Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
64/07.6TYVNG.P1
Nº Convencional: JTRP00042233
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: DELIBERAÇÃO SOCIAL
DELIBERAÇÃO SOCIAL RENOVATÓRIA
Nº do Documento: RP2009030264/07.6TYVNG.P1
Data do Acordão: 03/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO - LIVRO 369 - FLS. 136.
Área Temática: .
Sumário: I - É admissível atribuir eficácia retroactiva a uma deliberação renovatória, desde que acautelados interesses de terceiros.
II - Pendente acção de anulação de deliberações sociais, se estas forem renovadas. Deve a acção ser julgada improcedente, ainda que com custas pela ré.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE AGRAVO Nº 64/07.6TYVNG.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I-RELATÓRIO
A) No Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, as Autoras B………, C………. e o Autor D………. intentaram a presente acção de Anulação de Deliberações Sociais contra a E………., SA. alegando resumidamente que:
1- São sócios da Sociedade Ré, representando no seu conjunto 47% do capital social.
2- Em 29.12.2006, reuniu a Assembleia-geral da Ré, a qual foi convocada por decisão do .º Juízo do Tribunal do Comércio proferida no processo especial n.º 758/06.3TYVNG requerido por uma das sócias.
3- A assembleia, na qual estiveram presentes sócios que representavam 53% do capital social, deliberou todos os pontos da ordem de trabalhos que constavam da convocatória, a qual reproduziam a decisão supra referida ou seja:
Ponto um: Proceder à eleição dos corpos sociais para o triénio 2006/2008;
Ponto dois: Deliberar sobre o relatório de gestão e contas respeitante aos anos de 2002 a 2005;
Ponto três: Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados;
Ponto quatro: Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade.
4- As deliberações tomadas na Assembleia de 29.12.2006 estão inquinadas de vários vícios, que enuncia, pelo que se encontram feridas de nulidade ou se assim não se entender tais deliberações são anuláveis.
Concluem pedindo a procedência da acção e que se declare a nulidade das deliberações tomadas na assembleia-geral de 29 de Dezembro de 2006 ou, se assim não se entender, proceder à sua anulação.

B) Citada a Ré veio deduzir oposição, nos termos de fls. 42 e ss, invocando a caducidade do direito dos autores e defendendo a regularidade das deliberações tomadas.
Conclui pedindo a improcedência da acção e a absolvição da Ré e subsidiariamente, na eventualidade de alguma deliberação ser declarada nula ou anulada, ser concedido prazo não inferior a 90 dias para a sua renovação.

C) Posteriormente, a fls. 98 autos, na sequência do requerido pela Ré na sua contestação, foi proferido despacho a conceder à Ré o prazo de 60 dias para, nos termos do artigo 62 n.º 3 do CSC, proceder à renovação das deliberações sociais impugnadas nos presentes autos.

D) A fls. 115 e ss, veio a Ré requerer a junção da acta da assembleia-geral do dia 29.05.2008, onde foi renovada a deliberação impugnada nos presentes autos.

E) Foi então proferido o despacho recorrido, de fls. 130 e ss, do seguinte teor, na parte que importa:
“Impõe-se referir a propósito que se a renovação operou a substituição da deliberação que estava a ser impugnada, parece evidente que o pedido do autor deixa de poder ser atendido, pela impossibilidade lógica de vir a anular-se ou a decretar-se a invalidade ou inexistência jurídica de algo que, entretanto, cessou de existir.
….
Com isto, rejeita-se prontamente que a sorte da acção pendente deixe de ser a mesma, consoante se esteja em presença de uma primeira deliberação anulável ou, pelo contrário, inquinada de nulidade. Num caso e noutro, se ela foi substituída com a renovação, o que se passa é que não pode nem ser anulada nem ser declarada nula.
Nesta ordem de ideias, a única questão que pode e deve pôr-se é se a renovação, tanto no caso de nulidade anterior como no de anulabilidade (e note-se que, para saber quando estamos em presença de uma delas, de preferência à outra, teremos de ir até ao fundo da causa), efectivamente corresponde à figura descrita na al. e), do art. 287°, do C.P.C., de impossibilidade ou inutilidade da lide.
….
Como revela o disposto no n.º 2, do art. 26°, do C.P.C., a inutilidade reconduz-se à perda do interesse que integra, no nosso sistema jurídico, o pressuposto da legitimidade processual, conduzindo a sua falta à absolvição da instância (art°s. 494°, n.º 1, al. b), e 493°, n.º 2, do C.P.C.).
A impossibilidade da lide, essa, é verdadeiramente uma condição da acção, no sentido de que obsta à prolação duma sentença favorável.
….
Assim sendo e face ao exposto, julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, absolvendo a Ré da instância”.

