Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
346/11.2TTVRL.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: VIOLAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE HIGIENE E SALUBRIDADE
DENÚNCIA
DEVER DE LEALDADE
SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
Nº do Documento: RP20121008346/11.2TTVRL.P2
Data do Acordão: 10/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - SOCIAL.
Área Temática: .
Sumário: I- O trabalhador não está impedido, nem isso viola o dever de lealdade para com o empregador, de denunciar situações que consubstanciem violação, por parte do deste, de obrigações legais que sobre ele impendam, designadamente em matéria de condições de higiene e salubridade do local de trabalho.
II- Porém, efetuada tal denúncia, competirá ao trabalhador a prova da veracidade dos factos denunciados, sob pena de, não a fazendo, violar os deveres de lealdade, de respeito e de defesa do bom nome da sua entidade empregadora.
III- Não constitui probabilidade séria de inexistência de justa causa suscetível de determinar a suspensão do despedimento o comportamento do trabalhador que efetua, perante autoridade que julga competente, denuncia de irregularidades (no caso, e no essencial, falta de higiene do local de trabalho) cometida pelo empregador e que determina, inclusivamente, uma ação inspetiva, se da matéria de facto dada como indiciariamente demonstrada não resulta a veracidade dos factos denunciados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 346/11.2TTVRL.P2 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 576)
Adjuntos: Des. Maria José Costa Pinto
Des. António José Ramos

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B.... intentou procedimento cautelar de suspensão de despedimento individual, ao abrigo do disposto nos artigos 34º e 35º do Cód. de Processo do Trabalho, contra Santa Casa da Misericórdia de …...
Para tanto alegou, em síntese, que:
- Na reunião da mesa administrativa que deliberou a instauração do procedimento disciplinar, visando o aqui requerente, esteve presente um vogal, C…., que recebe da aqui requerida uma remuneração mensal e como tal não poderia fazer parte dessa mesma mesa administrativa, face aos estatutos daquela instituição. Logo, deverá a decisão proferida no âmbito daquele procedimento disciplinar ser declarada nula em virtude de ter sido subscrita por um vogal que não podia ali exercer estas funções.
- No procedimento disciplinar que lhe foi movido são-lhe imputados factos que não correspondem à verdade e que tem vindo a ser vítima de perseguição por parte da aqui requerida, tendo-lhe sido retirados equipamentos e tarefas que lhe estavam atribuídos e feito sentir que era indesejada a sua presença nas funções que ocupa, desde que reclamou o pagamento das quantias que entendia serem-lhe devidas a título de isenção de horário. Assim, alega ainda, que a culminar toda a referida situação foram dadas ordens às funcionárias de limpeza para deixarem de limpar o armazém, o que ocorre desde Novembro de 2010, pelo que o Requerente, cansado de tal situação e ao verificar que o armazém do qual era responsável começava a apresentar sinais evidentes de falta de higiene, alertou as entidades que julgava competentes, como decorre da carta que enviou ao Diretor do Instituto da Segurança Social.
Conclui, que inexistem fundamentos para decretar o despedimento com justa causa, pelo que a presente providência deverá ser julgada procedente.

Regularmente citada a requerida veio opôr-se à presente providência, alegando para o efeito, e em síntese, que o vogal a que o requerente faz menção não exerce funções remuneradas na aqui requerida, sendo que a sua presença não era sequer necessária para garantir o quórum indispensável à deliberação em apreço. Mais, alega a requerida que os factos descritos na nota de culpa foram integralmente demonstrados no procedimento disciplinar em apreço e que a sua gravidade torna impraticável a manutenção da relação laboral em causa.

Realizada a audiência final foi proferida decisão julgando procedente o procedimento cautelar e determinando a suspensão do despedimento de que o Requerente foi alvo.

Inconformada, veio a Requerida recorrer, arguindo, no requerimento de interposição do recurso, a nulidade da decisão recorrida e formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
I. A decisão que decretou a suspensão do despedimento é nula por falta de fundamentação e ilegal por erro de qualificação.
II. A decisão de despedimento proferida em processo disciplinar regularmente instruído apenas pode ser suspensa se, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, for de concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa.
III. É nula por falta de fundamentação a decisão recorrida que não procedeu à apreciação da gravidade objectiva da denúncia efectuada pelo trabalhador, facto causal do despedimento, omitindo a ponderação requisitada pelo art. 39.º/1 CPT.
IV. Integra justa causa de despedimento, por violação do dever de lealdade, a conduta do trabalhador que se permite apresentar a Director de Segurança Social denúncia caluniosa.
V. Deve ser revogada a decisão que decretou a suspensão do despedimento do requerente.

O Recorrido não contra-alegou.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual apenas a Recorrente se pronunciou, dele discordando.

Por despacho de fls. 249, ordenou-se o cumprimento do disposto no art. 715º, nº 3, do CPC.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Matéria de Facto dada como assente na 1ª instância:

1. O requerente é trabalhador da requerida, tendo sido admitido ao serviço desta em 01/06/2002.
2. Atualmente exerce as funções de fiel de armazém.
3. No exercício das suas funções, o requerente superintende nas operações de entrada e saídas de mercadorias e/ou materiais no armazém, executa ou fiscaliza os respetivos documentos, responsabiliza-se pela arrumação e conservação das mercadorias e/ou materiais, comunica os níveis de stocks e colabora na realização dos inventários.
4. Por decisão comunicada ao requerente no passado dia 15 do corrente mês [reporta-se a decisão ao mês de Julho de 2011] a requerida procedeu ao despedimento daquele, por alegada justa causa.
5. A instauração do processo disciplina contra o aqui requerente, resultou de uma deliberação da Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia de ….., reunida extraordinariamente em 18/04/2011, à qual corresponde a ata nº 05/2011 (fls.
2 do processo disciplinar cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido).
6. Estiveram presentes nessa reunião da Mesa Administrativa, os seguintes mesários: o Provedor, D…., o Vice-Provedor, E….., o secretário F….., o tesoureiro, G…. e o vogal C…..
7. A requerida começou por retirar ao requerente em Abril de 2009 o telemóvel de serviço com o nº 937857915.
8. De seguida foi-lhe retirado o computador e a impressora, bem como o funcionário (subordinado do requerente) que inseria as entradas/saídas do armazém.
9. Em Setembro de 2009 a requerida retirou do armazém todos os arquivos.
10. Finalmente, cortaram-lhe o telefone fixo do armazém, deixando o requerente sem qualquer contacto externo ou interno.
11. Foram dadas ordens às funcionárias da limpeza, para deixarem de limpar o armazém.
12. O requerente cansou-se desta situação e ao verificar que o armazém do qual ainda era responsável começava a apresentar sinais evidentes de falta de higiene, alertou as entidades que julgava serem competentes.
13. O requerente, porque era e sempre foi um funcionário zeloso e empenhado, fazia uma limpeza no seu local de trabalho, sempre que era necessário.
14. No dia 15/04/2011 compareceu na Santa Casa de Misericórdia de Valpaços, uma técnica do Instituto da Segurança Social, que se identificou como H…., para fazer uma inspeção ao armazém de géneros, e que procedeu a essa inspeção, sendo acompanhada pela Dra. I…., e por J…., funcionários desta Santa Casa.
15. No decorrer dessa inspeção ficou a saber-se que a mesma tinha sido ordenada, por ter sido feita por denúncia apresentada pelo fiel de armazém, aqui requerente, acusando o estado de sujidade do armazém em que ele trabalhava.
16. Com o conhecimento destes factos, a mesa administrativa da aqui requerida suspendeu de imediato aquele seu funcionário, por falta de confiança no mesmo e mandou proceder a inquérito, no qual foram confirmados os factos atrás enunciados.
17. Em tempos mais recuados o armazém era regularmente limpo, ali se deslocando as funcionárias da limpeza, uma vez por semana, e sendo a limpeza diária feita pelo próprio requerente que varria e limpava sempre que preciso.
18. O armazém continuou a ser limpo por K…., que o limpava sempre que lhe parecia necessário, fazendo-o todavia com a sensação de que o requerente não gostava desses atos.
19. Numa das ocasiões em que o K…. estava a varrer, o requerente fotografou o lixo acumulado, dizendo que era para mostrar à mulher como o armazém andava sujo.
20. Na inspeção que decorreu no dia 15/04/2011 o requerente insistia em que estava tudo sujo, declarou que fez a denúncia a várias entidades e quis evidenciar sujidades no chão e nas prateleiras, que até nem era visível.
21. A denúncia de sujidade e falta de limpeza nem sequer foi objetivamente comprovada.
*
No nº 12 da matéria de facto consta que o A. “(…) ao verificar que o armazém do qual ainda era responsável começava a apresentar sinais evidentes de falta de higiene, alertou as entidades que julgava serem competentes.”.
A referência à apresentação de “sinais evidentes de falta de higiene” tem natureza conclusiva, ficando-se sem saber quais são esses “sinais” e quais os factos em que se consubstancia a referida falta de higiene, o que também não é alegado no requerimento inicial, que se limitou a tal alegação, de natureza genérica e conclusiva..
Dispõe o art. 646º, nº 4, do CPC, que “Têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”.
A aplicação da referida norma, aliás dirigida ao Tribunal, não depende da existência de prévia reclamação da parte quanto à seleção da matéria de facto que haja sido efetuada, pelo que, independentemente da existência, ou não, de reclamação, sempre deverá o Tribunal, oficiosamente, dar cumprimento ao citado preceito.
Citando o douto Acórdão do STJ de 21.10.09, in www.dgsi.pt (Processo nº 272/09.5YFLSB), nele se diz que “(…) É assim, como se observou no Acórdão desde Supremo de 23 de setembro de 2009, publicado em www.dgsi.pt (Processo n.º 238/06.7TTBGR. S1), «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.»
Só os factos concretos — não os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, diretamente, o sentido da decisão final do litígio — podem ser objeto de prova.
Assim, ainda que a formulação de tais juízos não envolva a interpretação e aplicação de normas jurídicas, devem as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito.
(…)».
Assim sendo, o segmento onde se refere que o A. “ao verificar que o armazém do qual ainda era responsável começava a apresentar sinais evidentes de falta de higiene, (…)” deverá ter-se por não escrito.
Quanto ao segmento seguinte, em que se refere que “(…) alertou as entidades que julgava serem competentes”, está ele também relacionado com a denúncia a que se reporta o nº 15 (trata-se do mesmo facto), pelo que deverá ele transitar para esse nº 15.
Assim, os nºs 12 15 passarão a ter a seguinte redação:
12 – O requerente cansou-se desta situação.
15 – No decorrer dessa inspeção ficou a saber-se que a mesma tinha sido ordenada, por ter sido feita denúncia apresentada pelo fiel de armazém, aqui requerente, às entidades que julgava serem competentes, acusando o estado de sujidade do armazém em que ele trabalhava.
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No nº 18 dos factos assentes refere-se o seguinte: “(…), fazendo-o todavia com a sensação de que o requerente não gostava desses atos”.
