Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1087/12.9TAMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: OFENSA A ORGANISMO
SERVIÇO OU PESSOA COLETIVA
MEIO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
FACEBOOK
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Nº do Documento: RP201310301087/12.9TAMTS.P1
Data do Acordão: 10/30/2013
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Integra o tipo de crime de Ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, do artigo 187º, do Código Penal, apenas a afirmação ou propalação de factos inverídicos e ofensivos e não (ao contrário do que se verifica com os crimes de Difamação do artigo 180º, do Código Penal, e de Injúria do artigo 181º do mesmo Código) a formulação de juízos ofensivos.
II – Este é um crime de perigo: basta que os factos em questão sejam capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança do visado, mesmo que essa credibilidade, esse prestígio, ou essa confiança não tenham sido efetivamente atingidos.
III – Constitui “meio de comunicação social”, para o feito do nº 2 do artigo 183º do Código Penal uma página do “Facebook” acessível a qualquer pessoa e não apenas ao grupo de “amigos”.
IV – Em caso de provimento de um recurso que tem como consequência a condenação do arguido, cabe ao tribunal de segunda instância fixar a pena respetiva, sem que tal implique violação do duplo grau de jurisdição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1087/12.9TAMTS.P1
1ª secção

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos no 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos com o nº 1087/12.9TAMTS, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo a final sido proferida sentença que absolveu o arguido de dois crimes de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva p. e p. nos artºs. 187º, nº 1 e 2 e 183º nº 1 als. a) e b) e nº 2, do Cód. Penal, bem como do pedido de indemnização formulado pela assistente “C…”.
Inconformados com a decisão, dela vieram o Mº Público e a assistente interpor recurso.
São as seguintes as conclusões da motivação do recurso interposto pelo Ministério Público:
1. Nas circunstâncias de tempo e modo descritas nos factos 6 e 7 dos factos provados o arguido colocou no "Facebook" um "post" com o seguinte teor: "Relatório da Comissão Fiscalizadora dos Centros Educativos", designado pela Assembleia da República, que tem como representantes efetivas a Dr.a D… (...) e a Dr.a E… foi arrasador para os centros da C…!!! (...);
2. Tal "post" continha ainda um link para uma notícia do F… onde se afirmava: "A comissão que fiscalizou os centros educativos para jovens delinquentes é implacável nas conclusões a que chegou: ali tudo falha. Não há comunicação com as famílias, não há modelos educativos, não há acompanhamento psíquico ... Num dos centros os vigilantes nem falam português. No relatório a que o F… teve acesso, conclui-se que praticamente não existe qualquer hipótese de reintegração social desses adolescentes perigosos";
3. O "link" do F… não fazia qualquer referência aos centros educativos da assistente sendo que o arguido tinha já, aquando da elaboração do "post", lido o relatório em causa - cfr. as declarações do arguido na audiência de julgamento de 7 de Fevereiro de 2013 - cfr. gravação das declarações no sistema citius media studio no 1.° depoimento ao minuto 11:46 e na 2ª parte do depoimento ao minuto 02:00;
4. Da leitura do relatório que consta dos autos a fls. 215 a 233 resulta que o mesmo aponta dois aspetos negativos e vários outros aspetos positivos ao centro educativo da Madeira, fazendo-se menção expressa de que quanto à avaliação ao centro da Madeira não foi possível ter uma perceção abrangente e fundamentada do modelo perseguido já que o mesmo tinha pouco tempo de funcionamento - cfr. fls. 232;
5. Nestes termos foram imputados pelo arguido factos que não correspondem à realidade, o que o arguido bem sabia, já que por um lado o relatório não foi "arrasador" e por outro lado apenas se referiu a um e não aos dois centros educativos da C… - o da Madeira - sendo que a assistente possui, para além daquele um outro situado em Vila do Conde;
6. A conduta do arguido não se traduz na emissão de um juízo de valor. A conduta do arguido traduz a imputação de factos inverídicos, que o mesmo sabia que não correspondiam à verdade, o que exclui desde logo a circunstância de o tipo de ilícito não poder ser preenchido objetivamente por via da circunstância de o arguido ter fundamento para reputar os factos como verdadeiros;
7. Isto não só porque o arguido leu o relatório antes da publicação do "post" como também fez incluir no mesmo um "link" de uma notícia do F… de carácter genérico que em momento algum se referia concretamente aos centos educativos da assistente;
8. Pelo que da conjugação da matéria fáctica dada como provada em 1 a 9, deveria também ter sido considerando como provados em obediência às regras da experiência, os factos elencados em 24 e 25 dos factos não provados;
9. E da conjugação de todas as circunstâncias provadas em 1 a 9, com o aditamento dos ditos factos 24 e 25 aos factos provados, deveria o tribunal ter condenado o arguido pela prática de um crime de ofensa a organismo ou pessoa coletiva p. e p. pelo art. 187.°, n.° 2 e 183.°, n.° 1 al. a) e c) e n.° 2 do Código Penal uma vez que se verificam em concreto todos os elementos objetivos e subjetivos que integram o dito ilícito;
10. Ao não o fazer incorreu o tribunal em manifesto erro de julgamento.
*
São as seguintes as conclusões da motivação do recurso interposto pela assistente:
1. Foram incorretamente dados como não provados os seguintes factos: a) Que os factos propalados pelo arguido eram falsos; b) Que o arguido agiu voluntária, livre e conscientemente; c) Que sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e isto porque o oposto resulta claramente da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente da prova testemunhal.
2. Relativamente à falsidade dos factos propalados pelo Arguido, a mesma ressalta do próprio relatório da Comissão de Fiscalização dos Centro Educativos de Outubro de 2010, junto aos autos pelo próprio Arguido com a sua contestação, relatório esse que é claro ao afirmar que "(...) relativamente aos acordos celebrados com a C…. Não é possível a partir da visita ao CE da Madeira e do pouco tempo de funcionamento da experiência ter uma perceção abrangente e fundamentada do modelo prosseguido (...)". Ou seja, desta conclusão apenas se poderá retirar que o Arguido faltou consciente e efetivamente à verdade, ao referir no seu Facebook que o referido documento "foi arrasador para os Centros da C…!!!" (versão corroborada pelos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento, G… e H…).
3. Isto porque, à data da elaboração do relatório (2010), apenas estava aberto um único centro gerido pela C… e esse, o da Madeira, foi referido por diversas vezes no relatório, mas de forma elogiosa.
4. De igual modo, a testemunha I…, foi esclarecedora ao referir:
• Que os alegados problemas denunciados pelo Arguido no seu segundo "post" publicado, nunca foram efetivamente problemas, tendo as questões sido debatidas internamente e resolvidas de imediato com os trabalhadores;
• Que, relativamente às refeições quentes disponibilizadas aos funcionários do turno da noite, não estando a cozinha a trabalhar durante aquele período, caberia aos técnicos que estivessem ao serviço, a sua requisição, havendo total disponibilidade nesse sentido e tendo inclusivamente esta sido uma questão debatida com os próprios funcionários do turno da noite; versão dos factos corroborada pelas testemunhas J… e K… (colegas do Arguido).
5. A testemunha K… referiu ainda que ter tido conhecimento dos factos em causa através da sua página de Facebook, e que, apesar de inicialmente ter entendido que a notícia ali publicada se referia ao L…, em Vila do Conde, posteriormente, tal veio a confirmar-se ser falso.
6. Relativamente ao facto do Arguido ter agido de forma voluntária, livre e conscientemente, tal resulta claro do depoimento do próprio Arguido, o qual refere concretamente que publicou os "posts" aqui em causa e que as redes sociais são um meio que utiliza com frequência, os quais, "para o bem e para o mal", lhe permitem expressar as suas opiniões, não existindo assim dúvida de que o Arguido tinha perfeita consciência do que estava a fazer, publicando os "posts", e que o fez de forma livre e voluntária e não por ter sido forçado a fazê-lo.
7. O texto publicado pelo Arguido na sua página de Facebook (e que este publicou também nas páginas de Facebook dos seus Colegas trabalhadores da Assistente) referia que o "Relatório da Comissão Fiscalizadora dos Centros Educativos, designado pela Assembleia da República que tem como representantes efetivas a Dra. D… (co-responsável pela criação da lei tutelar educativa em Portugal) e a Dra. E…, foi arrasador para os Centros da C…!!!"
8. Em 2010, aquando da elaboração do relatório aqui em causa, a C… tinha a gestão de um único Centro Educativo - o da Madeira.
9. Ao afirmar, em Fevereiro de 2012, que o relatório relativo ao ano de 2010, mas sem concretizar tal facto, havia sido “arrasador” para os Centros da C… o Arguido teve uma única intenção: a de gerar a confusão, causar dúvida e denegrir a imagem da Assistente, o seu bom-nome e direito ao crédito, pondo inclusivamente em causa a continuação da parceria público-privada.
10. O Arguido sabia que o relatório em causa não se referia "aos Centro Educativos da C…", até porque, à data, a C… não tinha em 2010 Centros, mas apenas UM CENTRO, o qual, inclusivamente foi alvo de diversos elogios, decorrendo esse seu conhecimento pleno dessa realidade pelas funções que desempenhara na instituição em causa.
