Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
691/06.9GAVNG
Nº Convencional: JTRP00042291
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: FURTO
CONSUMAÇÃO
TENTATIVA
Nº do Documento: RP20090311691/06.9GAVNG
Data do Acordão: 03/11/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: ORDENADO O REENVIO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 572 - FLS 52.
Área Temática: .
Sumário: Para a consumação do crime de furto é suficiente a transferência da disponibilidade da coisa do seu titular para o agente, não sendo necessário que este último detenha a coisa de forma pacífica ou em tranquilidade ou sossego; ou seja, não é necessário a conservação da posse da coisa, em poder do agente, de forma segura, para que se considere verificada a consumação do crime de furto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (proc. n º 691/06.9GAVNG)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
No Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, nos autos de processo comum (tribunal singular) nº 691/06.9GAVNG a correr termos no .º Juízo Criminal, foi proferida sentença, em 3/03/2008 (fls. 134 a 147), constando do dispositivo o seguinte:
“Pelo exposto e ao abrigo dos citados preceitos condeno B.........., como autora material e sob a forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. b), do C.P., na pena de 1 (um) ano e 6(seis) meses de prisão.
Condeno ainda a arguida nas custas do processo, fixando em 3 UC a taxa de justiça devida, acrescida de 1%, nos termos do art.º 13.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, 1/3 de procuradoria e nos demais encargos a que a sua actividade deu lugar, nomeadamente na quantia fixada na tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, para este tipo de processos, e devida a título de honorários à ilustre defensora, a adiantar (cfr. arts. 74.º, 82.º, n.º 1, 85.º, n.º 1, al. b), 89.º, n.º 1 e 95.º, n.os 1 e 2, do C.C.J. e 513.º, n.º 1, 514.º, n.º 1, do C.P.P.).
Após trânsito, remeta boletim (cfr. art.º 5.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto).
Após trânsito, remeta certidão da presente sentença, com nota de trânsito em julgado, ao Processo Comum Colectivo n.º ..../99.5PBEVR, do ..º juízo criminal do Tribunal Judicial de Évora (cfr. art.º 495.º, n.º 3, do C.P.P.).
Ao abrigo do disposto no art.º 214.º, n.º 1, al. e), do C.P.P., a medida de coacção aplicada à arguida extingue-se com o trânsito em julgado da presente sentença.
Consigna-se que a arguida, à ordem deste processo e até à presente data, não sofreu qualquer período de privação de liberdade (cfr. art.º 80.º do C.P.).
Após trânsito, passe mandados de detenção e condução da arguida ao Estabelecimento Prisional.
(…)”
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Não se conformando com a sentença, a arguida B………. dela interpôs recurso (fls. 174 a 179), formulando as seguintes conclusões:
“1ª - Foi dado como facto provado a existência de decisão condenatória, transitada em julgado, no âmbito do processo comum colectivo nº …./99PBEVR, do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, no entanto, até à presente data não há acórdão condenatório da recorrente nesse processo. Não pode pois tal facto ser dado como provado, nem ser valorado na medida da pena como antecedente criminal da arguida.
2ª - Não corresponde à realidade, a parte da matéria de facto, no seu ponto 2), onde se diz «(…) integrando-a na sua esfera jurídico-patrimonial». Expressão, aliás, que se julga mesmo não constituir matéria de facto, mas sim conceito normativo a ser integrado por circunstâncias de facto.
3ª - Não existiu consumação do crime de furto, uma vez que mesmo de acordo com os factos dados como provados, a arguida não tinha ainda a sua posse consolidada (illatio), sendo necessário um estado tranquilo, ainda que transitório para a consumação – cf. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, 1965, p. 44; Nelson Hungria, Comentário ao Código Penal, VIII, 25; Ac.. do STJ de 23/11/1982, BMJ 321/316; Ac. do STJ de 21/11/1990, AJ, nº 13, BMJ nº 407, 126; e o Ac. do STJ de 1/7/1993, proc. nº 45258.
4ª - Mas, mesmo não se aderindo a tal posição, sempre teria de haver um tempo mínimo, que permita dizer que um efectivo domínio de facto sobre a coisa é levado a cabo pelo agente, mas sem defender que tal domínio se opere «em pleno sossego ou em estado de tranquilidade» - no sentido desta posição intermediária, cf. Ac. do STJ de 16/1/2002, CJ Tomo I.
5ª - A douta sentença recorrida, deveria ter punido a arguida pelo crime, sob a forma tentada, pelo que interpretou incorrectamente os arts. 202-d), 203 nº 1, 204 nº 2-e) e 22 todos do CP.
6ª - Mesmo caso tal não se entenda, tendo em conta o supra alegado no art. 4 e que três dos quatro crimes de furto pelos quais a recorrente foi condenada foram praticados há 7, 9 e 10 anos, sempre esta deveria ter sido condenada a pena de multa, ou quanto muito, a pena de prisão fixada mais próxima do limite mínimo da moldura penal. Sendo essa uma mais correcta interpretação dos arts. 70 e 71 ambos do Código Penal.”