F) Deste despacho Agravaram as Autoras B………., C……… e o Autor D………., nos termos das suas alegações de fls. 155 e ss formulando as seguintes conclusões:
1ª- De acordo com a sentença proferida pelo Tribunal recorrido, aquando da renovação das deliberações sociais impugnadas pela ora recorrente, ocorreu a perda do interesse que integra, no nosso sistema jurídico, o pressuposto da legitimidade processual, conduzindo a sua falta à absolvição da Ré da instância.
2ª- No dia 29 de Dezembro de 2008 realizou-se uma Assembleia Geral que visou renovar as deliberações tomadas em Assembleia Geral de 29 de Dezembro de 2006 pelo facto de estas últimas terem sido impugnadas pela recorrente por estarem inquinadas de vários vícios (nomeadamente, a irregularidade da convocação, invalidade da deliberação de aplicação de resultados e violação do direito à informação) susceptíveis de consubstanciar nulidade e/ou anulabilidade, por violação dos artigos 377°, n°s 2, 3 e 4; artigos 65°, n° 1, al. b), 376°, nº 5, al. f), 66°, 69° e artigos 289°, n° 1, n° 2 e n° 3 e 58°, n° 4 do Código das Sociedades Comerciais, respectivamente.
3ª- No caso sub Judice devem ser apreciados todos os efeitos das deliberações produzidos relativamente a terceiros, tomados na Assembleia Geral de 29 de Dezembro de 2006, no que respeita ao período de tempo que medeia entre o dia 29 de Dezembro de 2006 e o dia 29 de Dezembro de 2008, sob pena de violação do preceituado no n° 1, in fine, do artigo 62° do Código das sociedades Comerciais.
4ª- Neste sentido CHIOMENTI quando escreve: “O princípio do respeito dos direitos de terceiro não se presta pois a justificar a não-retroactividade do acto de autonomia privada: (...) os direitos de terceiros devem ser respeitados seja para o passado, seja para o presente, seja para o futuro.”
5ª- Da acta respeitante à Assembleia Geral de 29 de Dezembro de 2008 consta que “fosse atribuída eficácia retroactiva, desde o dia 29 de Dezembro de 2006, às deliberações tomadas nos pontos anteriores (um, dois, três e quatro,), de forma a proceder à sua renovação, conforme prerrogativa conferida no âmbito do processo judicial n° 64/07.6 TYVNG, pendente no . juízo do Tribunal do Comércio de Vila nova de Gala; posta esta moção à votação, a mesma foi aprovada com os votos de 53% do capital social.”
6ª- Contudo, como refere Manuel A. Carneiro da Frada, Renovação de Deliberações Sociais, Coimbra, 1987, pp.28 e sgs.” O efeito retroactivo não é um efeito necessário de deliberação renovatória. À face da nossa lei a renovação da deliberação anulável opera unicamente para o futuro.”
7ª- A doutrina do artigo 62, n° 1 do Código das Sociedades Comerciais deve estender-se a todas as deliberações renovatórias. Não obstante, não é de admitir retroactividade quando ela implica a ofensa da posição de terceiros ou de sócios enquanto terceiros.