11. Mas a consciência da ilicitude da conduta do Arguido resulta igualmente provada através dos seguintes elementos:
• O Arguido é uma pessoa integrada a nível social e familiar e encontra-se a terminar o curso superior de serviço social; tendo assim uma formação superior à média portuguesa, donde se conclui ser necessariamente uma pessoa com um acesso mais facilitado a informação.
• Acresce que a jurisprudência mais recente (nomeadamente, Tribunal da Relação de Évora, no seu acórdão de 14 de Fevereiro de 2012, Tribunal da Relação de Coimbra, de 8 de Setembro de 2010 e Tribunal da Relação do Porto no seu acórdão de 29 de Abril de 2009) têm vindo a defender posições claras no sentido de que "Qualquer pessoa, por ignorante que seja, tem a noção de que é proibido e punido por lei atentar contra a honra e a consideração alheias, assim como contra a credibilidade, o prestígio e a confiança devida a uma corporação investida de autoridade pública. A factualidade provada permite definir o arguido como uma pessoa dotada de uma razoável preparação cultural e socialmente bem integrada." e que "Ter consciência da ilicitude é um estado de espírito que terá de resultar e resulta, segundo as fórmulas de normalidade, da compreensão de toda a ação criminosa, objetivada em outros factos de onde a mesma se retira, com a naturalidade que ela representa. Assim, e quanto aos tipos de ilícito cuja ilicitude de todos é conhecida, como v. g. o homicídio, as ofensas corporais, o furto, a injúria, o dano, não é exigível o conhecimento do preceito, do artigo do Código Penal, a sua pena concreta, etc. Basta que o agente saiba que o seu comportamento viola as exigências da vida comunitária, que é proibido pelo direito."
• O próprio Arguido reconheceu no seu depoimento que “ as redes sociais, para o mal, dão-nos a oportunidade de expressar as nossas opiniões” revelando-se conhecedor dos riscos inerentes à propalação de determinados conteúdos nestes meios.
● Acresce ainda que a jurisprudência dos tribunais superiores tem ainda defendido que "No atual C. Penal a consciência da ilicitude respeita à culpa e em princípio não tem que ser alegada e provada, enquanto facto de natureza psicológica, devendo sê- lo apenas nas hipóteses (residuais, pelo menos do ponto de vista estatístico), de falta de consciência da ilicitude não censurável, como sucede, aliás, com a generalidade dos elementos da culpa enquanto categoria autónoma da teoria geral da infração. "(Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 20 de Janeiro de 2011)
12. Assim, deverá a fundamentação de facto da decisão ora posta em crise (factos provados) ser alterada, nos termos do disposto no artigo 431.°, al. b) do CPP, julgando-se por provados os seguintes factos: a) Que é falso o referido pelo Arguido quando afirmou que o Relatório proferido pela Comissão Fiscalizadora de Centro Educativos pretendia referir-se a ambos os centros hoje explorados pela C… (Madeira e L… -Vila do Conde), e de forma arrasadora, uma vez que esse relatório, emitido em 2011, por essa Comissão, apenas se referia residualmente ao Centro da Madeira, se bem que de forma maioritariamente elogiosa, uma vez que considerou que o tempo de existência desse centro (muito reduzido) não permitia uma análise detalhada do mesmo, apenas constando como aspetos negativos o facto de os monitores contactados falarem apenas castelhano e acompanharem em permanência os educandos, mas destacando outros aspetos muito positivos, quais sejam a qualidade das instalações e o aspeto ressocializador do acompanhamento efetuado aos jovens; b) Que é falso o afirmado pelo Arguido quando afirma que o relatório emitido em 2011, relativo ao ano de 2010, pretendeu ter por objeto o Centro Educativo de Vila do Conde (L…), gerido pela C… - uma vez que, aquando das visitas realizadas pelos membros da Comissão Fiscalizadora, prévias à elaboração daquele relatório, o referido Centro Educativo nem sequer estava em funcionamento; c) Factos do conhecimento do Arguido, porque este foi trabalhar, na altura da sua abertura, para o Centro da C… de Vila do Conde; d) Que o arguido agiu voluntária, livre e conscientemente; e) Que sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
13. São elementos do tipo objetivo de ilícito previsto no artigo 187° do CP: a) a afirmação ou propalação de factos inverídicos b) suscetíveis de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa coletiva, corporação, organismo ou serviço; c) não tendo o agente fundamento para, em boa fé, reputar tais factos de verdadeiros.
14. O tipo legal abrange apenas a imputação de factos (não já a formulação de juízos ofensivos da honra ou consideração); factos esses que deverão ser inverídicos.
15. Para FARIA COSTA facto traduz-se "naquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência. (...) um elemento da realidade, traduzível na alteração dessa mesma realidade, cuja existência é incontestável, que tem um tempo e um espaço precisos
16. Os factos propalados terão de ser idóneos de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança, qualidade que deve ser aferida tendo em conta "a compreensão que um normal e diligente homem comum tenha da problemática.
17. É ainda necessário que o agente ao afirmar ou propalar factos inverídicos o faça sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar de verdadeiros; não sendo, todavia necessário que o agente tenha conhecimento do carácter não verídico dos factos.
18. Por fim, e no que ao elemento subjetivo concerne, a conduta apenas é penalmente relevante quando praticada dolosamente, podendo o dolo revestir qualquer das formas previstas no art.° 14.° do Código Penal (ao invés do que acontece com o crime de difamação, no qual se impõe um dolo específico).
19. Preenchido o tipo legal da imputação com o comportamento que deveria ter sido dado como provado por parte do Arguido, deveria este ter sido condenado!
20. Deste modo, operada que seja a supra requerida alteração da matéria de facto provada, dúvidas inexistem de que, perante o quadro legal supra exposto, ao qual o tribunal a quo igualmente aderiu na sua quase totalidade, o arguido deverá ser condenado pela prática de dois crimes de ofensa a organismo ou pessoa coletiva, p.p. pelos artigos 187.°, n.° 2, al. a) e 183.°, n.° 1, al. a) e c) e n.° 2, todos do Código Penal, bem como o pedido de indemnização civil julgado procedente por provado e o arguido condenado no pagamento à Assistente do valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), fazendo assim V. Excias. a costumada JUSTIÇA!»
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O arguido apresentou resposta a tais motivações, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Ministério Público junto desta instância apôs o seu visto.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A sentença sob recurso considerou provados os seguintes factos: (transcrição)
1. Assistente C… é uma associação sem fins lucrativos, que tem por objeto, nomeadamente, a gestão de centros educativos nos termos previstos na Lei Tutelar Educativa.
2. No âmbito da sua atividade foi selecionada num concurso público internacional para gerir um conjunto de Centros Educativos em parceria com o Ministério da Justiça, atividade que vem exercendo desde 2010.
3. Com vista ao exercício dessa atividade a Assistente celebrou diversos contratos de trabalho com os seus colaboradores.
4. No dia 15 de Novembro de 2010 celebrou um contrato de trabalho a termo certo com o arguido B…, com a duração inicial de 6 meses.
5. Fruto de uma decisão de gestão da Assistente, foi deliberado não proceder à renovação desse contrato de trabalho celebrado com o arguido, vindo a denunciá-lo para o seu termo, o que veio acontecer mediante o envio de comunicação escrita por correio registado com AR.
6. No dia 8 de Fevereiro de 2012 o arguido publicou um ‘post' na rede social, na sua página pessoal do facebook com o seguinte teor: ‘Relatório da Comissão Fiscalizadora dos Centros Educativos', designado pela Assembleia da República que tem como representantes efetivas a Dra. D… (co-responsável pela criação da lei tutelar educativa em Portugal) e a Dra. E…, foi arrasador para os Centros da C…!!! Torna-se urgente uma autoavaliação do ‘modus Operandi' dos referidos Centros Educativos, seus princípios, suas prioridades, seus valores e suas chefias...'.
7. Na mesma página, o arguido publicou um link com ligação à notícia do ‘F…', de 13 de Fevereiro de 2011, que na sua versão digital, dizia o seguinte: "A comissão que fiscalizou os centros educativos para jovens delinquentes é implacável nas conclusões a que chegou: ali tudo falha. Não há comunicação com as famílias, não há modelos educativos, não há acompanhamento psíquico... Num dos centros, os vigilantes nem falam português. No relatório, a que o F… teve "acesso", conclui-se- que praticamente não existe qualquer hipótese de reintegração social desses adolescentes perigosos. Leia todos os pormenores no e-paper do F…'.
8. O relatório citado, de 2011, teve por objeto a análise do desempenho dos Centros Educativos ao longo do ano de 2010, onde se incluía, apenas, um dos Colégios do C…, o da Madeira.
9. A notícia digital do jornal "F…”, colocada na Internet, não faz qualquer referência à Assistente.
10. No dia 22 de Março de 2012 o arguido colocou na sua página do facebook uma carta que lhe tinha sido endereçada pelos Advogados do Assistente, onde respondiam a várias questões de matéria laboral por si colocadas, com alguns sublinhados a cor verde, sublinhados esses realizados pelo arguido, e que se destinavam a fazer ressaltar a todos os destinatários deste ‘post' algumas passagens dessa carta.
