Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
247/10.1TTVRL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
ENFERMEIRO
ESTÁGIO PROFISSIONAL
PERÍODO EXPERIMENTAL
DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RP20130204247/10.1TTVRL.P1
Data do Acordão: 02/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: SOCIAL - 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- Tendo a trabalhadora contratada por tempo indeterminado, como enfermeira, realizado estágio profissional em contexto real de trabalho no período de 9 meses que imediatamente antecederam a celebração do contrato de trabalho e o início da prestação laboral, tal facto permitiu suficientemente às partes verificarem a conveniência da manutenção da sua vinculação laboral, determinando assim a eliminação do período experimental de 180 dias estabelecido no contrato, por força do disposto no artigo 112º nº 4 do Código do Trabalho.
II- A determinação da duração do período experimental de 180 dias faz-se sobre a alegação concreta dos factos integrantes da complexidade técnica e especial responsabilidade.
III- O período experimental para uma enfermeira que acaba de iniciar a sua carreira é de 90 dias, tendo por referência, por força do princípio da igualdade, o disposto no artigo 19º nº 1 do DL 248/2009 de 22 de Setembro.
IV- Apurando-se que o verdadeiro motivo da denúncia em período experimental foram diferenças de partidos políticos, e só se apurando este motivo, a denúncia seria sempre exercida em abuso de direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Processo nº 247/10.1TTVRL.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 238)
Adjunto: Desembargador João Diogo Rodrigues
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B….. intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra a A….., pedindo a declaração de ilicitude do despedimento de que foi alvo e a condenação da Ré a pagar-lhe, optando logo pela indemnização por antiguidade, a quantia de € 5.068,26, a título de créditos laborais vencidos à data do despedimento, acrescida de indemnização pelos danos patrimoniais e morais decorrentes desse despedimento e, finalmente, no pagamento das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final que vier a ser proferida.
Alegou em síntese que foi admitida pela R. em 01/08/2009, ao abrigo de contrato de trabalho sem termo, para exercer as funções de enfermeira, auferindo salário mensal de € 889,42. Trabalhou ininterruptamente para a R. até 31/12/2009, data em que cessou funções, mediante comunicação escrita que lhe foi remetida em 10/12/2099 pelo provedor da R., por denúncia fundada no estabelecido na cláusula 3ª do referido contrato de trabalho.
Porém, antes de celebrar o contrato de trabalho com a Ré, já havia ali frequentado e concluído estágio profissional, tendo em vista o exercício das suas funções, o qual decorreu de 01/11/2008 a 31/07/2009, tendo tido classificação final de Muito Bom, pelo que o estabelecimento de um período experimental era despropositado e abusivo, constituindo a sua inclusão no contrato de trabalho uma violação do disposto no art. 111º do Cód. do Trabalho.
Mesmo que assim não se entendesse sempre se teria de considerar esse período experimental como excessivo, já que as suas funções não revestiam complexidade técnica ou elevado grau de responsabilidade, não pressupondo uma especial qualificação, nem tendo subjacentes funções de confiança, pelo que este período experimental sempre teria de ser no máximo 90 dias. De resto, no regime da carreira de enfermagem aplicável aos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas, o período experimental é de 90 dias, pelo que, sem qualquer razão para distinguir, a aplicação dum período mais alargado viola o princípio da igualdade.
Sem processo disciplinar nem invocação de justa causa, a denúncia consubstancia um despedimento ilícito, ilicitude que também deriva de se ter devido a motivos políticos, concretamente uma disputa política relativa a eleições autárquicas, entre o Provedor e o pai da Autora.
Tal como resulta da acta da reunião extraordinária da Mesa Administradora da Ré, o Provedor desta fez assentar a denúncia do contrato do comportamento de “autêntico desrespeito” da Autora para com o mesmo Provedor e não na falta de qualidades profissionais.
O despedimento é substancial e formalmente ilícito, de acordo com o disposto no artigo 381º, alíneas a) b) e c) do Código do Trabalho.
A A. ficou profundamente abalada, transtornada e depressiva com a denúncia ilícita efectuada pela Ré, de tal modo que emprego que posteriormente conseguiu, ao mesmo se não conseguiu adaptar, sendo-lhe o contrato denunciado pelo empregador. A depressão mantém-se até ao presente. A A. ficou vexada, envergonhada, em estado de choque e elevado nervosismo, tornando-se uma pessoa transtornada e revoltada, sobretudo porque foi dispensada pelo facto do seu pai pertencer a um partido político diferente do do Provedor da Ré. A A. invoca ainda outros danos não patrimoniais e conclui pela condenação da Ré na indemnização dos danos não patrimoniais, no valor de €2.400,00.
Caso venha a ser declarado válida a denúncia, porque efectuada em período experimental, não foi observado o pré-aviso de 15 dias, pelo que deve a Ré ser condenada a pagar-lhe o período de 12 dias em falta.

A Ré contestou, pugnando pela sua absolvição, defendendo que o período experimental previsto no contrato de trabalho celebrado com a A. se justificava, sendo completamente distinto do estágio que a demandante havia frequentado, que o regime público se lhe não aplica, e que foi o comportamento da Autora, que revelou um desajuste com as exigências profissionais, que aconselhou a denúncia. Nega a existência de danos não patrimoniais.

Foi proferido despacho saneador, com selecção de factos assentes e controvertidos, da qual reclamou a Autora, sem sucesso.
Procedeu-se a julgamento, com gravação do depoimento pessoal, tendo sido respondida a final a Base Instrutória, sem reclamação.
Foi então proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência condena-se a R. a pagar à A. a quantia de € 444,71 (quatrocentos e quarenta e quatro euros e setenta e um cêntimos) a título de remuneração pela omissão do aviso prévio da sua denúncia, absolvendo-se a R. dos demais pedidos formulados pela A.
Custas por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento – cfr. art. 446º do C.P.C.
Ao abrigo do disposto no art. 315º do C.P.C. fixa-se à presente acção o valor de € 5.068,26”.

Inconformada, interpôs a Autora o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
1. O presente recurso, incidente sobre a Sentença proferida pela Meritíssima Juiz a quo, versa tanto sobre matéria de facto como sobre matéria de direito.

2. Da Sentença ressaltam, desde logo, erros notórios na apreciação e decisão da matéria de facto, designadamente quanto ao facto 12. da decisão recorrida (artigo 4.º da base instrutória) e aos artigos 6.º e 8.º da base instrutória.

3. Realizada a audiência de discussão e julgamento, a Meritíssima Juiz a quo, na sua resposta à matéria de facto, refere, a propósito do artigo 4.º da base instrutória: "Artigo 4.º - Provado apenas que a A. denunciou o contrato a que se faz referência na al. I) dos factos assentes, a partir de 28/02/2010".

3. Para basear esta opção, a Meritíssima Juiz a quo remete, na sua resposta à matéria de facto, para o depoimento do pai da Recorrente, C….., o qual se encontra plasmado na Sentença.

4. Remete também para o documento n.º 9 da petição inicial, correspondente à Declaração de Situação de Desemprego emitida pela empresa "D….., Unipessoal Lda." (a que se alude na alínea I) dos factos assentes), a favor da Recorrente, na qual se refere que o contrato de trabalho a termo celebrado entre ambos cessou por caducidade, decorrente de declaração do empregador.

5. Sucede, porém, que, analisando a prova produzida, designadamente a testemunhal e a documental supra referidas, impõe-se uma decisão diferente daquela que foi tomada pela Meritíssima Juiz a quo.

6. Entende a Recorrente que, na resposta ao artigo 4.º da base instrutória, deve ser tomado em consideração, primordialmente, o teor do documento n.º 9 da petição inicial, por ter um carácter de certeza superior, e não envolver a subjectividade e inexactidão típicas de um depoimento feito em sede de audiência de discussão e julgamento.

7. Pelo que tal artigo deve ser dado como parcialmente provado, nos seguintes termos: "Artigo 4.º - Provado apenas que a empresa "D…., Unipessoal Lda." comunicou à Autora a caducidade do contrato de trabalho a termo certo indicado na al. I) dos factos assentes, com efeitos a partir de 28/02/2010".

8. Caso se entenda que os meios de prova em apreço são contraditórios, e que tal não permite a prevalência da prova documental sobre a testemunhal, impõe-se que o artigo 4.º da base instrutória seja dado como não provado.

9. O tribunal recorrido promoveu uma errada decisão de facto quanto ao artigo 4.º da base instrutória, devendo a mesma ser corrigida num dos sentidos acima apontados.

10. Também na resposta à matéria de facto, a Meritíssima Juiz a quo deu como Não Provados os artigos 6.º e 8.º da base instrutória.

11. Entende, porém, a Recorrente que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento impõe uma decisão diferente nesse âmbito.

12. Resulta inequivocamente do depoimento das testemunhas E….., F…. e G….. (cfr. fundamentação expendida em sede de resposta à matéria de facto) que a Autora e ora Recorrente, a partir de 28 de Dezembro de 2009 (ou seja, a partir da data de comunicação da cessação do contrato de trabalho), ficou abalada, desanimada e deprimida, sentiu-se injustiçada e passou a viver com a ajuda dos seus pais.

13. E, não havendo razões para considerar tais depoimentos parciais, inidóneos ou inverosímeis, deveria a Meritíssima Juiz a quo ter dado como parcialmente provados os artigos 6.º e 8.º da base instrutória, nos seguintes termos: "Artigo 6.º - Provado apenas que, a partir de 28/12/2009, a A. ficou abalada, desanimada e deprimida."; "Artigo 8.º - Provado apenas que, em resultado do despedimento, a A. passou a viver com a ajuda dos seus pais.".

14. Também em relação aos artigos 6.º e 8.º da base instrutória o tribunal recorrido promoveu uma errada decisão de facto, devendo esta ser corrigida nos termos constantes da conclusão imediatamente anterior.

15. Entende a Recorrente que a Meritíssima Juiz a quo fez, igualmente, uma incorrecta interpretação e aplicação do direito ao caso concretamente decidendo, descurando, em absoluto, os factos dados como provados (cfr. factos 1. a 13. da Sentença).