Termina pedindo o provimento do recurso.
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Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso (fls. 230 a 233), pugnando pelo seu não provimento.
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Nesta Relação, a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (fls. 245 a 248), concluindo pelo não provimento do recurso.
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Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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Na sentença sob recurso foram considerados provados os seguintes factos:
“No dia 3 de Julho de 2006, C.......... circulava no interior do comboio urbano que fazia o trajecto entre Aveiro e Granja, o qual transportava uma pasta em cabedal preto onde guardava uma carteira de cor castanha, contendo a sua documentação pessoal e outros objectos devidamente fechada por um fecho e duas fivelas, que colocou debaixo do banco onde se sentou.
Durante a viagem a arguida abeirou-se daquele C.......... e aproveitando o facto de este estar a ler um livro, abriu a pasta e retirou do seu interior a referida carteira, na posse da qual abandonou o local para a outra ponta do comboio, integrando-a na sua esfera jurídico-patrimonial.
Já perto da estação da Granja, nesta comarca de Vila Nova de Gaia, o referido C.......... deu pela falta da sua carteira, tendo conseguido interceptar a arguida que lhe entregou a carteira com os documentos daquele, nomeadamente, o bilhete de identidade, o cartão de identificação como juiz de direito, cartão de eleitor, carta de condução, cartão multibanco da CGD, cartão multibanco do BPI, cartões de sócio da ASJP e da ADSE.
A arguida agiu sabendo e querendo fazer seus os ditos objectos que não lhe pertenciam, contra a vontade do seu legítimo proprietário e sem autorização do mesmo, com a intenção de deles se apropriar.
Agiu de modo livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
No âmbito do Processo Comum Singular n.º .../01.9PBAVR, do ..º juízo criminal do Tribunal Judicial de Aveiro, a arguida foi em 20 de Janeiro de 2003 condenada na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 3 (três euros), pela prática em 4 de Abril de 2001, de um crime de furto, p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1, do C.P., tendo a respectiva sentença transitado em julgado em 3 de Fevereiro de 2003.
No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º .../98.0PBEVR, do ..º juízo criminal do Tribunal Judicial de Évora, a arguida foi em 22 de Abril de 2003 condenada na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, pela prática em 9 de Julho de 1998 de um crime de furto, p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1, do C.P. (um ano de prisão), de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 217.º do C.P. (um ano de prisão) e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, al. a) e n.º 3, do C.P. (dezoito meses de prisão), tendo o respectivo acórdão transitado em julgado em 7 de Maio de 2003.
No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º ..../99.7PBEVR, do ..º juízo criminal do Tribunal Judicial de Évora, a arguida foi em 6 de Outubro de 2003 condenada na pena de 1 (um) ano de prisão pela prática de 17 para 18 de Setembro de 1999 de um crime de furto, p. e p. pelo art.º 203.º do C.P., tendo o respectivo acórdão transitado em julgado em 21 de Outubro de 2003.
No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º ..../99.5PBEVR, do ..º juízo criminal do Tribunal Judicial de Évora, a arguida foi em 12 de Dezembro de 2005 condenada na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, pela prática em 24 de Novembro de 1999 de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º do C.P., cujo acórdão transitou em julgado em 9 de Janeiro de 2006.
No âmbito do Processo Comum Singular n.º ..../06.8TAAVR, do ..º juízo criminal do Tribunal Judicial de Aveiro, o arguido foi em 6 de Junho de 2007 condenada na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 3 (três euros) pela prática em 15 de Março de 2006 de um crime de furto, p. e p. pelo art.º 203.º do C.P., cuja sentença transitou em julgado em 3 de Julho de 2007.”

Quanto a factos não provados consignou-se:
“Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição com os que foram dados como assentes, nomeadamente, que a arguida tenha praticado os factos por impulso na sequência de uma depressão que culminou num acesso de cleptomania, tendo antecedentes ligados ao consumo de estupefacientes.”

No que respeita à fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, mencionou-se:
“O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica e ponderada de toda a prova produzida, nomeadamente, no depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, na certidão entretanto junta e no CRC da arguida.
C………., deu conta de como tudo se passou, relatando o que percepcionou, bem como recuperou os objectos em causa e a forma como a arguida foi identificada, no que foi corroborado pelo depoimento de D………., operador de revisão e venda, que se encontrava no local.
Relativamente ao comportamento da arguida relevou o C.R.C. e a certidão entretanto junta.
Dir-se-á, por fim, que os demais factos dados como não provados tiveram a sua razão de ser na total falta de elementos de prova sobre a matéria em questão e, assim, na insuficiência da prova produzida que, deste modo, não permitiu considerar verificada a factualidade aí vertida.”