11. As passagens sublinhadas a verde eram as seguintes:
“(…) ou uma refeição quente que é previamente preparada e mantida em recipientes próprios para o efeito. Acresce que, não obstante o refeitório estar encerrado no período do turno da noite, os trabalhadores podem e fazem as refeições nas unidades residenciais. (...). (...) 0 reconhecimento do crédito à prestação das 270 horas de trabalho nocturno (…) (…) assiste a V.Exª o direito ao pagamento do crédito remanescente de 7 horas, o qual foi já integralmente pago(...)'.
12. Em complemento, o arguido escreveu os seguintes comentários: "Vejam ao que chega a pouca vergonha da mentira!!!! Isto é tão mais grave ou não estivéssemos a falar de uma entidade que está responsável pelos nossos jovens em centros educativos ao abrigo da Lei Tutelar Educativa … Mas que exemplo" tão nobre está a ser dado como devemos viver em sociedade, com LEALDADE, HONESTIDADE, IDONEIDADE e PRINCÍPIOS ÉTICOS e MORAIS...Malta e colegas que continuam a trabalhar fiquem a saber que todos vocês podem receber as horas de formação em falta. Em especial para o turno da noite, estão em falta com centenas de horas noturnas não pagas a todos vocês!!!!! M de C… e de Mentira... Que triste País este em que vivemos!!!"
13. Tais informações eram acessíveis a todos quantos acedessem à página do arguido, pois o seu acesso não estava restringido àqueles que fizessem parte ou solicitassem a integração no grupo de "amigos'.
14. O arguido encontra-se desempregado desde 2011.
15. É solteiro.
16. Vive com os pais em casa destes.
17. Tem um irmão, estudante, que integra o mesmo agregado.
18. É finalista do curso de serviço social.
19. Regista condenações.
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Foram considerados não provados os seguintes factos: (transcrição)
20. Que o arguido com os "posts” colocados na sua página da rede social do "Facebook' pretendeu denegrir a imagem do Assistente, atingir o bom-nome de todos os colaboradores e dos responsáveis pela Direção e Gestão da C….
21. Que o arguido pretendeu afetar a credibilidade da Assistente, com a manifesta intenção de criar problemas internos na gestão desta entidade, nomeadamente, na relação que mantém com os trabalhadores que tem ao seu serviço, os quais foram antigos colegas de trabalho do arguido.
22. Que tal constitui manifesta atitude que se adivinha de vingança pelo facto de, num ato de mera gestão administrativa, a Assistente não lhe ter renovado o respetivo contrato de trabalho.
23. Que os Centros explorados em parceria com o Ministério da Justiça pela aqui Assistente, designadamente o da Madeira, não foi objeto de análise no relatório de 2011.
24. Que o arguido agiu(aram) voluntária, livre e conscientemente.
25. Que Sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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A matéria de facto encontra-se motivada nos seguintes termos: (transcrição)
Para formar a convicção, o tribunal baseou-se na análise critica, conjugada e ponderada da prova produzida em audiência de julgamento, apreciando-a à luz das regras da livre apreciação e da livre experiência (nos termos do art. 127° do Código de Processo Penal):
O tribunal atendeu, desde logo, ao contrato de trabalho de fls. 25, respetivo aditamento de fls. 30, certidão, de fls. 35 a 37, doc. de fls. 40, certidão de fls. 66 a 69, relatório de Janeiro de 2011, fls. 216 a 233, cópia do DR, I serie, de 24/10/2011 (designação de representantes para a comissão de fiscalização dos Centros Educativos), fls. 234, cópia de notícia do M…, de 17/11/2010, fls. 235, CRC de fls. 297, Depoimento escrito de fls. 373 (309), relatório de fls. 387, cujo valor probatório não foi posto em causa na audiência de julgamento. Assim, para além da própria natureza autêntica de alguns deles, como sejam as certidões, também o seu conteúdo, a factualidade ai vertida, não foi posta em causa.
O legal representante da Assistente N… confirmou a versão que consta da acusação, por si trazida, explicitando que teve conhecimento do "post' colocado pelo arguido através de funcionários do L… de vila do Conde, no dia 9/2/2012, onde aquele punha em causa o funcionamento deste Centro, apesar do mesmo não ter sido incluído no relatório elaborado pela Comissão de Fiscalização de 2011, mas sim o da Madeira, o qual é, porém, exceção em relação aos aspetos negativos dali constantes, como desse relatório se pode constatar.
Fez, ainda, notar a perturbação que o arguido provocou com as referidas afirmações, atenta a alusão à má qualidade dos serviços prestados pelos Centros onde estavam inseridos, o que se refletiu nos seus funcionários, embora tenha confirmado que após os factos foi renovado o contrato com a C….
Por outro lado, a tese do representante legal do assistente foi corroborada pelos depoimentos das testemunhas por si arroladas, I…, J… e K…, respetivamente, coordenador e técnicos superiores do L…, Vila do Conde, que demonstraram conhecimento do "post' e disseram que ficaram preocupados no que respeita ao impacto e às consequências do mesmo, concluindo a 1.a que desconhece se as criticas eram dirigidas apenas aos Centros ou se também ao Estado. Acrescentaram que ficaram apreensivos porque fizeram a associação da noticia à visita de que haviam sido alvo recentemente no L… e pensaram que se tratava já do resultado da mesma, salientado a J… que depois de ter acedido à noticia percebeu que não era relativa àquele colégio.
Sustentaram, ainda, que havia refeições quentes à noite desde que fossem solicitadas à testemunha I… o qual, por sua vez, se articulava com a cozinha, as quais ficavam acondicionadas em recipientes próprios, devidamente regulamentados, o que foi contrariado pelo arguido, que disse que no período em que lá trabalhou nunca lhe foi dada essa opção, sendo que fazia o turno da noite, versão corroborada pelas testemunhas O… e P…. Por sua vez, a testemunha J… salientou que desconhecia se o arguido tinha conhecimento dessa opção. Por fim, a 1a testemunha confirmou que o termo do contrato do arguido com o C…, que exerceu funções no L… nos anos de 2010 e 2011, foi pacífico.
No que respeita ao conteúdo do relatório, as testemunhas G… e H…, respetivamente, Representantes da Assembleia da República e do Governo, explicitaram que no contacto que fizeram com os elementos da Direção do Centro Educativo da Madeira (dotado de óptimas instalações físicas e muito limpo) não falavam, na sua maioria, português mas sim castelhano, sendo que os jovens não o tinham de fazer, e que a disciplina era asfixiante, com pouca flexibilidade, dado que estavam permanentemente vigiados e acompanhados, contrariamente a outros que visitaram, o que foi evidenciado no respetivo relatório como um ponto negativo. A 1a salientou não ter memória de terem sido abordadas outras considerações genéricas quanto ao colégio da Madeira. Esclareceu, no entanto, que as anotações genéricas relativas à falta de médicos nos Centros Educativos (Saúde Mental) e as roupas, que eram pessoais (circulavam de uns para outros) e as queixas de alimentação, quer na quantidade quer na variedade, refletem a visão global com que ficaram, sendo extensivos a todos os que visitaram, dado que nessa parte não foi ressalvado nenhum em especial. Disse, ainda, que as visitas aos Centros Educativos visavam o contacto com os responsáveis dos mesmos, com os educandos e para conhecer as instalações no sentido de apurar se efetivamente estava a ser cumprida a lei no que respeita às regras definidas para o seu funcionamento e não tanto quanto ao cumprimento dos respetivos contratos por parte das entidades gestoras dos mesmos. Donde, as observações plasmadas no relatório são o resultado da perceção das visitas aos respetivos centros, cujos registos constituem o que de mais relevante os impressionaram, constituindo alertas para as entidades públicas, quanto ao cumprimento das condições de acolhimento, designadamente o acesso à saúde, à formação educacional e profissional, etc.,
Já a testemunha Q… evidenciou que o Colégio da Madeira funcionava muito bem, concluindo, assim, que o relatório tem de ser visto no seu todo, e não como se fez na noticia do M…, que constitui uma espécie de radicalização mediática/ técnica jornalística.
Atendeu-se, ainda, ao depoimento escrito, nos termos do art. 139.°, n. 1, do CPP e 624.°, n2, do CPC, da testemunha S…, como consta de fls. 373 a 376.
A testemunha X… disse desconhecer o teor do mencionado relatório, o mesmo acontecendo com a testemunha T….
O arguido B… confirmou ter trabalhado no L…, ser um utilizador das redes sociais e a autoria do texto que publicou no seu mural que consistiu num mero comentário à noticia que havia sido foi publicada no M…, de 17/11/2010, relativa ao relatório da Comissão de Fiscalização dos Centros Educativos, de 2011, com link para essa noticia e mais tarde para o próprio relatório, não tendo dúvidas que o mesmo visa um dos colégios da C…, o da Madeira. Acrescentou que, de uma forma geral, as críticas apontadas nesse relatório são extensivas a todos os colégios visitados, com exceção da menção ao facto de não se falar português mas espanhol, que é dirigida ao colégio da Madeira.
No que respeita à carta que lhe foi dirigida pela C…, esclareceu que a sua publicação teve como objetivo alertar amigos e conhecidos que trabalhavam em Centros Educativos, porque na altura não lhe estavam a ser pagos os valores relativos a horas extraordinárias, o que veio a suceder posteriormente à publicação. Quanto às refeições quentes, teve necessidade de "postar' essa informação, por corresponder à verdade, uma vez que nunca lhe foi dada essa opção e porque não lhe queriam pagar o subsídio de refeição correspondente.