16. A decisão recorrida padece de um erro notório ao nível da subsunção jurídica porque, em vez de declarar a ilicitude do despedimento da Recorrente, decorrente da ilicitude da denúncia efectuada pela Ré e ora Recorrida (aquando de um ultrapassado ou mesmo inexistente período experimental), considerou válido o período experimental estipulado pelas partes no contrato de trabalho e, por essa via, declarou a validade da denúncia realizada pela Recorrida nesse período.

17. Em sede de petição inicial, a Recorrente pede que seja declarada a ilicitude do seu despedimento, decorrente da ilicitude da denúncia efectuada pela Ré, alicerçando tal pedido em dois argumentos fundamentais.

18. Em primeiro lugar, na ilicitude do período experimental fixado no contrato de trabalho em apreço, resultante do facto de a Recorrente ter previamente desempenhado as funções inerentes à categoria profissional de enfermeira, por conta e sob a direcção da Recorrida, em período imediatamente antecedente ao do início da sua relação laboral, no âmbito de estágio profissional em contexto real de trabalho (concluído com a classificação máxima de Muito Bom), e ter já logrado demonstrar possuir as características necessárias ao exercício dessas funções.

19. Em segundo lugar, na extensão ilícita e excessiva do período experimental concretamente fixado no contrato de trabalho, o qual não deveria ultrapassar os 90 dias previstos no artigo 112.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho (CT), uma vez que:
- as funções inerentes à categoria profissional de enfermeira, plasmadas no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de Setembro, não revestem as características indispensáveis para que aquele período se prolongue até aos 180 dias; e
- o artigo 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de Setembro, prevê que “o período experimental para os contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, celebrados por enfermeiros, tem a duração de 90 dias”, pelo que, não obstante estarem em causa dois sectores de actividade diferentes (o sector público e o sector privado), as funções exercidas são as mesmas (no âmbito da mesma categoria profissional), não existindo razões materiais que justifiquem a estipulação de um período experimental diferente de 90 dias, sob pena de violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

20. Relativamente ao primeiro argumento invocado pela Recorrente para justificar a ilicitude do despedimento, a Meritíssima Juiz a quo nada disse, limitando-se a referir que a frequência de um estágio profissional por parte da Recorrente, antes da celebração do contrato de trabalho, não deve ser contabilizada para o cômputo do período experimental fixado, bem como a aludir ao teor do artigo 113.º, n.º 1, do CT e ao sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2010 (correspondente ao Processo n.º 832/08.1TTSTB.E1.S1, in www.dgsi.pt).

21. Ora, com o devido respeito, aquilo que a Recorrente argumentou, em sede de petição inicial, não foi que o período correspondente à frequência do estágio profissional deveria ser contabilizado no cômputo do período experimental, mas antes que é ilícita a estipulação deste no caso concretamente decidendo.

22. A este propósito, o artigo 111.º, n.º 1, do CT estabelece que “o período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção.”

23. Tal entendimento é também corroborado pela doutrina e pela jurisprudência.

24. Por conseguinte, se as partes da relação de trabalho tiveram previamente a possibilidade de “apreciarem o interesse na sua manutenção”, será descabida e abusiva a estipulação de um período experimental.

25. Uma vez que a Recorrente frequentou, antes da celebração do contrato de trabalho com a Recorrida, um estágio profissional na sede desta, o qual visava o exercício das funções de enfermagem em contexto real de trabalho, teve a duração de 9 meses e foi concluído com aproveitamento (classificação máxima de Muito Bom), tornava-se despropositada a estipulação de qualquer período experimental.

26. A Cláusula Terceira do contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e a Recorrida é manifestamente descabida e abusiva, consubstanciando uma clara violação das normas imperativas contida nos artigos 3.º, n.º 4, e 111.º, n.º 1, do CT.

27. Tendo a Recorrida denunciado o contrato de trabalho com base na referida Cláusula Terceira, ou seja, tendo em conta o decurso do período experimental de 180 dias, e considerando que, pelas razões supra expostas, tal Cláusula frustra a ratio legis inerente ao preceituado no n.º 1 do artigo 111.º do CT, atinge-se facilmente a conclusão de que tal denúncia é ilícita, por inculcar uma situação de fraude à lei e consubstanciar uma violação expressa do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador (cfr. artigo 3.º, n.º 4, do CT).

28. Não obstante a Recorrida já conhecer, de antemão, todas as circunstâncias em que a Recorrente exercia a sua profissão (uma vez que, sendo um estágio em contexto real de trabalho, as condições eram exactamente as mesmas com base nas quais posteriormente exerceu a sua actividade laboral), designadamente as suas qualidades e conduta profissionais, ainda assim forçou a estipulação de um período experimental, por forma a aumentar, deliberadamente, a instabilidade da situação profissional da Recorrente.

29. Ao estipular um período experimental de 180 dias, e ao denunciar o contrato de trabalho dentro desse período, mesmo sabendo que a Recorrente reunia todos os atributos necessários ao exercício da profissão de enfermeira (9 meses reputam-se mais do que suficientes para o efeito), a Recorrida teve uma conduta abusiva e fraudulenta, tipicamente integradora de abuso do direito (cfr. artigo 334.º do Código Civil (CC)), por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé.

30. Mesmo entendendo, como entende a Meritíssima Juiz a quo, que o artigo 113.º, n.º 1, do CT não permite que um estágio profissional, celebrado imediatamente antes da outorga do contrato de trabalho, seja contabilizado para efeitos de contagem do respectivo período experimental, ainda assim importa atender ao teor do n.º 4 do artigo 112.º do CT, introduzido pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.

31. Este preceito, que se traduz numa norma legal meramente exemplificativa, prevê que a duração do período experimental possa ser reduzida ou excluída, tendo por base contratos anteriores de prestação de trabalho, independentemente da natureza deste trabalho (subordinado ou não), desde que seja executado no mesmo posto de trabalho e/ou para o mesmo objecto e/ou para a mesma entidade.

32. E, das duas uma: se o anterior contrato tiver uma duração inferior ao período experimental, este será reduzido; se tiver uma duração igual ou superior, o período experimental será excluído.

33. Ora, no caso em apreço, a Recorrente celebrou com a Recorrida um contrato de estágio profissional, para o exercício das funções inerentes à categoria profissional de enfermeira, antes da outorga do contrato de trabalho, pelo período de 9 meses.

34. Tendo sido concretamente fixado o período experimental de 180 dias, impõe-se concluir que, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 112.º do CT, seja por aplicação directa, seja mediante o recurso à interpretação extensiva (caso se entenda que a norma citada não é susceptível de aplicação directa, o que só por mera hipótese académica se admite, deverá propugnar-se o recurso à analogia juris, atendendo à ratio inerente a essa norma), o período experimental teria de ser necessariamente excluído pelas partes.

35. A estipulação do período experimental aludido na Cláusula Terceira do contrato de trabalho em apreço revela-se também aqui ilícita, por violação do artigo 112.º, n.º 4, do CT, fazendo com que a denúncia levada a cabo pela Recorrida seja contrária à lei e integradora de um despedimento ilícito.

36. Por último, contrariamente àquilo que é expendido pela Meritíssima Juiz a quo, a jurisprudência não tem entendido unanimemente que, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 113.º do CT, "o período de tempo correspondente às acções de formação profissional do trabalhador desenvolvidas antes da celebração do contrato de trabalho não revela para efeitos de contagem do período experimental".

37. Com efeito, o Tribunal da Relação de Évora, através do Acórdão proferido em 24 de Novembro de 2011, no âmbito do Processo n.º 832/08.1TTSTB.E1, refere inequivocamente o contrário daquilo que é propugnado pelo Supremo Tribunal de Justiça, o mesmo resultando do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Março de 2007 (in www.dgsi.pt).

38. Tal solução é também corroborada pelo Prof. Pedro Romano Martinez no seu Código de Trabalho Anotado, 4.ª Edição, Almedina, na pág. 244., solução essa que nos parece ser inteiramente adequada e conforme à protecção dos direitos e garantias do trabalhador.

39. Relativamente ao segundo argumento expendido pela Recorrente para justificar a ilicitude do despedimento, entendeu a Meritíssima Juiz a quo, na Sentença recorrida, que também aí não assiste qualquer razão àquela, alicerçando-se no disposto no artigo 112.º, n.º 1, alínea b), do CT.

40. Discorda a Recorrente da argumentação avançada pelo tribunal recorrido para justificar a justeza e a legalidade da duração do período experimental fixado no contrato de trabalho em apreço.

41. Mesmo que se entenda que a Recorrente e a Recorrida poderiam ter estipulado um período experimental (o que só por mera hipótese académica se admite, tendo em conta que, casuisticamente, o mesmo seria fraudulento e abusivo), sempre se dirá que o período de experiência que foi concretamente fixado no contrato de trabalho em apreço – 180 dias – é excessivo e viola a norma imperativa constante do artigo 112.º, n.º 1, alínea a), do CT.

42. A Recorrente exerceu, por conta e no interesse da Ré, desde 1 de Agosto de 2009 até 31 de Dezembro de 2009, as funções inerentes à categoria profissional de enfermeira, as quais se encontram plasmadas nos artigos 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de Setembro.

43. Ora, analisadas essas funções, verifica-se que o cargo exercido pela Recorrente (enfermeira) não envolve complexidade técnica ou elevado grau de responsabilidade, nos termos legalmente exigidos para o preenchimento desses conceitos indeterminados (sob pena de a quase generalidade das actividades laborais envolver um período experimental de 180 dias, o que, nos termos do artigo 112.º, n.º 1, alínea b), do CT, consubstancia a excepção e não a regra).

44. Por outro lado, tal cargo não pressupõe uma especial qualificação, nem tem subjacentes funções de confiança.

45. Não se pode entender, como parece ressaltar da subsunção efectuada pela Meritíssima Juiz a quo, que o exercício da actividade de enfermeira exige uma especial qualificação técnica, uma vez que basta uma licenciatura em enfermagem para poder exercer tal profissão.

46. Ao exigir que o cargo pressuponha uma "especial qualificação", o legislador não quis certamente contemplar aqui a titularidade de uma simples licenciatura, acessível a qualquer cidadão; quis antes contemplar qualificações especiais que não se coadunam com o exercício das funções inerentes à categoria profissional de enfermeiro.

