Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1826/09.5TBAMT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TELES DE MENEZES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP201301101826/09.5TBAMT-A.P1
Data do Acordão: 01/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A perda da coisa locada determina a caducidade do arrendamento, nos termos gerais do art.º 790.º, n.º1, do Código Civil.
II - Se a perda é total, a obrigação do locador extingue-se desde logo;
III - Se for parcial e devida a causa que não lhe seja imputável, rege o disposto no art.º 793.º do mesmo Código.
IV - Todavia, a obrigação não se extingue se a impossibilidade for imputável ao devedor, mas, face à impossibilidade da prestação que se traduz na obrigação de o locador proporcionar o gozo da coisa para os fins a que se destina, o direito e a obrigação de prestar são substituídos pelo dever de indemnizar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1826/09.5TBAMT-A.P1 – 3.ª
Teles de Menezes e Melo – n.º 1367
Mário Fernandes
Leonel Serôdio

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
B… e mulher C… instauraram a presente providência cautelar comum contra D… e E…, pedindo que se determine a impossibilidade de os requeridos darem de arrendamento o rés-do-chão e o 1.º andar do prédio urbano sito na Rua …, freguesia …, descrito sob o n.º 1132 até ao trânsito em julgado da acção principal e a retirada de todas as placas e demais publicitações que coloquem o rés-do-chão e 1.º andar no mercado de arrendamento.
Alegaram que são arrendatários do imóvel e foram desalojados para a realização de obras urgentes, mas os requeridos, comproprietários do mesmo, não mais permitiram o seu regresso ao locado.

Os requeridos deduziram oposição, alegando que todo o edifício ruiu por facto que não lhes é imputável, pelo que o contrato de locação caducou.

Os requerentes responderam à excepção.

Realizou-se o julgamento e veio a ser proferida decisão que julgou manifestamente improcedente o pedido, dele absolvendo os requeridos.

II.
Recorreram os requerentes, concluindo:
1. Os Recorrentes não podem aceitar a douta decisão posta em crise, assente no pressuposto de que o imóvel dos autos tenha súbita e fortuitamente ruído, por acção alheia aos Requeridos, caducando o contrato de arrendamento por perda da coisa arrendada.
2. Antes de mais, parece haver uma gritante contradição entre os factos dados como provados nos pontos 22 a 24 da douta decisão em apreço: não se percebe como pode o Tribunal a quo aceitar que existisse no local um improvável cabo a suportar as escadas do imóvel e que – a ser tal verdade – os trabalhadores tenham usado de toda a prudência na sua actuação, sendo a decisão de o cortar a sua primeira resolução.
3. Para além de contrário a quaisquer regras de experiência comum, é manifestamente ilógico porque tal constatação sempre implicaria cuidados redobrados ao invés da urgência em começar precisamente por cortá-lo, e também porque dificilmente se concebe que a remoção da fonte de sustentação de umas escadas em madeira no interior do imóvel pudesse ter a virtualidade de causar o desaparecimento instantâneo de todo o edifício.
4. E a verdade é que nenhum elemento de prova sustenta as premissas inerentes a tal entendimento:
a) O depoimento da testemunha F…, registado no ficheiro áudio digital “20120914104609_117874_64132”, minutos 10:00 a 15:00;
b) O depoimento da testemunha G…, registado no ficheiro áudio digital “20120914111632_117874_64132”, minutos 06:25 a 08:05;
c) O depoimento da testemunha H…, registado no ficheiro áudio digital “20120914112701_117874_64132”, minutos 26:20 a 35:39;
d) O depoimento da testemunha I…, registado no ficheiro áudio digital “20120914120323_117874_64132”, minutos 26:20 a 35:39,
Todos eles em sentido contrário ao decidido.
5. O certo é que o prédio tem pelo menos 75 anos de existência e é residência dos Recorrentes há mais de 50 anos, nunca antes tendo sido objecto de obras por parte dos Recorridos, como era sua obrigação na qualidade de senhorios.
6. Em consonância, não pode aceitar-se que a coisa locada se tenha perdido, com a consequente caducidade do contrato de arrendamento que ligava Requerentes e Requeridos.
7. Com efeito, nunca ocorreu o desaparecimento do imóvel nem tampouco se lhe seguiu a construção de um outro, com existência jurídica autónoma.
8. Ora, do ponto de vista registral e matricial, o imóvel tem a mesma existência, independentemente dos trabalhos que os Requeridos/Recorridos nele optaram por efectuar, como se infere da conservação da sua originária inscrição sob o art.º 106 e descrição com o n.º 01132/980916.
9. Em segundo lugar, o próprio Alvará de Licenciamento n.º ../06 emitido pelos competentes serviços da CM de … prescreve a intervenção levada a cabo como meras “obras de remodelação”, definidas no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (DL n.º 555/99, de 16-12) como tendo por objecto o mesmo edifício, ao invés das “Obras de Construção” que pressupõem a criação de novas edificações, o que não se verifica.
10. Por último, e do ponto de vista material, a verdade é que o imóvel manteve-se o mesmo, conservando inalterada grande parte das suas estruturas – do que se destaca a própria fachada, para lá da cércea e do número de pisos –, sendo assim falso que todo o edifício em causa nos autos tenha ruído e que já não exista em termos em que seja inviável para o fim a que se destinava – reitera-se aqui o já vertido e apreciado no ponto 1. supra.
11. Em face do que se deixou demonstrado, ocorreu, isso sim, uma simples intervenção de remodelação, sem significado jurídico novo (ou de novidade), sendo que o imóvel, enquanto objecto do contrato, não deixou de existir nem impossibilitou supervenientemente o arrendamento – neste sentido, aliás, vejam-se os Acs. STJ de 7-7-199 (Revista 533/99) e 18-9-2003 (Revista 2238/03) disponíveis em www.stj.pt.
12. Na verdade, nem o imóvel ruiu fortuitamente nem nunca se viu reduzido a meros escombros, veja-se, a título de exemplo, a preservação estratégica de toda a fachada.
13. Por tudo quanto se deixou alegado nos pontos 1. e 2., ponderada correctamente a prova testemunhal produzida e feita a sua devida conjugação com os elementos documentais nos autos – máxime o Alvará de Obras e o Auto de Vistoria (respectivamente docs. 3 e 8 da Certidão que compõe o Doc. 5 junto à PI do processo principal a que o presente corre por apenso), impõe-se a alteração dos seguintes factos dados como provados na douta decisão sob recurso:
-os n.ºs 21 a 23, 25, 26, 28, 29 e 31 que acolheram indevidamente a tese da ruína súbita do imóvel por facto alheio aos Requeridos/Recorridos;
-os n.ºs 4 a 6, 24, 27, 30, 32 a 37, no sentido do total desaparecimento do locado.
14. Com efeito, dos mesmos deve constar a redacção que retro se verteu em alegações e aqui se dá por reproduzida, com eliminação total dos pontos 21, 25, 26, 28 a 30, e 32 a 37:
15. Por outro lado, demonstrada a deliberada reabilitação do locado por acção dos senhorios Recorridos em lugar da sua ruína fortuita e redução a meros escombros, impõe-se a desconsideração da perda da coisa locada.
16. Com efeito, o locado existe e serve os mesmos fins habitacionais que aproveitavam aos Recorrentes; por outras palavras, o objecto contratual não desapareceu nem o arrendamento se mostra supervenientemente impossível – pressupostos que a doutrina e a jurisprudência há muito fazem decorrer do art.º 1051.º, n.º 1, e) do Código Civil para verificação da caducidade do contrato de arrendamento (cfr. Ac. STJ de 5-1-1998, disponível em www.stj.pt);
17. Assim sendo, deve ter-se por subsistente, válido e juridicamente vinculante o laço contratual arrendatício que Requeridos e Recorrentes, importando por isso acautelar o direito destes na pendência da acção principal.
18. Com efeito, é evidente que não objectar a possibilidade de os Recorridos darem de arrendamento tal imóvel a terceiros antes de ser proferida decisão de mérito na acção causará nos Recorrentes lesão grave e dificilmente reparável no seu direito.
19. Aliás, tal significaria o esvaziamento do alcance e do efeito útil visado pelos aqui Recorrentes com a apresentação da acção já no ano de 2009, em especial o pedido de restituição da posse do arrendado, sua casa de morada de família há mais de 50 anos!
20. Impõe-se, por isso, a procedência da presente Apelação, sob pena de os Recorridos conseguirem materializar o efeito prático de despejo dos Recorrentes que sempre almejaram e puseram em marcha em 2007, a pretexto da realização de obras de 3 dias.
21. A douta decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 1051.º, n.º 1, e), 1074.º, 1037.º, n.º 2, e 1277.º do CC, e 381.º, n.ºs 1 e 2, 387.º, n.º 1 e 390.º do CPC.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que altere a matéria de facto dada como provada e determine o deferimento das providências cautelares requeridas com o que farão V.Ex.ªs a espera e costumada JUSTIÇA!