Neste mesmo sentido depuseram as testemunhas O… e P…, colegas do arguido" no L…, que "nessa altura se cruzavam com este na passagem de turno, e asseguraram que no período compreendido entre Outubro de 2010 e Fevereiro de 2011, não havia refeições quentes, esclarecendo a 1a que nem nunca lhe foram dadas diretivas para deixar tais refeições para o turno da noite, mas apenas "lanche', acrescentando a 2a que essa questão era recorrentemente tratada na reunião com os espanhóis, onde ficou assente que no turno da noite havia apenas reforço, versus "lanche'. Confrontado o O… com o depoimento do simão marques, que referiu exatamente o contrário, esclareceu que este foi substituí-lo, donde desconhece se desde então foi dada essa possibilidade. No que tange ao pagamento das horas extraordinárias, a P… foi clara em afirmar que nunca foram pagas.
As testemunhas U… e V…, amigos do arguido, demonstram conhecimento quanto ao "post' publicado pelo amigo.
Poderíamos afirmar que as pessoas atrás indicadas, quer o representante do C… quer os seus funcionários, quer as testemunhas de defesa, amigos do arguido, têm interesses convergentes na decisão da causa, respetivamente, quanto àquela entidade e quanto ao arguido, ou seja, no sentido da condenação e da absolvição. Na verdade, nenhuma das versões, por essa circunstância, tolda ou invalida a outra, posto que prestaram declarações lógicas, espontâneas, coerentes e por isso convincentes, com exceção da opção das refeições quentes. As declarações das referidas representantes foram plenamente concordantes nos aspetos essenciais do objeto da causa, não revelando, porém, preparação das respostas ou qualquer inimizade pessoal em relação ao arguido ou quanto ao C….
Com efeito, o arguido, embora conferisse, conotação diversa da sustentada na acusação, reconheceu que adjetivou como 'arrasador' o resultado do relatório da Comissão de Fiscalização quanto ao colégio C…. De resto, das suas declarações apurou-se que quanto às demais informações, designadamente a carta que publicou visava informar todos quantos trabalhavam nos colégios.
Das declarações do representantes da C…, atendível nos termos do art. demandante art.° 145°, n° 1, do CPP, e dos depoimentos das testemunhas por si arroladas resultou que após o conhecimento da publicação ficaram convencidos que tal também era extensível ao L…, com exceção da testemunha J…, e que tal poderia vir a prejudicá-lo, o que, porém, não se provou relativamente a nenhum dos colégios C…, tendo inclusive sido renovado o contrato com tal entidade no ano seguinte. Também não se demonstrou que outras pessoas, que não os funcionários do L…, aqui testemunhas, e os amigos do arguido, tivessem lido o "post' publicado pelo arguido e que em resultado disso tivessem ficado convencidos dos maus serviços prestados por este. No entanto, ainda que muitas das pessoas o tivessem lido não é seguro que desde logo ficassem mal impressionados com os colégios da C…, quer porque os que os conheciam tinham opinião diversa, quer porque poderiam não dar crédito a um mero "post' publicado no facebook quer porque sempre poderiam, os mais interessados em tal matéria, consultar o teor do respetivo relatório onde, porém, iriam deparar com a crítica ao da Madeira, por se aí se falar castelhano.
Por fim, teremos de concluir que, efetivamente, embora na notícia do M… publicada, versão digital de 13/2/2011, junta a fls. 37, não se faça menção ao Assistente C… mas tão só ao facto de num deles os vigilantes não falarem português mas castelhano, o certo é que o teor integral da notícia original publicada no M…, já em 17/11/2010, fls. 206, vai muito para além das conclusões do próprio relatório da Comissão de Fiscalização ao referir taxativamente que "Na Madeira e em Vila do Conde fala-se quase exclusivamente castelhano no centros educativos (...)', pondo a tónica, no essencial, no facto da gestão ter sido entregue a espanhóis no âmbito do concurso público e internacional, levado a efeito quando, na verdade, o de Vila de Conde não foi incluído nas visitas. Aliás, a notícia da gestão pelo Assistente do L… de vila do Conde foi noticiado no expresso, cfr. resulta de fls. 40. Assim, contrariamente ao referido pelas testemunhas quanto ao facto da notícia, original, do M… não lhes ter causado quaisquer incómodos porque não incluía o L…, não corresponde à verdade, como se constata de fls. 206.
Por outro, não resultou de nenhum depoimento prestado em julgamento que o demandante tenha tido qualquer tipo de prejuízos em resultado do "post' do arguido.
No que tange às condições pessoais e sócio-económicas do arguido, o Tribunal atendeu às suas declarações, as quais, no essencial, se afiguraram sérias e objetivas.
*
Do enquadramento jurídico-penal:
A COMISSÃO DE UM CRIME DE OFENSA A PESSOA COLECTIVA, ORGANISMO OU SERVIÇO – ART. 187º, n 1, DO COD. PENAL.
Ao arguido vem imputada a prática de um delito atentatório da honra.
Segundo o art. 187.° do C.P.: "Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a pessoa coletiva, instituição, corporação, organismo ou serviço que exerça autoridade pública, é punido (...)'.
O crime em análise é doloso, embora compatível com qualquer modalidade do dolo (direto, necessário ou eventual), nos termos do disposto nos artigos 13° e 14°, n°s 1, 2 e 3, do Código Penal.
Para o efeito, para a verificação dos crimes em análise basta o dolo genérico, não se exigindo, assim, um especial propósito, "o animus diffamnadi vel injuriandi”.
O âmbito de aplicação desta disposição legal não é coincidente com o dos delitos de difamação e injúria, previstos e punidos pelos artigos 180°, n° 1, e 181°, n° 1, do Código Penal.
Donde, no que tange a pessoas coletivas, instituições, corporações, organismos ou serviços, existe crime quando alguém afirme ou propale factos inverídicos sem ter razões para em boa fé os reputar verdadeiros, e não sempre que se essas afirmações representem a atribuição de factos ou a formulação de juízos em abstrato ofensivos da honra ou consideração da pessoa coletiva em causa.
Sufragamos a tese segundo a qual também as pessoas coletivas que não exerçam a autoridade pública podem ser sujeitos passivos deste crime, designadamente porque o art.° 188°, n° 1, al. b), ressalva da natureza particular os crimes de ofensa a pessoa coletiva, organismo ou serviço quando o ofendido exerça autoridade pública.
Donde, assim sendo, se se exigem diferentes condições objetivas de punibilidade, concluímos que tal é porque se admite que o ofendido nuns casos exerça autoridade pública (será certamente o caso, por exemplo, de institutos públicos dotados de ius imperii, de direções e departamentos estaduais, de ministérios e secretarias de estado, de municípios e regiões, etc.) e noutros não a exerça (como sucede, a titulo de exemplo, com as associações, as fundações e as sociedades comerciais).
A corroborar o que se vem de dizer existe um outro argumento interpretativo nesse mesmo sentido, como se constata da Exposição de Motivos da Lei de Alteração do Código Penal, elaborada no âmbito dos Trabalhos da Unidade de Missão para a Reforma Penal, criada pela Resolução do Conselho de Ministros n° 113/2005, de 29 de Julho, onde ficou consignado, expressamente, que: “No âmbito dos crimes contra a honra, é introduzida apenas uma alteração, na descrição típica da ofensa a pessoa coletiva, organismo ou serviço. Distingue-se entre pessoa coletiva, instituição ou corporação, por um lado, e organismo ou serviço, por outro, apenas se exigindo quanto a estes últimos o exercício de autoridade pública. Superam-se, assim, divergências sobre o âmbito da norma e reconhece-se que todas as pessoas coletivas podem ser atingidas na sua credibilidade e merecem idêntica tutela [1]'.
A ser assim, propendemos a considerar que, então, o próprio legislador reconhece dúvidas e divergências, antevendo-se a introdução de uma alteração legislativa no texto da lei de pendor interpretativo e não inovador.
Verificamos, assim, que o atual art.° 187°, n° 1, do Código Penal, com a reforma introduzida no âmbito da Lei n° 59/2007, de 4 de Setembro, acolheu a nosso ver essa tese. Com efeito, a redacção do aludido preceito passou a referir-se, como sujeito passivo deste crime, "a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação', ficando, assim, claro que a intenção do legislador é a de exigir o exercício da autoridade pública para a verificação deste crime apenas em relação a organismo ou serviço.
Neste sentido já se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, em acórdãos de 15/10/2007 e 6/12/2006[2].
Importa, ainda, salientar que apenas a conduta que consista em "afirmar ou propalar factos inverídicos' - e já não também juízos de valor, críticas abstratas ou valorações - cabe neste preceito legal.
O crime imputado é agravado, designadamente e no que ora interessa, quando a ofensa seja praticada em circunstâncias que facilitem a sua divulgação, nos termos do art° 183°, n° 1, al. a), neste sede aplicável ex vi art° 187°, n° 2, al. a), do Código Penal.