Na fundamentação da espécie e medida da pena escreveu-se:
“No sistema jurídico-penal português as reacções criminais não privativas da liberdade assumem preferência sobre as penas detentivas, desde que as primeiras satisfaçam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, isto é, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente de um crime na sociedade (cfr. arts. 40.º e 70.º, do C.P.).
(…)
Ora, não se poderá esquecer que o ilícito em causa, pela frequência inquietante que assume na actualidade, e especialmente no nosso país, gera na comunidade um forte sentimento demandando uma solene punição do agente a fim de ser recuperada a confiança na vigência e validade da norma violada.
Acresce que a arguida já não era primária à data da prática dos factos, tendo já praticado, por três vezes crimes de furto, sendo que posteriormente viria a ser condenada pela prática de um outro crime de furto, o que constitui índice de uma certa insensibilidade às penas aplicadas, de uma insusceptibilidade de ser influenciada por elas e, finalmente, de maiores exigências de socialização.
Deste modo, julgo adequado a aplicação à arguida de uma pena de prisão e não de uma pena de multa estabelecida em alternativa àquela.
A determinação da medida concreta da dita pena tem como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção, sendo a função desempenhada por cada um destes critérios definida de acordo com a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico.
Deste modo, a prevenção geral de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto óptimo de protecção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar.
Por seu turno, a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva.
Ora, dentro desses limites cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à socialização do agente.
Assim, importa ter em conta, dentro dos limites abstractos definidos pela lei, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra a arguida, na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para exigências preventivas.
Ora, dada grande incidência deste tipo de crimes no meio são acentuadas as exigências de prevenção geral no sentido de fazerem apelo a uma maior necessidade de sancionamento para que se estabeleça a confiança na norma violada.
Por outro lado, não se poderá esquecer os objectos em causa e o local onde os mesmos se encontravam, o facto de os mesmos terem sido recuperados, embora não por iniciativa da arguida, e que a mesma agiu com a modalidade mais intensa de dolo, já que o mesmo se mostra directo.
Tudo ponderado fixo à arguida uma pena de 1 (ano) e 6 (seis) meses de prisão.
(…)
Ora, in casu, a idade da arguida e os antecedentes criminais permitem concluir que a tutela dos bens jurídicos em causa, a estabilização das expectativas da comunidade na validade e vigência da norma violada e as exigências de socialização que o caso denota não se bastam com a ameaça da pena de prisão, sendo certo que a arguida já deu mostras de tal ser insuficiente e inadequado para a dissuadir da prática futura de crimes, tanto mais que praticou os factos aqui em causa no período de uma pena suspensa aplicada.
Por outro lado, optar por uma pena não detentiva seria criar na arguida um mau sentimento de impunidade.”
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II- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso interposto pela arguida, demarcado pelo teor das suas conclusões (art. 412 nº 1 do CPP), suscita a apreciação das seguintes questões:
1ª - Verificar se a decisão proferida sobre a matéria de facto padece de lapso (por a condenação aí referida, proferida no processo comum colectivo nº …./99PBEVR, não ter transitado em julgado) e contém conceito normativo (quando se faz referência à integração da carteira na esfera jurídico-patrimonial da arguida);
2ª - Analisar se existe erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito (na sua perspectiva a sua conduta apenas integraria crime tentado e não consumado);
3ª - Ponderar a medida da pena (na sua perspectiva a pena que lhe foi aplicada é excessiva, na medida em que é mais adequada pena de multa ou, quando muito, pena de prisão mais próxima do limite mínimo da moldura penal).
Passemos então a apreciar as questões colocadas no recurso aqui em apreço.
1ª Questão
Começa o recorrente por apontar a existência de lapso na decisão proferida sobre a matéria de facto, quanto ali se dá como provado que a condenação proferida no processo comum (colectivo) nº …./99.5PBEVR do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, transitou em julgado.
Para prova da falta de trânsito daquela condenação juntou, com a motivação de recurso, três documentos, sendo um relativo a notificação (ofício datado de 23/5/2005) de Ac. do STJ proferido em processo comum (colectivo), no qual é arguida a aqui recorrente (documento esse incompleto mas do qual consta a referência de que a sentença condenatória proferida contra a arguida é nula, nos termos do art. 379 nº 1-b) do CPP) e, os restantes dois relativos a consulta informática, feita através do citius.tribunaisnet.mj.pt, em processo(s), onde a recorrente é arguida (tratam-se de dois documentos, cada um composto por uma folha; no de fls.218 consta que o processo nº …./99.5PBEVR está pendente e, o de fls. 217 apresenta actos praticados desde 22/11/2007 a 2/6/2008 em processo em que a recorrente é arguida, existindo uma acta de audiência de julgamento que terá sido inserida em 14/5/2008).