Não foi oferecida resposta.

III.
Questões:
- erro na decisão da matéria de facto;
- não ocorrência da perda da coisa locada e consequente caducidade do contrato de arrendamento;
- manutenção do vínculo contratual de arrendamento entre requerentes e requeridos.

IV.
Factos considerados provados na decisão:
1.º Nos autos principais de acção declarativa a que o presente procedimento cautelar corre por apenso, os ora Requerentes alegaram, em suma e com interesse para o presente, os seguintes factos:
a) Serem desde 1956 arrendatários do prédio urbano propriedade dos então RR melhor identificado no art.º 1.º da PI, a saber: prédio urbano sito na Rua …, s/n, na freguesia …, em Amarante, composto por rés-do-chão, primeiro andar e segundo andar, inscrito na matriz sob o art.º 106 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o n.º 01132;
b) Por contrato verbal realizado em Abril de 1956 por J… e mulher K… na qualidade de proprietários -à altura - do referenciado imóvel, deram os mesmos de arrendamento aos aqui Requeridos, que assim o tomaram, o supra identificado prédio;
c) Desde aquela data que os Requerentes na indicada qualidade de inquilinos, têm vindo a ocupar o imóvel em causa, nomeadamente o rés-do-chão e o primeiro andar;
d) Em virtude daquele contrato, obrigaram-se os senhorios a proporcionar aos Requerentes o gozo temporário do referido prédio, mediante retribuição mensal que era paga na residência dos senhorios.
e) a desocupação do referido prédio na sequência de procedimento cautelar intentado pelo 1.º Requerido em 2007 para alegada realização de obras urgentes;
f) a caducidade do mesmo procedimento por facto imputável ao então Requerente e a ordem judicial do seu levantamento;
g) o não realojamento dos aqui Requerentes pelos Requeridos, entretanto albergados por favor e em condições precárias em casa de familiares;
h) que desde então permanecem os Requerentes impedidos de normalmente gozarem e efectivamente usarem o locado - cfr. docs. 1, 2, e 5 do RI.
2.º Os Requerentes peticionaram no âmbito da acção declarativa a que o presente corre por apenso, entre o mais, a restituição da posse efectiva do arrendado que constituía sua casa de morada de família, devidamente reparado, e pronto a ser habitado.
3.º Os Requerente foram muito recentemente alertados por pessoas conhecidas para o facto de terem sido afixadas no imóvel placas de uma agência imobiliária com a menção “Arrenda-se”, pelo que logo lhes solicitaram a recolha das fotografias que adiante se juntam sob os docs. 1 a 4
4. O prédio que os aqui requerentes ocupavam ruiu totalmente e já não existe.
5. A edificação construída no prédio dos requeridos é recente, tendo sido construída de raiz e terminada em 2011.
6. O prédio que actualmente se encontra edificado no imóvel dos requeridos é diferente do que foi ocupado pelos aqui requerentes até Junho de 2007.
7. As áreas, dimensões e tipologias do novo edifício construído de raiz no imóvel em questão são totalmente diferentes das áreas, dimensões e tipologias existentes no edifício outrora ocupado pelos aqui requerentes.
8. Até ao dia 1 de Junho de 2007, os requerentes ocupavam o rés-do-chão e o 1º andar do prédio urbano sito na Rua …, s/n, Freguesia …, Amarante, inscrito na matriz sob o artigo 106º da respectiva freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o nº 01132/980916 para aí albergarem animais e depositarem os mais diversos bens móveis, apesar da ocupação ter sido autorizada única e exclusivamente para habitação.
9. Conforme resulta do artigo 5.º da réplica apresentada no processo principal pelos aqui requerentes, estes pernoitavam na casa do seu filho (onde, de resto, actualmente continuam a residir),
10. Aí tomando igualmente as suas refeições e fazendo desse imóvel do seu filho a verdadeira casa de morada de família.
12. O prédio em questão atingiu níveis de degradação inimagináveis, conforme consta das fotografias juntas aos autos principais e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
13. O imóvel ameaçava ruína e colapso iminente aquando do inevitável recurso à via judicial por parte dos aqui requeridos.
14. As autoridades públicas isolaram inclusivamente o imóvel com grades e fitas, a fim de minorar eventuais danos causados com a derrocada do prédio.
15. A protecção civil encerrou a Rua ao trânsito, em virtude do perigo que a casa ameaçava para quem circulava nas suas imediações.
16. E os ora requerentes não permitiam a realização de quaisquer obras no prédio sem receberem como contrapartida € 50.000,00, mesmo conscientes do risco que corriam na eventualidade do edifício desabar quando lá permanecessem.
17. Após a desocupação do prédio pelos aqui requerentes imposta pelo Tribunal, o empreiteiro contratado iniciou a demolição controlada da parede lateral do imóvel que já se encontrava completamente deslocada do mesmo.
18. E retirou algumas telhas do prédio.
19. Sempre com cuidados redobrados para evitar danos nos seus empregados, atento o estado do prédio.
20. Preparava-se para cumprir as obras urgentes especificadas no auto de vistoria.
21. No entanto, tal cumprimento revelou-se mais tarde completamente impossível.
22. Com efeito, os trabalhadores na obra foram surpreendidos com o facto de as escadas do prédio estarem seguras a pilares com recurso a cabos, sendo essa a única fonte de sustentação das mesmas.
23. Ora, com todos os cuidados imagináveis, os trabalhadores procederam ao corte dos cabos incompreensivelmente colocados pelos aqui requerentes.
24. E acto contínuo, todo o edifício ruiu.
25. Ninguém presente queria acreditar na irresponsabilidade dos aqui requerentes, que mantinham toda a edificação de pé apenas com recurso a cabos que ligavam a estrutura das escadas aos pilares!
26. E que um simples rebentamento dos cabos significava o desabamento da edificação.
27. A verdade é que todo o prédio ruiu em escassos segundos, em virtude da actuação dos aqui requerentes ao ligar a estrutura das escadas aos pilares do imóvel com recurso a simples cabos.
28. Tal situação era oculta, pois não era visível aos técnicos da Câmara Municipal (que nunca chegaram a entrar na habitação e a aperceber-se do real nível de degradação), nem aos aqui requeridos.
29. E os requerentes, à revelia das obrigações contratuais, nunca informaram os requeridos de que todo o edifício estava seguro apenas por cabos por si colocados.
30. A verdade é que todo o edifício desapareceu.
31. Os empregados da sociedade comercial por quotas “L…, Lda” limparam os escombros.
32. No entanto, no espaço onde antes existia um prédio dividido em rés-do-chão, 1º andar e 2º andar, passou a não existir absolutamente nada.
Conforme resulta das fotografias tiradas ao local e que foram juntas como documentos nºs 7, 8, 9 e 10 na contestação com reconvenção apresentada nos autos principais e que aqui se consideram integralmente reproduzidas.
33. Assim, aquele espaço anteriormente ocupado pelos requerentes desapareceu.
34. Passou a não existir nada, a não ser erva e alguns pilares.
35. Ou seja, perdeu-se.
36. E perdeu-se por motivos estranhos aos aqui requeridos.
37. Devendo-se tal perda aos aqui requerentes que, sem o conhecimento e consentimento dos requeridos, montaram ocultamente um deficiente e grosseiro sistema para manter a edificação de pé, através da ligação de cabos aos pilares, sem prejuízo da restante degradação do edifício.

