Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
879/11.0TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: ARRENDAMENTO HABITACIONAL
DENÚNCIA DO ARRENDAMENTO POR INICIATIVA DO MUNICÍPIO
PERDA TOTAL DO LOCADO
Nº do Documento: RP20120306879/11.0TBVNG.P1
Data do Acordão: 03/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A denúncia do contrato de arrendamento pode ocorrer por iniciativa do município nos termos do art° 13° do D.-L. n°l57/2006 de 8 de Agosto, designadamente quando o município vise a realização de obras coercivas, nos casos em que os senhorios as não realizem; mas também pode ocorrer, como é o caso dos autos, quando a Câmara haja de determinar o despejo de prédios que ameacem ruína ou sejam fonte de perigo para a saúde e a segurança públicas, ainda que, para as obras a realizar, tenham sido intimados os particulares proprietários, como decorre do regime dos art°s 89° n°s 2 a 4, 91° e 92° D.-L. n° 555/99 de 16 de Dezembro.
II - Realizado o despejo administrativo, toda a questão relativa ao realojamento do arrendatário só pode ser encarada como da responsabilidade da entidade que promoveu o despejo.
III - Haverá perda total do locado quando, objectivamente, ele tenha perdido as aptidões mínimas necessárias para ser usado; à luz desta concepção funcional, não é necessário constatar a necessidade de demolição das paredes perimetrais do prédio para se concluir pela perda do mesmo.
IV - Para além do mais, se o imóvel foi selado pela entidade administrativa, após despejo dos moradores, e determinada a reparação / demolição do telhado e dos tectos em ruína, também por essa via, sendo inelutável, para os senhorios, cumprirem o determinado, se tinha verificado já a caducidade do arrendamento por perda.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ●Rec. 879/11.0TBVNG.P1. Relator – Vieira e Cunha. Decisão recorrida de 29/11/2011. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo comum e forma sumária nº879/11.0TBVNG, do 4º Juízo Cível de Vª Nª de Gaia.
Autor – B….
Réus – C… e marido D… e Município ….

Pedido
a) Que se declare o direito do Autor ao arrendamento do imóvel identificado em 1º.
b) Que se condenem os RR. a comunicar ao Autor o fim das obras.
c) Que se condenem os RR. a entregar o locado ao Autor para reocupação.

Tese do Autor
Os RR. são donos de um prédio urbano, de que o Autor é arrendatário para habitação do 1º andar.
Por determinação da Câmara Municipal, de 26/11/07, o Autor foi despejado administrativamente do locado, face à necessidade em que o prédio se encontrava de receber obras urgentes. A Câmara Municipal providenciou um imóvel para residência temporária do Autor.
Concomitantemente, foram os RR. intimados a efectuar obras no locado, o que fizeram, não tendo porém comunicado ao Autor, nem os RR., nem a Câmara Municipal, a data prevista para o mesmo Autor reocupar o locado, em violação do disposto no D.-L. nº 157/2006 de 8 de Agosto.
Tese dos Réus C… e D…
Apenas adquiriram o imóvel por doação à Ré mulher de 29/10/2008, pelo que desconhecem o fundamento do arrendamento invocado.
Por transacção judicial de 21/3/84, os anteriores arrendatários do prédio assumiram responsabilidade pelo eventual desmoronamento do prédio, mantendo assim os arrendamentos em vigor e renunciando a responsabilizar o então senhorio por via de eventual responsabilidade deste.
Os senhorios deram cumprimento à notificação da Câmara de … no sentido de demolir a cobertura, vedar vãos exteriores e impedir utilização do edifício, procedendo também à sua reconstrução, que prossegue.
A interdição é causa de caducidade do arrendamento – artº 1051º al.e) C.Civ.
O Réu Município … contestou, invocando a incompetência em razão da matéria, do tribunal comum, para apreciação da responsabilidade do Município, tendo em conta a alegação do Autor.
Tal incompetência foi reconhecida no despacho saneador, apenas quanto ao Réu Município, que foi, dessa forma, absolvido da instância.

Saneador-Sentença Recorrido
A Mmº Juiz “a quo” decidiu, em saneador-sentença, julgar a acção improcedente, por não provada, por inexistência do direito de que o Autor se arroga.