Independentemente da discussão sobre a admissibilidade ou não de prova documental junta com a motivação de recurso e até da sua eventual insuficiência (por essa documentação não ser clara e inequívoca no sentido de se poder afirmar que todos aqueles documentos se referem ao referido processo nº …./99.5PBEVR), o certo é que resulta da fundamentação de facto da sentença impugnada que, os factos apurados relativos a condenações sofridas pela arguida se basearam na análise articulada do teor do respectivo CRC junto aos autos e da certidão de fls. 121 a 131, extraída do processo nº …./99.7PBEVR.
Ora, compulsados esses mesmos documentos aludidos na sentença impugnada, verifica-se que há uma discrepância de relevo que, não tendo sido dirimida (v.g. através da requisição de certidão pertinente), implicava não poder ser dado como provado que a condenação proferida no dito processo nº …./99.5PBEVR havia transitado em julgado (não obstante o teor do boletim do CRC nesse sentido).
Com efeito, há uma desconformidade entre o boletim do CRC que consta de fls. 97 relativo ao dito processo nº …./99.5PBEVR (onde consta que a arguida terá sido condenada por acórdão de 12/12/2005, pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. no art. 256 do CP, cometido em 24/11/1999, na pena de 9 meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos, acrescentando-se que o trânsito em julgado ocorreu em 9/1/2006) e o teor do despacho de fls. 129 proferido em 24/11/2004 no âmbito do processo nº …./99.7PBEVR (segundo o qual, a pena ali aplicada à arguida, cujo termo ocorreria em 1/12/2004, teria sido cumulada na condenação proferida no processo nº …./99.5PBEVR, a qual ainda não havia transitado em julgado).
E, perante esses elementos contraditórios (tanto mais que no CRC não havia qualquer referência àquela decisão que efectuara cumulo jurídico de penas), impunha-se ao tribunal da 1ª instância requisitar certidão da decisão final proferida no dito processo nº …./99.5PBEVR, com nota de trânsito em julgado, sabido que os boletins do CRC são, muitas vezes, deficientemente preenchidos, como, de resto, se evidenciava de forma clara no caso dos autos.
Ao assim não ter procedido, é manifesto que, perante a prova de que se socorreu, o tribunal não podia dar como provado que aquela sentença proferida em 12/12/2005 havia transitado em julgado.
Por isso, no que se refere à descrição dessa condenação relativa ao processo nº …./99.5PBEVR, existe erro notório na apreciação da prova documental apreciada pelo tribunal da 1ª instância (art. 410 nº 2-c) do CPP).
Por outro lado, sustenta o recorrente que, a matéria de facto apurada contém conceito normativo no segmento onde se escreve: “(…) integrando-a na sua esfera jurídico-patrimonial. (…)”.
Tem razão no que se refere à referência ao conceito “jurídico-patrimonial” mas, quanto ao mais, trata-se de expressão (que embora não corresponda à mais adequada descrição do acto da arguida) que deverá ser interpretada no sentido comum de a referida carteira, na posse da qual a arguida abandonou o local para a outra ponta do comboio, foi por ela integrada na sua esfera patrimonial (isto é, fez sua aquela carteira, colocando-a na sua disposição): aliás, isso mesmo resulta do acto de ter retirado do interior de pasta fechada a referida carteira que não lhe pertencia e de, na sua posse, ter abandonado o local, dirigindo-se para a ponta do comboio, não obstante posteriormente ter sido interceptada, entregando então a carteira ao respectivo proprietário.
Isto significa que, mesmo que fosse eliminada essa matéria, não deixava de se retirar dos demais factos apurados que a arguida fez sua, integrando-a no seu património, aquela carteira, quando abandonou o local de onde a retirou, levando-a consigo para a outra ponta do comboio.
Obviamente que, não tendo impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art. 412 nº 3 e 4 do CPP, é irrelevante que a recorrente alegue erro de julgamento (quando escreve que “não corresponde à realidade”), tanto mais que, nesse particular aspecto, não se evidencia qualquer dos vícios previstos no art. 410 nº 2 do CPP.
De qualquer modo, a sentença recorrida, como adiante se verá (quando apreciarmos a questão relativa à medida da pena), enferma do vício previsto no art. 410 nº 2-a) do CPP, por resultar do seu texto a insuficiência de investigação de matéria de facto para a decisão de determinação da sanção a aplicar à arguida.
Assim, ressalvando a matéria relativa à condenação proferida no processo nº …./99.5PBEVR – a qual deverá ser esclarecida oportunamente pelo tribunal da 1ª instância face ao apontado erro notório na apreciação da prova documental (art. 410 nº 2-c) do CPP) – é inconsequente a demais argumentação do recorrente no que respeita à matéria de facto apurada relativamente à decisão de culpabilidade da arguida (não obstante se considerar como não escrito o acima identificado conceito normativo quando se fez alusão ao “jurídico”).