V.
Os apelantes impugnam os factos 4 a 6, 21 a 37, pedindo que os factos 21, 25, 26, 28 a 30 e 32 a 37 sejam eliminados e que aos demais se responda como propugnam.
São estes os factos que querem ver eliminados:
21. No entanto, tal cumprimento revelou-se mais tarde completamente impossível.
25. Ninguém presente queria acreditar na irresponsabilidade dos aqui requerentes, que mantinham toda a edificação de pé apenas com recurso a cabos que ligavam a estrutura das escadas aos pilares!
26. E que um simples rebentamento dos cabos significava o desabamento da edificação.
28. Tal situação era oculta, pois não era visível aos técnicos da Câmara Municipal (que nunca chegaram a entrar na habitação e a aperceber-se do real nível de degradação), nem aos aqui requeridos.
29. E os requerentes, à revelia das obrigações contratuais, nunca informaram os requeridos de que todo o edifício estava seguro apenas por cabos por si colocados.
30. A verdade é que todo o edifício desapareceu.
32. No entanto, no espaço onde antes existia um prédio dividido em rés-do-chão, 1º andar e 2º andar, passou a não existir absolutamente nada.
Conforme resulta das fotografias tiradas ao local e que foram juntas como documentos nºs 7, 8, 9 e 10 na contestação com reconvenção apresentada nos autos principais e que aqui se consideram integralmente reproduzidas.
33. Assim, aquele espaço anteriormente ocupado pelos requerentes desapareceu.
34. Passou a não existir nada, a não ser erva e alguns pilares.
35. Ou seja, perdeu-se.
36. E perdeu-se por motivos estranhos aos aqui requeridos.
37. Devendo-se tal perda aos aqui requerentes que, sem o conhecimento e consentimento dos requeridos, montaram ocultamente um deficiente e grosseiro sistema para manter a edificação de pé, através da ligação de cabos aos pilares, sem prejuízo da restante degradação do edifício.
Para os demais pretendem as seguintes respostas:
4. O prédio que os aqui requerentes ocupavam ruiu parcialmente e foi remodelado.
Resposta dada na 1.ª instância:
O prédio que os aqui requerentes ocupavam ruiu totalmente e já não existe.
5. A remodelação do prédio dos requeridos é recente, aproveitando pilares, cércea e fachada da sua configuração inicial, e foi terminada em 2011.
Resposta dada:
A edificação construída no prédio dos requeridos é recente, tendo sido construída de raiz e terminada em 2011.
6. O prédio que actualmente se encontra edificado no imóvel dos requeridos é jurídica e materialmente o mesmo que foi ocupado pelos aqui requerentes até Junho de 2007.
Resposta dada:
O prédio que actualmente se encontra edificado no imóvel dos requeridos é diferente do que foi ocupado pelos aqui requerentes até Junho de 2007.
22. Os trabalhadores da obra puderam constatar que as escadas de madeira no interior do edifício encontravam-se reforçadas por ligação a pilares de suporte.
Resposta dada:
Com efeito, os trabalhadores na obra foram surpreendidos com o facto de as escadas do prédio estarem seguras a pilares com recurso a cabos, sendo essa a única fonte de sustentação das mesmas.
23. Ainda assim, cientes de tal condicionalismo, os trabalhadores procederam à remoção de tais elementos de sustentação.
Resposta dada:
Ora, com todos os cuidados imagináveis, os trabalhadores procederam ao corte dos cabos incompreensivelmente colocados pelos aqui requerentes.
24. E acto contínuo, tais escadas ruíram.
Resposta dada:
E acto contínuo, todo o edifício ruiu.
27. A verdade é que apenas essa parte do prédio ruiu, em virtude da descrita actuação dos trabalhadores contratados pelos requeridos.
Resposta dada:
A verdade é que todo o prédio ruiu em escassos segundos, em virtude da actuação dos aqui requerentes ao ligar a estrutura das escadas aos pilares do imóvel com recurso a simples cabos.
31. Os empregados do empreiteiro contratado pelos Requeridos procederam às demais demolições, limpezas e trabalhos de remodelação necessários à reabilitação do edifício, hoje em perfeitas condições de habitabilidade.
Resposta dada:
Os empregados da sociedade comercial por quotas “L…, Lda” limparam os escombros.