Conclusões do Recurso de Apelação
O princípio fundamental e natural do direito das obrigações no Código Civil é o do cumprimento das obrigações.
A Exma. juíza do tribunal “a quo” não aplicou o direito convenientemente, ou seja não aplicou o regime jurídico das obras em prédios arrendados, DL. 157/2006 de 8 de Agosto.
Considerou a considerou Exma. juíza do tribunal “ a quo”, que a situação em apreço não poderá ser analisada à luz do DL 157/2006 de 08.08.
Ora tal entendimento está incorrecto já que, nos termos do artigo 1 alinea a) e n.º 2 e artigo 23 do referido regime, a denúncia ou suspensão do contrato de arrendamento para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundo aplica-se aquele regime.
Os senhorios/ RR devem efectivar a denuncia ou suspensão do contrato de arrendamento seguindo os trâmites legais ali estabelecidos.
Os RR não cumpriram qualquer das formalidade referidas naquele documento legal, mormente artigo 6, 7, 8, 9, 10, 24, 25 do DL 157/2006 de 08.08.
Deveriam os RR efectivar a denuncia do contrato de arrendamento in casu mediante acção judicial, tudo conforme artigo 8 do DL 157/2006 de 08.08.
Se pretendessem a suspensão do contrato de arrendamento deveriam agir em conformidade com o preceituado no artigo 10 do DL 157/2006 de 08.08.
Os RR não cumpriram qualquer daquelas formalidades, mostrando-se assim o contrato de arrendamento válido e eficaz.
10ª Decidiu a meritíssima juíza que o contrato de arrendamento caducou pela perda da coisa locada, artigo 1051 alínea e) do CC, no entanto este preceito não se aplica á situação in casu, já que a câmara municipal nunca declarou a irrecuperabilidade do prédio, nem a sua demolição;
11ª A câmara municipal somente ordenou, conforme facto assente n.º 6, as seguintes medidas; proceder de imediato á demolição / reparação integral e eficiente da cobertura, demolição dos tectos em ruína e vedação de vãos exteriores.
12ª A demolição do prédio só ocorreu por vontade exclusiva dos RR,
13ª A Câmara Municipal nunca obrigou os RR a demolirem o prédio.
14ª Mesmo que se entendesse que não se aplica o DL 157/2006 de 08.08., o contrato de arrendamento nunca caducaria por perda da coisa locada pois esta só se dá pela irrecuperabilidade do prédio e não pelo acto de demolição.
15ª Contudo aplica-se o DL 157/2006 de 08.08. e mesmo que a Câmara Municipal ordenasse a demolição do prédio teriam sempre, os RR, de cumprir os formalismos prescritos no DL 157/2006 de 08.08.
16ª Este DL surgiu, precisamente, para este acautelar este tipo de situações.
17ª Por tudo o exposto, constata-se que o contrato de arrendamento não caducou.
18ª Não sendo previsível a reconstituição natural, a indemnização justa será os RR habilitarem o autor a usufruir doutra fracção naquela área / zona, pagando a autor a mesma renda.

Por contra-alegações, os Réus pugnam pela confirmação do decidido.