2ª Questão
Sustenta a recorrente que há erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito por entender que a sua conduta apenas integraria crime tentado de furto qualificado p. e p. nos arts. 202-d), 203 nº 1, 204 nº 2-e) e 22 todos do CP.
Como a decisão sobre a matéria de facto relativa à culpabilidade da arguida (expurgada do referido conceito normativo) já se encontra definitivamente fixada, podemos desde já conhecer do alegado erro de direito.
Argumenta a recorrente que não existiu consumação do crime de furto por dos factos apurados não resultar que a arguida tivesse a posse da carteira consolidada, uma vez que não havia ainda um “estado de tranquilidade” e, mesmo que não se aderisse a tal posição, não havia decorrido ainda um “tempo mínimo” que permitisse concluir que havia “um efectivo domínio de facto sobre a coisa”.
Pois bem.
Antes de mais é preciso ter em atenção que não se apurou o valor da carteira e respectivo conteúdo, constituído por documentos.
Aliás, nem sequer na acusação havia sido atribuído qualquer valor a esses bens.
Assim sendo, a falta de concretização daquele valor nos factos dados como provados apenas pode ser interpretada no sentido mais favorável à arguida, isto é, no sentido de o seu valor – não desprezível – não ultrapassar o de 1 (uma) UC.
Só dessa forma se pode quantificar o valor dos ditos bens furtados (carteira e respectivo conteúdo), razão pela qual sempre se impunha a desqualificação do crime de furto qualificado em questão[1], por força do disposto no art. 204 nº 4 do CP (dispositivo este que não sofreu alterações com a entrada em vigor da Lei nº 59/2007, de 4/9).
Existe, pois, nessa parte, erro de direito (sendo certo que já na acusação era imputado à arguida um crime de furto p. e p. no art. 203 nº 1 do CP).
Agora, voltando à questão colocada pelo recorrente, vejamos então se estamos perante um crime tentado ou um crime consumado p. e p. no art. 203 nº 1 do CP (norma esta que também não foi alterada pela citada Lei nº 59/2007).
Como sabido, são elementos constitutivos do crime de furto (art. 203 nº 1 do CP), a subtracção de coisa móvel alheia (tipo objectivo) e a intenção ilegítima de apropriação (tipo subjectivo).
A subtracção não se esgota com a mera apreensão da coisa alheia (pode mesmo não haver apreensão para que ela se verifique), sendo essencial que o agente a subtraia da posse ou disponibilidade alheia e a coloque à sua disposição ou à disposição de terceiro.
Segundo Faria Costa[2], “a subtracção traduz-se em uma conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor. Implica, por consequência, a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa. (…) A subtracção caracteriza-se, assim e sobretudo, pela finalidade prosseguida, a qual consiste no fazer entrar no domínio de facto do agente da infracção as utilidades da coisa que estavam anteriormente no sujeito que a detinha.”
Para a consumação do crime de furto tem-se entendido que é suficiente, por exemplo, a transferência da disponibilidade da coisa do seu titular (aqui do respectivo proprietário) para o agente (neste caso implicando desapossamento do proprietário e sua integração no património do agente), não sendo necessário que este último detenha a coisa de forma pacífica ou em tranquilidade ou sossego.
Ou seja: não é necessário a conservação da posse da coisa, em poder do agente, de forma segura (illatio), para que se considere verificada a consumação do crime de furto[3].
Realizados todos os elementos constitutivos do tipo ocorre a consumação formal do crime de furto, ficando este assim perfeito, não sendo necessário que simultaneamente ocorra a sua consumação material, podendo esta, enquanto fase ulterior, ocorrer posteriormente.
Daí que, consideremos suficiente a consumação formal do furto (o que supõe o preenchimento dos elementos constitutivos do tipo legal, sendo imprescindível – como diz Faria Costa – que “o agente da infracção tenha adquirido um pleno e autónomo domínio sobre a coisa”[4])[5], entendendo-se que o domínio do facto pelo agente exige (como diz o mesmo Autor) “um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa”[6].
Porém, isso não significa que se tenha de quantificar ou “medir” esse tempo mínimo (embora, por regra, seja de exigir um mínimo de estabilidade ou uma “tendencial estabilidade”), sendo certo que também não bastará a mera instantaneidade.
Passando ao caso dos autos, resulta dos factos dados como provados que, no dia 3/7/2006, no interior daquele comboio urbano que fazia o trajecto entre Aveiro e Granja, a arguida, após se ter abeirado do C………., que ali ia sentado a ler um livro, tendo debaixo do banco, a sua pasta fechada por um fecho e duas fivelas, retirou do interior dessa pasta (que abriu) a referida carteira com documentos (pertencentes ao mesmo C……….), após o que, com essa carteira em seu poder, abandonou aquele local, dirigindo-se para a outra ponta do comboio, agindo dessa forma livre e conscientemente, por querer fazer seus aqueles bens, apesar de saber que não lhe pertenciam e que estava actuar contra a vontade e sem autorização do respectivo proprietário.