Os apelantes começam por apontar uma “gritante contradição” entre os factos 22 a 24, mas percebe-se pela sua argumentação que mais do que essa deficiência acham é que os mesmos são pouco verosímeis.
Concede-se que causa alguma perplexidade dizer-se que as escadas estavam seguras por cabos aos pilares e que quando os cabos foram cortados todo o edifício ruiu. Mas cremos que essa obscuridade deve resolver-se em sede de avaliação da impugnação feita.
Não deixa de se notar que os recorrentes invocam os depoimentos das testemunhas F… e G…, os quais a Sr.ª Juíza considerou pouco fiáveis na fundamentação da decisão de facto.
Enquadremos, no entanto, os factos impugnados com o que resulta da gravação dos depoimentos das testemunhas.
O facto 4 foi fixado pelo Tribunal a quo desta forma: O prédio que os aqui requerentes ocupavam ruiu totalmente e já não existe; e os apelantes querem a seguinte formulação: O prédio que os aqui requerentes ocupavam ruiu parcialmente e foi remodelado.
O depoimento da testemunha F… é revelador quanto ao estado do prédio onde se situava o locado. Na verdade, disse que a casa estava velha e que os requerentes já lá não dormiam, fazendo-o na casa do filho, apesar de de dia irem para lá e manterem lá uns animais. Aludiu a ter ocorrido um fogo no prédio, sendo a partir daí que os requerentes foram dormir para casa do filho. Considerou que o estado da casa não oferecia perigo, mas referiu que a casa ao lado, de onde tinham saído umas senhoras também arrendatárias, estava a cair (a casa ao lado seria o lado esquerdo do prédio, onde habitava outra família, segundo disse a testemunha G…, sobrinha dos requerentes, que mencionou que o prédio estava dividido em dois, sendo o direito o deles). Disse, ainda, que os trolhas desmontaram as partes de madeira do imóvel, ficando a parte inferior e a fachada de pedra.
O depoimento da testemunha G… também permite aquilatar do estado do imóvel onde se situava o locado. Referiu a existência de um fogo há uns cinco anos, que levou a que os tios deixassem de dormir lá. Afirmou que a parte habitada pelos tios não estava degradada, mas admitiu que o lado esquerdo, onde habitava outra família, estava. Referiu que a fachada do edifício é a mesma, e que desconhece se agora existe ligação entre o rés-do-chão e o 1.º andar, como o tio tinha.
H…, empreiteiro dos requeridos que andou na renovação do prédio, embora não tenha concluído a obra, revelou que o edifício estava com escoras, que foi incumbido de arranjar a parte de cima que estava destruída (por cima do 1.º andar em que os requerentes ocupavam o lado direito havia ainda outro espaço, parece que uma espécie de sótão). Num determinado dia choveu muito e o edifício podia vir a baixo, pelo que fez uma participação à câmara (fls. 204, que corresponde a doc. do processo principal). Esteve presente no dia em que os requerentes saíram (por determinação judicial), transportando-lhes as coisas e os animais (fls. 156-157). Não retiraram alguns bens por motivos de segurança, visto a escada estar a cair e temerem carregar coisas pesadas por ela (ibid.). Uma parede lateral estava deslocada. Tentou pô-la direita, mas viu que havia uns arames presos numa pedra, umas arriostas, que suportavam a escadaria. Quando cortaram o arame aquilo veio tudo abaixo - a escadaria por onde o requerente subia para o andar de cima é que ruiu completamente quando cortaram a arriosta. Isso levou a que tivessem de pedir licença para fazer obras. A fachada de pedra foi a única que ficou direita.
I…, engenheiro da câmara, referiu que quando fizeram a vistoria o prédio não tinha condições de habitabilidade, havendo uma degradação, uma depreciação. A cobertura permitia a entrada de humidades e quando isso acontece, como a estrutura é de tabique degrada-se muito depressa. O processo de ruína já se tinha iniciado. A cobertura estava em ruína e já não tinha caixilharias.
M…, cunhado do requerido D…, referiu que antes das obras não entrou na casa, mas que esta estava em ruínas. Não sabe se sofreu alterações de área ou outras. O rés-do-chão é para zona comercial. No 1.º andar tem esquerdo e direito. O rés-do-chão não dá acesso ao 1.º andar.
Perante esta prova, o facto tem de fixar-se nestes moldes: O prédio que os aqui requerentes ocupavam ruiu parcialmente. Com efeito, tendo permanecido a parte de baixo que era em pedra e sobre a qual assentava a estrutura de tabique, bem como a fachada, não pode falar-se de ruína total e de não existência. Na verdade, do auto de vistoria realizado por determinação da Câmara Municipal …, junto a fls. 152-153, por certidão extraída do processo principal, a qual teve lugar em 14.05.2007, consta que se trata de um edifício com cerca de 100 anos, constituído por rés-do-chão, 1.º e 2.º andar, com paredes resistentes de alvenaria de granito ao nível do rés-do-chão, ao passo que os 1.º e 2.º andares eram um misto de paredes de estafe e tabique com estrutura resistente em madeira. Assim, a estrutura de alvenaria de granito ao nível do rés-do-chão não tinha porque ruir, como não ruiu a fachada. Por outro lado, a última parte do facto pretendida pelos apelantes extravasa a matéria e é conclusiva.
O facto 5 não pode manter-se com a formulação que lhe foi dada (A edificação construída no prédio dos requeridos é recente, tendo sido construída de raiz e terminada em 2011). Com efeito, se no prédio permaneceram a parte inferior em pedra e a fachada, não pode falar-se em construção da raiz. Por outro lado, também não pode falar-se em mera remodelação, como pretendem os apelantes, já que as obras consistiram numa reconstrução do anteriormente existente e que ou ruiu acima do rés-do-chão ou foi desmontado pelas péssimas condições em que se encontrava. Do auto de vistoria já mencionado consta que “à excepção das paredes em alvenaria de granito ao nível do r/c, todos os restantes elementos constituintes do edifício visíveis (paredes exteriores, cobertura e telhado) estão em adiantado estada de degradação, verificando-se inclusive o escoramento precário da fachada lateral direita ao nível do 1.º piso, dado que esta já descolou do edifício. Pelo que, a edificação apresenta-se em estado de colapso iminente”.Por isso, o facto terá esta formulação: Os requeridos reconstruíram a parte do prédio que ruiu, apenas se tendo mantido a parte inferior em pedra e a fachada, e tendo as obras terminado em 2011.
O facto 6 não pode ficar com a redacção pedida pelos apelantes. É que não se pode dizer num facto que um prédio é jurídica e materialmente o mesmo. Por outro lado, embora não saibamos, rigorosamente, qual a actual configuração do interior do imóvel, sabemos que não há ligação entre o rés-do-chão e o 1.º andar do lado que era ocupado pelos requerentes, quando anteriormente havia (depoimentos da testemunha G…, que disse que os tios tinham ligação entre esses pisos no lado que ocupavam, e da testemunha M…, que disse que agora não há essa ligação).
Por isso, o facto redigir-se-á deste modo:
Com as obras efectuadas no imóvel, a sua configuração interior passou a ser diferente do que foi ocupado pelos requerentes até Junho de 2007.
O facto 22 deve alterar-se, por nada interessar a surpresa dos trabalhadores, que será um fait divers, passando a ficar redigido assim:
As escadas interiores de madeira estavam seguras a pilares da parede desse lado com recurso a cabos de arame.
O facto 23 deve ser alterado, por os factos não admitirem considerandos desnecessários. Ficará assim:
Os trabalhadores procederam ao corte dos cabos referidos no facto anterior, que haviam sido colocados pelos requerentes.
O facto 24 tem de ser alterado, porque não se percebe como o corte do suporte em arame das escadas de madeira faria ruir todo o edifício. Mas sabemos, pelo que disse o empreiteiro, que a parede a que estavam adoçadas as escadas também ruiu. Por isso formular-se-á o facto deste modo:
E acto contínuo, tais escadas e a parede desse lado ruíram.
O facto 27 tem de ser alterado, por forma a ficar a constar:
Provado apenas o que consta do facto 24.
O facto 31 tem de ser alterado. Na realidade, a testemunha F… referiu que o que não caiu em tabique foi desmontado pelo empreiteiro, que até levou a madeira. Assim, o facto será:
Os empregados da sociedade comercial por quotas “L…, Lda” limparam os escombros e removeram a parte em tabique do prédio que não ruiu.
Finalmente, há que analisar o facto 7 (As áreas, dimensões e tipologias do novo edifício construído de raiz no imóvel em questão são totalmente diferentes das áreas, dimensões e tipologias existentes no edifício outrora ocupado pelos aqui requerentes.), apesar de não ter sido impugnado, para não haver contradição com o facto 6, e porque, em rigor, para além de sabermos que agora não há ligação do rés-do-chão com o 1.º andar antigamente ocupados pelos requerentes, não sabemos mais da configuração do imóvel por dentro.
Assim, o facto passará a ser:
Provado apenas o que consta do facto 6.