47. Finalmente, não se trata de um cargo de direcção ou quadro superior.

48. Estipular um período experimental de 180 dias numa situação em que a lei, de cariz imperativo, apenas prevê 90 dias, consubstancia uma violação flagrante do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, previsto no artigo 3.º, n.º 4, do CT, e conduz a uma diminuição das garantias deste, uma vez que aumenta para o dobro o período de tempo durante o qual pode ver cessado o seu contrato de trabalho sem aviso prévio, sem justa causa e sem direito a qualquer indemnização (cfr. artigo 114.º, n.º 1, do CT).

49. Ao ser estipulado esse período experimental de 180 dias, verifica-se também aqui uma situação de fraude à lei por parte da Recorrida, socorrendo-se de um mecanismo contratual que sabia não ser consentâneo com o quadro legislativo em vigor, a qual não poderá deixar de ser sancionada para os devidos e legais efeitos.

50. Aliás, o Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de Setembro, que define o regime da carreira de enfermagem aplicável aos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas, reitera o entendimento que ficou supra expendido, estabelecendo, no seu artigo 19.º, n.º 1, que “o período experimental para os contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, celebrados por enfermeiros, tem a duração de 90 dias.”

51. Uma vez que as funções exercidas pela Recorrente se reconduzem à categoria de enfermeira, e são iguais àquelas que o Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de Setembro, consagra (cfr. artigo 9.º, n.º 1), não faz sentido aplicar-lhe um período de experiência diferente daquele que o artigo 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de Setembro, prevê (90 dias).

52. Não obstante estarem em causa dois sectores de actividade diferentes (o sector público e o sector privado), as funções exercidas são as mesmas (no âmbito da mesma categoria profissional), não existindo razões materiais que justifiquem a estipulação de um período experimental diferente de 90 dias, sob pena de violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.

53. Se se entendesse que a contratação de enfermeiros deveria ficar sujeita a um período experimental superior a 90 dias, deveria ter-se consagrado expressamente essa opção, o que não veio a acontecer.

54. Tendo sido estipulado pelas partes (Recorrente e Recorrida) um período de experiência de 180 dias (cfr. Cláusula Terceira do documento n.º 1 da petição inicial), o mesmo viola o disposto no artigo 112.º, n.º 1, alínea a), do CT.

55. Pelo que, a admitir-se a estipulação de um período de experiência, o mesmo nunca poderia ultrapassar os 90 dias.

56. Por conseguinte, tendo a Recorrida denunciado, em 28 de Dezembro de 2009, o contrato de trabalho celebrado com a Recorrente (a denúncia do contrato é, aqui, declaração receptícia, pelo que só produz efeitos quando chega ao conhecimento do declaratário ou por ele podia ter sido recebida – artigo 224.º, n.os 1 e 2, do CC), ou seja, num momento em que o prazo de 90 dias já há muito se mostrava ultrapassado, conclui-se imediatamente que tal denúncia é, também aqui, ilícita.

57. Tal denúncia consubstancia uma violação clara dos artigos 3.º, n.º 4, e 112.º, n.º 1, alínea a), do CT, bem como dos artigos 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de Setembro, e 13.º da CRP.

58. Quer se entenda que, na presente situação, não era admissível a estipulação de um período experimental, quer se considere que, não obstante ser válida a estipulação de um período experimental, foi contratualmente estabelecido um período de experiência (180 dias) superior ao legalmente permitido, ter-se-á sempre de concluir que a denúncia efectuada pela Recorrida é ilícita e conformadora de um despedimento ilícito.

59. O despedimento em causa é substancial e formalmente ilícito, de acordo com o disposto no artigo 381.º, alíneas b) e c), do CT, não só por não ter sido precedido de processo disciplinar, como pelo facto de consubstanciar apenas uma manifestação do poder arbitrário/discricionário que não deverá estar na disposição da Recorrida.

60. E é nestes termos que deve ser integralmente revogada a decisão recorrida, declarando-se a ilicitude da denúncia efectuada pela Recorrida e, por essa via, a ilicitude do despedimento concretamente verificado.

NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS: Artigos 3.º, n.º 4, 111.º, n.º 1, 112.º, n.os 1, alínea a), e 4, do CT, 334.º do CC, 13.º da CRP e 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de Setembro.

Nestes termos e nos mais de direito, na procedência da argumentação supra aduzida, deve ser dado provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da Sentença proferida pela Meritíssima Juiz a quo e sua substituição por outra que declare a ilicitude do despedimento da Recorrente, decorrente da ilicitude da denúncia efectuada pela Recorrida, com as inerentes consequências legais.

Contra-alegou a recorrida, apresentando a final as seguintes conclusões:
1. A sentença ora em recurso é um raro exemplo de concisão, clareza e saber. Na verdade,
2. A M.ma Juiz “a quo” limitou-se a fazer a subsunção dos factos apurados em sede de audiência de discussão e julgamento na Lei;
3. outa sentença ora em recurso prestigiou os Tribunais e valores como os da Certeza e Segurança jurídicas;
4. o obstante, a Recorrente, “condicionada” no seu posicionamento em matéria de recurso, entende que existiu erro por parte da Mma. Juiz “a quo” aquando da determinação, como provado, o Artigo 1.º da matéria de facto vertida na Base Instrutória;
5. Nunca foi dito pelo Sr. Provedor, por qualquer testemunha, nem resulta dos documentos, que o real motivo de denúncia tivesse sido a diferença de partidos políticos, ou que o Provedor alguma vez o tenha referido;
6. Resulta sim, dos elementos dos Autos e dos depoimentos das testemunhas, que a denúncia do contrato se deveu à circunstância de a Autora ter assumido, perante o Provedor e dentro da instituição um comportamento de autêntico desrespeito para com a sua pessoa;
7. Na apreciação dos pedidos formulados pela Recorrente, a Meritíssima Juiz “a quo” analisou separadamente os dois argumentos fulcrais apresentados pela Autora;
8. Em primeiro lugar, a invalidade do período experimental fixado no contrato de trabalho em apreço, uma vez que a Autora tinha já desempenhado as suas funções em período imediatamente antecedente ao início da sua relação laboral, no âmbito de estágio em ambiente real de trabalho;
9. Em segundo lugar a extensão do período experimental, o qual no entender da Recorrente nunca deveria ultrapassar os 90 dias, já que as funções a desempenhar pela mesma não revestem características indispensáveis para que aquele período se prolongue por 180 dias;
10. Relativamente à questão de a Autora ter já desempenhado as suas funções em período imediatamente antecedente ao início da sua relação laboral, no âmbito de estágio em ambiente real de trabalho, tal argumento não pode ser acolhido pois, de acordo com o Art.º 113.º do CT, a contagem do período experimental inicia-se, apenas e só, a partir do inicio da execução da prestação do trabalhador, compreendendo acção de formação determinada pelo empregador;
11. A formação profissional a que se refere o Art.º 113.º, pressupõe ter-se já iniciado o vinculo laboral entre as partes;
12. O estágio profissional é uma figura diferente da formação profissional determinada pelo empregador;
13. O Art.º 111.º do CT reforça esta posição ao preceituar que o período experimental corresponde ao período inicial da execução do contrato de trabalho;
14. O estágio profissional decorre de uma obrigatoriedade curricular para a conclusão da licenciatura e não da vontade da entidade empregadora, ou até mesmo do trabalhador, em querer criar um vínculo laboral;
15. A relação que existe num contexto desse género não é certamente a mesma que existe entre entidade empregadora e trabalhador;
16. O estágio profissional não consubstancia a relação e o vínculo existente aquando da vigência de um contrato de trabalho;
17. Trata-se de um período prático, integrado na formação curricular e académico da pessoa em causa, que tem como objetivo ser concluída com aproveitamento, condição exigível para a conclusão de licenciatura;
18. A entidade acolhedora do estágio não tem à sua disposição um real poder de direção que lhe permita criar uma relação de subordinação jurídica, nem o estagiário tem os mesmos deveres que qualquer trabalhador assume aquando da celebração de um contrato de trabalho;
19. É doutrina maioritária a que considera que apenas podem ser admitidas para contagem do período experimental, as formações desenvolvidas num quadro de execução de um contrato de trabalho e não as formações desenvolvidas em cumprimento de “vínculos” distintos, como o de estágio profissional com que aqui somos confrontados;
20. A contratação laboral e a relação “contratual” de formação profissional ou, como é o caso, académica, podem eventualmente ter algumas semelhanças, mas não podem nem devem ser confundidas;
21. O facto de a Recorrente ter estagiado na mesma entidade com que celebrou um contrato de trabalho não é razão suficiente para que essa formação “final” em sede de licenciatura se possa incluir no período experimental a que qualquer trabalhador está sujeito sempre que inicia a sua prestação laboral;
22. Durante o estágio realizado a Recorrida prestou formação à Recorrente no sentido da mesma melhorar os seus conhecimentos e aptidões enquanto estudante de enfermagem;
23. Posteriormente, depois de criado o vínculo laboral, a Recorrente, obrigou-se a executar determinadas funções, de uma forma diligente e profissional, mediante uma retribuição paga pela Recorrida;
24. Não é por isso admissível que sejam contabilizados como período experimental ações de formação ou períodos de formação desenvolvidas fora do quadro de execução do contrato de trabalho, ou antes do período inicial de vigência do contrato de trabalho;
25. Não existe período experimental sem que exista um contrato de trabalho e não se pode fazer corresponder o período experimental a uma formação profissional realizada á margem e antes da execução do contrato;
26. A jurisprudência tem sido unânime neste entendimento como demostra o Acórdão do STJ de 16/11/2010 – proc. 832/08.1TTSTB.E1.S1, (www.dgsi.pt);
27. O STJ já se tinha pronunciado no mesmo sentido, ainda no domínio de aplicação do regime jurídico anterior ao CT de 2003, referindo que “..uma coisa é a execução de um contrato de formação profissional; outra, bem diversa, é a execução de um contrato de trabalho, com a complexa teia de direitos e deveres que encerra.” (Acórdão do STJ de 15 de Outubro de 2003, Proc. 2424/03, 4.ª secção, disponível em www.dgsi.pt);
28. Outra questão apreciada pela Mma. Juiz “a quo” foi a inexistência de fundamentos alheios á prestação profissional da Recorrente para suportar a denúncia do contrato por parte da Recorrida;
29. Da douta sentença proferida se retira que a Autora não só não conseguiu convencer o Tribunal que existiam motivos discricionários na denúncia do contrato, nem que a sua conduta, como trabalhadora da instituição durante o período experimental foi, em virtude da sua competência, habilidade e aptidão, merecedora da confiança da Ré;
30. Pelo contrário, a Recorrente, durante o período experimental, não demonstrou ser a pessoa certa para ocupar aquela função;
31. Relativamente à questão que se prende com a fixação de um período experimental de 180 dias, nos termos da al. b) do n.º 1 do Art.º 112.º do CT, no entender da Recorrida, a Mma. Juiz “a quo”, decidiu de acordo com o direito e o atual entendimento doutrinal e jurisprudencial.;
32. A Recorrente foi admitida pela Recorrida na qualidade de enfermeira;
33. Tais funções requerem uma especial qualificação técnica e elevado grau de responsabilidade, na medida em que, as mesmas se destinam a providenciar cuidados de saúde aos utentes da A…..;
34. Cuidados esses que implicam a administração de medicamentos e manuseamento de equipamentos clínicos;
35. A al. b) do n.º 1 do Art.º 112.º do CT estabelece que nos contratos de trabalho por tempo indeterminado o período experimental pode ter a duração de 180 dias, sempre que o trabalhador seja contratado para exercer um cargo de complexidade técnica, de elevado grau de responsabilidade ou que pressuponha uma especial qualificação, alargando também essa possibilidade aqueles que sejam contratados para desempenhar cargos de confiança;
36. O que está em discussão nos presentes autos é saber se o período experimental é de 90 ou de 180 dias, isto é, se é aplicável a norma da alínea a), como alega a Recorrente, ou da alínea b) do n.º 1 do Art.º 112.º do CT.;
37. A doutrina e a jurisprudência têm entendido que o grau de complexidade, de responsabilidade, de qualificação ou de confiança, deve ser acima da média, para que seja aplicável o prazo de 180 dias de período experimental;
38. Entende-se que em tais casos o tempo de conhecimento das partes e de adaptação à função e/ou ao posto de trabalho é necessariamente superior, o que justifica o acréscimo do período experimental em comparação com a generalidade dos trabalhadores;
39. De acordo com o Acórdão do TRP, de 16/10/2006, N.º do Documento RP200610160643994, disponível em www.dgsi.pt são considerados cargos de complexidade técnica, por exemplo, o de um contabilista numa empresa, o de uma educadora de infância num jardim infantil, o de um cozinheiro em restaurante de “haute cuisine”;
40. De acordo com o mesmo Acórdão, são tomados como elementos de distinção a baixa ou elevada retribuição paga ou a formação técnica ou científica do trabalhador corresponder ou não à licenciatura ou outro grau académico superior;
41. No caso da Recorrente, quer pelas funções que efetivamente desempenhava, quer pelas habilitações detidas, quer pelo nível retributivo auferido, concluimos que a mesma não se insere na “generalidade dos trabalhadores” prevista na al. a) do n.º 1 do Art.º 112.º do CT.;
42. As funções da Recorrente (enfermagem), o seu grau académico (licenciatura), o seu vencimento (acima da média da generalidade dos trabalhadores), diferenciam-na inequivocamente da generalidade dos trabalhadores;
43. Nestes termos, a fixação no contrato de um período experimental de 180 dias, nos termos da al. b) do n.º 1 do Art.º 112.º do CT, é licito e coaduna-se com a exigência derivada da complexidade técnica e grau de responsabilidade atinentes às funções desenvolvidas pela Recorrente;
44. A Mma. Juiz “a quo” ao decidir pela licitude da clausula contratual que convencionou 180 dias de período experimental, fez uma correta aplicação do direito;
Por ultimo e sem prescindir,
45. A Mma. Juiz “a quo” ao considerar licita a denúncia do contrato não se pronunciou, quer sobre a indemnização pedida a titulo de danos não patrimoniais, quer sobre o pagamento das retribuições intercalares até ao transito em julgado;
46. Contudo, e caso este Venerando Tribunal, assim não decida, ou se pronuncie de forma contrária, o que apenas se aceita por mera hipótese académica, mostra-se necessário fazer uma breve referência aos pedidos formulados;
47. Atenta a matéria assente, bem como a determinada como provada em sede de audiência de julgamento, percebe-se que a Recorrente ao colocar-se numa situação de desemprego, como decorre do artigo 4.º da Base Instrutória, colocou-se ela própria na situação de não poder reclamar a indemnização por aquilo que é considerado “um dano”, indemnização por danos não patrimoniais e “um lucro cessante” - retribuições intercalares;
48. Ao denunciar o contrato de trabalho que celebrou com outra entidade após a denúncia do contrato pela Ré, a Recorrente prescindiu de ter qualquer rendimento do trabalho, pelo que, quebrou qualquer nexo causal entre a sua situação de desemprego e a denúncia efetuada pela Recorrida.;
49. A Recorrente ao pôr termo, em 28/02/2010, ao contrato a que se faz referência na al. I) dos factos assentes (art.º 9 dos factos considerados provados) prejudicou o seu direito a qualquer indemnização devida, quer a titulo de danos não patrimoniais, quer a título retribuições intercalares até ao transito em julgado;
50. Termos em que, ao julgar a acção apenas parcialmente procedente, a Mma. Juiz “a quo” mais não fez do que consagrar os mais elementares princípios e valores da Certeza e Segurança Jurídica que, obrigatoriamente, se traduzem numa decisão Justa