Da matéria de facto provada devem constar apenas factos, por serem estes que importam à decisão da causa e apenas com base neles poderá e deverá esta ser tomada. Ora, o que consta desse segmento, não corresponde a qualquer facto, mas sim a uma “sensação” da pessoa aí referida, ou seja, a uma conjetura ou suposição sua e da qual não decorre se o Requerente, efetivamente, gostava ou não desses atos, sendo que apenas este facto poderia relevar e não já a “sensação” que o k…. terá tido.
Assim, elimina-se tal segmento, pelo que o nº 18 passará a ter a seguinte redação:
18. O armazém continuou a ser limpo por K….., que o limpava sempre que lhe parecia necessário.
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Do documento de fls. 68/69 do processo disciplinar apenso por linha aos autos, consta a carta/denúncia efetuada pelo A. e a que se reporta o nº 15 dos factos provados, e cujo escrito é imputado ao A., documento esse cuja autoria o A. não pôs em causa nos autos, pelo que se encontra assente que o A. proferiu as declarações constantes desse documento (art. 376º, nº 1, do Cód. Civil).
Assim, adita-se à matéria de facto provada o nº 22, com a seguinte redação:
22. É o seguinte o teor da denúncia referida no nº 15 dos factos assentes:
“Exmo. Sr. Director da Segurança Social de Vila Real
Para conhecimento do Exmº(a) Sr.(a) Ministro(a) do Trabalho e da Segurança Social
Após ter chamado a atenção, pessoalmente e depois por escrito, do Sr. Provedor/Mesa Administrativa da Santa Casa da ……, em 2009 para certas irregularidades que se passavam no Armazém da Santa Casa (a mostrar provas na altura indicada por V. Exa.), começaram o Sr. Provedor/Mesa Administrativa a tomar atitudes limitadoras e de assédio psicológico em relação à minha pessoa, enquanto funcionário da instituição.
Entendo que tais atitudes ofendem a minha dignidade e, em alguns casos, o meu bom nome.
Estas atitudes têm vindo a agravar-se, até chegar ao cúmulo de proibir as funcionárias da limpeza, de limpar o Armazém a partir de 25/11/2011 (sempre o limparam até esta data), ou melhor, deram-lhe ordens para limpar só o w.c. comum a todos os funcionários e a zona de entrada do Armazém.
A partir deste momento deixaram o Sr. Provedor/Mesa Administrativa de me prejudicar só a mim, passando a prejudicar a própria instituição. Sendo um Armazém de produtos alimentares que serve toda a instituição e apresentando neste momento fracas condições de higiene, não só eu e o meu colaborador temos fracas condições de higiene no trabalho, como também todas as crianças da creche, infantário, utentes e funcionários (a quem as refeições se destinam), poderão ser prejudicados a nível de saúde.
Perante esta lamentável tomada de posição, e tendo em já alertado verbalmente o Dr. L….. (jurista da Santa Casa) e por escrito o Sr. Provedor/Mesa Administrativa sem obter qualquer resposta, serve esta minha exposição para alertar V. Exa. Para a progressiva falta de higiene no Armazém.
Dirijo-me a V. Exa. No intuito de solicitar toda a ajuda possível, mesmo que ela passe por acionar todos os mecanismos que a Lei permita, de modo a pôr cobro a este indigno modo de uma entidade patronal, ainda por cia com as responsabilidades sociais inerentes a uma Santa Casa, tratar e pôr em causa a saúde dos funcionários e mais importante ainda, a das crianças e utentes que serve.
Certo que dará o melhor encaminhamento a este assunto tão delicado, subscrevo-me atenciosamente”.
*
Adita-se também o nº 23 com o teor da nota de culpa, na parte que poderá relevar:
23 – Na nota de culpa que consta do documento que constitui fls. 21/22 do processo disciplinar apenso por linha aos autos refere-se, no que poderá relevar, o seguinte:
“(…)
3. No dia 15 de Abril de 2011 compareceu na Santa Casa da Misericórdia de ….. uma técnica do Instituto de Segurança Social, que se identificou como Drª H….., para fazer uma inspecção ao armazém de géneros, e que procedeu a essa inspecção, sendo acompanhada pela Drª I…., e pelo sr. J….., funcionário desta Santa Casa.
4. No decorrer dessa inspecção ficou a saber-se que a mesma tinha sido ordenada, por ter sido feita denúncia apresentada pelo fiel de armazém, sr. B….., acusando o estado de sujidade do armazém em que ele trabalhava.
5. Naquela ocasião o sr. B….. declarou à senhora inspectora que o chão do armazém já não era limpo desde 24 de Dezembro de 2010, porque o senhor Provedor proibiu as funcionários de o limpar.
6. No seguimento desses factos a Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia teve também conhecimento de que, cerca de quinze dias antes, um engenheiro da empresa “M….” especializada em segurança e higiene alimentar, estivera no armazém e que o Sr. B….., pensando que estivesse a fazer uma vistoria, se lhe dirigiu denunciando o que dizia serem várias irregularidades, tais como mosaicos a rebentar, o chão a levantar, e as paredes sujas, tendo aquele técnico ficado estupefacto com essa atitude do referido funcionário.
7. No conhecimento destes factos a Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de …. suspendeu de imediato aquele seu funcionário por falta de confiança no mesmo, e mandou proceder a inquérito, no qual foram confirmados os factos atrás enunciados.
8. Apurou-se ainda que, em tempos mais recuados, o armazém era regularmente limpo, ali se deslocando as funcionárias, uma vez por semana, e sendo a limpeza diária feita pelo próprio Sr. B….., que varria e limpava sempre que era preciso.
9. Havia mesmo zonas do armazém que era exclusivamente limpas pelo sr. B…...
10. Por motivos não apurados as senhoras da limpeza deixaram de ir limpar o armazém, e o sr. B….. deixou também de o fazer.
11. Mesmo depois disso, o armazém continuou a ser limpo pelo sr. K…., que o limpava sempre que lhe parecia necessário, fazendo-o todavia com a sensação de que o Sr. B…… não gostava desses seus actos.
12. Numa das ocasiões em que o Sr. K….. estava a varrer, o Sr. B….. fotografou o lixo acumulado, dizendo eu era para mostrar à mulher como o armazém andava sujo.
13. Na inspecção que decorreu no dia 15 de Abril o sr. B….. insistia em que estava tudo sujo, declarou que fez a denúncia a diversas entidades, e quis evidenciar sujidades no chão e nas prateleiras – que até nem era visível – com o propósito evidente de fazer penalizar a Santa Casa da Misericórdia de …...
14. Os factos acima descritos são faltas gravíssimas ao dever de lealdade a que o trabalhador estava e está obrigado.
15. Foram praticados com dolo, com o propósito de causar lesão à entidade patronal.
16. A denúncia de sujidade e falta de limpeza nem sequer foi objectivamente comprovada.