Factos Apurados
1) Os Réus são proprietários do prédio urbano sito na … n.ºs .. e .., com frente para a Rua … n.º …, na freguesia de ….
2) O Autor ocupou o 1º andar do referido imóvel, na qualidade de arrendatário, aí sempre tendo residido.
3) Em 15 de Fevereiro de 2007, foi o Autor notificado do despacho do Sr. Vereador E…, que ratificou a ordem emitida verbalmente no local, no dia 13 de Fevereiro de 2007, pelo Sr. Director Municipal de Bombeiros e Protecção Civil, Sr. Eng. F…, em virtude do estado de degradação e risco eminente de colapso do edifício, que ordenou a interdição de utilização do prédio urbano sito na Rua … n.º …, freguesia de …, deste concelho (doc. de fls. 12, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
4) Em 29 de Novembro de 2007, foi o Autor notificado do despacho do Sr. Vereador Dr. G…, datado de 26 de Novembro de 2007, em virtude do estado de degradação e risco eminente de colapso do edifício, e para salvaguarda da segurança da sua pessoa e seus bens, nos termos do qual foi determinado o despejo administrativo sumário e imediato a executar no dia 29 de Novembro de 2007, do prédio urbano sito na Rua …, n.º …-.º, freguesia de …, deste concelho (doc. de fls. 13, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
5) Tal despacho surgiu na sequência da vistoria realizada na qual se constatou que o “imóvel apresenta várias anomalias, principalmente ao nível da cobertura e dos tectos que indiciam risco de derrocada, e que retiram às instalações o mínimo de condições de segurança, de salubridade e necessariamente de utilização, representando mesmo consequente perigo para a segurança de pessoas e bens. Em face à situação existente os serviços da Protecção Civil ordenaram a selagem do imóvel em causa, verificando-se que o imóvel em casa carece de uma intervenção urgente em termos de obras de demolição e de reparação…” (doc. de fls. 41 e 42, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
6) Mais foram determinadas as seguintes medidas: “1. Proceder de imediato à demolição/reparação integral e eficiente da cobertura, demolição dos tectos em ruína e vedação de vãos exteriores. 2. Apresentação, no prazo de 60 dias, documento comprovativo do pedido de licenciamento para as obras de reabilitação/demolição do imóvel, com os pareceres de todas as entidades com responsabilidade pela gestão urbanística, atendendo à localização do edifício. 3. Interdição de todo este edifício para fins habitacionais, até que se conclua a sua reconstrução, devidamente licenciada.” (teor do documento referido no número anterior).
7) Naquela data de 29 de Novembro foi o Autor despejado do locado.
8) A Câmara Municipal, através da H…, disponibilizou ao Autor um imóvel para este residir, sito na Rua …, Bloco ., cave, …, Vila Nova de Gaia.
9) A título de renda, o Autor para mensalmente o montante de € 15,02.
10) Os Réus adquiriram o imóvel supra referido por doação que I… e J… fizeram à Ré mulher no dia 29 de Outubro de 2008 e que registaram a seu favor na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia em 2.12.2008 (doc. de fls. 8 e 9, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
11) O anterior proprietário, K…, propôs uma acção especial de despejo, que correu termos no 4º Juízo, 1ª Secção, deste tribunal, sob o n.º 855/1984, contra os então arrendatários desse imóvel, entre os quais figurava L…, mãe do ora Autor (certidão de fls. 78 a 83, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido),
12) com fundamento na caducidade dos contratos de arrendamento na sequência da deliberação da Câmara Municipal … de interdição do prédio para habitação face ao perigo eminente de desmoronamento,
13) e aí ficou decidido, por transacção homologada por sentença, manter os contratos de arrendamento em vigor, assumindo os Réus a responsabilidade, para si, por todos e quaisquer prejuízos que venham a sofrer, eles e os seus, por eventual desmoronamento natural do prédio, declarando expressamente neste acto nenhumas responsabilidades exigirem ao senhorio ou a outros por isso.
14) Mais aí acordaram que o Autor não se opunha à realização de quaisquer obras de conservação nos arrendados.
15) Por carta datada de 13 de Maio de 2003, e na sequência da notificação do teor de uma vistoria realizada no dia 27 de Fevereiro de 2002, a então cabeça de casal da herança aberta por óbito de K…, M…, foi o Autor notificado do seguinte: “em conformidade com o auto de vistoria, o prédio não tem condições de salubridade, higiene e segurança, tendo sido considerado interdito de utilização para fins habitacionais, o que implica caducidade do contrato de arrendamento” determinando que “deve desocupar de imediato as instalações, procedendo à s/ entrega totalmente livre e devoluto com as respectivas chaves”.
16) O que o Autor não acatou.
17) Após a realização do despejo, o imóvel foi demolido.
18) Os Réus requereram à Câmara Municipal … licenciamento para a reconstrução do imóvel constante do Proc. 659/98, que foi deferido, e foi autorizada a reconstrução do edifício destinado a instalação de estabelecimento de restauração e bebidas, conforme consta do alvará de licenças de obra de edificação n.º ../10.