Passemos a analisar os factos que os apelantes pretendem ver eliminados.
O facto 21 (No entanto, tal cumprimento revelou-se mais tarde completamente impossível) é uma conclusão, pelo que se elimina, visto que o n.º 2 do art. 653.º do CPC só permite que o tribunal emita pronúncia sobre factos.
O facto 25 (Ninguém presente queria acreditar na irresponsabilidade dos aqui requerentes, que mantinham toda a edificação de pé apenas com recurso a cabos que ligavam a estrutura das escadas aos pilares!) encerra uma crítica ou consideração pejorativa, pelo que sofre do mesmo defeito, também se eliminando.
O facto 26 (E que um simples rebentamento dos cabos significava o desabamento da edificação) também não contém matéria de facto, pelo que se elimina.
O facto 28 (Tal situação era oculta, pois não era visível aos técnicos da Câmara Municipal (que nunca chegaram a entrar na habitação e a aperceber-se do real nível de degradação), nem aos aqui requeridos.) tem de expurgar-se de considerandos, pelo que se reformula nestes termos: Os técnicos da Câmara Municipal e os requeridos desconheciam a situação referida no facto 22.
O facto 29 (E os requerentes, à revelia das obrigações contratuais, nunca informaram os requeridos de que todo o edifício estava seguro apenas por cabos por si colocados.) tem também de ser expurgado de considerandos jurídicos e deve ser corrigido no que dele sobra em conformidade com a prova produzida, da qual resulta que não era todo o edifício que estava seguro por cabos, mas a escada de acesso ao 1.º andar de que se serviam os requerentes. Assim, ficará com esta formulação: Os requerentes não informaram os requeridos da situação referida no facto 22.
O facto 30 (A verdade é que todo o edifício desapareceu.) tem de ter resposta restritiva: Provado apenas que o edifício ruiu ou foi desmantelado acima do rés-do-chão, com excepção da fachada.
O facto 32 (No entanto, no espaço onde antes existia um prédio dividido em rés-do-chão, 1º andar e 2º andar, passou a não existir absolutamente nada.) tem de ser também alterado: Provado apenas que do edifício sobraram as paredes de alvenaria de granito do rés-do-chão e a fachada.
O facto 33 (Assim, aquele espaço anteriormente ocupado pelos requerentes desapareceu.) tem de ser alterado: Provado que a fracção do edifício que era ocupada anteriormente pelos requerentes ruiu.
O facto 34 (Passou a não existir nada, a não ser erva e alguns pilares.) tem de ser “não provado”.
O facto 35 (Ou seja, perdeu-se.) é conclusivo e contém o termo legal, pelo que se elimina.
O facto 36 (E perdeu-se por motivos estranhos aos aqui requeridos.) é conclusivo, pelo que se elimina.
O facto 37 (Devendo-se tal perda aos aqui requerentes que, sem o conhecimento e consentimento dos requeridos, montaram ocultamente um deficiente e grosseiro sistema para manter a edificação de pé, através da ligação de cabos aos pilares, sem prejuízo da restante degradação do edifício.) é parcialmente conclusivo, tendo de ser adequado à prova feita na parte restante. Com efeito, não se provou que a ruína tivesse ficado a dever-se à actuação dos requerentes. Parece, até, que ficou a dever-se ao estado de degradação a que se deixou chegar o imóvel. Não pode confundir-se o remedeio de se suportarem as escadas com cabos de arames com a sustentação do edifício por meio desses cabos, o que não tem qualquer sentido. Por isso, passará a ter esta redacção: Provado apenas que os requerentes, sem o conhecimento e consentimento dos requeridos, procederam em conformidade com o descrito no facto 22.