O Exmº Senhor Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido do recurso não merecer provimento.
Corridos os vistos legais cumpre decidir.

II. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância é a seguinte:
1. No dia 01/08/2009 a R. celebrou com a A., por escrito, contrato de trabalho por tempo indeterminado – cfr. Doc. De fls. 27 cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.
2. Admitindo-a ao seu serviço, desde essa data, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de enfermeira.
3. A A. foi contratada para cumprir um horário normal de trabalho de 35 horas semanais, de 2ª a domingo.
4. A A. foi contratada para exercer as suas funções na sede da R. e convencionaram as partes que a A. auferiria, como contrapartida do trabalho prestado, no ano de 2009, uma retribuição mensal ilíquida de € 889,42.
5. Por carta registada com A/r, datada de 10/12/2009 a R. tendo por base a cláusula 3ª do referido contrato de trabalho, denunciou-o, estabelecendo que o seu último dia de trabalho seria 31/12/2009 – cfr. Doc. De fls. 29 cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
6. Tal carta foi recebida pela A. Em 28/12/2009.
7. Antes de ter celebrado o contrato de trabalho (01/08/2009) a A. Frequentou e concluiu, na sede da R., um estágio profissional, em contexto real de trabalho, tendo em vista o exercício das suas funções inerentes à categoria profissional de enfermeira.
8. Tal estágio profissional decorreu desde 01/11/2008 a 31/07/2009, ou seja, 9 meses, tendo a A. Concluído o mesmo com aproveitamento, com a classificação máxima de Muito Bom.
9. Mediante a celebração de contrato de trabalho a termo certo, pelo período de 2 meses, entre 01/01/2010 e 28/02/2010, a A. foi admitida pela empresa “D…. Unipessoal, Lda.” Para exercer as funções inerentes à categoria de vendedora.
10. O Provedor da R. referiu que a denúncia do contrato se deveu à circunstância da A. Ter assumido, perante ele, dentro da instituição, um comportamento de autêntico desrespeito, de forma a dissimular o real motivo da denúncia – a diferença de partidos políticos.
11. A A. sempre foi cordial e afável com os colegas e utentes da R. desempenhando com profissionalismo as suas funções.
12. A A. denunciou o contrato a que se faz referência no ponto 9. supra a partir de 28/02/2010.
13. Desde 01/03/2010, até ao presente a A. encontra-se desempregada.

Por se mostrar provado por documentos (fls. 96 e 97), não impugnados, adita-se ao nº 9 supra que a A. auferiu a quantia líquida de €537,50 em cada um dos meses de Janeiro e Fevereiro de 2010.
Resulta ainda provado, por documento não impugnado (doc. 10 com a petição inicial) que à Autora foi atribuído subsídio de desemprego inicial, no montante diário de €11,80, com início em 23.3.2010 e por um período de 270 dias.

III. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes:
a) impugnação da decisão da matéria de facto;
b) saber se a cláusula que fixou um período experimental é abusiva;
c) saber se o período experimental não devia ser de 180 dias, mas de 90.

a) Pretende a recorrente que se altere a resposta dada ao artigo 4º da base instrutória, no qual se perguntava se “Em virtude de ter ficado profundamente abalada com a denúncia do contrato efectuada pela R., a A. não se adaptou ao exercício do cargo acima identificado na al. I dos factos assentes[1], tendo essa mesma empresa denunciado esse contrato com efeitos a partir de 28/02/2010?”, e que mereceu a resposta “provado apenas que a A. denunciou o contrato a que se faz referência na al. I dos factos assentes, a partir de 28/02/2010”, para “Provado apenas que a empresa D….., Unipessoal Ldª” comunicou à Autora a caducidade do contrato de trabalho a termo certo indicado na al. I dos factos assentes, com efeitos a partir de 28/02/2010”. Se assim não se entender, pretende a recorrente que se altere a resposta para “Não provado”.
Por outro lado, pretende a recorrente que se altere as respostas aos quesitos 6º e 8º de “Não provado” para “Provado”. Neles se perguntava, respectivamente, se “A partir de 28/12/2009 a A. ficou extremamente vexada e envergonhada, apresentando elevado estado de choque e nervosismo, tendo a cessação do seu contrato de trabalho tornado a A. numa pessoa transtornada e revoltada?” e “Em resultado do despedimento, a A. sentiu-se profundamente humilhada e ficou dependente da caridade da família?”.
A recorrente assenta a pretensão de modificação da matéria de facto, quanto a estes dois últimos quesitos, nos depoimentos testemunhais de E…., F…. e G….., e assenta a pretensão de alteração da resposta dada ao quesito 4º no facto de o que nessa resposta consta ter sido referido no depoimento testemunhal do pai da Autora, mas contrariar os documentos juntos aos autos, designadamente, a declaração emitida pela empresa D….. que constitui o documento nº 9 junto com a petição inicial, conjugado com a efectiva atribuição à A. de subsídio de desemprego (documentos 10 e 11 juntos com a petição inicial), apenas possível em situações de desemprego voluntário. Se a contradição não se resolver pela primazia ou superioridade da prova documental, a resposta deve então ser “não provado”.
Por seu turno, nas contra-alegações, a recorrida vem dizer que não concorda com o teor da resposta “Provado” dada ao quesito 1º, que rezava “O Provedor da R. referiu que a denúncia do contrato se deveu à circunstância da A. ter assumido, perante ele, dentro da instituição, um comportamento de autêntico desrespeito, de forma a dissimular o real motivo da denúncia – a diferença de partidos políticos?”, entendendo que o mesmo é conclusivo e não resultou nem da confissão do Senhor Provedor, em audiência, nem dos depoimentos testemunhais.

Pretendendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto, o pretendente tem de dar cumprimento aos ónus previstos no artigo 685º-B do CPC, designadamente no nº 1 alínea b), indicando “Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, disciplina que é também aplicável ao recorrido caso queira alargar o âmbito do recurso (nº 5 do mesmo preceito).
Ora, não só apenas se mostra gravado o depoimento prestado pelo legal representante da Ré, o que impossibilita a reapreciação da matéria de facto baseada em meios de prova de livre apreciação, como não foi cumprida a indicação constante da alínea b) do nº 1 do artigo 685º-B do CPC: - assim, no que toca ao pedido de reapreciação das respostas aos quesitos 6º e 8º, a mesma é impossível em função da não gravação dos depoimentos. Do mesmo modo no que toca ao pedido da recorrida para reapreciação da resposta dada ao quesito 1º, tanto mais que não são indicadas quaisquer passagens dos depoimentos das testemunhas e os mesmos não foram gravados, restando porém apreciar se o mesmo é conclusivo. E, salvo o devido respeito, não é. É pouco esclarecedor, mas não é conclusivo. Assim, o que se deu como provado foi que o Senhor Provedor referiu que a denúncia do contrato se deveu à circunstância da A. ter assumido, perante ele, dentro da instituição, um comportamento de autêntico desrespeito – 1ª parte – e que, 2ª parte, assim o referiu de forma a dissimular o real motivo da denúncia – e, 3ª parte, o real motivo da denúncia foi a diferença de partidos políticos. Ora, quanto à primeira parte, a mesma não constitui qualquer facto desfavorável à Ré, pelo que não tinha necessariamente de constar de confissão sua. As segunda e terceira partes podiam ser provadas por confissão, pouco esperável, aliás, mas também por quaisquer outros meios, designadamente testemunhas, ou pela conjugação dos depoimentos das testemunhas com o teor de actas de reunião da Ré. Aliás, diga-se, se a verdadeira razão da denúncia do contrato de trabalho da A. radicou num comportamento desrespeitoso desta, a verdade é que esta matéria não foi levada ao questionário de modo positivo, mas sim pela negativa, e não logrou por isso provar-se.
Deste modo, é impossível proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto quanto ao quesito 1º.
Quanto ao quesito 4º, a resposta dada é a contrária à perguntada no quesito, mas ainda assim se pode ler como uma resposta esclarecedora. Resulta da fundamentação da matéria de facto que foi o pai da recorrente que afirmou que foi dela que partiu a iniciativa de não renovação do contrato. É certo que temos um documento nº 9, em que a entidade empregadora declara, para efeitos de subsídio de desemprego, que o contrato a termo chegou ao seu fim, é certo que temos um documento que é o contrato a termo celebrado, em que se consagra que o contrato se renova se não for denunciado, e é certo que temos a atribuição de subsídio de desemprego a partir de 23/3/2010. É ainda verdade que o desemprego voluntário não dá direito à atribuição de subsídio de desemprego. Que assim seja no plano legal não significa que assim tenha sido no plano de facto, ou melhor dizendo, que o plano de facto que faz surgir o plano legal seja aquele que em rigor o deveria fazer surgir. Repare-se que o documento nº 9 é um documento particular – com a força probatória que lhe é reconhecida pelo artigo 376º do Código Civil – e nem sequer menciona de que partiu a iniciativa da denúncia do contrato. O contrato a termo é por seu lado também, um documento particular. Assim, era o tribunal livre de apurar que tinha sido a própria autora a denunciar o contrato, ainda que isso não constasse da declaração emitida pelo empregador. E, para os efeitos pretendidos pela Autora com a alegação em causa, reportados a danos não patrimoniais, era indiferente que tivesse sido o estado depressivo da A. que a tivesse levado a denunciar o contrato ou que tivesse levado o empregador a denunciá-lo.
A talho de foice, diga-se que a questão que a recorrida vem levantar nas contra-alegações, sobre a interrupção do nexo causal relativamente às retribuições intercalares, é uma questão nova, não levantada na contestação, e que por isso este tribunal de recurso não pode conhecer, uma vez que apenas sindica as decisões de primeira instância, sendo que a esta a questão não foi submetida – artigo 676º nº 1 do CPC.
Dado o acima exposto, entende-se que não é possível proceder à reapreciação da decisão de facto quanto ao quesito 4º.
Termos em que se tem por definitivamente fixada a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido.

b) A recorrente pretende que se considere abusiva a estipulação de período experimental no seu contrato de trabalho, uma vez que:
- a Recorrente frequentou, antes da celebração do contrato de trabalho com a Recorrida, um estágio profissional na sede desta, o qual visava o exercício das funções de enfermagem em contexto real de trabalho - sendo um estágio em contexto real de trabalho, as condições eram exactamente as mesmas com base nas quais posteriormente exerceu a sua actividade laboral - o qual teve a duração de 9 meses e foi concluído com aproveitamento (classificação máxima de Muito Bom), pelo que as partes da relação de trabalho tiveram previamente a possibilidade de “apreciarem o interesse na sua manutenção”, razão de ser do estabelecimento dum período experimental;
- a fixação do período experimental constitui fraude à lei e o entendimento que o valida viola o princípio do tratamento mais favorável do trabalhador e viola o disposto no artigo 111º nº 1 do Código do Trabalho;
- a fixação do período experimental constitui abuso de direito por parte da recorrida;
- mesmo entendendo que a fixação do período experimental era possível, havia que atender ao disposto no artigo 112º nº 4 do Código do Trabalho, o qual prevê que a duração do período experimental possa ser reduzida ou excluída, tendo por base contratos anteriores de prestação de trabalho, independentemente da natureza deste trabalho (subordinado ou não), desde que seja executado no mesmo posto de trabalho e/ou para o mesmo objecto e/ou para a mesma entidade. E, se o anterior contrato tiver uma duração inferior ao período experimental, este será reduzido; se tiver uma duração igual ou superior, o período experimental será excluído.