Foi já perto da estação da Granja, quando o C………. deu por falta da carteira, que a arguida foi por ele interceptada, tendo então lhe entregue a carteira.
Daí resulta que, quando retirou a dita carteira (e respectivo conteúdo) e abandonou o local com a mesma em seu poder, a arguida por um lado fez com que o respectivo proprietário ficasse sem o domínio de facto sobre essa coisa que lhe pertencia e, por outro lado, ela própria lançou “sobre a coisa um novo poder de facto”, sabendo-se que agiu com a intenção de fazer sua aquela coisa alheia (tendo conhecimento que a dita carteira que fez sua não lhe pertencia e que estava a actuar contra a vontade e sem autorização do dono).
Se a arguida tivesse sido surpreendida antes de abandonar o local onde se encontrava o C………. e onde consumou a subtracção, poder-se-ia colocar a questão de o crime de furto cometido ser tentado.
Mas, neste caso não é isso o que sucede: a arguida foi posteriormente interceptada, já noutro local, quando estava na ponta do comboio, estando este já perto da estação da Granja.
Ou seja: já existia “um efectivo domínio de facto” sobre a carteira levada pela arguida, que até já abandonara o local da subtracção.
Isto significa que houve um “tempo mínimo” que decorreu, ainda que não quantificável (mas que implicou todo um processo, desde que abandonou o local onde consumou a subtracção, se dirigiu para a ponta do comboio e ali permaneceu, sempre com a carteira em seu poder, até ser interceptada), que permite concluir que o furto se consumou.
Assim sendo, não restam dúvidas que, com a sua conduta, a arguida constituiu-se autora material de um crime de furto consumado p. e p. à data dos factos e actualmente no art. 203 nº 1 do CP.
3ª Questão
Considera, ainda, o recorrente que face ao circunstancialismo apurado, deveria ser-lhe aplicada uma pena de multa ou, quando muito, pena de prisão mais próxima do limite mínimo da moldura penal.
O crime de furto consumado cometido pela arguida, tendo em atenção a qualificação jurídica desta Relação é punido em abstracto com pena de prisão de 1 mês a 3 anos.
O tribunal da 1ª instância, partindo de uma moldura abstracta de pena de prisão de 1 mês até 5 anos ou pena de multa de 10 dias a 600 dias, aplicou-lhe a pena de 1 ano e 6 meses de prisão efectiva.
No entanto, independentemente da diferente qualificação aqui efectuada (que, aliás, está de acordo com a que era imputada à arguida na peça acusatória) não se percebe como é que o julgador chegou a essa pena[7], uma vez que nada apurou, v.g. relativamente às condições de vida da arguida e à sua personalidade.
Como sabido, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40 do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade[8].
Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida[9].
Nos termos do artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
Diz Figueiredo Dias[10], que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.”
Uma vez determinada a pena concreta, pode ainda impor-se, consoante os casos, que o tribunal pondere se a deve substituir por outra pena, dentro do leque das respectivas penas de substituição previstas na lei.
Estas operações ou fases da determinação da pena não são feitas de modo abstracto, nem com referências genéricas; antes se devem conjugar com a análise concreta dos factos pertinentes apurados em relação a cada arguido, para daí depois retirar as ilações necessárias, devendo, na decisão, ser especificados os fundamentos de facto e de direito que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada (art. 374 nº 2 e 375 nº 1 do CPP e 71 nº 3 do CP).
Ou seja, na sentença, o juiz tem que motivar (artigo 374 nº 2 do CPP) a apreciação que fez do caso submetido a julgamento, expondo fundamentos suficientes de facto e de direito que expliquem o processo lógico e racional que seguiu, nomeadamente, no que respeita à escolha e à medida da sanção aplicada.
Assim compreendendo as razões da fundamentação da sentença (onde se deixou transparecer o processo de decisão[11]) e a inerente indispensabilidade de criar as «bases necessárias da própria decisão», melhor se alcança o sentido e a importância do princípio da descoberta da verdade material, mormente quando há que justificar a medida da pena aplicada, expressando os seus fundamentos (art. 71 nº 3 do CP).
Em processo penal, incumbe, em última instância ao juiz, por força do princípio da descoberta da verdade material (artigo 340 do CPP),“o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente - independentemente da contribuição das partes - o facto submetido a julgamento”[12].
Este poder-dever do tribunal de investigar autonomamente a verdade material (o que inclui a averiguação dos factos necessários para a oportuna fixação da pena) é essencial, no processo penal, na medida em que, por essa via, será possível alcançar as “bases necessárias da própria decisão”[13].