Os factos após a alteração a que se procedeu:
1.º Nos autos principais de acção declarativa a que o presente procedimento cautelar corre por apenso, os ora Requerentes alegaram, em suma e com interesse para o presente, os seguintes factos:
a) Serem desde 1956 arrendatários do prédio urbano propriedade dos então RR melhor identificado no art.º 1.º da PI, a saber: prédio urbano sito na Rua …, s/n, na freguesia …, em Amarante, composto por rés-do-chão, primeiro andar e segundo andar, inscrito na matriz sob o art.º 106 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o n.º 01132;
b) Por contrato verbal realizado em Abril de 1956 por J… e mulher K… na qualidade de proprietários - à altura - do referenciado imóvel, deram os mesmos de arrendamento aos aqui Requeridos, que assim o tomaram, o supra identificado prédio;
c) Desde aquela data que os Requerentes na indicada qualidade de inquilinos, têm vindo a ocupar o imóvel em causa, nomeadamente o rés-do-chão e o primeiro andar;
d) Em virtude daquele contrato, obrigaram-se os senhorios a proporcionar aos Requerentes o gozo temporário do referido prédio, mediante retribuição mensal que era paga na residência dos senhorios.
e) A desocupação do referido prédio na sequência de procedimento cautelar intentado pelo 1.º Requerido em 2007 para alegada realização de obras urgentes;
f) A caducidade do mesmo procedimento por facto imputável ao então Requerente e a ordem judicial do seu levantamento;
g) O não realojamento dos aqui Requerentes pelos Requeridos, entretanto albergados por favor e em condições precárias em casa de familiares;
h) Que desde então permanecem os Requerentes impedidos de normalmente gozarem e efectivamente usarem o locado - cfr. docs. 1, 2, e 5 do RI.
2.º Os Requerentes peticionaram no âmbito da acção declarativa a que o presente corre por apenso, entre o mais, a restituição da posse efectiva do arrendado que constituía sua casa de morada de família, devidamente reparado, e pronto a ser habitado.
3.º Os Requerentes foram muito recentemente alertados por pessoas conhecidas para o facto de terem sido afixadas no imóvel placas de uma agência imobiliária com a menção “Arrenda-se”, pelo que logo lhes solicitaram a recolha das fotografias que adiante se juntam sob os docs. 1 a 4
4. O prédio que os aqui requerentes ocupavam ruiu parcialmente.
5. Os requeridos reconstruíram a parte do prédio que ruiu, apenas se tendo mantido a parte inferior em pedra e a fachada, e tendo as obras terminado em 2011.
6. Com as obras efectuadas no imóvel, a sua configuração interior passou a ser diferente do que foi ocupado pelos requerentes até Junho de 2007.
7. Provado apenas o que consta do facto 6.
8. Até ao dia 1 de Junho de 2007, os requerentes ocupavam o rés-do-chão e o 1º andar do prédio urbano sito na Rua …, s/n, Freguesia …, Amarante, inscrito na matriz sob o artigo 106º da respectiva freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o nº 01132/980916 para aí albergarem animais e depositarem os mais diversos bens móveis, apesar da ocupação ter sido autorizada única e exclusivamente para habitação.
9. Conforme resulta do artigo 5.º da réplica apresentada no processo principal pelos aqui requerentes, estes pernoitavam na casa do seu filho (onde, de resto, actualmente continuam a residir).
10. Aí tomando igualmente as suas refeições e fazendo desse imóvel do seu filho a verdadeira casa de morada de família.
12. O prédio em questão atingiu níveis de degradação inimagináveis, conforme consta das fotografias juntas aos autos principais e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
13. O imóvel ameaçava ruína e colapso iminente aquando do inevitável recurso à via judicial por parte dos aqui requeridos.
14. As autoridades públicas isolaram inclusivamente o imóvel com grades e fitas, a fim de minorar eventuais danos causados com a derrocada do prédio.
15. A protecção civil encerrou a Rua ao trânsito, em virtude do perigo que a casa ameaçava para quem circulava nas suas imediações.
16. E os ora requerentes não permitiam a realização de quaisquer obras no prédio sem receberem como contrapartida € 50.000,00, mesmo conscientes do risco que corriam na eventualidade do edifício desabar quando lá permanecessem.
17. Após a desocupação do prédio pelos aqui requerentes imposta pelo Tribunal, o empreiteiro contratado iniciou a demolição controlada da parede lateral do imóvel que já se encontrava completamente deslocada do mesmo.
18. E retirou algumas telhas do prédio.
19. Sempre com cuidados redobrados para evitar danos nos seus empregados, atento o estado do prédio.
20. Preparava-se para cumprir as obras urgentes especificadas no auto de vistoria.
21. Eliminado.
22. As escadas interiores de madeira estavam seguras a pilares da parede desse lado com recurso a cabos de arame.
23. Os trabalhadores procederam ao corte dos cabos referidos no facto anterior, que haviam sido colocados pelos requerentes.
24. E acto contínuo, tais escadas e a parede desse lado ruíram.
25. Eliminado.
26. Eliminado.
27. Provado apenas o que consta do facto 24.
28. Os técnicos da Câmara Municipal e os requeridos desconheciam a situação referida no facto 22.
29. Os requerentes não informaram os requeridos da situação referida no facto 22.
30. O edifício ruiu ou foi desmantelado acima do rés-do-chão, com excepção da fachada.
31. Os empregados da sociedade comercial por quotas “L…, Lda” limparam os escombros e removeram a parte em tabique do prédio que não ruiu.
32. Do edifício sobraram as paredes de alvenaria de granito do rés-do-chão e a fachada.
33. A fracção do edifício que era ocupada anteriormente pelos requerentes ruiu.
34. Não provado.
35. Eliminado.
36. Eliminado.
37. Os requerentes, sem o conhecimento e consentimento dos requeridos, procederam em conformidade com o descrito no facto 22.

