º do Código Civil não há que fazer extrapolações comparativas entre benefícios e perdas havendo apenas que restituir o que se recebeu por causa que foi anulada.
Assim sendo e uma vez declarado nulo o negócio por vício de forma, fica o mutuário obrigado a restituir ao mutuante tudo o que tiver sido prestado.
É ainda de recordar que ao caso não é de todo aplicável o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 482º do Código Civil (apenas aplicável em casos de enriquecimento sem causa).
Dito de outra forma, podendo a restituição da importância mutuada ser pedida a todo o tempo (cf. art.º 286º do Código Civil), o exercício de tal direito não está condicionado ao aludido prazo de prescrição.
Assim sendo, podemos desde já afirmar que por força das razões expostas, devia ter sido outra a decisão a proferir.
Isto porque salvo melhor opinião e perante a realidade de facto constante do processo, não era de aplicar ao caso, a figura do abuso de direito.
Na verdade e como correctamente afirmam os Autores/Apelantes nas suas alegações de recurso, os mesmos ao virem a juízo requerer a nulidade deste mútuo, mais não fizeram do que trazer à colação norma imperativa, cujo regime e aplicação poderia sempre ser objecto de conhecimento oficioso por parte do Tribunal “a quo”.
Em face de tal circunstancialismo e salvo melhor opinião, não podiam aqueles vir a juízo defender a validade de um contrato que era e é manifestamente nulo por falta de forma.
Por outro lado é relevante considerar que também ficou provado que os Autores/Apelantes, antes de virem a juízo propor a acção em apreço, não deixaram de solicitar à Ré que lhes devolvesse a quantia mutuada, devolução que esta recusou.
Têm igualmente razão quando afirmam que o pedido de declaração de nulidade aqui formulado não se traduz em quaisquer benefícios ilegítimos para si próprios nem pode ser interpretado como claramente ofensivo do direito ou das expectativas da Ré/Apelada, a qual não poderia estar convencida que não estava obrigada mais tarde ou mais cedo, a devolver o montante mutuado.
Também não aceitamos que durante todo o tempo que mediou entre a data da celebração do acordo documento a fls.9 e a altura em que foi proposta esta acção (ou seja, sensivelmente sete anos), o comportamento dos Autores/Apelantes tenha posto em causa a confiança depositada pela Ré/Apelada no desenrolar do negócio entre rodos realizado.
Salvo melhor opinião, a tal conclusão não obsta a circunstância de se ter provado que durante todo este período os segundos receberam anualmente da primeira, a quantia de 1.000,00 €, quantia esta correspondente aos juros acordados entre todos e a cujo taxa já antes melhor aludimos.
E muito menos o facto de ter ficado provado (bem ou mal, por em grande parte conclusivo) que “os Autores receberam os referidos montantes a título de juros na consciência de que o negócio era válido e de que tinham direito a eles”.
Em face de tudo o que deixamos referido, é pois nosso entendimento que no caso, não estão de todo verificados os pressupostos do abuso de direito previstos no art.334º do Código Civil, razão pela qual, nunca o regime que decorre de tal instituto deveria ser aqui aplicado.
Assim sendo e ainda que correndo o risco de repetir muito do que já foi dito, é de recordar que o contrato celebrado entre as partes integra um contrato de mútuo, nulo por falta da forma devida (artigos 1142º e 1143º do Código Civil).
Daí ter de ser restituído tudo o que foi prestado, ou seja, o capital, bem como os juros de mora, como frutos civis que são (artigos 289º nºs. 1 e 3, 212º, 1269º a 1271º, 805º nº1 e 806º nºs. 1 e 2 todos do Código Civil).
Na verdade e como acentuam Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, volume I, pág. 266, a própria declaração de nulidade ou de anulação arrasta consigo a destruição retroactiva das atribuições patrimoniais, retroactividade que obriga à restituição das prestações efectuadas, como se o negócio não tivesse sido realizado.
Já para Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição a págs. 616 e 617, os efeitos da declaração de nulidade operam retroactivamente, “o que está em perfeita coerência com a ideia de que a invalidade resulta de um vício intrínseco do negócio e, portanto, contemporâneo da sua formação. (...).
Em consonância com a retroactividade, haverá lugar à repristinação das coisas no estado anterior ao negócio, restituindo-se tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289º, nº1).
Como também antes já se disse, “tal restituição deve ter lugar, mesmo que não se verifiquem os requisitos do enriquecimento sem causa, isto é, cada uma das partes é obrigada a restituir tudo o que recebeu e não apenas aquilo com que se locupletou”.
Assim sendo e porque a declaração de nulidade do mútuo por vício de forma opera retroactivamente, deve der restituído todo o capital mutuado (artigo 289º nº1 do Código Civil).
Contudo, por força da remissão operada pelo nº3 desse artigo 289º do Código Civil para o preceituado nos artigos 1269º e seguintes, a obrigação de restituir abrangerá não só o capital mutuado, como também uma quantia equivalente ao montante dos juros de mora.
Pelo exposto, é em nosso entender inquestionável que a Ré e ora Apelada tem de restituir aos Autores e ora Apelantes, não só a quantia prestada, mas também os juros legais.
Mas desde quando?
Com a declaração de nulidade do contrato, desaparecem retroactivamente as atribuições patrimoniais nele acordadas, todos os efeitos que produziria um contrato válido, incluindo as convenções quanto a prazos ou data da restituição do capital mutuado, como se o negócio nunca tivesse sido celebrado.