Revertendo agora ao caso dos autos:
Ficou provado que nas circunstâncias de espaço e tempo descritas na acusação, o arguido no dia 8 de Fevereiro de 2012, publicou um ‘post' na rede social, na sua página pessoal do facebook com o seguinte teor: ‘Relatório da Comissão Fiscalizadora dos Centros Educativos', designado pela Assembleia da República que tem como representantes efetivas a Dra. D… (co-responsável pela criação da lei tutelar educativa em Portugal) e a Dra, E…, “foi arrasador para os Centros da C…!!!”
Posteriormente, em 22/3/2012, em comentário ao teor de uma carta que havia recebido do C…, escreveu: “Vejam ao que chega a pouca vergonha da mentira!!!! Isto é tão mais grave ou não estivéssemos a falar de uma entidade que está responsável pelos nossos jovens em centros educativos ao abrigo da Lei Tutelar Educativa... Mas que exemplo tão nobre está a ser dado como devemos viver em sociedade, com LEALDADE, HONESTIDADE, IDONEIDADE e PRINCÍPIOS ÉTICOS e MORAIS... Malta e colegas que continuam a trabalhar fiquem a saber que todos vocês podem receber as horas de formação em falta. Em especial para o turno da noite, estão em falta com centenas de horas noturnas não pagas a todos vocês!!!!! M de C… e de Mentira... Que triste País este em que vivemos!!!"
Ora, vejamos: Não obstante o supra mencionado, certo é que em termos rigorosos os únicos factos que imputou ao C…, ainda que de forma indireta, como se extrai da conjugação entre o sublinhado na carta que recebeu e os comentários feitos, foi a circunstância de não pagarem as horas extraordinárias (como demonstrou o arguido) e não disponibilizarem refeições quentes aos funcionários do turno da noite, contrariamente ao que afirmavam, circunstancia que se veio a demonstrar como verídica, como resulta dos depoimentos das testemunhas O… e P…, e do que o Tribunal se convenceu. Ou seja, no período em que estas testemunhas trabalharam no L…, sensivelmente coincidente com o mesmo período do arguido, não foram fornecidas refeições quentes, e desconheciam da existência de tal possibilidade.
Assim, nessa parte, ainda que a conduta do arguido fosse subsumível à previsão típica do art.° 187°, n° 1, do Código Penal, sempre estaria justificada, com a prova da verdade da imputação ou tiver tido fundamento serio para, em boa fé, a reputar de verdadeiros.
Resta, assim, a afirmação quanto à conclusão do relatório da Comissão de Fiscalização: ‘foi arrasador para os Centros da C…'.
Tal afirmação não tem a virtualidade de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança devido ao Assistente. Tal publicação era, de todo, desnecessária. Porém, o Direito Penal não se destina a proteger todos os bens jurídicos, nem todos os bens jurídicos de todas as formas, conferindo, ao invés, uma tutela fragmentária aos valores que protege. Daí que não seja qualquer afirmação de factos (mesmo inverídicos) que se enquadra no tipo objetivo do ilícito a que vimos aludindo. Ora, dizer-se que o Relatório da Comissão Fiscalizadora dos Centros Educativos “foi arrasador para os Centros da C…' não constitui uma afirmação que ofenda a credibilidade, o prestígio ou a confiança do Assistente.
A prolação dessa afirmação, bem vistas as coisas, não constitui qualquer facto, expressa, sim, um juízo de valor, uma mera adjetivação, que não se enquadra no tipo legal de crime a que vimos aludindo. O art.° 187°, n° 1, do Código Penal, o qual incrimina apenas a conduta que consiste em "afirmar ou propalar factos", ficando por isso arredada da previsão legal a expressão de juízos de valor. A verdade é que tal expressão “arrasador” se reconduz a juízos valorativos atípicos perante o preceito incriminador a que vimos aludindo, sendo certo que em Direito Penal vale com rigor o princípio da tipicidade, corolário da legalidade estrita, sendo proibida a analogia, tudo nos termos do disposto no art. 1º, n°s 1 e 2, do Código Penal.
Nesta sequência, e a propósito do caso em análise, no entendimento que seguimos, como supra se assinalou, pode ver-se a anotação ao art.° 187°, do CP, feita por FARIA COSTA, no Comentário Conimbricense do Código Penal[3], onde se lê o seguinte: “A idoneidade ou capacidade de violação da credibilidade, prestígio ou confiança mede-se por um parâmetro que se apoie na compreensão que um normal e diligente homem comum tenha da problemática. Daí que as afirmações “a polícia é uma choldra» ou «é uma corporação de deficientes e incapazes» não sejam expressões factuais mas antes valorações. O que implica que, a preencherem tais proposições uma factualidade, em caso algum pudesse ser a da norma que se estuda. No entanto, se se afirmar que na esquadra as pessoas detidas são espancadas e que lá dentro se passam coisas pouco edificantes com prostitutas, é evidente que tais factos, se inverídicos, afetam a credibilidade, o prestígio e a confiança na Polícia'.
Porém, nos crimes de difamação e de injúria, tanto a afirmação de factos como a formulação de juízos já é objeto de punição legal.
Diversamente, no crime de ofensa a pessoa coletiva, só a afirmação de factos pode sustentar a responsabilização criminal, tudo sem prejuízo, naturalmente, da eventual emergência de responsabilidade civil por ato ilícito, verificados que sejam os respetivos pressupostos, o que in casu, como infra se assinalará, também não se verificaram.
Em face do exposto, atentas as razões que vêm apontadas, deve o arguido ser absolvido do tipo de crime de que vem acusado.
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Pedido de indmnização civil.
O assistente C… deduziu pedido de indemnização civil contra a(s) demandado (a/s) B…, pedindo a sua condenação na quantia de €15.000, fls. 125 a 131.
No âmbito do processo penal, o pedido de indemnização civil nele deduzido é regulado pela lei civil - cfr. os arts. 129.° do Cód. Pen. e 71.° e segs. do Cód. Proc. Pen.. Como diz o Prof. Germano Marques da Silva[4], “o pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado'.
E para existir responsabilidade civil do agente, têm que estar preenchidos os pressupostos contidos no art° 483°, n° 1 do C. Civil, a saber: o facto voluntário do responsável; a ilicitude; a culpa; o dano. A estes quatro pressupostos deve, no entanto, ser acrescentado um quinto: a existência de um nexo de causalidade adequada - cfr. art. 563.º do C.C..
Atentos os factos dados por não provados, concluiu-se pela falta do pressuposto da ilicitude dos factos praticados pelo(a) arguido(a), falece a obrigação de indemnizar, impondo-se, a absolvição do(s) Demandado(s) quanto ao pedido cível.
Deve, pois, o Pedido de Indemnização Civil improceder.
(…)»
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III – O DIREITO
As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes:
- a de saber se a prova produzida permite afirmar que se verificou a prática, pelo arguido, dos crimes de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. p. pelos artigos 187º, nºs 1 e 2, a) e 183º, nº 1, a) e b), e nº 2, do Código Penal, por que vinha acusado, e designadamente que este pretendeu denegrir a imagem da assistente e atingir o bom nome de todos os seus dirigentes e colaboradores, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
-saber se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil que justificam a condenação do arguido e demandado no pagamento da quantia pedida pela assistente e demandante a título de indemnização de danos, designadamente por a sua conduta ter causado a esta prejuízos relativos à sua credibilidade e bom nome.
Estatui o artigo 187º, nº 1, do Código Penal: «Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofenderem a credibilidade, o prestigio ou a confiança que sejam devidos a pessoa colectiva, instituição, corporação, organismo ou serviço que exerça autoridade pública, é punido…».
Como bem se refere na douta sentença recorrida, integra o tipo de crime em apreço apenas a afirmação ou propalação de factos inverídicos e ofensivos e não (ao contrário do que se verifica com os crimes de difamação, p. e p. pelo artigo 180º do Código Penal, e de injúria, p. e p. pelo artigo 181º do mesmo Código) a formulação de juízos ofensivos.
Um facto insere-se num tempo e espaço precisos, configura um dado real da experiência, tem uma existência incontestável. Um juízo está sujeito a discussão.
Estamos perante um crime de perigo: basta que os factos em questão sejam capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança do visado, mesmo que essa credibilidade, esse prestígio, ou essa confiança não tenham sido efetivamente atingidos.
Um dos crimes em apreço diz respeito à carta a que se faz referência nos pontos 10 a 12 do elenco dos factos provados constante da douta sentença recorrida e às expressões também aí descritas.
Destas expressões, há que distinguir o que são comentários (eventualmente injuriosos ou injustos), que não relevam (pelas razões que indicámos) para o efeito da qualificação como crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º, nº 1, do Código Penal, do que é imputação de factos. Como bem se refere na douta sentença recorrida, nessa carta os únicos factos que o arguido imputou à assistente foram o não pagamento de horas extraordinárias e o não fornecimento de refeições quentes aos empregados do turno da noite.
Importará saber, então, se estes factos são, ou não, verdadeiros.
Essa veracidade foi afirmada não só pelo arguido, mas também pelas testemunhas O… e P…, que trabalharam num dos centros da assistente sensivelmente no mesmo período em que trabalhou o arguido e que o Tribunal a quo considerou credíveis.
Ora, como vem sendo recorrentemente afirmado pela jurisprudência, o juízo de credibilidade formulado pelo tribunal de primeira instância baseado em factores que dependem da imediação e em motivos razoáveis não pode ser posto em causa pelo tribunal de segunda instância (privado dessa imediação).