Vem isto a propósito de nada se ter apurado (ressalvada a referência às condenações sofridas, havendo erro notório pelo menos quanto à relativa ao processo nº …./99.5PBEVR), em termos fácticos, v.g. quanto à personalidade, condições pessoais e económicas de vida, posicionamento e postura da arguida em relação ao crime por si cometido, comportamento anterior e posterior à prática desse crime.
Esses factos, que nem foram investigados pelo tribunal a quo, como lhe competia, ao abrigo do art. 340 do CPP, são essenciais para o julgador poder determinar a espécie e medida da pena a aplicar à arguida e poder fundamentar a respectiva decisão que vier a proferir (cf. nomeadamente arts. 40 nº 1 e 2, 70 e 71 do CP e arts. 124 nº 1[14], 340, 369, 370 nº 1, 374 nº 2 e 375 nº 1 do CPP).
E, dizemos que essa matéria fáctica não foi investigada pelo tribunal a quo porque não há qualquer referência à mesma na sentença recorrida (nada consta a esse propósito dos factos dados como provados, nem dos dados como não provados; na própria fundamentação da decisão da matéria de facto apenas se refere, nesse aspecto, ao comportamento da arguida analisado através do CRC e da certidão entretanto junta aos autos).
Repare-se que, não obstante o julgamento ter ocorrido - como a lei (art. 333 nºs 1 e 2 do CPP) permite - na ausência da arguida (a qual faltou, apesar de estar notificado para a audiência), o tribunal a quo, nem sequer oficiosamente produziu meios de prova no sentido de obter factos essenciais para a oportuna fundamentação de facto, caso tivesse (como teve), de determinar a medida da pena a aplicar à arguida.
O tribunal da 1ª instância sempre podia ter solicitado nomeadamente relatório social para efeitos do art. 370 nº 1 do CPP, tanto mais que o paradeiro da arguida era conhecido (como resulta evidente do facto de ter sido notificado para o julgamento).
Esse meio de prova, indicado a título exemplificativo, era adequado e de fácil e rápida obtenção, permitindo suprir a lacuna da matéria de facto apontada, a qual é essencial para o tribunal poder decidir, formulando um juízo seguro quanto à medida da pena a aplicar à arguida.
Essa investigação oficiosa que se impunha (independentemente dos resultados que viesse ou não a alcançar), era indispensável para habilitar o tribunal a tomar uma decisão justa nessa matéria, assim assegurando a própria imparcialidade e independência do julgador, tendo presente todos os princípios em que assenta o processo penal português, bem como toda a filosofia subjacente às consequências jurídicas do facto, ou melhor, às finalidades das penas.
De resto, tem-se notado a evolução da jurisprudência portuguesa nesta matéria, no sentido de uma cada vez maior exigência quanto a uma acrescida e mais cuidada justificação (fundamentação de facto e de direito) das penas impostas, mormente quanto se trata de penas de prisão (como é o caso dos autos).
Perante a apontada insuficiência da matéria de facto referida, o tribunal da 1ª instância não dispunha dos necessários elementos que o habilitassem a determinar a espécie e medida da pena a aplicar ao arguido, carecendo, nessa parte, a decisão da respectiva fundamentação específica.
Portanto, não existem elementos bastantes que permitam fixar com um mínimo de rigor e objectividade (e, portanto, sem margem de arbitrariedade) a pena concreta a aplicar.
Assim, a decisão recorrida enferma do vício previsto no art. 410 nº 2-a) do CPP, por resultar do texto da decisão a apontada insuficiência de investigação de matéria de facto para a decisão de determinação da espécie e medida da pena a aplicar à arguida.
Por isso, apesar do âmbito dos poderes de cognição do Tribunal da Relação (art. 428 do CPP), a verdade é que, no presente caso, este Tribunal não dispõe de todos os elementos necessários para, de alguma forma, poder superar a lacuna de investigação da matéria de facto apontada (art. 431 do CPP).
Impõe-se, pois, ordenar o reenvio do processo (arts. 426 nº1 e 426-A do CPP), limitado às questões acima concretamente identificadas (relacionadas com a espécie e medida da pena a aplicar à arguida e com os seus antecedentes criminais, nomeadamente, quanto à decisão final proferida no processo nº …./99.5PBEVR).
Procede, assim, parcialmente, embora em parte por fundamento diverso, o recurso interposto pela arguida (ficando prejudicado o conhecimento da questão relativa à determinação da espécie e medida da pena).
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em:
a)- atento o disposto no art. 368 do CPP, quanto à declaração de culpabilidade da arguida B………, confirmar nos moldes acima indicados a decisão recorrida;
b)- no mais, conceder parcial provimento ao recurso em apreço, ordenando (face ao disposto nos arts. 410 nº 2-a), 426 nº 1 e 426-A do CPP), o reenvio do processo para novo julgamento relativamente às questões concretas acima indicadas (que se prendem com a escolha e medida da pena e com os antecedentes criminais da arguida), proferindo-se a final nova sentença.