Fundamentos
A pretensão do Apelante, como ele próprio a sintetiza, ancora-se em saber se o contrato de arrendamento se encontra em vigor, designadamente não se encontrando suspenso, por aplicação do disposto no artº 10º D.-L. nº 157/2006 de 8/8, nem tendo caducado, pois que os RR. não cumpriram os formalismos para a demolição a que alude o já citado diploma.
Vejamos de seguida.
I
As doutas alegações do Recorrente colocam a questão de facto sob a alçada juscivilística do disposto no D.-L. nº 157/2006 de 8 de Agosto, regulando o regime jurídico das obras em prédios arrendados.
Designadamente para o caso que nos interessa, de arrendamento de prédio urbano para habitação, o diploma aprovou o regime jurídico aplicável (artº 1º nº1 al.a) à denúncia ou suspensão do contrato de arrendamento para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos, nos termos do artº 1103º nº8 C.Civ. e (artº 1º nº1 al.b) à realização de obras coercivas pelos municípios, no caso em que o senhorio não as queira ou não as possa realizar.
A denúncia para demolição, por parte do senhorio, obedece a determinados requisitos, os quais, maxime, poderão implicar o realojamento do arrendatário – artºs 24º, 25º, e do referido diploma.
Acontece que, como flui claramente da matéria de facto apurada, a denúncia do contrato de arrendamento, em que o Autor era arrendatário habitacional, foi efectuada por iniciativa do município.
Tal pode ocorrer nos termos do artº 13º do diploma referido, designadamente quando o município vise a realização de obras coercivas, nos casos em que os senhorios as não realizem; mas também pode ocorrer, como é o caso dos autos, quando a Câmara haja de determinar o despejo de prédios que ameacem ruína ou sejam fonte de perigo para a saúde e a segurança públicas, ainda que, para as obras a realizar, tenham sido intimados os particulares proprietários, como decorre do regime dos artºs 89º nºs 2 a 4, 91º e 92º D.-L. nº 555/99 de 16 de Dezembro.
Certo é, porém, que toda a intervenção do município se regerá pelo disposto no D.-L. nº 157/2006 – cf. artº 92º nº4 do D.-L. nº 555/99, na redacção do D.-L. nº 157/2006.
Desta forma, toda a questão relativa ao realojamento do arrendatário Autor só pode ser encarada como da responsabilidade da entidade que promoveu o despejo – o Município de Vª Nª de Gaia.
Ora, tendo sido demandado o referido Município, foi, quanto ao mesmo, enquanto parte no processo, declarada a incompetência do tribunal comum, em razão da matéria, por decisão judicial anterior, formalizada nos autos, razão pela qual está fora de questão responsabilizar os RR. senhorios, à luz do disposto no D.-L. nº 157/2006 de 8/8, pelo despejo dos autos.
II
Analisemos agora a questão sob o ângulo colocado pela douta sentença recorrida, visando saber se o concreto locado em questão não se encontrava, à data da invocada denúncia do arrendamento, já objecto de perda, e, como tal, não tinha já caducado, à luz da norma do artº 1051º al.e) C.Civ.
A questão não pode assim ser colocada em termos da ordem de despejo em si (sem curar dos respectivos fundamentos), ou termos da avaliação subjectiva de quaisquer entidades, mesmo as autárquicas.
Interessa antes averiguar se os elementos de facto conduzem à conclusão de que o imóvel já não pode ser gozado ou utilizado para os fins concretos a que o contrato de arrendamento o destinava – saber se o imóvel pode ser reparado, em termos normais, ou se, ao invés, ele é irrecuperável – cf. Ac.R.C. 18/5/99 Col.III/21.
Na mesma linha, entende-se que se verifica a caducidade do contrato de arrendamento, pela perda da coisa locada, “quando esta não possa ser, total ou parcialmente, utilizada pelo locatário, ou quando, sem culpa do locador, ela se deteriore em termos tais que só a sua reconstrução total ou parcial a possa tornar novamente apta para o fim a que se destina” – cf. Ac.R.C. 18/5/99 cit., e demais jurisprudência aí aludida.
Na mesma linha de explicação do instituto, deveremos salientar que a caducidade não é implicada apenas por fenómenos naturais, mas também pela acção legítima do homem, evidenciada, p.e., nas demolições ordenadas pelos competentes órgãos autárquicos, no exercício da sua competência de polícia das edificações – cf. Ac.R.L. 16/4/96 Col.II/93.
Por outro lado, a questão da perda do locado não visa uma constatação meramente naturalística, mas implica raciocínios e juízos de ordem jurídico-normativa. Por exemplo, como escreve M. Januário Gomes, Arrendamentos Comerciais, 2ª ed., pg. 256, cit. in Ac.R.L. 16/4/96 supra, “em concreto pode ser discutível o carácter total ou parcial da perda; a apreciação deve primar pela razoabilidade: haverá perda total quando, objectivamente, o local tenha perdido as aptidões mínimas necessárias para ser usado; à luz desta concepção funcional, poderá não ser necessário aguardar que um prédio caia como um baralho de cartas para se concluir pela perda do mesmo”.
III
Que concluir, para o caso dos autos?
O Autor põe o enfoque argumentativo das suas doutas alegações no facto de a Câmara Municipal nunca ter obrigado os AA. à demolição do edifício onde o arrendado se situava.
Mas parece que num conceito hábil e jusnormativo de perda, não é necessário que ocorra a demolição, no sentido de total destruição do prédio e designadamente das respectivas paredes perimetrais, para que se possa constatar a perda do locado para a sua função habitacional.
Na verdade, o imóvel foi selado pela entidade administrativa, após despejo dos moradores, recomendada a reparação / demolição do telhado e a demolição de tectos em ruína. O perigo de derrocada ou ruína foi amplamente salientado pela autarquia.
Não há dúvida, assim, que o locado tinha já perdido, à data do despejo administrativo, todas as respectivas aptidões para servir de habitação a alguém.
E teria sempre perdido face à deliberação camarária, entidade para tanto competente, de selagem do prédio e dos vãos exteriores – perante esta ordem administrativa, era inelutável para os RR. que a cumprissem – neste sentido, o Ac.R.P. 19/10/93 Col.IV/236 e o Ac.R.C. 18/5/99 cit.
Por outro lado, entende-se que a reconstrução do prédio arrendado não faz reviver o arrendamento, nem a obrigação de reconstrução pode ser imposta ao senhorio – e não é, nem sequer pelo regime do D.-L. nº 157/2006 de 8 de Agosto (veja-se, por todos, o Ac.R.P. 19/10/93 cit.).
O conjunto de razões que procurámos explanar conduzem-nos a constatar o bem fundado da sentença recorrida, pese embora o devido e merecido respeito pelas doutas alegações de recurso.