Por outro lado, a assistente não chega a afirmar que esses factos são falsos, mas apenas (invocando também declarações nesse sentido de outras testemunhas) que esses factos não eram problemas e foram debatidos e resolvidos com os trabalhadores. Ou seja: não contesta a imputação e a verdade desses factos, mas os comentários e juízos que a esse propósito são formulados pelo arguido.
Portanto, e quanto a este aspeto, não se verifica a imputação de factos inverídicos, pelo que não é merecedora de reparo a absolvição do arguido do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º do Código Penal.
Vejamos, então se se verifica a prática desse crime quanto aos factos descritos nos pontos 6 a 9 do elenco dos factos provados constante da douta sentença recorrida, e que são os seguintes:
«6. No dia 8 de Fevereiro de 2012 o arguido publicou um ‘post' na rede social, na sua página pessoal do facebook com o seguinte teor: ‘Relatório da Comissão Fiscalizadora dos Centros Educativos', designado pela Assembleia da República que tem como representantes efetivas a Dra. D… (co-responsável pela criação da lei tutelar educativa em Portugal) e a Dra. E…, foi arrasador para os Centros da C…!!! Torna-se urgente uma autoavaliação do ‘modus Operandi' dos referidos Centros Educativos, seus princípios, suas prioridades, seus valores e suas chefias...'.
7. Na mesma página, o arguido publicou um link com ligação à notícia do F…', de 13 de Fevereiro de 2011, que na sua versão digital, dizia o seguinte: "A comissão que fiscalizou os centros educativos para jovens delinquentes é implacável nas conclusões a que chegou: ali tudo falha. Não há comunicação com as famílias, não há modelos educativos, não há acompanhamento psíquico... Num dos centros, os vigilantes nem falam português. No relatório, a que o F… teve" acesso", conclui-se que praticamente não existe qualquer hipótese de reintegração social desses adolescentes perigosos. Leia todos os pormenores no e-paper do F…'.
8. O relatório citado, de 2011, teve por objeto a análise do desempenho dos Centros Educativos ao longo do ano de 2010, onde se inclua, apenas, um dos Colégios do C…, o da Madeira.
9. A notícia digital do jornal "F…', colocada na Internet, não faz qualquer referência à Assistente.»
A douta sentença recorrida considerou que a propalação desta afirmação não constitui a imputação de um facto, mas um juízo de valor e uma adjetivação, pelo que não estará verificada a prática do crime em apreço.
Afigura-se-nos que não assiste razão à douta sentença recorrida quanto a este aspeto.
O que está em causa não é um juízo formulado pelo arguido a respeito do funcionamento dos centros educativos da assistente, mas a existência de um relatório de uma comissão de fiscalização cujo conteúdo seria “arrasador” para com esses centros. A existência desse relatório e o seu conteúdo são um facto, não um juízo.
Antes de mais, convirá esclarecer que a expressão “arrasador” terá, no contexto em causa, o significado inequívoco de “profundamente negativo”. Ou seja: seria profundamente negativa a avaliação dos centros da assistente constante do relatório em apreço.
Vejamos, então, se esse facto (o facto de o conteúdo do relatório em causa conter uma avaliação profundamente negativa do funcionamento dos centros da assistente) é, ou não, verdadeiro.
Alegam os recorrentes que não: porque o relatório só diz respeito a um dos centros da assistente (o do W…, e não o de L…, que na altura ainda não estava em funcionamento) e não contém a seu respeito uma avaliação profundamente negativa (contendo mesmo elogios).
Debrucemo-nos, então, sobre o conteúdo desse relatório, cuja cópia está junta a fls. 216 a 233.
Na verdade, esse relatório diz respeito ao funcionamento de vários centros educativos, não abrange o funcionamento do centro da assistente de L… (Vila do Conde) e abrange o funcionamento do centro da assistente do W….
Quanto a este centro, afirma-se nesse relatório (a pg. 17) o seguinte:
«Não é possível a partir da visita ao CE da Madeira e ao pouco tempo de funcionamento da experiência ter uma perceção abrangente e fundamentada do modelo prosseguido. No entanto, não pode deixar de se referir: que a vigilância extremamente apertada inspira a sensação de se estar num regime porventura com excesso de contenção e que se considera inaceitável que os técnicos que trabalham com os jovens não falem português, mas castelhano.»
Ao longo do relatório, encontram-se outras alusões a esse centro: a propósito da escassez da variedade de ofertas de formação profissional de âmbito não manual, alude-se ao facto de esse centro dispor também de formação como técnico de imagem e fotografia e de culinária (a pg. 7); a propósito da atividade física limitada à prática do futebol, alude-se ao facto de essa atividade ser nesse centro reforçada com atividades físicas diárias e excecionando as raparigas (a pg. 8); a propósito da inexistência de apoio no regresso à comunidade, alude-se ao facto de isso não se verificar nesse centro (a pgs. 9 e 14); a propósito da inadequação das instalações, alude-se ao facto de isso não se verificar nesse centro (a pg. 10); a propósito do excesso de quartos especiais de contenção, alude-se ao facto de nesse centro se propor que a contenção seja feita no quarto normal (a pg. 10).
Pode, assim, concluir-se que o relatório em apreço aponta qualidade e defeitos ao funcionamento do centro da assistente do W…, concluindo que, dado o pouco tempo de funcionamento da experiência, não era, na altura, possível ter uma perceção abrangente e fundamentada desse funcionamento.
Não podemos, assim, afirmar que o relatório é “arrasador” (no sentido de que faz uma avaliação profundamente negativa) quanto ao funcionamento do centro educativo da assistente do W…. Dizer que o é, não é apenas um exagero ou uma falta de rigor, mas uma afirmação inverídica.
E também é inverídico afirmar, ou dar a entender, que o relatório dizia respeito a todos os centro educativos da assistente.
Acresce que a remissão para a notícia publicada no “F…” acima referida, em conjugação com o comentário do arguido, dá a entender que eram aplicáveis aos centros da assistente todas as críticas ao funcionamento dos centros educativos constantes desse relatório e, reflexamente, constantes da versão que desse relatório dá tal notícia (esta manifestamente exagerada).
Assim, pode dizer-se que estão verificados os elementos objetivos do tipo de crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º do Código Penal. O arguido afirmou e propalou factos inverídicos relativos ao funcionamento dos centros educativos da assistente, sendo esses factos capazes de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança que lhes são devidos. E, conhecendo ele o teor desse relatório (como ele próprio reconheceu), não tinha fundamento sério para, em boa fé, reputar esses factos como verdadeiros.
Conhecendo o arguido o teor desse relatório, como ele próprio reconheceu em audiência (ver as suas declarações gravadas ao min. 11.43 da primeira parte do seu depoimento e o min. 02.02 da segunda parte do mesmo), deve concluir-se que conhecia a falsidade da imputação que fez, que agiu voluntária e conscientemente, que sabia que a sua conduta era ilícita e punível, e que agiu com intenção de denegrir a imagem, bom nome e credibilidade da assistente. Agiu, pois, com dolo direto (artigo 14º, nº 1, do Código Penal).
Deve, assim, considerar-se provado, além dos factos descritos nos pontos 1 a 9 e 13 a 19 do elenco dos factos provados constante da douta sentença recorrida, que o relatório aí referido tem o conteúdo que consta de fls 216 a 233, que o arguido conhecia esse conteúdo e que este agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e querendo denegrir a imagem, credibilidade e bom nome da assistente.
Uma vez que o arguido sabia que os factos em questão não eram verdadeiros, verifica-se a circunstância agravante a que se reportam os artigos 187º, nº 2, a), e 183º, nº 1, b), do Código Penal.
Verifica-se, também, a circunstância agravante a que se reporta o nº 2 deste artigo 183º (e que, neste caso, consome e prevista na alínea b) do nº 1 deste artigo). Na verdade, o crime foi cometido através de meio de comunicação social.
Na definição deste conceito de “meio de comunicação social”, e segundo José de Faria Costa (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, tomo I, Coimbra Editora, 1999, § 8 da anotação ao artigo 183º, pgs. 641 e 642), há que considerar «o valor de uso – ao nível da esfera do leigo – que uma tal expressão adquire no seio da comunidade jurídica em que se emprega ou utiliza», sendo que a comunicação social se realiza «na pluralidade de meios que, em determinado momento histórico, a comunidade é capaz de fornecer para a difusão dos diferentes fluxos informacionais e que visa, tem por específica finalidade, atingir com essa informação um conjunto alargado ou maciço de pessoas».
Ora, uma vez que, como consta da douta sentença recorrida, as informações em apreço eram acessíveis a quem quer que acedesse à página de “facebook” do arguido (e não apenas aos que fizesse parte do seu grupo de “amigos”), estamos perante um “meio de comunicação social”, que visa, pois, atingir um conjunto alargado de pessoas.
Assim, o arguido deverá ser condenado pela prática (relativa aos factos descritos nos pontos 1 a 9 e 13 a 19 do elenco dos factos provados constante da douta sentença recorrida, em conjugação com os que agora se acrescentam) de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelos artigos 187º, nºs 1 e 2, a),, e 183º, nº 1, b), e nº 2, do Código Penal.