8ª- Nas palavras de Manuel A. Carneiro de Frada, “boa parte dos limites que se podem traçar à eficácia retroactiva das deliberações sociais decorrem já dos limites que em geral se assinalam às deliberações sociais quando estão em causa direitos de terceiros, e direitos de sócios como terceiros ou preceitos imperativos que não podem ser violados por deliberação” (sublinhado nosso).
9ª- No caso sub Judice, em Assembleia Geral de 29 de Dezembro de 2006, foi tomada uma deliberação de aplicação de resultados que se apresenta inválida por violação das normas do artigo 65°, alínea b), do n° 1, do artigo 376°, al. f), do no 5, do artigo 66° e artigo 69° do Código das Sociedades Comerciais.
10ª- A deliberação sobre aplicação de resultados produz efeitos para com a sociedade, os sócios individualmente considerados, os credores e o público em geral.
11ª- Por isso, as normas sobre a matéria têm carácter imperativo, não podendo ser derrogadas pelos sócios, quer no contrato de sociedade, quer ulteriormente. Assim, estipulam as normas do artigo 65, al. b), do n° 1, do artigo 376°, alínea 1), do 0 5, do artigo 66° e artigo 69° do Código das Sociedades Comerciais.
12ª- Ora, a deliberação social de aplicação de resultados tomada a 29 de Dezembro de 2006 viola preceitos imperativos que não podem ser violados por deliberação.
13ª- Por seu turno, as deliberações sociais tomadas em Assembleia Geral de 29 de Dezembro de 2008, que visaram renovar as deliberações anteriores, precisamente porque estas últimas estavam inquinadas de vários vícios, não podem produzir efeitos retroactivos na parte a que respeitam à aplicação de resultados dado que estão em causa normas com carácter imperativo que não podem ser derrogadas pelos sócios, quer no contrato de sociedade, quer ulteriormente, como efectivamente aconteceu no caso em apreço, no âmbito de uma Assembleia Geral.
14ª- Nestes termos, cremos que foi atribuída erroneamente eficácia retroactiva a uma deliberação social renovatória, pois trata-se de uma matéria que se enquadra precisamente nos limites da eficácia retroactiva das deliberações sociais renovatórias, isto é numa matéria relativa a preceitos imperativos.
15ª- Pelo exposto, conclui-se que não deveria ter sido julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide absolvendo a Ré da instância, quer porque devem sempre ser ressalvados os direitos de terceiros, quer porque as deliberações sociais renovatórias não têm eficácia retroactiva quando estão em causa preceitos imperativos que não podem ser violados por deliberação.
16ª- Foram violadas todas as disposições legais citadas nestas alegações e suas conclusões
Conclui pedindo que se revogue a decisão recorrida.