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Pelo decaimento, vai a recorrente condenada nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária – art. 94 nº 2 do CPP)
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Porto, 11/03/2009
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
Jaime Paulo Tavares Valério

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[1] Por isso não vamos aqui discutir se, à data dos factos, estava ou não preenchida a circunstância qualificativa prevista no art. 204 nº 1-b) do CP na versão anterior à Lei nº 59/2007.
[2] José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, AAVV, dirigido por Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 1999, pp. 43 e 44.
[3] Neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 16/10/2008, proferido no processo nº 08P221 (relatado por Arménio Sottomayor), consultado em www.dgsi.pt.
[4] Faria Costa, ob. cit., pp. 49 e 50.
[5] Ver Ac. do STJ de 27/3/2003, proferido no processo nº 03P361 (relatado por Simas Santos), citando variada jurisprudência.
[6] Ibidem.
[7] E isto, não obstante, oportunamente, nunca poder ser aplicada à arguida pena superior à imposta na sentença sob recurso, em homenagem ao princípio da proibição da reformatio in pejus, desde logo por não haver recurso do Ministério Público (ver Ac. do TC nº 236/2007, DR II de 24/5/2007 e nº 502/2007, publicado no site do Tribunal Constitucional).
[8] Anabela Rodrigues, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), 155, refere que o art. 40 CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”.
[9] Neste sentido, v.g. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, p.198.
[10] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72.
[11] No Ac. do TC nº 258/01, DR II Série de 2/11/2001, após se dizer que a fundamentação «há-de permitir, no entanto (e sempre) avaliar cabalmente o porquê da decisão», conclui-se, citando Michelle Taruffo, que «a fundamentação da sentença há-de permitir a “transparência” do processo de decisão». No mesmo sentido, entre outros, Ac. do TC nº 59/2006, DR II Série de 13/4/2006.
[12] Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal (lições coligidas por Maria João Antunes), p. 51.
[13] Como se diz no Acórdão do TC nº 137/2002, DR II Série de 26/9/2002, o princípio da investigação ou da verdade material «significa, mesmo no quadro de um processo penal orientado pelo princípio acusatório (artigo 32º, nº 5 da Constituição), que o tribunal de julgamento tem o poder-dever de investigar por si o facto, isto é, de fazer a sua própria "instrução" sobre o facto, em audiência, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade, sem estar em absoluto vinculado pelos requerimentos e declarações das partes, com o fim de determinar a verdade material (cfr. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, 1955, p. 49; Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 1974, p.72; Roxin, Strafverfahrensrecht, 20ª edição, 1987, p. 76). É isto mesmo que diz, por outras palavras, o nº 1 do artigo 340» do CPP. Mais à frente, acrescenta-se que, «não há dúvida de que o princípio da investigação ou da verdade material, sem prejuízo da estrutura acusatória do processo penal português, tem valor constitucional. Quer os fins do direito penal, quer os do processo penal, que são instrumentais daqueles, implicam que as sanções penais, as penas e as medidas de segurança, apenas sejam aplicadas aos verdadeiros agentes de crimes, pelo que a prossecução desses fins, isto é, a realização do direito penal e a própria existência do processo penal só são constitucionalmente legítimas se aquele princípio for respeitado. Desde logo o princípio de culpa, que deriva da própria dignidade da pessoa humana (artigo 1º da Constituição) e é implicado ou pressuposto por outros princípios constitucionais (com o do Estado de direito democrático – artigo 2º -, o direito à integridade moral – artigo 25º, nº 1 ou o direito à liberdade – artigo 27º) tem uma base ontológica: só quem verdadeiramente é culpado pode ser punido e nunca para lá da medida da sua verdadeira culpa. Também o princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança (artigo 18º, nº 2) implica que só são necessárias tais sanções quando aplicadas aos verdadeiros agentes de crimes, sendo contraproducentes se aplicadas a outras pessoas, por poderem motivar então à revolta, ao desespero, à vingança ou ao desprezo do direito e não contribuírem para a interiorização dos valores jurídicos que é o principal esteio da prevenção geral positiva (e igualmente da prevenção especial). Por outro lado, o princípio da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal (artigos 27º, nº 2, 32º, nº 4) justifica-se certamente de um modo essencial pelo fim da descoberta da verdade material, sem prejuízo de visar igualmente o respeito das garantias de defesa (artigo 32º). Finalmente, quando o artigo 202º, nº 1 atribui aos tribunais competência para administrar a justiça, esta referência em matéria penal tem que entender-se como significando a justiça material baseada na verdade dos factos, que é indisponível, não se admitindo a condenação do arguido perante provas que possam conduzir à sua inocência».
[14] Constituem objecto específico da prova, em processo penal, “todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis; (…)” - cf. artigo 124 nº 1 do CPP.