Atenta a data da celebração do contrato de trabalho, a disciplina jus-laboral é a constante do Código do Trabalho na versão aprovada pela Lei 7/2009 de 12.2 (artigo 14º da mesma Lei)
Dispõe o artigo 111º nº 1 do Código do Trabalho que: “O período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção”. O nº 2 do mesmo preceito estabelece: “No decurso do período experimental, as parets devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho”.
Ainda com interesse para a decisão das questões dos autos, dispõe o artigo 112º nº 1 do Código do Trabalho que: “No contrato de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem a seguinte duração:
a) 90 dias para a generalidade dos trabalhadores;
b) 180 dias para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como os que desempenhem funções de confiança;
Por seu turno, no nº 4 do mesmo artigo 112º estabelece-se que “O período experimental, de acordo com os números anteriores, é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma actividade, ou de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, com o mesmo empregador, tenha sido inferior ou igual à duração daquele”.
Por fim, dispõe o artigo 113º do mesmo diploma que “1 – O período experimental conta a partir do início da execução da prestação do trabalhador, compreendendo acção de formação determinada pelo empregador, na parte em que não exceda metade da duração daquele período”.
Ficou provado que, em 1.8.2009, foi celebrado entre as partes contrato de trabalho por tempo indeterminado para o exercício da actividade profissional de enfermeira na sede da Ré, e que, de 1.11.2008 a 31.7.2009, a A. frequentou e concluiu, na sede da R., um estágio profissional, em contexto real de trabalho, tendo em vista o exercício das suas funções inerentes à categoria profissional de enfermeira, o qual foi concluído com aproveitamento, com a classificação máxima de Muito Bom.
A sentença recorrida, acompanhando e acompanhada pela Ré, defendeu que o período experimental só se conta a partir da execução do contrato, pois só nesta se verificam as exactas condições contratuais que são susceptíveis de apreciação, visando o conhecimento da conveniência da contratação. Defendeu ainda que as acções de formação que contam para dedução no período experimental são as iniciadas posteriormente à celebração do contrato. Estribou-se na jurisprudência unânime, de que citou como caso paradigmático o Acórdão do STJ de 16/11/2010 (In, proc. nº 832/08.1TTSTB.E1.S1, www.dgsi.pt) quando refere, ainda que à luz da legislação anterior, mas que aqui não sofreu alterações de relevo, “1. O nº 1 do artigo 106º do Código do Trabalho de 2003, ao equiparar, para efeitos de contagem do período experimental, a execução da prestação pelo trabalhador << às acções de formação ministradas pelo empregador ou frequentadas por determinação deste>>, teve em vista os sujeitos de um contrato de trabalho, o que inculca a ideia de que as acções de formação contempladas no preceito são apenas aquelas que ocorrem na pendência do contrato de trabalho e não também as que se desenvolvem antes da celebração desse contrato, sendo certo que, antes da aludida celebração não existe empregador e o futuro empregador não dispõe de poder do poder de direcção que lhe permita determinar a frequência de acções de formação.
2. Assim, o período de tempo correspondente às acções de formação profissional do trabalhador desenvolvidas antes da celebração do contrato de trabalho não releva para efeitos de contagem do período experimental.”.
A sentença recorrida não abordou a questão da fixação de período experimental ser abusiva.
Vejamos: - Se o período experimental se destina a que ambas as partes possam, nos primeiros tempos de execução contratual, perceber se a vinculação lhes interessa, seja ao trabalhador perceber se gosta do trabalho, se gosta do ambiente, se gosta do empregador, seja ao empregador perceber se o trabalhador tem potencialmente as qualidades que lhe são exigidas ou pretendidas para a realização da actividade que lhe é incumbida, em vista da inserção desta no processo produtivo que o empregador organizou, é claro que é a partir da celebração do contrato que se verificam as condições que podem ser apreciadas pelas partes para chegarem à conclusão do interesse na manutenção do contrato.
Porém, a vida económica é um pouco mais complexa do que isto, e não a vinculação entre as partes se desdobra em inúmeras possibilidades legais, como a actividade a desenvolver pode efectivamente depender dum período de aprendizagem, de prática, de formação.
É certo que a lei fala de formação profissional, mas não estamos convencidos que o profissional, neste caso, se refira a qualquer outra coisa que não seja o exercício da actividade. Por outro lado, não vemos, ou melhor, não vemos no caso concreto, qual seja a diferença entre formação e estágio em contexto real. Dir-se-ía, estágio em contexto real é conclusivo. Mas é uma conclusão de facto, que corresponde a um conceito relativamente comum e susceptível de ser entendido por qualquer interveniente no meio laboral actual, e, além disso, não foi sequer posto em causa pelas partes.
A diferença, diz-nos a recorrida, é que no estágio não foram exercidos os poderes próprios do empregador, e por isso a ela lhe não foi possível apreciar o trabalho da recorrente como se ela fosse uma trabalhadora já vinculada. Este esclarecimento não se compactua com a não impugnação da alegação de facto de “estágio em contexto real de trabalho”, aliás, tão em contexto, quanto foi desenvolvido na própria sede da recorrida, lugar onde esta veio a prestar a sua actividade já ao abrigo de contrato de trabalho.
Se, como diz a recorrente e já dissemos, o interesse do período experimental é o das partes puderem perceber, na execução concreta do contrato, se a manutenção deste lhes interessa – e faça-se aqui nota para dizer que o maior interesse do período experimental não é, no caso concreto, o do empregador, simplesmente porque se vincularia ad aeternum, quando tinha à sua mão a possibilidade de celebrar um contrato a termo – o que é essencial é que o trabalhador, mesmo antes de o ser, já desenvolva, como se o fosse, as funções para as quais poderá vir a ser contratado. É neste sentido que alguma jurisprudência tem vindo a afirmar que as acções de formação que contam para efeitos de período experimental não são só aqueles que se iniciam posteriormente à celebração do contrato – vide Ac. da Relação de Évora sob o nº 832/08.1TTSTB.E1, de 24-11-2009, citado pela recorrente, da qual extractamos o seguinte trecho, com o qual concordamos: “Convenhamos que é ponderoso o argumento aduzido pelo recorrente. Sendo o período experimental destinado a permitir aos contratantes um melhor conhecimento recíproco, e à tanto quanto possível correcta valoração das condições em que será oferecida e recebida a prestação de trabalho, de modo a cada um deles poder aferir do interesse na manutenção do vínculo laboral, essa desejável experiência só poderá naturalmente adquirir-se mediante o início da execução do contrato, e do cumprimento das obrigações dele decorrentes.
Mas se assim será na normalidade das coisas, a lei vem introduzir um importante desvio a essa regra, ao determinar, no citado art.º 106º, nº 1, que para efeitos de contagem do período experimental há que atender também às acções de formação ministradas pelo empregador, ou frequentadas por determinação dele.
De tal normativo não resulta porém que alguma vez possa prefigurar-se, no mundo do trabalho, um qualquer período experimental à margem da efectiva prestação contratual. O que dessa disposição decorre é, tão só, que o lapso de tempo ocupado com tais acções de formação releva na contagem do período experimental, desde que não exceda metade da duração do mesmo.
E compreende-se que assim seja: na medida em que as finalidades visadas pelo período experimental, que como se disse se prendem com o conhecimento mútuo de empregador e trabalhador, possam ser também prosseguidas no estrito âmbito da formação profissional, é razoável que essas acções de formação contem para a contagem do período experimental, em pé de igualdade com os lapsos de tempo em que ocorreu uma efectiva prestação de trabalho.
O que não nos parece legítimo é distinguir, para tal efeito, acções de formação que precedam o início da execução do contrato de trabalho (tal como a que ocorreu na hipótese dos autos), daquelas que venham a ter lugar, apenas, após o estabelecimento do vínculo laboral, e já durante a respectiva execução.
Para além de a lei, neste âmbito, não operar qualquer distinção relativamente ao momento em que a formação do trabalhador possa vir a ter lugar, as razões de fundo que poderiam, em abstracto, ditar a irrelevância dessas acções de formação na apreciação do período experimental são precisamente as mesmas qualquer que seja aquele momento. E a verdade é que a opção do legislador, ainda que discutível, foi inequivocamente no sentido de dar também relevo ao período de formação, a par da execução da prestação laboral em cumprimento das obrigações contratadas entre empregador e trabalhador.
É de notar, aliás, que na normalidade das situações, e por razões que se afiguram óbvias, a formação profissional de um trabalhador, para um determinado desempenho funcional, precederá naturalmente o início do exercício dessas funções. A hipótese inversa, de alguém ser admitido e começar a trabalhar num cargo específico, antes de estar habilitado para o fazer, é que nos parece menos habitual...
Muito embora a lei não o diga expressamente, o que será sempre exigível, em qualquer hipótese, é não ocorrer qualquer solução de continuidade entre o período formativo e a execução do contrato de trabalho, de modo a que a acção de formação se insira plenamente no contexto das obrigações emergentes da relação de trabalho subordinado.
Essa necessária proximidade está sem dúvida evidenciada na hipótese dos autos. A absoluta continuidade que se verificou entre uma e outra das situações (o contrato de formação do A. terminou a 31/12/2007, e o contrato de trabalho por ele celebrado com o apelante produziu efeitos a partir de 1/1/2008), bem assim a promessa de vinculação laboral ao Instituto R., manifestada pelo recorrido logo na Cl. 5ª do contrato de formação, e ainda o pacto de permanência do trabalhador ao serviço do R., por dois anos consecutivos, justificada pelas despesas com a sua formação (v. Cl. 5ª do contrato de trabalho), são elementos fácticos que demonstram inequivocamente o nexo causal, de absoluta complementaridade, que existiu entre a formação ministrada pelo recorrente, e o vínculo laboral que o A. com ele logo após veio estabelecer.
À luz do referido art.º 106º, nº 1, 2ª parte, não podem portanto restar dúvidas quanto à relevância do período de formação na contagem do período experimental. Que o Instituto R. estava de resto em condições privilegiadas para considerar, como considerou, na precisa medida em que, tal como vem apurado (v. nº 4 dos factos provados), no final da acção formativa empreendida, realizou uma apreciação sobre as capacidades e o resultado da formação de cada um dos formandos.
Daí que acompanhemos a solução acolhida pelo Ex.º Juiz a quo, que é de resto corroborada pelo Prof. Romano Martinez, no seu ‘Código do Trabalho anotado’, 4ª ed., quando afirma, a pág. 244, e em anotação àquele preceito da lei laboral: ‘...o legislador considera que o período experimental – no máximo, metade dele – abrange a formação ministrada ao trabalhador com o objectivo de o preparar par o desempenho das funções contratadas. Para este efeito, a formação profissional já constitui execução da prestação devida pelo trabalhador, não sendo legítimo iniciar a contagem daquele período apenas após o termo da formação’ (sublinhado nosso).
Em idêntico sentido decidiu o Ac. Rel. Lisboa de 7/3/2007, referenciado na sentença recorrida, em cujo âmbito o período de duas semanas de uma trabalhadora, antes de a mesma ser admitido ao serviço da empresa empregadora, foi expressamente considerado como devendo contar para efeitos de período experimental”.
É verdade que no caso dos autos não temos a promessa de trabalho, nem uma cláusula de permanência, mas temos um estágio em contexto real de trabalho durante 9 meses, que foi concluído com a nota de Muito Bom. Que conduta da “como se fosse trabalhadora” não teve a recorrida oportunidade de apreciar nesses 9 meses como Muito Boa, aliás, como suficientemente má para a fazer concluir pelo desinteresse na manutenção do contrato?
Julgamos porém que o artigo 112º nº 4 do CT veio trazer um contributo decisivo a esta questão: - Embora realizando um exercício de lucidez sobre a prática contratual furtiva à contratação laboral segura, ao admitir para a redução ou eliminação do período experimental, a contagem de tempo de serviço prestado ao abrigo de contrato de prestação de serviço, decisivamente o legislador não deixa de vir[2] dizer que não é relevante, no período de apreciação das qualidades das partes e do interesse na manutenção do contrato, o exercício dos poderes de subordinação jurídica. Quer dizer, literalmente, o que interessa é saber se o trabalhador tem o potencial de desempenhar satisfatoriamente as funções que concretamente lhe são ou poderão vir a ser cometidas. Se antes da celebração dum contrato de trabalho ele já revelou esse potencial, não se justifica o período experimental, ou justifica-se reduzi-lo. Repare-se que o apuramento das qualidades patronais, por parte do trabalhador é, do ponto de vista do trabalhador, relativamente indiferente, porque a este é possível sempre desvincular-se desde que respeite o pré-aviso correspondente.
Tendo a recorrente provado que realizou estágio em contexto real de trabalho no mesmo local de trabalho, durante 9 meses, pelo qual foi notada de Muito Bom, e não havendo qualquer hiato temporal entre o fim do seu estágio e o início do contrato de trabalho, consideramos que provou que a recorrida já tinha tido oportunidade mais que suficiente para se aperceber do interesse na manutenção do contrato, pelo que era eliminável o período experimental fixado, ao abrigo do artigo 112º nº 4 do CT.
Mesmo que assim não fosse, sempre do dito “contexto real de trabalho” consideramos que seria de descontar metade do período experimental, por força do artigo 113º nº 1 do Código do Trabalho, interpretado extensivamente.