E) A Ré contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
O Sr. Juiz proferiu despacho de sustentação e a ordenar a subida dos autos.

II - FACTUALIDADE PROVADA

A factualidade provada é a descrita supra I-A-1 a I-A-3 e ainda:
1. Em 29.05.2008, foi realizada uma Assembleia-geral da sociedade Ré constando da acta dessa assembleia o seguinte:
“fosse atribuída eficácia retroactiva, desde o dia 29 de Dezembro de 2006, às deliberações tomadas nos pontos anteriores (um, dois, três e quatro) de forma a proceder à sua renovação, conforme prerrogativa conferida no âmbito do processo judicial n.º 64/07.6 TYVNG, pendente no .º juízo do tribunal do comércio de Vila Nova de Gaia; posta esta moção à votação, a mesma foi aprovada com os votos de 53% do capital social”.

III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 684 nº 3 do Código de Processo Civil.
A questão de que cumpre conhecer e decidir é a seguinte:
1ª- A deliberação da Assembleia-geral de 29 de Maio de 2008 (deliberação renovatória) podia ter efeitos retroactivos relativamente às deliberações tomadas na Assembleia-geral de 29 de Dezembro de 2006?

A) Vejamos
1- Dispõe o n.º 1 do artigo 62 do Código das Sociedades Comerciais (Renovação da deliberação) que “Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroactiva, ressalvados os direitos de terceiros”.
Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito que “A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória”.
Finalmente nos termos do n.º 3 “o tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para renovar a deliberação”.
O artigo 65.º do CSC regula o “Dever de relatar a gestão e apresentar contas” estipulando que:
1 - Os membros da administração devem elaborar e submeter aos órgãos competentes da sociedade o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos a cada exercício anual.
2 - A elaboração do relatório de gestão, das contas do exercício e dos demais documentos de prestação de contas deve obedecer ao disposto na lei; o contrato de sociedade pode complementar, mas não derrogar, essas disposições legais.
3 - O relatório de gestão e as contas do exercício devem ser assinados por todos os membros da administração; a recusa de assinatura por qualquer deles deve ser justificada no documento a que respeita e explicada pelo próprio perante o órgão competente para a aprovação, ainda que já tenha cessado as suas funções.
4 - O relatório de gestão e as contas do exercício são elaborados e assinados pelos gerentes ou administradores que estiverem em funções ao tempo da apresentação, mas os antigos membros da administração devem prestar todas as informações que para esse efeito lhes forem solicitadas, relativamente ao período em que exerceram aquelas funções.
5 - O relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas devem ser apresentados ao órgão competente e por este apreciados, salvo casos particulares previstos na lei, no prazo de três meses a contar da data do encerramento de cada exercício anual, ou no prazo de cinco meses a contar da mesma data quando se trate de sociedades que devam apresentar contas consolidadas ou que apliquem o método da equivalência patrimonial.
O “Relatório de gestão” deve indicar, em especial, “uma proposta de aplicação de resultados devidamente fundamentada”, artigo 66 n.º 5 al. f) do CSC.
E, nos termos do n.º 1 do artigo 69.º do CSC, relativo ao “Regime especial de invalidade das deliberações” “a violação dos preceitos legais relativos à elaboração do relatório de gestão, das contas do exercício e de demais documentos de prestação de contas torna anuláveis as deliberações tomadas pelos sócios”.
Por último a assembleia-geral anual deve reunir …. para “deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados”, artigo 376 n.º 5 al. f) do CSC.
Teremos ainda que atender ao disposto nos artigos 56 e 58 do Código das Sociedades Comerciais que prevêem as figuras da nulidade e da anulabilidade das deliberações sociais

2- Na contestação apresentada pela Ré nos presentes autos foi invocada a excepção da caducidade (artigos 5 a 10) a qual não foi apreciada no tribunal recorrido.
Também na sua contestação a Ré concluía pedindo a procedência da excepção e a sua absolvição do pedido ou se assim não se entendesse devia a acção ser julgada improcedente e a Ré igualmente absolvida do pedido.
Subsidiariamente, na eventualidade de alguma deliberação ser declarada nula ou anulada deveria ser concedido prazo para a sua renovação (artigo 62 n.º 3 do CSC).
A fls. 98 autos, na sequência do requerido pela Ré na forma subsidiária, foi proferido despacho a conceder-lhe o prazo de 60 dias para, nos termos do artigo 62 n.º 3 do CSC, proceder à renovação das deliberações sociais impugnadas nos presentes autos.
Deste despacho foi interposto recurso de agravo o qual veio a ser julgado deserto tendo transitado.
Não foram, assim, apreciadas nem a excepção da caducidade nem a validade, nulidade ou anulabilidade de qualquer deliberação.
As deliberações cuja nulidade ou anulabilidade se pede na petição inicial foram deste modo renovadas sem que tenham sido declaradas nulas ou anuláveis.
A fls. 129 vieram as Autoras dizer que não foram cumpridos os n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 377 do CSC.
È então que é proferido o despacho recorrido que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, absolvendo a Ré da instância.
È apenas deste despacho que se recorre.