17. O comportamento culposo do trabalhador B….. justificou a quebra de confiança invocada pela entidade patronal e a suspensão do contrato de trabalho.
(…)”
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Por fim, aditam-se os nºs 24 e 25 com o teor da decisão de despedimento, na parte que poderá relevar:
24 – Na decisão de despedimento que consta do documento que constitui fls. 98 a 107 do processo disciplinar apenso por linha aos autos refere-se, no que poderá relevar, o seguinte:
«(…)
Produzida a prova dá-se como provado que:
1. No dia 15 de Abril de 2011 compareceu na Santa Casa da Misericórdia de Valpaços a Drª ….., técnica do Instituto da Segurança Social, para fazer uma inspecção ao armazém de géneros alimentares.
2. No decorrer dessa inspecção ficou a saber-se que a mesma tinha sido ordenada, por ter sido feita denúncia apresentada pelo fiel de armazém, sr. B….., acusando o estado de sujidade do armazém em que ele trabalhava.
3. Naquela ocasião o arguido declarou à senhora inspectora que o chão do armazém não era limpo desde Novembro de 2010, porque o senhor Provedor proibiu as funcionários de o limpar.
4. Cerca de quinze dias antes da dita inspecção, esteve no dito armazém um engenheiro da empresa “M….” ao qual o arguido, pensando que aquele estivesse a fazer uma vistoria, se dirigiu denunciando o que dizia serem várias irregularidades, tais como mosaicos a rebentar, o chão a levantar, e as paredes sujas.
5. O arguido fez as denúncias acima descritas, por vingança contra a sua entidade patronal, e com o propósito de lhe causar lesão.
6. Durante a inspecção feita pela Drª H….. o arguido preocupava-se em salientar a existência de sujidade no chão e nas prateleiras;
7. mas não era visível qualquer sujidade nem lixo acumulado.
8. Por ter conhecimento destes factos, a Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia deixou de confiar no arguido.
9. Pelo menos até 25 de Novembro de 2010, o chão do armazém era limpo, pelas funcionarias da limpeza, uma vez por semana.
10. Até essa data, a limpeza diária do armazém era feita pelo arguido, Sr. B….., que varria e limpava, também com a esfregona, sempre que era preciso, trazendo sempre tudo arrumado e limpo.
11. Havia zonas do armazém que eram exclusivamente limpas pelo arguido.
12. Por terem recebido instruções nesse sentido, as empregadas da limpeza deixaram de limpar o interior do armazém.
13. Ao ter conhecimento desta situação, o arguido deixou também d elimpar o armazém.
14. No entanto, as empregadas de limpeza continuaram a limpar a zona da casa de banho e entrada do armazém, com a mesma frequência, isto é uma vez por semana.
15. Mesmo depois do referido em 12 e 13, o armazém continuou a ser limpo pelo funcionário K….., que o limpava sempre que lhe parecia necessário, fazendo-o muitas vezes sem que o arguido visse, porque tinha a sensação de que este não gostava que o fizesse.
16. Numa ocasião em que o Sr. K….. estava a varrer, o arguido fotografou o lixo acumulado, dizendo que era para mostrar à mulher como o armazém estava sujo.
17. Os produtos alimentares guardados no armazém em que o arguido trabalhava destinam-se a ser consumidos pelos utentes (idosos e crianças) da Santa Casa da Misericórdia.
18. Aquando da inspecção referida no ponto um, o Sr. Provedor da Santa Casa da Misericórdia deslocou-se ao armazém em que decorria o acto inspectivo.
19. Naquele local o Sr. Provedor da Santa Casa da Misericórdia mostrou-se preocupado e declarou que o armazém era para extinguir, e que o arguido ia para a rua, tendo este, ao ouvir tal coisa, dito que estava a ser ameaçado.
20. O arguido era considerado pela entidade patronal um excelente trabalhador, diligente e zeloso, afável e cumprimentador, mas esta situação alterou-se a partir do momento em que houve problemas com a companheira deste, há cerca de quatro anos.
21. Desde essa ocasião a ideia do Sr. Provedor sobre o arguido mudou, porque ele já não é o mesmo funcionário, e tentou prejudicá-lo, retirando-lhe o telemóvel e retirando do armazém o telefone e computador.
22. O arguido sente-se injustiçado e perseguido porque a entidade patronal lhe retirou o telefone e telemóvel e computador.
23. Em carta dirigida à Mesa Administrativa em 0/01/2011, o arguido deu conta de que o armazém “apresentava fracas condições de higiene”.
24. Nas fotografias juntas pelo arguido são visíveis no chão marcas que se presume serem alguns “canudos” de massa alimentícia, papel, e líquido entornado.
25. Em denúncia, dirigida e enviada ao Sr. Director da Segurança Social de Vila Real, e recebida no Instituto da Segurança Social em 10/03/2011, o arguido refere irregularidades ocorridas no armazém em 2009 de que se propõe “mostrar provas”, e “atitudes limitadoras e de assédio psicológico” exercidas sobre ele pelo Sr. Provedor/Mesa Administrativa, indicando como a mais o “proibir as funcionárias da limpeza de limpar o armazém a partir de 25/11/2011”…”apresentando neste momento fracas condições de higiene”… “todas as crianças da creche, infantário, utentes e funcionários…poderão ser prejudicados a nível de saúde.”.
26. E termina o arguido aquela denúncia solicitando que sejam accionados “todos os mecanismos que a Lei permita, de modo a pôr cobro a este indigno modo de uma entidade patronal, ainda por cima com as responsabilidades sociais inerentes a uma Santa Casa, tratar e pôr em causa a saúde dos funcionários e mais importante a das crianças e utentes que serve”.
27. Não é ainda conhecido o relatório da mencionada inspecção, nem as consequências que dela poderão advir para a Santa casa da Misericórdia de Valpaços”.
(…)»
25 – E, mais adiante, em sede de apreciação e fundamentação dos factos imputados, refere-se na decisão do despedimento, além do mais que dela consta, o seguinte:
«(…)
O arguido não se limitou, como agora pretende, a alertar as autoridades competentes, para se salvaguardar a si e à instituição, nem sequer a acautelar as suas responsabilidades, como também diz. Partiu para o ataque, pedindo a responsabilização da própria entidade patronal, e foi bem longe nesse caminho, pedindo o acionamento de “todos os mecanismos que a Lei permita, de modo a pôr cobro a este indigno modo de uma entidade patronal, ainda por cima com as responsabilidades sociais inerentes a uma Santa Casa, tratar e pôr em causa a saúde dos funcionários e mais importante a das crianças e utentes que serve”.
(…)
(…) Num acto pensado, livremente praticado, e, pelos vistos preparado já desde 2009, o arguido levou para fora da instituição o mau relacionamento que com esta começara a ter. (…)”.»
*
III. Do Direito

1. Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC (na redação introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT (na redação aprovada pelo DL 295/2009, de 13.10), as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
E, daí, que sejam as seguintes as questões a apreciar:
- Nulidade da decisão recorrida
- Se não ocorre probabilidade séria de inexistência de justa causa para o despedimento.

2. Da nulidade da decisão recorrida

No requerimento de interposição do recurso a Recorrente invoca a nulidade da decisão recorrida por alegada falta de fundamentação (art. 668º, nº 1, al. b), do CPC), para tanto referindo que a ponderação da gravidade objetiva do ilícito disciplinar é totalmente omitida.
A nulidade foi suscitada no requerimento de interposição do recurso pelo que, nos termos do art. 77º, nº 1, do CPT nada obsta, do ponto de vista formal, ao seu conhecimento.
Dispõe o art. 668º, nº 1, al. b), do CPC que é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Constitui entendimento doutrinal e jurisprudencial que apenas a total falta de fundamentação, que não já a fundamentação incompleta, deficiente ou errada, é suscetível de determinar o alegado vício de nulidade da decisão. Como refere, entre outros, Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª Edição, Almedina, págs. 52/53, apenas a falta absoluta de fundamentos, quer estes respeitem aos factos, quer ao direito, determinam a nulidade da sentença, sendo que, por outro lado, não tem o juiz que se pronunciar sobre todos os argumentos invocados pelas partes, conquanto resolva as questões que lhe são suscitadas.
No caso, a decisão recorrida encontra-se fundamentada de facto e de direito, dela constando os factos dados como provados, bem como as disposições legais aplicáveis e as considerações que, no seu entender, determinam que os factos dados como provados não consubstanciam justa causa para o despedimento, nela se referindo, para o efeito e em síntese, que a falta de condições de higiene ficou demonstrada e que as intenções (vingança ou retaliação) imputadas na nota de culpa não o ficaram, mais se invocando a inexistência de prejuízo para a empregadora, o passado disciplinar inexistente do trabalhador e a desproporção entre os factos (denúncia) e a sanção.
Que a Recorrente discorde de tal fundamentação é um direito que lhe assiste; agora a tese de que ocorreria nulidade da decisão é que carece de sustentação legal.
Assim, improcede a nulidade invocada.

3. Se não ocorre probabilidade séria de inexistência de justa causa para o despedimento

Como se refere no Acórdão desta Relação de 05.03.2012, proferido no Processo nº 665/11.8TTPRT.P1[1]:
“É sabido que foi apenas com o CPT de 1981, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30 de setembro, que foi criada no foro laboral a providência cautelar de suspensão do despedimento individual; rectius, foi a primeira vez que a providência foi introduzida no Código, pois ela foi criada, propriamente, pela Lei n.º 48/77, de 11 de julho, limitando-se o Cód. Proc. do Trabalho de 1981 a efetuar a reformulação do procedimento cautelar da suspensão por forma a proteger mais adequadamente os direitos dos trabalhadores...[2].
Mantida e desenvolvida no CPT de 1999 e de 2009 e como qualquer outro procedimento da mesma natureza, a suspensão do despedimento individual visa acautelar o periculum in mora na efetivação do direito definitivo, sendo seu pressuposto a demonstração do fumus boni juris, para tanto bastando uma summaria cognitio, pois a ação de impugnação de despedimento apresenta uma estrutura cuja complexidade obriga a despender mais tempo, sendo necessário demonstrar cabalmente os pressuspostos do direito, através de uma prova exaustiva e não meramente informatória[3].
É pertinente para a decisão da questão a seguinte norma do CPT:
Artigo 39.º
Decisão final
1 — A suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua:

b) Pela provável inexistência de justa causa.