A nulidade do contrato de mútuo por falta de forma estende-se ao todo o seu conteúdo, incluindo a taxa de juros compensatórios e a data da restituição do capital mutuado, e implica essa restituição ao mutuante” (cf. entre outros o Acórdão do S.T.J. de 17.3.2005, processo 05B499 em www.dgsi.pt/jstj).
Ou seja, não há que atender ao acordado entre os Apelantes e a Apelada quanto a juros, pois sendo o contrato em causa nulo, essa cláusula não pode deixar de ser igualmente nula.
Deste modo, a obrigação de restituição não pode ser actualizada nem produzir os efeitos correspondentes a uma hipotética validade do negócio, designadamente a contra-prestação, remuneração ou retribuição acordadas ou legalmente previstas e, tratando-se de uma obrigação pecuniária, rege o principio nominalista, devendo, em consequência, a restituição ser feita pelo valor nominal que a moeda tinha, não havendo pois lugar a qualquer actualização ou a juros de mora que hajam sido convencionados no contrato.
Como dispõe o art.º 289º nº3 do Código Civil, “é aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269º e seguintes”.
Por seu turno o art.º 1270º nº1 do Código Civil, dispõe que o possuidor de boa fé faz seus os frutos naturais ou civis percebidos até à data em que souber estar a lesar o direito de outrem.
Já o artigo 1271º prescreve que, estando o possuidor de má fé, deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e responde pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido.
Sabe-se que é tida como de boa fé a posse em que o possuidor, ao adquirir a posse, ignorava lesar o direito de outrem.
Por força do disposto no art.481º, alínea a) do Código de Processo Civil, a citação para a acção faz cessar a boa fé do possuidor.
E declarada a nulidade do mútuo, em princípio, é com a citação para a acção que cessa a boa fé do obrigado à restituição e, por isso, é desde essa data que são devidos os frutos civis (art.º 212º do Código Civil), a saber, os juros incidentes sobre os valores a restituir, como frutos civis que um proprietário medianamente diligente poderia ter obtido com a aplicação do capital indevidamente retido pelo mutuário.
Assim sendo, a partir do momento em que o devedor sabe que a sua posse lesa direito do mutuante, deve restituir os frutos que desde então poderiam ser produzidos até ao termo da posse, actuando com diligência normal.
Declarado nulo por vício de forma o contrato de mútuo, em princípio, os juros só serão devidos desde a citação, não produzindo quaisquer efeitos a interpelação extrajudicial anterior à declaração de nulidade do mesmo mútuo.
Isto embora se possa admitir, que em determinadas situações os juros podem ser devidos desde data anterior (neste sentido cf. o Acórdão da Relação do Porto de 3.11.2005, processo 0533004, em www.dgsi.pt/jtrp).
Deste modo, os juros que incidem sobre a quantia mutuada são devidos desde a data em que a Ré foi citada para a acção (12.04.2011).
Perante o acabado de referir, deve pois a Ré/Apelada restituir aos Autores/Apelantes a mesma quantia, acrescida de juros, à taxa legalmente prevista, contados desde a citação (12.04.2011) e até efectivo e integral pagamento.
Por fim, cabe referir que à quantia acabada de referir de 25.000.00 € não poderá deixar de ser deduzido o montante de 7.000,00 € correspondentes aos 1.000,00 € pagos anualmente pela Ré aos Autores a título de juros e aos quais já fizemos antes suficiente referência.
Isto e por força dos efeitos que decorrem da operada declaração de nulidade do mútuo em apreço.
E a tal não podem em nosso entender obstar as razões de natureza estritamente processual e que têm a ver com o que o que expressa e directamente decorre do art.661º, nº1 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.
Por via do referido e mesmo não tendo a Ré aquando da dedução da sua contestação, formulado qualquer pedido no sentido de tal quantia lhe ser devidas, não está de todo vedada a esta Relação a possibilidade de ter tal quantia em conta.
Em suma e sem necessidade de ulteriores considerações, há pois que conceder nesta parte provimento à pretensão recursiva dos Autores/Apelantes o que determina sem mais, a necessária revogação da decisão proferida.
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Sumário (art.º 713º, nº7 do CPC):
1.A declaração de nulidade de mútuo, por falta de forma, tem como consequência a restituição, por parte do mutuário, de tudo o que tiver sido prestado pelo mutuante, nos termos do disposto no art.º 289º, nº1 do Código Civil e não por via do enriquecimento sem causa.
2.Na sequência dessa declaração de nulidade e sendo como são verdadeiros frutos civis, são também, devidos juros de mora, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento;
3.Por força da declaração de nulidade do respectivo mútuo, não pode deixar de ser devolvido ao mutuário o montante que este ao longo de vários anos foi pagando ao mutuante a título de juros devidos pelo valor mutuado.
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III. Decisão:
Pelo exposto julga-se parcialmente procedente o presente recurso de Apelação revogando-se nos seguintes termos a sentença recorrida:
Julga-se parcialmente procedente por provada a acção e, em conformidade decreta-se a nulidade por inobservância da forma legalmente prevista, do mútuo oneroso celebrado entre os Autores e a Ré em 11 de Novembro de 2003;
Mais se condena a Ré a restituir aos Autores a quantia de 18.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legalmente prevista, calculados desde a data da citação (12.04.2011) e até efectivo e integral pagamento.
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Custas em ambas as instâncias a cargo da Ré (cf. artigo 446º do Código do Processo Civil).
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Notifique.

Porto, 2 de Maio de 2013
Carlos Jorge Ferreira Portela
Joana Salinas Calado do Carmo Vaz
Pedro André Maciel Lima da Costa