3- Importa esclarecer que as Recorrentes não colocam em causa a validade de todas as deliberações tomadas na Assembleia-geral de 29 de Dezembro de 2006 e renovadas na Assembleia-geral de 29 de Maio de 2008, mas apenas a deliberação relativa ao Ponto três ou seja a deliberação sobre a proposta de aplicação de resultados.
Essa deliberação consta da acta de 29 de Dezembro de 2006 nos seguintes termos “passando ao ponto três da ordem de trabalhos, a accionista Paula Rego propôs que fossem aprovados os relatórios de gestão que propõem a aplicação dos Resultados dos referidos anos. Posta á votação, a mesma foi aprovada pelos accionistas presentes que representam 53% do capital social”.
Quanto às restantes deliberações tomadas na Assembleia-geral de 29.12.2006 relativas aos pontos 1, 2 e 4 igualmente renovadas na Assembleia-geral de 29 de Maio de 2008 a Recorrente não coloca em causa a validade da sua renovação.
Mas ainda que se entenda que as Recorrentes pretendem colocar em causa as restantes deliberações – face à sua conclusão 3ª – a verdade é relativamente às deliberações respeitantes aos pontos um: Proceder à eleição dos corpos sociais para o triénio2006/2008, dois: Deliberar sobre o relatório de gestão e contas respeitante aos anos de 2002 a 2005 e quatro: Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade, não se vislumbra, nem a Recorrente os refere, que os efeitos destas deliberações possam afectar direitos de terceiros no que respeita ao período de tempo que medeia entre o dia 29 de Dezembro de 2006 e 29 de Maio de 2009, não se mostra que relativamente a estas deliberações, com a sua renovação, ocorra a violação de quaisquer direitos de terceiros (sejam eles os dos sócios – autores – ou outros).
Em causa está, assim, apenas a deliberação relativa ao Ponto três ou seja a deliberação sobre a proposta de aplicação de resultados.
Entende a Recorrente que a deliberação renovatória de 29 de Maio de 2008 não podia ter eficácia retroactiva relativamente a esta matéria que é relativa a preceitos imperativos.
No que concerne à possibilidade de se atribuir ou não atribuir eficácia às deliberações renovatórias pensamos que não existem dúvidas, sendo inequívoco e pacificamente aceite que é admissível atribuir eficácia retroactiva a uma deliberação renovatória.
Na verdade, tal como as partes podem atribuir eficácia retroactiva aos seus negócios também no campo das deliberações sociais é admissível a atribuição de eficácia retractiva a uma deliberação social.
“No entanto, no n.º 1 do artigo 62 do Código das Sociedades Comerciais, vê-se expressamente a possibilidade de atribuição de eficácia retroactiva, embora dentro de certos limites, à deliberação renovatória. O que quer dizer que o legislador resolveu afirmativamente a controvérsia acerca da admissibilidade da dita eficácia na renovação das deliberações”, Manuel Carneiro da Frada, Renovação de Deliberações Sociais, Coimbra, 1987, pag. 28.
Na Jurisprudência é pacífico este entendimento, cfr. Ac. do STJ de 13-10-93 “I - Nos termos do artigo 62 n. 1 do Código das Sociedades Comerciais de 86, uma deliberação nula por força do artigo 56 A B do mesmo Código pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroactiva, ressalvados os direitos de terceiro.”.
Acresce que “embora a revogação prevista no citado n.º 2, do artigo 62º, actue apenas para o futuro, tal como previsto no n.º 1 do mesmo artigo a respeito das deliberações nulas, deve entender-se que também quanto às deliberações anuláveis é permitida a renovação retroactiva”, Ac. da R. Porto, de 10 de Outubro de 2006.
O que é necessário acautelar são os interesses de terceiros, pelo que nunca uma deliberação social retroactiva (tal como nos negócios jurídicos em geral) poderá ofender direitos de terceiros.
Assim, do artigo 62 do CSC resulta que é possível uma deliberação renovar outra que seja nula ou anulável, podendo ser atribuída eficácia retroactiva à deliberação renovada desde que a retroactividade da deliberação não pode afectar direitos de terceiros.