Enquadramento jurídico dos factos.
Aquilo que há que definir é se a ruína parcial do imóvel, do qual apenas permaneceram as paredes ao nível do 1.º andar e a fachada, porque o que não ruiu teve de ser desmontado, pelo estado de degradação em que se encontrava, implica ou não a caducidade do contrato de arrendamento, por perda da coisa locada, nos termos do art. 1051.º/1-e) do CC.
Como resulta dos factos, os requerentes ocupavam um dos lados do prédio, abrangendo o arrendamento o rés-do-chão e o 1.º andar, que tinham comunicação entre si por uma escada. O prédio estava num estado adiantado de degradação, como resulta do auto de vistoria, a ponto de os requerentes, depois de um incêndio, terem deixado de dormir no locado e passado a fazê-lo em casa de um filho. No entanto, mantinham animais no locado e vinham lá durante o dia. Os requerentes seguraram a escada interior do prédio à parede com cabos de arame. Quando os trabalhadores a quem os senhorios mandaram fazer obras cortaram os arames, a escada e essa parede ruíram. O resto do edifício em madeira foi desmantelado pelos trabalhadores.
Estes factos revelam, por um lado, a iminência em que se encontrava o prédio de cair e, por outro, a sua ruína parcial, mas inviabilizadora de os requerentes continuarem a viver nele, porque atingiu a parte em que eles habitavam. Como disseram as testemunhas, o lado esquerdo do 1.º andar, onde moravam umas senhoras que já tinham saído, estava inabitável. E o engenheiro da câmara disse que a cobertura estava em ruínas e o prédio já não tinha caixilharias. Aliás, a descrição do auto de vistoria é reveladora da decadência em que se encontrava o imóvel, cujas paredes superiores e a estrutura interior eram de madeira, estafe e tabique.
É verdade que no sumário de um dos acórdãos citados pelos apelantes[1] se refere que a caducidade do arrendamento por perda (total) da coisa arrendada apenas se verifica se esta desaparecer por facto natural (incêndio, terramoto, inundação ou outro facto idêntico) ou por facto legítimo do homem e que a obrigação do senhorio de assegurar o gozo da coisa locada ao arrendatário só se extingue, conduzindo à caducidade do contrato, quando a prestação se torne impossível por causa que lhe não seja imputável.
Mas outros arestos há em que se entendeu que para que haja perda da coisa locada, basta que essa perda seja de tal monta que determine a impossibilidade da utilização do locado para os fins a que se destinava, não sendo de exigir a destruição total do locado[2].
Neste caso, o nível de degradação do imóvel levou à ruína parcial e necessidade de desmonte da estrutura que era em madeira, estafe e tabique, inviabilizando que os arrendatários continuassem a residir lá, dado que o seu “apartamento” caiu. Foi por via da degradação atingida que o Tribunal decretou a saída dos arrendatários para a realização de obras a pedido do senhorio.
Ora, independentemente da culpa por o edifício ter chegado a esse estado de degradação (o facto 16 revela que os requerentes se opuseram à realização de obras, porque queriam receber uma quantia em dinheiro, mas não se definiu quando essa oposição começou, pelo que se revela ousado imputar-lhes a culpa da ruína), o certo é que se vem entendendo que mesmo sendo a culpa da ruína do senhorio caduca o contrato de arrendamento, apenas relevando tal circunstância para a atribuição de indemnização ao locatário[3].
O argumento reside em que mesmo quando a perda se verifique por causa imputável ao locador, há uma impossibilidade de prestação de gozo da coisa nos termos dos arts. 790.º/1, 1031.º, al. b), e 1051.º, al. e), do CC.
Como se explica no Acórdão do STJ de 09.03.2010[4], o direito à reocupação pelo inquilino, quando o despejo administrativo visa a realização de obras, inculca a ideia da subsistência de arrendamento, que «não será normalmente afectado em situações de demolição parcial (“só a perda total determina a caducidade do contrato de arrendamento, extinguindo-se imediatamente a obrigação do locador - n.º 1 do artigo 790.º do Código Civil. A perda parcial da coisa locada só faz caducar o contrato de locação se o grau de destruição for tal que não permita o uso da coisa para os fins do respectivo contrato de locação”: Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 1996, 2ª edição, pág. 332 e Ac. do S.T.J. de 24-10-1996 - Sampaio da Nóvoa - C.J., 3, pág. 69), já, tratando-se de demolição total, que pode ocorrer em casos de ruína ou perigo para a saúde pública e a segurança das pessoas, não pode ter-se por subsistente o arrendamento pois inegavelmente se verifica a caducidade por perda da coisa locada (artigo 1051.º, alínea e) do Código Civil), caducidade que opera ope legis (…).
(…) tal como se salienta no Ac. do S.T.J. de 7-7-1999 (Garcia Marques), B.M.J. 489-314 “de facto não oferece dúvidas de que o arrendamento caduca quando, sem culpa do locador, a coisa locada se deteriorou em termos tais que só a sua reconstrução total a pode tornar novamente apta para o fim a que se destinava. O arrendamento não pode num caso destes subsistir, porquanto o prédio, depois de reconstruído, já não é o mesmo: é outro. Para isso, no entanto, é necessário que não haja culpa do locador, quer no facto de o prédio atingir o seu estado de ruína total - pois só esta determina a sua reconstrução por inteiro - quer na demolição que precede uma tal reconstrução”.
(…).
Diz a lei (artigo 790º./1 do Código Civil) que a obrigação se extingue quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.
Os autores consideram que, se a impossibilidade é imputável ao devedor, subsiste o arrendamento. Tem sido, no entanto, salientado pela jurisprudência que a caducidade do arrendamento opera ope legis, relevando a culpa do senhorio para efeitos de indemnização ao arrendatário, indemnização em que devem ser ressarcidos tanto os danos patrimoniais como os danos não patrimoniais sofridos: ver Ac. do S.T.J. de 12-3-2009 (Paulo de Sá) (revista n.º 259/09 - 1º secção in www.dgsi.pt Ac. do S.T.J. de 26-6-2008 (Santos Bernardino) C.J.,2, pág. 131, Ac. da Relação de Évora de 18-1-2001 (Mota Miranda) C.J.,1, pág. 259, Ac. da Relação de Coimbra de 18-5-1999 (Gil Roque) C.J.,3, pág. 20, Ac. da Relação do Porto de 10-4-1997 (Camilo Moreira Camilo) C.J.,2, pág. 210, Ac. da Relação do Porto de 19-10-1993 (Araújo de Barros) C.J.,4, pág. 233.
É certo que o S.T.J. já considerou que a perda da coisa locada “só ocorre se tal perda não for imputável ao senhorio”: cf. Ac. do S.T.J. de 7-7-1999 (Garcia Marques), B.M.J., 489-311 sublinhando-se neste aresto que bem se compreende que assim seja “uma vez que, se assim não fosse, estaria encontrada a forma de tornear, por via da acção directa, os problemas legais decorrentes dos arrendamentos vinculísticos, que a lei não permite. Bem pelo contrário a lei impõe ao senhorio a obrigação de proporcionar ao inquilino o gozo da coisa (artigo 1031.º,alínea b) incompatível com uma actuação daquele no sentido da ilegítima demolição - e consequente perda - do locado”.
Lê-se ainda neste acórdão que “ a norma da alínea e) do artigo 1051.º visa o caso da coisa locada desaparecer, quer por facto natural quer por acção legítima do homem. A acção do homem só é legítima quando seja imposta por lei ou encontre na lei a sua justificação […] De facto não oferece dúvidas de que o arrendamento caduca quando, sem culpa do locador, a coisa locada se deteriorou em termos tais que só a sua reconstrução total a pode tornar novamente apta para o fim a que se destinava. O arrendamento não pode num caso destes subsistir, porquanto o prédio, depois de reconstruído, já não é o mesmo: é outro. Para isso, no entanto, é necessário que não haja culpa do locador, quer no facto de o prédio atingir o seu estado de ruína total - pois só esta determina a sua reconstrução por inteiro - quer na demolição que precede uma tal reconstrução”.