Resumindo a fundamentação:
I – A denúncia do contrato de arrendamento pode ocorrer por iniciativa do município nos termos do artº 13º do D.-L. nº157/2006 de 8 de Agosto, designadamente quando o município vise a realização de obras coercivas, nos casos em que os senhorios as não realizem; mas também pode ocorrer, como é o caso dos autos, quando a Câmara haja de determinar o despejo de prédios que ameacem ruína ou sejam fonte de perigo para a saúde e a segurança públicas, ainda que, para as obras a realizar, tenham sido intimados os particulares proprietários, como decorre do regime dos artºs 89º nºs 2 a 4, 91º e 92º D.-L. nº 555/99 de 16 de Dezembro.
II – Realizado o despejo administrativo, toda a questão relativa ao realojamento do arrendatário só pode ser encarada como da responsabilidade da entidade que promoveu o despejo.
III - Haverá perda total do locado quando, objectivamente, ele tenha perdido as aptidões mínimas necessárias para ser usado; à luz desta concepção funcional, não é necessário constatar a necessidade de demolição das paredes perimetrais do prédio para se concluir pela perda do mesmo.
IV – Para além do mais, se o imóvel foi selado pela entidade administrativa, após despejo dos moradores, e determinada a reparação / demolição do telhado e dos tectos em ruína, também por essa via, sendo inelutável, para os senhorios, cumprirem o determinado, se tinha verificado já a caducidade do arrendamento por perda.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, acorda-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedente, por não provado, o recurso de apelação, assim confirmando integralmente a douta sentença recorrida.
Custas pelo Apelante, sem prejuízo do Apoio Judiciário de que goza.

Porto, 6/III/2012
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
João Carlos Proença de Oliveira Costa
Maria das Dores Eiró de Araújo