Ora, de tal disposição legal resulta que é necessário averiguar se não existiu justa causa para o despedimento efetuado pelo empregador, sendo o objeto da providência o mesmo da ação de impugnação. Simplesmente, o juízo a empreender não é de certeza, como na açcão definitiva, bastando-se a providência com um juízo de probabilidade, sendo certo que ele se estriba sobre uma prova informatória, tudo em harmonia com a natureza célere do processo cautelar e com a urgência da providência requerida, de tal forma que na futura ação definitiva se pode alcançar um resultado diverso.”.
Refira-se ainda que o CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10 (CPT/2009), o aplicável ao caso, introduziu na regulamentação do procedimento cautelar de suspensão do despedimento uma alteração significativa, qual seja a da admissibilidade de apresentação de qualquer meio de prova, incluindo a testemunhal, com o que aproximou tal regulamentação à prevista para os procedimentos cautelares comuns. Deste modo, o juízo da probabildiade séria da inexistência da justa causa deverá ser formulado tendo em conta a matéria de facto dada como assente em sede cautelar. Tal significa, pois, que se, perante a referida factualidade assente, se entender que o empregador não fez a prova dos factos imputados na nota de culpa (atento o princípio da vinculação temática, nos termos do qual a decisão de despedimento não se poderá fundamentar em factos não constantes da nota de culpa – cfr. art. 357º, nº 4, do CT/2009[4], o aplicável ao caso) ou que, tendo-a feita, a mesma não será susceptivel de integrar a justa causa para o despdimento, então impor-se-ia decretar a suspensão do despedimento face à probabilidade séria de inexistência da justa causa invocada.

3.1. Dispõe o artº 351º, nº 1, do CT/2009 que constitui justa causa do despedimento «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho», elencando-se no nº 2, a título exemplificativo, comportamentos suscetíveis de a integrarem.
É entendimento generalizado da doutrina e jurisprudência[5] que são requisitos da existência de justa causa do despedimento: a) um elemento subjetivo, traduzido no comportamento culposo do trabalhador violador dos deveres de conduta decorrentes do contrato de trabalho; b) um elemento objetivo, nos termos do qual esse comportamento deverá ser grave em si e nas suas consequências, de modo a determinar (nexo de causalidade) a impossibilidade de subsistência da relação laboral, reconduzindo-se esta à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística[6].
Quanto ao comportamento culposo do trabalhador, o mesmo pressupõe um comportamento (por ação ou omissão) imputável ao trabalhador, a título de culpa, que viole algum dos seus deveres decorrentes da relação laboral.
O procedimento do trabalhador tem de ser imputado a título de culpa, embora não necessariamente sob a forma de dolo; se o trabalhador não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado e de que era capaz, isto é, se age com negligência, poderá verificados os demais requisitos, dar causa a despedimento com justa causa (Abílio Neto, in Despedimentos e contratação a termo, 1989, pág. 45).
Porém, não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador, mostrando-se necessário que o mesmo, em si e pelas suas consequências, revista gravidade suficiente que, num juízo de adequabilidade e proporcionalidade, determine a impossibilidade da manutenção da relação laboral, justificando a aplicação da sanção mais gravosa.
Com efeito, necessário é também que a conduta seja de tal modo grave que não permita a subsistência do vínculo laboral, avaliação essa que deverá ser feita , segundo critérios de objetividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um bom pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjetivamente como tal, impondo o art. 351º, n.º 3, que se atenda ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que ao caso se mostrem relevantes.
Quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, a mesma verifica-se por deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de proteção do emprego, não sendo no caso concreto objetivamente possível aplicar à conduta do trabalhador outras sanções, na escala legal, menos graves que o despedimento.
Diz Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 8ª Edição, Vol. I, p. 461, que se verificará a impossibilidade prática da manutenção do contrato de trabalho sempre que não seja exigível da entidade empregadora a manutenção de tal vínculo por, face às circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele implica, representem uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
E, conforme doutrina e jurisprudência uniforme, tal impossibilidade ocorrerá quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução contratual (arts. 126º, nº 1, do CT/2009 e 762º do C.C.) reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais.
Assim, sempre que o comportamento do trabalhador seja suscetível de ter destruído ou abalado essa confiança, criando no empregador dúvidas sérias sobre a idoneidade da sua conduta futura, poderá existir justa causa para o despedimento. Como se diz no Acórdão do STJ de 03.06.09 (www.dgsi.pt, Processo nº 08S3085) “existe tal impossibilidade quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do primeiro a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.”
O apontado nexo de causalidade exige que a impossibilidade da subsistência do contrato de trabalho seja determinada pelo comportamento culposo do trabalhador.
Importa, também, ter em conta de entre o leque de sanções disciplinares disponíveis, o despedimento representa a mais gravosa, por determinar a quebra do vínculo contratual, devendo ela mostrar-se adequada e proporcional à gravidade da infração.
Por fim, dispõe o art. 128º, nº 1, do CT/2009 que constituem deveres do trabalhador o de lealdade (al. f), dever este que entronca no dever de boa-fé no exercício dos direitos e no cumprimento das respetivas obrigações (boa-fé que se impõe tanto ao trabalhador, como ao empregador), consagrado no art. 126º, nº 1.