Quanto à questão da fraude à lei e abuso de direito, dispõe o artigo 334.º do Código Civil que: “É ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito”.
Não se trata, a nosso ver, na fixação de um período experimental a um inicial contrato de trabalho por tempo indeterminado, de uma questão de boa-fé ou de excesso do fim económico do direito, porque não há propriamente uma deslealdade ou desonestidade, pelo menos provadas, na fixação do mesmo e porque se trata, em todo o caso, duma questão de direito não inteiramente pacífica. E isto mesmo determina, logo, que se abuso existe, o mesmo não seja manifesto. Veja-se Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Coimbra Editora, Vol. I pág. 217 “Exige-se, no entanto, que o excesso cometido seja manifesto. Os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso”. Veja-se Manuel Andrade, em “Teoria Geral das Obrigações”, Coimbra Editora, pág. 63, escrevendo sobre os direitos “exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça”.

c) Vejamos ainda, apesar da solução a que chegámos, qual era a duração do período experimental.
A sentença recorrida invoca que tendo a recorrente sido contratada como enfermeira, “não só tais funções necessitam de uma especial qualificação técnica, como exigem um elevado grau de responsabilidade, já que as mesmas se destinam a providenciar cuidados de saúde aos utentes da instituição, o que determina a administração de medicamentos, o manusear de equipamentos clínicos, etc., tal como é do conhecimento geral” e por isso considera que o período experimental tem a duração de 180 dias, correspondente aos “trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como os que desempenhem funções de confiança.”. A recorrida acompanha a sentença alegando ainda que não pode deixar de se entender que o cargo é de confiança.
Estamos com a recorrente quando refere que não se pode confundir a especial qualificação com uma licenciatura, nem sequer com a exigência duma habilitação profissional. São inúmeras as exigências deste tipo, não só legais, como, relativamente às licenciaturas, é absolutamente normal que as mesmas sejam exigidas como condição funcional indispensável aos mais banalíssimos cargos. Em nome dum acrescido grau de profissionalização e qualidade, reclamado pela sociedade de segurança, todas as ocupações profissionais tendem a ser precedidas por diversificados procedimentos de qualificação. Isto só não nos permite automaticamente elevar o período experimental.
As funções de enfermeira não são de confiança, não pressupõem elas, diferentemente de quaisquer outras, um especial grau de confiança, outra que não a que perpassa qualquer relação de trabalho. O exemplo comum do cargo de confiança é o dos trabalhadores que lidam com as receitas do empregador, ou o de uma secretaria da Administração.
As funções de enfermeira são de complexidade técnica e elevado grau de responsabilidade?
Se atendermos, exemplificativamente – pois não temos elementos para determinar a existência de regulamentação colectiva – à definição funcional constante do ACT entre a A……… de Abrantes e outras e a FNE — Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, não subscrito, é certo, pela Ré, e que se encontra publicado no BTE nº 47/2001, temos que dela consta que o enfermeiro “Presta cuidados de enfermagem aos doentes, em várias circunstâncias, em estabelecimentos de saúde e assistência; administra os medicamentos e tratamentos prescritos pelo médico, de acordo com normas de serviço e técnicas reconhecidas na profissão; colabora com os médicos e outros técnicos de saúde no exercício da sua profissão”.
Temos pois a prestação de cuidados de saúde e a observância de normas de serviço e técnicas reconhecidas na profissão na administração de medicamentos e tratamentos prescritos pelo médico, e a colaboração com médicos e outros técnicos de saúde. Nota principal para médicos, relativamente à complexidade técnica.
Se nos socorrermos da definição funcional constante do DL 408/2009, que a Ré reclama ser-lhe inaplicável, temos, no seu artigo 9º:
1 — O conteúdo funcional da categoria de enfermeiro é inerente às respectivas qualificações e competências em enfermagem, compreendendo plena autonomia técnico-científica, nomeadamente, quanto a:
a) Identificar, planear e avaliar os cuidados de enfermagem e efectuar os respectivos registos, bem como participar nas actividades de planeamento e programação do trabalho de equipa a executar na respectiva organização interna;
b) Realizar intervenções de enfermagem requeridas pelo indivíduo, família e comunidade, no âmbito da promoção de saúde, da prevenção da doença, do tratamento, da reabilitação e da adaptação funcional;
c) Prestar cuidados de enfermagem aos doentes, utentes ou grupos populacionais sob a sua responsabilidade;
d) Participar e promover acções que visem articular as diferentes redes e níveis de cuidados de saúde;
e) Assessorar as instituições, serviços e unidades, nos termos da respectiva organização interna;
f) Desenvolver métodos de trabalho com vista à melhor utilização dos meios, promovendo a circulação de informação, bem como a qualidade e a eficiência;
g) Recolher, registar e efectuar tratamento e análise de informação relativa ao exercício das suas funções, incluindo aquela que seja relevante para os sistemas de informação institucionais na área da saúde;
h) Promover programas e projectos de investigação, nacionais ou internacionais, bem como participar em equipas, e, ou, orientá-las;
i) Colaborar no processo de desenvolvimento de competências de estudantes de enfermagem, bem como de enfermeiros em contexto académico ou profissional;
j) Integrar júris de concursos, ou outras actividades de avaliação, dentro da sua área de competência;
l) Planear, coordenar e desenvolver intervenções no seu domínio de especialização;
m) Identificar necessidades logísticas e promover a melhor utilização dos recursos, adequando-os aos cuidados de enfermagem a prestar;
n) Desenvolver e colaborar na formação realizada na respectiva organização interna;
o) Orientar os enfermeiros, nomeadamente nas equipas multiprofissionais, no que concerne à definição e utilização de indicadores;
p) Orientar as actividades de formação de estudantes de enfermagem, bem como de enfermeiros em contexto académico ou profissional.
2 — O desenvolvimento do conteúdo funcional previsto nas alíneas j) a p) do número anterior cabe, apenas, aos enfermeiros detentores do título de enfermeiro especialista.
Parece complexo e de responsabilidade, mas muito no essencial trata-se de prestar cuidados de enfermagem e de os registar, e dizemos muito no essencial porque também nos estamos a referir a uma enfermeira principiante.
Esta questão do tipo de funções para que o trabalhador é contratado é relevante para a definição da duração do período experimental, e não basta dizer que alguém é enfermeiro, para se concluir de imediato que as suas tarefas são de responsabilidade e complexidade acima da média. Depende das concretas funções que, neste caso, a uma enfermeira principiante, são cometidas.
A relevância desta gradualização de responsabilidades dentro duma categoria profissional foi já reconhecida pela jurisprudência – veja-se a propósito o Acórdão da Relação de Lisboa de 12.3.2003, sob o nº RL200303120085934, em cujo sumário se pode ler: “II - Quaisquer destas funções podem ser exercidas com um grau maior ou menor de responsabilidade, tudo dependendo das circunstâncias concretas em que as mesmas são desempenhadas, designadamente em termos da organização em que se enquadram.
III - Só nos casos em que o exercício das funções envolve um maior grau de responsabilidade, o período experimental será de 180 dias.
IV - Sendo as empresas estruturas hierarquizadas, o grau de responsabilidade será tanto mais elevado quanto mais elevado for o nível hierárquico que se ocupa na organização da empresa.
O mesmo se diga em relação às funções de confiança que, em principio, estão também associadas ao desempenho de funções hierárquicas.
V - Embora possa haver cargos que exijam elevado grau de responsabilidade ou funções de confiança independentemente do desempenho de funções hierárquicas, é sempre indispensável articular os factos que consubstanciem os conceitos de "elevado grau de responsabilidade" e de "funções de confiança", cabendo o respectivo ónus à parte que pretende prevalecer-se do período experimental fundado naqueles requisitos”.
Concordamos inteiramente: não basta discutir em abstracto se uma enfermeira, um cabeleireiro, um torneiro mecânico ou um técnico de computadores são funções de complexidade e responsabilidade. Isso há-de apurar-se mediante os factos, alegados que devem ser, constituintes da dita complexidade e responsabilidade.
Como tais factos não foram alegados, a discussão não tem fundamentação sólida. Cremos porém que o argumento invocado pela autora, e de novo enquanto recorrente, e sobre o qual a sentença não se pronunciou, pode resolver efectivamente a questão.
Invoca a recorrente que, por força do princípio da igualdade, lhe deve ser aplicável o mesmo período experimental previsto para os enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas, constante do artigo 19º nº 1 do DL 248/2009 de 22 de Setembro, que define o regime da carreira especial de enfermagem, bem como os respectivos requisitos de habilitação profissional e que se aplica aos enfermeiros integrados na carreira especial de enfermagem cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas. Tal período é de 90 dias.
A recorrida, por seu turno, invoca que por ser uma Misericórdia, esse regime não lhe é aplicável. Não temos elementos para dizer o contrário, podendo bem suceder que, por força de contrato, a recorrida participe no Serviço Nacional de Saúde. É o que resulta numa pesquisa sumária na internet, sobre a recorrida, a sua unidade de cuidados continuados, e o que resulta no site do SUCH (serviço de utilização continuado de hospitais), onde aparece lado a lado com todos os hospitais públicos. Mas, não temos factos provados para tanto.
O certo é que, mesmo que tal diploma não lhe seja aplicável, do mesmo podemos retirar ao menos uma pergunta: - porque é que o legislador considera que o período experimental adequado aos enfermeiros públicos é de 90 dias, quando não desconhece que, nos termos da lei geral, para as funções de complexidade e responsabilidade, estabelece 180 dias? Qual será a especialidade do sector privado da saúde? Porque razão é que as funções que os enfermeiros exercem nos hospitais privados são mais complexas que as que exercem nos hospitais públicos? Por razão nenhuma, como é manifesto, porque os cuidados de enfermagem e as técnicas da sua aplicação têm de ser os mesmos, são os mesmos, em vista da origem qualificativa dos enfermeiros, ou seja, da sua habilitação profissional. Do mesmíssimo modo, como facilmente se compreende, que os médicos que prestam funções nos hospitais privados não exercem funções mais complexas que os que os prestam nos hospitais públicos, visto que as regras da arte e da ciência, que ambos aprenderam, são as mesmas, e nem sequer é certo que não seja exactamente nos hospitais públicos que se disponha dos equipamentos mais sofisticados e caros e que não seja neles, mais que não seja pela afluência de inúmeros doentes, que mais se aprenda.
Não faz assim sentido nenhum defender que o período experimental é de 180 dias, em função da complexidade técnica e da responsabilidade da profissão de enfermeiro. E tal defesa, sem alegação de qualquer factor diferenciador, redundaria numa violação do princípio da igualdade contido no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, temos de concluír que o período experimental só podia ter a duração de 90 dias.