Já referimos que a perda da coisa locada determina a caducidade do arrendamento. É este o entendimento da jurisprudência e da doutrina: “a perda da coisa locada impõe necessariamente a caducidade do contrato, nos termos gerais do artigo 790.º, n.º1. Se a perda é total, a obrigação do locador extingue-se desde logo; sendo parcial e devida a causa que lhe não seja imputável, rege o disposto no artigo 793.º “ (Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol II, 4ª edição, pág. 391); também Cunha e Sá (Caducidade do Contrato de Arrendamento, I, 1968, Ciência e Técnica Fiscal, pág. 282) refere que sendo o arrendamento o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de um imóvel, mediante retribuição, se por qualquer motivo falhar a possibilidade de tal uso e (ou) fruição (por destruição do imóvel arrendado, ou pela sua inutilização para os fins que lhe são próprios ou contratualmente previstos), não poderão subsistir os efeitos que o contrato se destinava, normalmente, a produzir. Existem duas obrigações recíprocas, oriundas do mesmo contrato. A obrigação de o senhorio proporcionar ao arrendatário o gozo do imóvel, torna-se impossível e, portanto, extingue-se. A obrigação de o arrendatário pagar a renda continua possível; simplesmente, o contrato caduca porque o acontecimento casual, que exonerou uma das partes do seu débito, a priva, simultânea e necessariamente, do seu crédito, dentro do princípio da interdependência das obrigações sinalagmáticas. Trata-se no fundo de um problema de risco, resolvido, afinal, no sentido e que nenhum dos contraentes o suportará”.
A obrigação não se extingue se a impossibilidade for imputável ao devedor.
O vínculo obrigacional mantém-se, mas, face à impossibilidade de prestação que se traduz na obrigação de o locador proporcionar o gozo da coisa para os fins a que se destina (artigo 1031.º,alínea b) do Código Civil), o direito e o dever de prestar são substituídos pelo dever de indemnizar.
Assim, conforme refere Pessoa Jorge (Direito das Obrigações, Vol I, 1971/1972, págs. 112 e 166) conforme as circunstâncias, o direito à indemnização cumula-se ou não com o direito à prestação; se a inexecução é culposa e temporária, continuando portanto a prestação a ser possível e a ter interesse para o credor, este conserva o direito à prestação, mas passa a ter também o direito à indemnizarão dos prejuízos resultantes do atraso do pagamento; se a inexecução é definitiva, extingue-se o direito à prestação e o credor fica apenas com o direito de indemnização dos prejuízos dessa inexecução definitiva […]. Pode suceder que a prestação reúna todos os requisitos no momento da constituição e, por isso, nasça, vindo todavia a perder alguns deles posteriormente: a prestação torna-se impossível, ou ilícita, ou indeterminável. A falta superveniente não tem sempre as mesmas consequências. Em geral, pode dizer-se que, se ela é definitiva e não resulta da culpa do devedor, produz a extinção da obrigação; se é total, definitiva e imputável ao devedor, o vínculo obrigacional mantém-se, mas, como vimos, o direito e o dever e prestar são substituídos pelo direito e dever de indemnizar.
Também Vaz Serra (“Impossibilidade Superveniente e Cumprimento Imperfeito Imputáveis ao Devedor”, 1955, B.M.J. 47, pág. 5 e 91) diz que a impossibilidade superveniente por causa imputável ao devedor é uma das hipóteses de não cumprimento da obrigação susceptíveis de constituir o devedor em responsabilidade e de produzir outros efeitos destinados a salvaguardar o direito do credor.
Agora não estamos em face de um modo de extinção das obrigações) (ao contrário do que se dá no caso de impossibilidade não imputável ao devedor) visto que, sendo imputável ao devedor a impossibilidade, ele não se exonera, ficando responsável pela indemnização. O dever de indemnizar, em virtude da impossibilidade superveniente da prestação, corresponde ao dever, que da obrigação emergia, de fazer a prestação, o qual, por não poder cumprir-se em specie (dada a impossibilidade da prestação) se cumpre mediante um substitutivo da prestação (a indemnização). A obrigação tendia a fazer obter do credor determinado valor patrimonial, e a indemnização, equivalente à prestação, desempenha, assim a mesma função substancial, a que a prestação se destinava.
O que importa é a satisfação do interesse do credor em conseguir certo valor patrimonial; se essa satisfação não pode alcançar-se pela via da prestação devida, alcançar-se-á pela da indemnização.
(…).
Também Pedro Romano Martinez (citado em Arrendamentos para Habitação de Januário Gomes, 1996, 2ª edição, pág. 269) salienta que se o contrato de locação caducar por impossibilidade superveniente importa averiguar se há ou não culpa do locador, cuja actuação, por exemplo, levou à perda da coisa locada - hipótese de caducidade prevista no artigo 1051.º, alínea e) CC - ele será responsável , tendo de indemnizar o locatário por essa situação. O contrato, na realidade, caduca mas sobre o locador impenderá uma obrigação de indemnizar a contraparte se tiver havido culpa da sua parte no que respeita à produção do facto que desencadeou a caducidade. Não havendo culpa do locador não existirá a obrigação de indemnizar. Assim, se a casa arrendada ruiu porque o locador não fez as obras necessárias de reparação, o contrato caduca e haverá que indemnizar o locatário, mas se a casa ruiu em razão de um tremor de terra ou por força de um incêndio fortuito, não há qualquer obrigação de indemnizar.»
In casu, a ruína só foi parcial porque ficaram as paredes ao nível do rés-do-chão e a fachada, mas implicou a destruição do locado, acarretando a caducidade do arrendamento, por não se poder recuperar o que é irrecuperável. De modo que as obras feitas levaram à existência de um prédio novo, sem que a manutenção da fachada e da parte inferior em pedra possa afastar este entendimento.
No acórdão do Supremo de 26.06.2008[5], entendeu-se que mesmo no caso de os inquilinos serem compelidos a abandonar o locado pelos serviços camarários, em consequência do estado de degradação e de ruína irrecuperável em que ele se encontrava, o contrato extinguiu-se por caducidade, nessa data, não obstante a demolição do prédio só ter ocorrido em data posterior (cerca de dois meses depois).
Assim, mesmo que a intenção inicial fosse a de realojar os requerentes, após a constatação do estado do imóvel, da sua ruína parcial e da necessidade de derrubar o resto, o que levou a uma reconstrução do imóvel, de que só ficaram a fachada e a parte de baixo em pedra, tem de se concluir que houve caducidade do contrato de arrendamento.
Com efeito, o facto de se manterem a fachada, a cércea e o n.º de pisos, conforme referem os apelantes, diz pouco da continuidade do actualmente existente relativamente ao antigo.
Não é sustentável a posição dos apelantes ao pretenderem que houve uma simples intervenção de remodelação, sem novidade, quando as escadas ruíram, a parede lateral a que estavam seguras também, e houve que desmontar a parte do edifício constituída de materiais mais frágeis pelo estado de degradação em que se encontrava.
Nem sequer estamos perante obras de remodelação ou restauro profundos de que fala o art. 4.º DL 157/2006, de 08.08:
1—São obras de remodelação ou restauro profundos as que obrigam, para a sua realização, à desocupação do locado.
2—As obras referidas no número anterior são qualificadas como estruturais ou não estruturais, sendo estruturais quando originem uma distribuição de fogos sem correspondência com a distribuição anterior.
Na verdade, nestes casos parece haver uma remodelação ou restauro dentro do existente, ao passo que aqui, a ruína parcial e a necessidade de demolição do restante, com as excepções apontadas, levaram à feitura de novo do edifício.
Pelo exposto, embora tendo-se alterado a decisão de facto, mantêm-se as conclusões jurídicas da decisão impugnada.
Julga-se, pois, a apelação improcedente e confirma-se a decisão.

Custas pelos apelantes.

Porto, 10 de Janeiro de 2013
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
Leonel Gentil Marado Serôdio
_______________
[1] Acórdão do STJ de 07.07.1999; Processo: 99A533, www.dgsi.pt
[2] Acórdão do STJ de 15.01.2002; Processo: 01A3474, no mesmo sítio
[3] Acórdãos do STJ de 31.05.2012; Processo: 1332/07.2TBCHV.P1.S1; de 13.07.2010; Processo: 60/10.6YFLSB, no mesmo sítio
[4] Processo: 440/07.4TVPRT.S1, ibid.
[5] Processo: 08B628, no mesmo sítio