4- Mas vejamos o mérito do recurso
No decurso da presente acção de anulação de deliberações sociais as deliberações cujas nulidade ou anulabilidade se pedia (e sem que as mesmas tivessem sido declaradas nulas ou anuláveis) foram renovadas.
O despacho recorrido entendeu que perante essa renovação ocorria a inutilidade superveniente da lide, pelo que se impunha julgar extinta a instância e dela absolver a Ré.
È duvidoso qual o caminho a seguir nestes casos.
O Ac. do STJ de 31.10-2006 (Relator Conselheiro Urbano Dias) entendeu que se no decurso de uma acção de anulação de deliberações sociais a sociedade Ré vier dar conhecimento de que as deliberações julgadas nulas foram renovadas, deve a acção ser julgada improcedente (ainda que com custas pela Ré).
Já o Ac. do STJ de 13.10.1993 (Relator Conselheiro Santos Monteiro) entendeu que “Renovada a deliberação nula com eficácia retroactiva, pode o interessado na renovação, estando pendente acção de nulidade, ir a essa acção pedir a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (artigo 287 E do Código do Processo Civil de 67)”.
Afigura-se-nos que o caminho correcto se encontra indicado no Ac. de 31.10.2006, pois que como aí se refere, citando Pinto Furtado (in Deliberações Sociais, pág. 636 e 637) « “...em caso de renovação, estamos em presença de uma nova e distinta deliberação, que substitui a primeira e assim inutiliza o pedido e a causa de pedir duma acção que tinha sido dirigida exclusivamente contra a deliberação primitiva.
A oposição que pretenda agora mover-se contra a deliberação renovadora envolve um novo e distinto pedido, voltado unicamente para esta e fundado, evidentemente, numa específica e diferente causa de pedir”.
Os sócios de uma determinada sociedade ao refazerem a deliberação anterior através da renovação (deliberação renovatória) absorvem o conteúdo da primeira na nova deliberação que passa a ocupar o lugar da primeira.
Lembre-se que a renovação se distingue de figuras próximas como a substituição, a revogação e a confirmação.
Citando o Ac. do STJ de 13.10.1993, supra referido, fazendo “uma breve incursão a respeito da figura da "renovação das deliberações sociais".[1]
….
Ensaiando distingui-la de outras figuras afins, Carneiro da Frada procede ao confronto da renovação com a substituição, a revogação e a confirmação.
Em mera, e simplificada, síntese, pode dizer-se que, ao contrário do que pode acontecer com a substituição, a deliberação renovatória deve respeitar o essencial do conteúdo da deliberação renovada.
Quanto à revogação, a aproximação que dela é feita relativamente à renovação resulta do facto de esta envolver necessariamente a sua revogação quando essa deliberação, por não ser nula, for apta à produção dos efeitos jurídicos por ela visados. É justamente o que acontece com a deliberação anulável, pois que, então, essa deliberação surte eficácia desde o início e enquanto não for anulada.
Distinguindo renovação e confirmação, poderá dizer-se, acompanhando o citado Autor, também com subsídios recolhidos no ensino de Rui Alarcão, que, ao passo que, na renovação, uma deliberação se conclui ex novo, como se não tivesse existido negócio anterior, na confirmação, a deliberação inválida anterior é convalidada por força de um acto complementar e integrativo, cuja função é a de operar o convalescimento daquela outra, a qual fica a valer como se tivesse sido celebrada sem defeito. Ou seja, havendo renovação, os efeitos jurídicos passam a imputar-se unicamente à deliberação renovatória. Inversamente, na confirmação, a fonte de efeitos jurídicos é a própria deliberação inválida integrada ou complementada pelo acto confirmativo”.
Deste modo, entendemos que face à renovação das deliberações cuja nulidade ou anulabilidade se pedia deveria a acção ter sido julgada improcedente e absolver a Ré do pedido formulado.
Apesar disso foi entendido julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, absolvendo a Ré da instância (sendo que apenas as Autoras agravaram e a Ré não contra-alegou).
A questão que se pode colocar é se as Autoras podiam pedir nestes autos (por razões de economia processual) a nulidade ou anulabilidade da deliberação renovatória ou se deveriam (deverão) intentar uma nova acção.
Entendemos que o caminho a seguir terá necessariamente que passar pela interposição de uma nova acção com vista a obter-se nova declaração de nulidade ou anulabilidade das deliberações renovatórias.