3.2. No caso, tendo em conta a factualidade assente e o imputado na nota de culpa, a justa causa invocada radica na denúncia efetuada pelo Recorrido/Requerente quanto às condições de higiene do armazém. Refira-se que, quanto ao mais imputado na nota de culpa, não foi feita prova da correspondente factualidade.
E, desde já o diremos, a inexistência de justa causa dependia da prova da veracidade dos factos imputados na denúncia feita pelo Requerente, prova essa que, se tivesse sido feita, determinaria a ocorrência de probabilidade séria de inexistência de justa causa.
Na verdade, não está o trabalhador impedido, nem isso viola o dever de lealdade para com o empregador, de denunciar situações que consubstanciem violação, por parte do empregador, de obrigações legais que sobre ele impendam, mormente situações que atentem contra a higiene no trabalho e que sejam suscetíveis de por em causa as boas e necessárias condições, não apenas de trabalho, como de salubridade, do trabalhador ou de terceiros que possam ser afetados. E, efetuada uma denúncia pelo trabalhador contra a sua entidade patronal, a ele trabalhador competirá a prova da veracidade dos factos denunciados, sob pena de, não a fazendo, violar, aí sim, o dever de lealdade, de respeito e de defesa do bom nome da sua entidade empregadora.
Ora, acontece que, no caso, o Requerente, tendo denunciado ao Diretor da Segurança Social, o estado de sujidade do armazém da Requerida e, com isso, tendo até desencadeado uma ação inspetiva, não fez contudo prova da veracidade dos factos denunciados. Na verdade, da matéria de facto provada não decorre que, aquando da denúncia, o armazém apresentasse a situação de sujidade invocada na denúncia; e, também não decorre que a mesma se verificasse aquando da ação inspetiva, sendo que, neste momento, o que decorre é que a sujidade não era visível.
É certo que foram dadas ordens às trabalhadoras de limpeza para deixarem de limpar o armazém, não decorrendo dos factos assentes qualquer explicação por parte da Recorrente para tal facto. Não obstante, deles também decorre que não apenas o Recorrido efetuava, quando necessário, uma limpeza do seu local de trabalho, como também que o armazém continuou a ser limpo por K…., não resultando, dessa factualidade, que se mostrasse necessária ou justificada a denúncia efetuada a entidades terceiras.
Por outro lado, é certo que a ordem da Requerida no sentido das funcionárias de limpeza deixarem de limpar o armazém poderá, eventualmente, comprometer a limpeza desse local. Não obstante, a verdade é que, da matéria de facto dada como assente no âmbito do presente procedimento cautelar, não resultam factos que demonstrem, ao menos suficientemente, que a limpeza e salubridade do local haja ficado, ou poderia ter ficado, comprometida e em termos tais por forma a poder considerar-se justificada a denúncia feita pelo Requerente.
Ora, assim sendo, violou o Requerente os referidos deveres de lealdade, de respeito e de defesa do bom nome da sua entidade empregadora, o que fez de forma que não se mostra, nesta sede cautelar, justificada.
Tal violação afigura-se-nos, em si mesma grave, na medida em que, embora dela não tendo decorrido prejuízos de natureza patrimonial e inserindo-se num processo gradativo de deterioração das relações entre as partes (como parece decorrer dos nºs 7 a 11 dos factos assentes), é todavia suscetível de por em causa o bom nome da Requerida e afetar a confiança que esta poderá depositar no trabalhador, sendo que não se mostra que fosse a denúncia (não se encontrando, de acordo com a matéria de facto assente, justificada com a veracidade dos factos denunciados) o meio adequado a eventual reação do Recorrido perante outras situações que considerasse atentatórias da sua dignidade ou das suas condições de trabalho.
Tendo o contrato de trabalho natureza eminentemente pessoal e assentando na indispensável confiança depositada no trabalhador que, para que o contrato se possa manter, deverá subsistir, afigura-se-nos que tal denúncia, não justificada perante a factualidade indiciariamente assente (como o é em sede cautelar), mina ou é suscetível de, objetivamente, determinar a quebra dessa confiança.
Acresce que, perante a gravidade do comportamento do Recorrido, afigura-se-nos de menor relevância a sua antiguidade.
Tudo sopesado, afigura-se-nos, perante a factualidade apurada nesta sede, que esta poderá determinar a impossibilidade/inexigibilidade de manutenção da relação laboral, a significar que não se encontra demonstrada a forte probabilidade de inexistência de justa causa para o despedimento.
E, assim sendo, procedem, nesta parte, as conclusões do recurso.
*
4. A procedência das conclusões do recurso impõe que, nos termos do disposto no art. 715º, nº 2, do CPC, esta Relação conheça do outro dos fundamentos invocados pelo Requente para sustentar a ilicitude do despedimento e de que a 1ª instância não conheceu por, certamente, o haver considerado desnecessário ou prejudicado face à solução a que chegou (da probabilidade séria de inexistência de justa causa para o despedimento, com o consequente decretamento da suspensão do despedimento).
Foi cumprido o contraditório previsto no art. 715º, nº 3, do CPC (cfr. despacho de fls. 249 e notificações de fls. 250 e 251).
Assim, e conhecendo:
No requerimento inicial o Requerente invocava a nulidade do procedimento disciplinar para tanto, e em síntese, alegando que:
- a instauração do procedimento disciplinar resultou de deliberação da Mesa Administrativa da Ré da qual, entre outros, faziam parte o vogal C….., vogal este que auferia uma remuneração mensal de carácter contínuo, o que viola o art. 30º, al. a), dos Estatutos da Ré (nos termos do qual “não podem ser membros da Mesa Administrativa os irmãos… que estiverem ao serviço remunerado da instituição”).
- A Requerida, na decisão de despedimento, dá por provados factos, nos quais fundamenta o despedimento, que não constavam da nota de culpa, nomeadamente que: o Requerente tivesse feito a denúncia à Segurança Social movido por sentimentos de “reação e vingança”; imputa ao Requerente o facto de este partir “para o ataque, pedindo a responsabilização da própria entidade patronal” e de “num acto pensado, livremente praticado e, pelos vistos preparado já desde 2009, o arguido levou para fora da instituição o mau relacionamento que com esta começara a ter.”.
Quanto ao primeiro dos fundamentos invocados, o Requerente não fez deles prova, sendo que sobre ele impendia o respetivo ónus de alegação e prova (art. 342º, nº 1, do Cód. Civil).
Com efeito, como decorre da decisão da matéria de facto, dela consta que foi dado como não provado o que, a esse propósito, havia sido alegado no requerimento inicial, ou seja que: “o requerente tem conhecimento de que o vogal C….. recebe da requerida uma remuneração mensal de carácter contínuo e duradouro”; “o referido vogal não pode ser membro da mesa administrativa da requerida ou tomar parte nas deliberações da mesma”; e que “o facto do vogal ser remunerado pela requerida, impede-o de ser membro da mesa administrativa, por força do compromisso da Irmandade.”.
Quanto ao segundo dos fundamentos da invocada nulidade do procedimento disciplinar, alegou o Requerente, como já referido, que na decisão de despedimento foram tidos em conta factos não constantes da nota de culpa, designadamente os acima mencionados.
Dispõe o art. 353º do CT/2009 que a nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, exigência que se prende com o exercício do direito de defesa do trabalhador e com o princípio da vinculação temática, este consagrado no art. 357º, nº 4, do mesmo, de acordo com o qual na decisão de despedimento não poderão ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
Por sua vez, nos termos do art. 382º, nº 2, do CT/2009, o procedimento só poderá ser declarado inválido se “a)Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador; b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa; c) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não seja elaborada nos termos do nº 4 do artigo 357º ou do nº 2 do artigo 358º.”.
Assim sendo, o despedimento não poderá ser motivado em factualidade que não haja sido imputada ao trabalhador na nota de culpa ou referida na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuar a responsabilidade; mas essa inatendibilidade apenas inquina a parte da decisão que seja afectada pela omissão, e não já toda a decisão se, nesta, o despedimento for também motivado por factualidade descrita na nota de culpa. Nesta parte, a decisão é perfeitamente válida.
Ora, no caso, a factualidade dada como provada na decisão recorrida e que, a nosso ver e nesta sede cautelar, é susceptível de constituir justa causa de despedimento foi imputada ao Requerente na nota de culpa (bem como na decisão de despedimento).
É certo que o que consta do nº 5 dos factos elencados na decisão de despedimento [que o Requerente “fez as denúncias acima descritas por vingança contra a sua entidade patronal e com o propósito de lhe causar lesão”] não foi imputado na nota de culpa. Não obstante, tal não determina a nulidade do procedimento disciplinar, mas apenas a inatendibilidade de tal facto para justificar o despedimento. E o mesmo se diga relativamente a eventuais outras considerações tecidas na decisão de despedimento que possam não constar da nota de culpa, designadamente as demais referidas pelo Requerente.
Ora, o que foi imputado na nota de culpa e, no essencial, foi dado como provado na decisão recorrida é de molde a, neste juízo cautelar, afastar a probabilidade séria de inexistência de justa causa de despedimento.
Conclui-se, pois, no sentido da inexistência da alegada nulidade do procedimento disciplinar.
*
IV. Decisão