Os recursos deverão, pois, proceder quanto a este aspeto.
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Face à imputação ao arguido de um dos crimes que lhe eram imputados na acusação, impõe-se a aplicação da respetiva sanção.
Coloca-se, porém, a questão de saber se a determinação da pena relativa a crime pelo qual o arguido havia sido absolvido na 1ªinstância deverá ser proferida por este Tribunal de recurso ou antes pela 1ª instância.
A jurisprudência está dividida sobre tal questão: a posição tradicional aplica a pena correspondente ao crime que dá como praticado, sem audição prévia do arguido[5]; outra, remete os autos à 1ª instância para determinação da sanção[6], argumentando, no essencial, que só assim se pode cumprir o princípio do duplo grau de jurisdição acolhido no artº. 32º nº 1 da CRP; e uma outra, ainda, que procede à realização de audiência no Tribunal da Relação e aplica a pena ao crime praticado[7].
Sensíveis embora aos argumentos aduzidos nas duas últimas posições, sufragamos a primeira posição, por entendermos que a aplicação da pena por este Tribunal, para além de imperativo jurídico-processual, em nada contende com o direito de defesa e de recurso do arguido.
Com efeito, o artº 32º nº 1 da CRP, ao assegurar todas as garantias de defesa ao arguido, incluindo o recurso, impõe que o sistema processual penal deve prever a organização de um modelo de impugnação das decisões penais que possibilite, de modo efetivo, a reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e sobre a medida da pena. Os fundamentos do direito ao recurso, que entroncam na garantia do duplo grau de jurisdição, são: a redução do risco de erro judiciário, a apreciação da decisão recorrida por um tribunal superior e a possibilidade de, perante este, a defesa apresentar de novo a sua visão sobre os factos ou sobre o direito.
No caso, de recurso interposto pelo Mº Público ou pelo assistente de decisão final absolutória, o arguido pôde intervir como recorrido no recurso contraditando a argumentação do recorrente, respondendo ao parecer em cumprimento do artº 417º nº 2 do CPP, influenciando de forma ativa a decisão a proferir. Por isso, o acórdão proferido em 2ª instância consubstancia o duplo grau de jurisdição consagrado no citado artº 32º nº 1 da CRP.
Como bem se realça no Ac. desta Relação de 13.10.2010 (Des. Ernesto Nascimento) só assim não será «se se entender que, como o arguido foi absolvido em 1ª instância, o direito ao recurso implica a possibilidade de que em caso de condenação, apenas na 2ª instância, (em via de recurso, recorde-se), o arguido pudesse, agora, recorrer desta decisão condenatória (por ser a primeira). Este entendimento encara o direito ao recurso desligado dos seus apontados fundamentos substanciais e levaria, mesmo em rigor, ao inaceitável resultado de ter que ser admitido recurso do acórdão condenatório do STJ, na sequência de recurso interposto de decisão da Relação que confirmasse a absolvição da 1ª instância – o que cremos, ninguém defenderá. O direito ao recurso em processo penal tem que ser entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição, e não perspetivado como uma faculdade de recorrer - sempre e em qualquer caso - da 1ª decisão condenatória, ainda que proferida em via de recurso. Estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Este entendimento não colide com o estatuído no artigo 32º/1 da Constituição da República, pois que a apreciação do caso por 2 tribunais de grau distinto, é de molde a tutelar de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.
De resto, refira-se que o artigo 2º do protocolo nº. 7 à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República 22/90 de 27.9 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República 51/90 da mesma data, dispõe que: qualquer pessoa declarada culpada de uma infração penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados por lei; este direito pode ser objeto de exceções em relação a infrações menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição.
Esta tese foi defendida no Ac. do Tribunal Constitucional 49/03, (relatora Maria dos Prazeres Beleza), que com a devida vénia vimos seguindo de perto, com transcrição».
Por outro lado, sendo a Relação um tribunal de apelação que conhece de facto e de direito, e não um tribunal de revista como sucede com o STJ (que visa apenas o reexame de direito), ao poder de revogação da decisão recorrida pela Relação, acresce o poder rescisório, de substituição da decisão revogada. Isto significa que a Relação, enquanto instância de recurso e atentos os seus amplos poderes de cognição, não pode limitar-se a revogar a decisão recorrida, mandando baixar o processo ao tribunal recorrido para que este profira uma nova decisão. A Relação deve antes proferir uma nova decisão, que passará a substituir a decisão recorrida, só assim não sucedendo se houver obstáculos intransponíveis, porquanto o expediente de reenvio tem sempre um cariz excecional (artº 426º do C.P.P.)[8].
Assim sendo, a decisão proferida pela Relação terá de observar os requisitos previstos no artº 374º do C.P.P., designadamente no seu nº 3, entre os quais, “as disposições legais aplicáveis (al. a) e a decisão condenatória ou absolutória (al. b), cujo incumprimento gera a nulidade da decisão – artº 379º nº 1 do C.P.P.).
Sendo certo que, do ponto de vista jurídico-criminal, a apreciação do mérito da causa para efeitos de sentença, envolve quer a questão da culpabilidade (artº 368º nº 2 do CPP), quer a questão da determinação da sanção (artº 369º), a sanção aplicada é que constitui a eficácia e validade processual e material da decisão e a autonomiza, sobre a qual se pode formar o caso julgado e que lhe confere exequibilidade por ser a decisão do objeto do processo de conteúdo exequível.
Uma decisão penal condenatória não pode ser exequível se não tiver determinado e aplicado a correspondente pena.
Como decidiu o Ac. do STJ de 16.05.2012, Cons. Pires da Graça, disponível em www.dgsi.pt “A Relação conhece de facto e de direito (art. 428º do CPP) devendo por isso subsumir o direito aos factos. O recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão (art. 402.º n.º 1 do CPP). Mesmo que houvesse limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida (art. 403.° n.° 3 do CPP). Se a Relação como tribunal de recurso, ao arrepio dos seus poderes de cognição, não decidir de forma completa o objeto do recurso, podendo e devendo fazê-lo, incorre em omissão de pronúncia geradora de nulidade nos termos do art. 379º n.° 2 do CPP.
Com efeito, se houver apenas recurso em matéria de facto, a Relação conhece do objeto do recurso, e se modificar a matéria de facto, extrai as consequências jurídicas decorrentes; sendo o recurso de facto e de direito, conhece de ambos; sendo o recurso somente de direito, conhece do recurso, sem prejuízo do disposto no artº 410º nºs 2 e 3 do CPP; havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto (nº 8 do artº 414º do CPP), ou seja: a função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é, a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que convocou o tribunal ad quem a um juízo de mérito.
Se o tribunal superior não decidisse de forma completa o objeto do recurso, podendo e devendo fazê-lo, devolvendo a parte incompleta para a 1ª instância decidir, frustraria o caso julgado, porque conduziria à eternização da instância, de forma tautológica, pois a cada decisão da 1ª instância poderia seguir-se recurso, que, (re)apreciado, pelo tribunal superior, poderia de novo decidir em parte, e remeter a outra parte decorrente dessa apreciação à 1ª instância para decisão subsequente, à qual poderia seguir-se novo recurso, e assim sucessivamente”.
O Tribunal de recurso apenas pode fazer uso do reenvio (parcial ou total) nos termos do artº 426º do CPP, pela verificação dos pressupostos ali apontados no seu nº1, ou seja: sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.
Com efeito, como refere J.M. Damião da Cunha[9] “Do ponto de vista do tribunal de recurso – na forma de uma qualquer Revista alargada – a censura faz-se exatamente nestes termos “pela distinção, quanto aos fundamentos, do que é relevante para a questão da culpabilidade e do que é relevante para a questão da determinação da sanção. Mas, podendo esta censura ser realizada segundo esta forma de «semivinculação», tal não significa que seja possível reenviar para novo julgamento toda e qualquer questão sobre a determinação da sanção.”
Poderá proceder ao reenvio, usando as palavras do mesmo Autor[10] “Quando, face a uma questão referente à determinação da sanção, o tribunal de recurso dela não possa decidir ou conhecer (por não ter os critérios para a sua decisão)”.
A inexistência de critérios para decisão, em tribunal de recurso, só pode ser o que se consubstancia em vícios dos previstos na alíneas do nº 2 do artº 410º do CPP - entre os quais o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - que o tribunal não consiga suprir e por isso, fique impossibilitado de decidir a causa.
Fora da situação prevista no artº 426º do CPP, somente em caso de nulidade da decisão recorrida, é que a reapreciação da questão objeto de recurso, pode ou deve de novo ser conhecida pelo tribunal a quo, conforme o âmbito da nulidade, quando exista.
In casu, não padece a decisão recorrida de qualquer nulidade e inexiste carência factual indispensável à decisão no seu todo, já que nos autos foram colhidos os elementos suficientes para se fazer a determinação da medida da pena.
Entendemos, por isso, que se impõe que seja este Tribunal da Relação a proceder à determinação da pena adequada aos factos resultantes da alteração da matéria de facto supra referida.