Na verdade, “extinta a instância decorrente até aí (por impossibilidade do pedido, como se viu), não restará ao autor outra via que não seja, se para isso tiver fundamento, propor outra acção com esse objectivo" (Pinto Furtado, in Deliberações Sociais, pág. 637), in Ac. do STJ de 31.10-2006 supra citado.
Acresce que, ainda que se pudesse entender, por razões de economia e de celeridade processual, que o autor da acção de anulação de deliberação social, em face da deliberação renovatória, pudesse vir formular idêntico pedido para a deliberação renovatória, o certo é que, nessa hipótese teria de lhe ser dada possibilidade de apresentar articulado onde pudesse vir alegar factos relativos ao período anterior à deliberação renovatória face ao estatuído no n.º 2 2ª parte do artigo 62 do CSC (o que não é processualmente admissível).
O “disposto no nº 2, 2ª parte, deve entender-se como uma espécie de contradireito ou excepção conferido ao sócio para este, se quiser, se opor à, de princípio, retroactiva sanação da deliberação.
Mas, para que a deliberação renovada seja anulada "relativamente ao período anterior à deliberação renovatória", tem o sócio que fazer prova de um interesse atendível, no sentido de que a anulação evita a ofensa de um direito seu ou a ocorrência de um prejuízo na sua esfera.
Como ensina Carneiro da Frada, a prova desta verdadeira condição da acção não se lhe exigiria se do exercício do direito comum de anulação se tratasse. Aqui, o interesse do demandante, além de não ser condição da acção, é presumido à face apenas da ofensa da lei ou dos estatutos que tornam a deliberação anulável e tal interesse não pode ter-se por excluído pelo simples facto de à ofensa referida não estar ligado um dano ou o perigo de um dano para o sócio ou até para a sociedade ( ) Cfr. loc. cit, págs. 321-322. ).
No Acórdão deste S.T.J. de 14-12-94, o interesse atendível previsto na 2ª parte do nº 2 do artigo 62º não se confunde com o mero interesse processual ou interesse em agir, tratando-se antes do interesse substantivo, traduzido na susceptibilidade de prejuízo causado ao titular do direito de anulação pela eficácia retroactiva da deliberação renovatória ( ) Acórdão publicado no BMJ nº 442, pág. 147.).
Cabe, pois, ao sócio que invoca o "interesse atendível", fazer a prova dos factos constitutivos do mesmo, para efeitos de se obter a anulação da primeira deliberação relativamente ao período anterior à deliberação renovatória. Não há, com efeito, razões para presumir o prejuízo do sócio impugnante com a execução da deliberação e consequente interesse atendível; antes a alegação e a prova desse prejuízo deverão ser feitas pelo sócio que alegar o interesse atendível”, in Ac. do STJ de 31.10-2006 supra citado.
Por tudo, isto entendemos que o pedido de nulidade ou anulabilidade da deliberação renovatória não pode ser feito nesta acção mas sim deverá ser numa nova acção a intentar pelos sócios interessados.
Mas ainda que por hipótese académica se pudesse aceitar que nesta acção aquele pedido podia ser formulado a verdade é que no requerimento de fls. 129 nada é requerido em concreto nem alegados foram quaisquer factos, tendo-se as Autoras limitado a dizer que não foram cumpridos os n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 377 do CSC.
Sempre não poderia proceder a pretensão das Recorrentes de ver apreciada a validade, nulidade ou anulabilidade da deliberação renovatória ou a sua eficácia retroactiva.
Em suma e em conclusão, impõe-se a improcedência das conclusões das Recorrentes e consequentemente do presente recurso de agravo.

IV – DECISÃO
Por tudo o que se deixou exposto, acorda-se em negar provimento ao presente recurso de agravo e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelas Recorrentes.

Porto, 2009/03/02
José António Sousa Lameira
António Eleutério Brandão Valente de Almeida
José Rafael dos Santos Arranja

______________________
[1] Acerca da matéria, veja-se a Bibliografia indicada neste Acórdão: Manuel Carneiro da Frada, "Renovação de Deliberações Sociais - O artigo 62º do Cód. das Sociedades Comerciais", in Boletim da Faculdade de Direito de Lisboa, , vol LXI, 1985, págs. 285 e segs. Podem ver-se ainda: Vasco da Gama Lobo Xavier, "O Regime das Deliberações Sociais no projecto do Código das Sociedades", in Temas de Direito Comercial, págs. 8 e segs.; Luís Brito Correia, "Direito Comercial", 3º vil., AAFDL, 1989, págs. 273 e segs.; Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado, "Deliberações dos Sócios - Artigos 53º a 63º", Almedina, Coimbra, 1993, págs. 577 e segs.; Carlos Olavo, loc. cit., págs. 21 e segs.).