Em face do exposto, decide-se:
A. Julgar improcedente a arguida nulidade da decisão recorrida.
B. No mais, conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, que é substituída pela presente decisão julgando improcedente o procedimento cautelar de suspensão do despedimento e, por consequência, não se decretando a suspensão do despedimento de que o Requerente/Recorrido foi alvo.

Custas, na 1ª instância e no recurso, pelo Recorrido.
Notifique-se.

Porto, 08.10.2012
Paula Alexandra Pinheiro G. Leal S.M. de Carvalho
Maria José Pais de Sousa da Costa Pinto
António José Ascenção Ramos
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[1] Relatado por Ferreira da Costa.
[2] Como consta da alínea c) do ponto 2. do proémio do diploma que o aprovou.
[3] Cfr. Albino Mendes Batista, in Código de Processo do Trabalho Anotado, 2000, pág. 83 e Paulo Sousa Pinheiro, in O Procedimento Cautelar Comum no Direito Processual do Trabalho, 2004, págs. 42 e segs.
[4] Abreviatura de Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02.
[5] Cfr., por todos, os Acórdãos do STJ, de 25.9.96, CJ, Acórdãos do STJ, 1996, T 3º, p. 228, de 12.03.09, 22.04.09, 12.12.08, 10.12.08, www.dgsi.pt (Processos nºs 08S2589, 09S0153, 08S1905 e 08S1036), da Relação do Porto de 17.12.08, www.dgsi.pt (Processo nº 0844346).
[6] Acórdão do STJ de 12.03.09, www.dgsi.pt (Processo 08S2589).
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SUMÁRIO
I. O trabalhador não está impedido, nem isso viola o dever de lealdade para com o empregador, de denunciar situações que consubstanciem violação, por parte do deste, de obrigações legais que sobre ele impendam, designadamente em matéria de condições de higiene e salubridade do local de trabalho.
II. Porém, efetuada tal denúncia, competirá ao trabalhador a prova da veracidade dos factos denunciados, sob pena de, não a fazendo, violar os deveres de lealdade, de respeito e de defesa do bom nome da sua entidade empregadora.
III. Não constitui probabilidade séria de inexistência de justa causa suscetível de determinar a suspensão do despedimento o comportamento do trabalhador que efetua, perante autoridade que julga competente, denuncia de irregularidades (no caso, e no essencial, falta de higiene do local de trabalho) cometida pelo empregador e que determina, inclusivamente, uma ação inspetiva, se da matéria de facto dada como indiciariamente demonstrada não resulta a veracidade dos factos denunciados.