No sistema jurídico-penal português, em obediência ao artº 40º nº 1 do Cód. Penal, qualquer pena tem como finalidade primária o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime[11]. A pena constitui, portanto, uma reação à infração de uma norma. Daqui resulta que a finalidade da prevenção geral positiva coincide, em grande parte, com a necessidade de reafirmação das normas previstas no ordenamento jurídico. Deste modo, a prevenção geral positiva não pode colocar em causa o mínimo de pena imprescindível à garantia, reclamada pela comunidade, da proteção dos bens jurídicos previstos pelo tipo legal violado pelo agente.
No entanto, impõe o nº 2 do artº 40º do Cód. Penal que a culpa do agente constitua o limite inultrapassável da pena, afigurando-se, igualmente em obediência aos ditames constitucionais, como “conditio sine qua non” da sua aplicação.
Assim, dentro do limite máximo permitido pela culpa, deve o aplicador do direito criar uma moldura definida, no seu limite superior, pelo ponto óptimo da tutela dos bens jurídicos e, no ponto inferior, pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
Dentro desta moldura, a escolha e a medida da pena serão fixadas em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa ou de intimidação.
Cumpre assim proceder à determinação do tipo de pena a aplicar ao arguido, posto que o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva agravado p. e p. nos artºs. 187º nºs 1 e 2 al. a) e 183º nº 2 do Cód. Penal, é punido com pena de prisão de um mês a dois anos ou com pena de multa de 120 a 240 dias.
Neste ponto, postula o artº 70º do Cód. Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Atenta a natureza do ilícito em causa se, por um lado, as exigências de prevenção geral não são muito elevadas, não é menos certo, por outro, que as exigências de prevenção especial, no caso, têm alguma expressão, pois que, no período compreendido entre Outubro de 2003 e Dezembro de 2009, o arguido sofreu cinco condenações, três delas por crime de condução em estado de embriaguez p. e p. no artº 292º do Cód. Penal, uma por crime de desobediência p. e p. no artº 348º al. b) do Cod. Penal e uma por crime de ameaça p. e p. no artº 153º do Cód. Penal, tendo-lhe sido aplicadas penas de multa nas primeiras quatro condenações e uma pena de 4 meses de prisão suspensa por um ano na condenação reportada a 16.12.2009.
Não obstante as aludidas condenações, atenta a natureza do ilícito agora em apreciação, a preferência pela pena não detentiva prevista na lei, parece-nos ainda a mais adequada à situação em apreço, satisfazendo as necessidades de prevenção especial.
Contudo, a preferência pela pena de multa não pode traduzir-se na descaracterização desta pena como verdadeira sanção criminal, sob pena de se desvalorizarem as finalidades que estiveram na sua génese.
Entende-se, por isso, que se mostra ajustada e proporcional às necessidades de prevenção geral e especial a pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa.
Na determinação do montante diário da multa e tendo em consideração que o mesmo deve ser fixado entre € 5,00 e €500,00 em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (artº 47º nº 2 do Cód. Penal), atendendo a que o arguido é solteiro, encontra-se desempregado, mas vive com os pais, pelo que certamente não suporta quaisquer encargos, entende-se como adequado fixar a taxa diária da multa em € 6,00.
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Importa agora saber se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil que justificam a condenação do arguido e demandado no pagamento da quantia pedida pela assistente e demandante a título de indemnização de danos, designadamente por a sua conduta ter causado a esta prejuízos relativos à sua credibilidade e bom nome.
A douta sentença recorrida afastou a responsabilidade civil do arguido e demandado por não se verificar a ilicitude da sua conduta. Vimos, porém, que essa ilicitude se verifica em relação a alguns dos factos em apreço.
Importa verificar, então, se se verifica outro pressuposto da responsabilidade civil: a existência de danos causados à assistente pela conduta do arguido e demandado.
Como vimos, o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º do Código Penal, por que o arguido é condenado, configura um crime de perigo: basta que os factos em questão sejam capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança do visado, mesmo que essa credibilidade, esse prestígio, ou essa confiança não tenham sido efetivamente atingidos.
Já na análise da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, importa, obviamente, apurar se a conduta do agente produziu, efetivamente, o efeito de abalo da credibilidade, prestígio ou confiança do visado.
No caso em apreço, não pode dizer-se (como poderá suceder noutros casos) que esse efeito é facto notório. Esse efeito dependerá do período de tempo em que esteve acessível o texto em causa, das pessoas que o leram, do crédito que estas lhe deram, tudo tendo em conta as particularidades do meio de comunicação social em questão.
Ora, a esse respeito nada consta no elenco dos factos provados da douta sentença recorrida. E a assistente, demandante e recorrente não invoca provas que imponham decisão diferente (para além da eventual notoriedade dos danos, que não se verifica, pelas razões indicadas).
Assim, a decisão de absolvição do arguido e demandado do pedido de indemnização civil formulado contra o arguido e demandado não é merecedora de reparo.
Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso interposto pela assistente e demandante quanto a este aspeto.
Não há lugar a custas da responsabilidade do arguido (artigo 513º, nº 1, a contrario, do Código de Processo Penal).
Uma vez que a assistente decai parcialmente no recurso que apresentou, deverá ser condenada em taxa de justiça (artigo 515º, nº 1, b), do Código de Processo Penal e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).
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IV- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento total ao recurso interposto pelo Ministério Público e provimento parcial ao recurso interposto pela assistente e, em consequência, pela prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelos artigos 187º, nº 1, e nº 2, a), e 183º nº 1 b) e nº 2, do Código Penal (quanto aos factos descritos nos pontos 1 a 9 e 13 a 19 do elenco dos factos provados constante da douta sentença recorrida e aqueles que agora se acrescentam: que o relatório aí referido tem o conteúdo que consta de fls 216 a 233 e se dá por inteiramente reproduzido, que o arguido conhecia esse conteúdo, e que este agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e querendo denegrir a imagem, credibilidade e bom nome da assistente), condena-se o arguido B… na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a multa de € 900,00 (novecentos euros), mantendo-se, no restante, a douta sentença recorrida.
Custas pela assistente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.
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Porto, 30 de Outubro de 2013
(Elaborado e revisto pela 1ª signatária)
Eduarda Lobo – (relatora por vencimento)
Des. Baião Papão – (Presidente da secção)
Des. Pedro Vaz Pato – (vencido conforme voto junto)
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[1] Proposta de Lei nº 98/X
[2] Disponíveis em www.dgsi.pt
[3] Tomo I, Coimbra Editora, pp. 680 e 681
[4] In Curso de Processo Penal de 1996, Volume I, pág. 11.
[5] Cfr., neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 16.05.2012, Cons. Pires da Graça; Acs. deste TRPorto de 13.10.2010, Des. Ernesto Nascimento; 12.09.2012, Des. João Abrunhosa; de 25.05.2011, Des. Luís Teixeira; Ac.R.Coimbra de 19.09.2012, Des. Eduardo Martins; Ac. R. Évora de 26.02.2013, Des. João Cardoso (com voto de vencida da Des. Ana B. Brito); todos disponíveis em www.dgsi.pt; e Ac. R. Guimarães de 18.12.2012, Des. Cruz Bucho, proferido no Proc. nº 179/11.6GAEPS.G1, não publicado.
[6] Cfr., neste sentido, entre outros, Acs. deste TRP de 05.03.2008, Des. Custódio Silva; de 21.11.2012, Des. Coelho Vieira; Ac. R.Coimbra de 25.01.2012; Acs. R. Guimarães de 06.05.2013, Des. Ana Teixeira; de 04.03.2013, Des. Maria Luísa Arantes; Acs. R.Évora de 31.01.2012 e de 21.06.2011, Des. António João Latas; de 09.10.2012, Des. Carlos Berguette Coelho; e de 19.02.2013, Des. José Proença da Costa, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] Cfr., Acs. desta Relação do Porto de 02.12.2009, Des. Artur Oliveira e de 26.05.2010, Des. Joaquim Gomes, ambos disponíveis no mesmo site.
[8] Cfr. Ac. deste Tribunal de 26.05.2010, proferido pelo Des. Joaquim Gomes.
[9] In O caso julgado Parcial, Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória, Teses, Porto 2002, Publicações Universidade Católica, p. 725.
[10] Ibidem, pág. 732.
[11] Neste sentido, Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pág. 106.
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Declaração de voto de vencido

Com todo o respeito pela opinião que obteve vencimento, votei vencido quanto à questão seguinte.
Entendo que a garantia do duplo grau de jurisdição (decorrente do artigo 32º, nº 1, da Constituição) impõe que a escolha e determinação da medida da pena sejam fixadas pela primeira instância. Entendo que a possibilidade de discutir tal escolha e tal medida há-de verificar-se em relação a uma pena fixada em concreto e respectiva fundamentação, e não em face da eventualidade abstracta da condenação. Da mesma forma que a defesa perante uma acusação (para ser efetiva) se exerce perante uma delimitação de factos concretos e uma qualificação jurídica determinada (e não perante a simples possibilidade abstrata da condenação), o exercício do direito ao recurso (para ser efetivo) deve fazer-se perante uma pena fixada em concreto e a respetiva fundamentação. Não basta, para tal, discorrer a esse respeito face à motivação do recurso, que pode nem sequer fazer alusão à questão da espécie e medida da pena (como sucede no caso vertente). Assegurar o direito o recurso é mais do que o respeito pelo contrditório.
Quanto a todos as outras questões, o acórdão merece a minha inteira adesão.

Pedro Vaz Pato