Deste modo, quer porque se entenda que o estágio profissional realizado pela recorrente já consumiu, antecipadamente, todo o período experimental, quer porque se entenda que o mesmo só podia ter a duração de 90 dias, a denúncia do contrato de trabalho celebrado em 1.8.2009 em 10.12.2009 foi extemporânea, e não tendo sido movido qualquer processo disciplinar à recorrente, nem invocada justa causa para a revogação unilateral do contrato, tem de considerar-se ter havido um despedimento ilícito – artigo 381º al. c) do Código do Trabalho.

A igual conclusão teriamos de chegar, mesmo a concluir-se pela legalidade do período experimental de 180 dias, em face do disposto no artigo 381º al. a) do Código do Trabalho, em virtude da motivação apurada para a denúncia.
Apesar de pouco esclarecedor, porque pouco concretizado – digamos que a concretização estava perguntada no quesito 7º, onde se referia que as diferenças de partidos políticos se davam entre o Provedor e o pai da recorrente, e que mereceu resposta não provada – sempre foi dado como provado que o real motivo da denúncia foram divergências políticas. Repare-se que não ficou apurado que o comportamento da A. tenha sido sempre respeitoso, mas também não ficou provado que tenha sido desrespeitoso, e por isso o único facto provado relativo ao motivo da denúncia é a divergência política.
Ora, a denúncia no período experimental tem de resultar da própria razão de ser deste, isto é, há-de resultar dum motivo válido, legalmente aceitável, pelo qual a relação laboral não pareça conveniente. A diferença política, justamente por força do princípio constitucional da igualdade contido no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, não é um motivo válido. Nesse sentido, a denúncia corresponde ao aproveitamento de uma faculdade legal, mas concretamente dum direito de resolução sem justificação durante o período inicial do contrato, exercido manifestamente fora dos limites determinados pelo seu fim económico, e portanto em abuso de direito – artigo 334º do Código Civil.
Citamos a propósito o acórdão da Relação de Lisboa de 15.2.2012, sob o nº 896/03.7TTLSB.L1-4:Quanto à 2.ª questão (invalidade da denúncia do contrato de trabalho celebrado com o AA em sede de período experimental)
Sustentam os autores que é inválida a denúncia do contrato de trabalho com o autor AA no domínio do período experimental uma vez que não estava em causa a ineptidão, incompatibilidade ou frustração de expectativas entre o trabalhador e empregador, tendo a 1:ª ré agido com abuso de direito.
Nos termos do art.º 3.º do DL 64-A/89, de 27.02, aqui aplicável, o contrato de trabalho pode cessar por rescisão por qualquer das partes durante o período experimental, sendo que nos termos do art.º 55.º do mesmo diploma “Durante o período experimental salvo acordo escrito em contrário qualquer das partes pode rescindir o contrato sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a indemnização”.
A lei não nos fornece uma noção do período experimental. Tem-se entendido, porém, que o mesmo corresponde ao período inicial do contrato de trabalho durante o qual a entidade patronal avalia as aptidões do trabalhador para as exigências da função e características do posto do trabalho e este a aferição das condições e ambiente de trabalho – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Janeiro de 1995, CJ, 1995, I Volume, pág. 174.
Segundo Tatiana Almeida, “
Do período Experimental no Contrato de Trabalho”, Almedina, pág. 28, corresponde à fase de inicial ou preliminar da relação laboral durante o qual se possibilita aos contraentes uma avaliação dos termos concretos da execução do negócio jurídico celebrado. Na perspectiva de ambos os sujeitos, é o desenvolvimento factual da relação de trabalho que pode elucidar «a compatibilidade do contrato com os respectivos interesses, conveniências e necessidades» Monteiro Fernandes “Direito do Trabalho”, 11.ª Edição, Almedina, pág. 315.
Nesta linha, se é certo que o período experimental se destina a permitir um estudo mútuo dos contraentes, com ele também se possibilita uma avaliação das condições de execução do contrato de modo a que cada um deles julgue da conveniência de continuarem ou não uma relação estável - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 15.06.1994, CJ, 1994, Vol. III, pág. 177.
Como quer que seja, o período experimental corresponde a um
período de fragilidade de um contrato, por regra estável, em que as normas de ordem pública que o dominam, limitam a sua ruptura pelo empregador. Assim, se durante entre esse período as partes são livres de pôr fim ao contrato, essa liberdade não é absoluta (pode esconder, por exemplo, práticas discriminatórias), podendo ser aferida à luz da teoria do abuso do direito”.

Apurada a ilicitude do despedimento, vejamos os direitos que assistem à recorrida:
Reclamou ela na petição inicial: a declaração de ilicitude do despedimento e a condenação da Ré a pagar-lhe 2.668,26 euros de indemnização de antiguidade, 2.400,00 euros de indemnização por danos não patrimoniais e os créditos laborais vencidos desde 30 dias antes da propositura da acção e vincendos na pendência, acrescidos de juros vincendos, e na improcedência destes pedidos a compensação pelo pré-aviso não concedido.
Ora, assim sendo, procedendo a ilicitude do despedimento, há que revogar a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar o aviso prévio. À Autora assiste o direito de ser indemnizada em substituição da reintegração e o de receber as retribuições vencidas desde os 30 dias anteriores à propositura da acção – desde 25.4.2010 – e até ao trânsito em julgado da decisão que declarar a ilicitude do despedimento – artigos 389º nº 1 al. a) e b), 390º e 391º, todos do Código do Trabalho – com os contornos que abaixo delineamos.
A Autora foi contratada em 1.8.2009, tendo por isso, até à data, decorrido 3 anos e 5 meses e 3 dias. A indemnização em substituição da reintegração vence até ao trânsito em julgado da decisão que declarar a ilicitude do despedimento, sendo porém que a mesma é disponível após a cessação do contrato. Assim, só podemos atender ao valor efectivamente pedido pela Autora, que corresponde a 3 vezes a sua retribuição base.
Relativamente a danos não patrimoniais, a A. não fez qualquer prova dos mesmos, pelo que improcede o pedido de indemnização – artigos 483º e 496º do Código Civil.
Relativamente a retribuições vencidas desde 30 dias antes da propositura da acção e na pendência, isto é, até ao trânsito em julgado da decisão que declara a ilicitude do despedimento – que por isso importa relegar para liquidação do presente acórdão – com desconto das quantias recebidas a título de subsídio de desemprego – porém não comprovadamente recebido na sequência do despedimento promovido pela ré, mas sim na sequência do termo do contrato com a D......, por isso assumindo a natureza dum rendimento que não teria sido auferido se não tivesse ocorrido o despedimento dos autos, a descontar pois, mas sem obrigação da ré entregar o respectivo montante à Segurança Social – e dos vencimentos auferidos ao serviço da D.......
Quanto a juros de mora, são os mesmos pedidos apenas relativamente aos créditos laborais que se vencerem na pendência da acção. Os mesmos são devidos desde o vencimento de cada uma das retribuições intercalares, à taxa legal – artigos 804º, 805º nº nº 2 al. a) e nº 3, 2ª parte, ambos do Código Civil.

Concluíndo, procede o recurso, devendo revogar-se a sentença recorrida e substituí-la pelo presente acórdão, que julga a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, declara a ilicitude do despedimento da Autora, e em consequência condena a Ré a pagar-lhe a quantia de 2.668,26 (dois mil e seiscentos e sessenta e oito euros e vinte e seis cêntimos) acrescida do valor que se vier a apurar em liquidação do presente acórdão relativo às retribuições vencidas desde 25.4.2010 até ao trânsito em julgado da decisão final que declarar ilícito o despedimento, com desconto das quantias auferidas a título de vencimentos pagos pela empresa D...... e com desconto dos valores recebidos a título de subsídio de desemprego, valor esse acrescido de juros de mora sobre cada uma retribuiçoes intercalares vencidas desde a interposição da acção, à taxa legal, e até integral pagamento.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam conceder provimento ao recurso, revogam a sentença recorrida, que substituem pelo presente acórdão que julga a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, declara a ilicitude do despedimento da Autora, e em consequência condena a Ré a pagar-lhe a quantia de 2.668,26 (dois mil e seiscentos e sessenta e oito euros e vinte e seis cêntimos) acrescida do valor que se vier a apurar em liquidação do presente acórdão relativo às retribuições vencidas desde 25.4.2010 até ao trânsito em julgado da decisão final que declarar ilícito o despedimento, com desconto das quantias auferidas a título de vencimentos pagos pela empresa D...... e com desconto dos valores recebidos a título de subsídio de desemprego, valor esse acrescido de juros de mora sobre cada uma retribuiçoes intercalares vencidas desde a interposição da acção, à taxa legal, e até integral pagamento.
Custas pela recorrida.

Porto, 4.2.2013
Eduardo Petersen Silva
João Diogo Rodrigues
Paula Maria Roberto
______________________
Sumário:
I. Tendo a trabalhadora contratada por tempo indeterminado, como enfermeira, realizado estágio profissional em contexto real de trabalho no período de 9 meses que imediatamente antecederam a celebração do contrato de trabalho e o início da prestação laboral, tal facto permitiu suficientemente às partes verificarem a conveniência da manutenção da sua vinculação laboral, determinando assim a eliminação do período experimental de 180 dias estabelecido no contrato, por força do disposto no artigo 112º nº 4 do Código do Trabalho.
II. A determinação da duração do período experimental de 180 dias faz-se sobre a alegação concreta dos factos integrantes da complexidade técnica e especial responsabilidade.
III. O período experimental para uma enfermeira que acaba de iniciar a sua carreira é de 90 dias, tendo por referência, por força do princípio da igualdade, o disposto no artigo 19º nº 1 do DL 248/2009 de 22 de Setembro.
IV. Apurando-se que o verdadeiro motivo da denúncia em período experimental foram diferenças de partidos políticos, e só se apurando este motivo, a denúncia seria sempre exercida em abuso de direito.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).
___________________
[1] A al. I dos factos assentes tem o seguinte teor: “Mediante a celebração de contrato de trabalho a termo certo, pelo período de 2 meses, entre 01/01/2010 e 28/02/2010, a A. foi admitida pela empresa “D......, Unipessoal, Ldª” para exercer as funções inerentes à categoria de vendedora”.
[2] Com referência aos contratos de prestação de serviços efectivamente dignos desse nome.